Os Retalhadores de Áries II escrita por Haru


Capítulo 11
— Vinho e notícias




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— Vinho e notícias

Kin não contou a Naomi por comunicador que a reunião teve fim com a decisão de que o cargo de primeira ministra continuava sendo dela. Achava que ela merecia saber pessoalmente. Chamou-a em sua casa, envolveu a notícia em mistério e só abriu o bico depois que sua amiga apareceu em sua porta. A francesa chorou de emoção, de alívio.

As duas se abraçaram e saltitaram de felicidade. Kin sabia que parte dessa conquista era dela. Naomi foi seu apoio nas dificuldades, ficou do seu lado quando ninguém mais pôde estar, nem mesmo Arashi e seu irmão Haru, com quem dividia a casa desde criancinha. Quantia nenhuma em dinheiro podia pagar o bem que aquela garota lhe fez.

Naomi ganhou sua amizade, sua lealdade, isso, vindo de Kin, valia mais do que várias montanhas de ouro — os poucos que tinham o verdadeiro amor da loira podiam confirmar essa verdade. Não existia nada que a primeira ministra não fazia para proteger e ajudar aqueles que amava.

Os considerava sob sua eterna proteção, nem um insulto direto, uma punhalada ou um corte a machucavam mais do qualquer mal que alguém fizesse a eles. Nenhum mês acabava sem que os fizesse saber quanto os amava. Nos dezoito anos de vida de Kin, o medo de expressar esse sentimento nunca a inibiu.

Na sala de estar, abriram uma garrafa de vidro verde escura cheia de vinho tinto. A líder do Reino de Órion derramou um pouco nas duas taças que puseram sobre a mesinha de centro da sala e cruzou as pernas ao pegar a sua. Seu coração ardia com a sensação de que cumpriu com suas obrigações. Quando sua memória reproduzia as palavras do rei e da rainha. As maçãs de seu rosto esquentavam, um sorriso não saía dele. Ao relembrá-las, parecia que o casal real estava ali. E toda vez que olhava para ela, Naomi achava que estava mesmo. Colocava-se no lugar dela e também irradiava felicidade.

Se indagadas sobre sua relação, as duas admitiriam que se sentiam estranhas. Especialmente Naomi. Nunca foi tão próxima de alguém. Depois que seu pai morreu, o máximo que as pessoas conseguiam fazê-la sentir com tanta intensidade era medo. Ou raiva. A desconfiança, nos ambientes pelos quais circulou ao longo da vida, foi essencial para sua sobrevivência. E as únicas figuras femininas que Kin considerou tanto antes foram sua própria mãe, Mari e Mahina — entre as quais só Mahina estava viva. Previa o nascimento de uma grande amizade, talvez forte a ponto até de se igualar a que tinha com Arashi.

Risonhas, as duas tocaram de leve as bordas das taças. Kin, como quem se gabava, elevou altivamente as sobrancelhas e repetiu rapidamente as últimas linhas do discurso do rei. Uma exibição bem humorada do traço mais engraçado e famoso de sua personalidade: seu orgulho. Não brincava assim desde que Arashi se foi. Ao notar isso, Naomi também se portou como quem cumprira com as obrigações. Ela está de volta, comemorou mentalmente, fitando a ministra.

— Um brinde a... Pera um pouco, francesa, você não tem idade pra beber! — Implicou com a amiga, tirando a taça da mão dela.

Naomi fez o mesmo com a loira.

— E nem você! — Disse. — Você tem idade pra liderar um reino, mas não pra beber! Já pensou nisso?

A guerreira de Órion pegou o copo de volta e bebeu assim mesmo.

— Isso não é tão estranho se a gente pensar no histórico desse reino... — Apontou, ao fim do gole.

— Exatamente. — Naomi concordou, pegou seu vinho e bebeu. Extasiou-se com a doçura da bebida e, quando ela desceu completamente sua garganta, estacionou com delicadeza a taça fina na mesinha. Uma ideia correu sua cabeça. Para não estragar a comemoração, hesitou antes de dizê-la para Kin, mas foi em frente: — Já pensou que isso pode ter sido coisa da Lire, mademoiselle? Sabe, uma armação com esses ministros pra te tirar do cargo...

Os vivos olhos castanhos escuros da ministra deram uma ligeira volta pela sala, ela ponderava sobre aquilo. Não podia negar que cogitou. Antes de defender sua pior inimiga, precisava de mais uma dose de vinho, ficar mais próxima da embriaguez.

— No começo, sim, mas ela ficou do meu lado nas discussões e ajudou com a fundação. — Respondeu, devolvendo a taça vazia para o lugar. Seus lisos e longos dedos batiam agora na ponta de seu joelho. Detestava ter mãos tão grandes, cuidava das unhas e as pintava para disfarçar isso, mas depois de ter passado a noite roendo elas, sua manicure teria um trabalho e tanto. — Sei que ela tá tramando alguma coisa, mas não pareceu que queria que eu perdesse o cargo.

Ia perguntar para Naomi sobre Yue e Haru, mas, acompanhado da amiga, o garoto abriu a porta.

— Se tá tudo inteiro aqui é porque deu tudo certo! — Disse o jovenzinho, feliz. Seus olhos marrom claros brilhavam, ele pressentia as boas novidades da irmã.

Kin ia ralhar com os dois por não terem atendido suas ligações, porém, eles não vieram sós. Arashi estava junto. Ver aqueles olhos azuis claros novamente, aquele ameno rosto jovem de beleza apaziguante, ver depois de meses o sorriso que a acalmava como se ainda fosse uma menininha de dez anos, a fez perder todo o ar. Gaguejou, desaprendeu todas as palavras que conhecia.

Ali estava ele. Como se nada tivesse mudado. Em seu aspecto físico, pelo menos, absolutamente nada mudou. Os mesmos um metro e setenta e três, a idêntica pele castanha pouco mais clara que a de um índio, os rebeldes cabelos lisos escuros como o céu da madrugada numa noite sem estrelas, o semblante de quem caminhou pelo inferno com o mais admirável repouso de espírito.

O estilo de roupas que contradizia o jeito metódico e ordenado dele. Camisa de mangas curtas, jaqueta, calça jeans e botas. Sim, aquele era o Arashi de quem se despediu no último ano novo. Com quem falou por ligação fraca enquanto ele deixava o planeta Terra. O seu Arashi.

— Você não tem idade pra beber, primeira ministra... — Disse o amor de sua vida, também inebriado por revê-la. Muito mais no controle de si mesmo, no entanto. A voz que muito a aconselhou com sensatez, confortou e lhe falou as coisas mais lindas nos momentos mais inesperados. Como Kin sentiu saudade dessa voz. E agora se dirigiu à namorada com um riso que chegou perto de desmontá-la por completo. — Acho que o-

Ele não encerrou a frase, ela correu, pulou nele e o abraçou com toda a empolgação, gargalhando e chorando ao mesmo tempo. Os dois voaram contra a parede. Ela cobria o rosto inteiro dele de beijos, ele, retribuindo todos o mais rápido que podia, largou a mochila no tapete branco de barbante. Imaginou aquele momento tantas vezes.

Sabia de antemão que Kin reagiria exatamente assim, mas a esperança de reencontrá-la nunca depositou tanta felicidade em seu coração quanto agora, nem nas horas mais difíceis do trabalho que foi fazer. A realidade superou largamente a expectativa. Yue, Haru e Naomi olhavam a cena com satisfação.

Quando desceu dele, Kin o pegou pela mão. Lágrimas molhavam suas bochechas.

— Meu amor! Eu fiquei tão preocupada, tão preocupada! — Disse, e agora o tocava na face e apertava-lhe os ombros sob a camiseta verde escura como se duvidasse que ele era real. Perguntava-se se estava sonhando, ou alucinando, se na verdade não caiu no sono durante a reunião com os ministros e ainda estava para ser julgada. Convencida de que não, abraçou-o forte, cerrou os olhos com força fazendo correr mais lágrimas deles e aninhou seus rostos. — Ai, cara...!

Naomi sacou que precisavam deixá-los sozinhos, que nesse instante, para ambos, nada e ninguém mais existia.

— A gente tá sobrando! — Yue se antecipou. Continuou: — Que tal darmos uma volta?

— Boa ideia, temos que contar pra Naomi como fizemos pra salvar o Arashi. — Concordou Haru. — Ela pode pensar num jeito da gente explicar pra Kin sem levar bronca...

Kin pousou nos olhos neles ao ouvi-lo. Yue virou uma carranca para o ruivo, abriu a porta apressada e o empurrou para fora antes que ele desse com a língua nos dentes.

 Quando enfim ficou sozinha com ele, o levou para seu quarto e, pela primeira vez desde que começaram a namorar, pela primeira vez em suas vidas, se entregaram por completo a alguém. Um ao outro. Se amaram com tanta paixão que todo o mundo sumiu de suas memórias, que, no decorrer daquelas horas, até as preocupações, os traumas e os medos foram afugentados. Isso, se possível, fez aumentar o afeto mútuo que existia entre eles. Cada batida do vulnerável coração dele gritava o nome dela, o calor dentro do peito da garota em seus braços tinha a sua perfeita assinatura.

 Como se nada existisse depois da porta daquele quarto, os dois, agora, olhavam o teto a sorrir. Ficaram sem falar nada por vários minutos. Sentindo. Certa de que jamais confiou tanto em alguém na vida, Kin tirou a cabeça do travesseiro e, ainda sem vestes, deitou-se sobre Arashi e beijou-o nos lábios com ternura. Sorrindo igual à loira, o guerreiro glacial retribuía os beijos. Por fim, ela se afastou um pouco e deitou com a orelha em seu descoberto peitoral. Envolveu os ombros macios da namorada com o braço e lhe deu um selinho na testa.

Nenhum outro lugar no mundo tinha o poder de deixá-la tão a vontade, nem sua própria força algum dia foi capaz de lhe dar sensação de segurança tão intensa quanto a que teve ali, naquela noite, junto de seu amor. Kin fechou os olhos e sorriu como se fossem imortais, como se nada pudesse feri-los. Arashi a admirava como se estivesse na presença da mais sublime peça artística, como quem dividia teto com a maior obra prima da natureza. Transformou num par de câmeras os olhos azuis que tinha e os usou para registrar na mente cada gesto dela. 

Nunca a viu tão graciosa, tão indefesa. Nem se sentiu tão responsável por alguém. Nunca sofreu tanto por saber que um minuto iria embora, e olha que não fazia o tipo que sofria antecipadamente. Se algum dia de sua vida quis que algum instante durasse eternamente, indicaria instintivamente aquele ali. No mundo todo, só aquela garota tinha tanto poder sobre suas emoções — ele, famoso no reino pela frieza em trabalho e pelo minucioso controle que exercia sobre cada ação ou pensamento próprios em situações de vida ou morte. Se seus inimigos quisessem conhecer seu ponto fraco, bastava olhá-la.

Divertiu-se com essa percepção e uma risada escapou de sua boca entreaberta. A acordou. A viu deitar as mãos em seu peitoral, apoiar o queixo nelas e olhá-lo nos olhos, balançando a perna esquerda nua por ansiedade. 

— Que história foi essa de que a Yue e o Haru salvaram sua vida, guerreiro glacial? — Foi direto ao ponto. 

Arashi esperava poder adiar a resposta dessa pergunta até o dia seguinte, mas era hora de abrir o jogo. Inclinou o rosto para o lado, pensando no melhor jeito de entrar no assunto. Ela o imitou. Quando viu que ela estava fazendo isso, empurrou a cara dela de leve com a mão, a fez rir e cair de volta pro lado oposto. 

— Responde logo, garoto! — Insistiu, ajeitando os cabelos que caíram em sua testa e fingindo raiva. 

De humor alterado, já visivelmente melancólico, ele relatou:

— Como você já sabe, a nave foi danificada na hora da volta. Noriko, Toyotomi, Naruhito e eu ficamos sem direção por alguns dias, ninguém daqui conseguia achar a gente... foi um verdadeiro pesadelo. Achamos que íamos morrer no espaço. E na noite que perdemos contato com a Terra de Áries, entramos em pânico. Ontem o Naruhito conseguiu recuperar a linha com o nosso planeta, e daí falamos com os dois invasores mirins. Haru usou o poder dele pra nos ver, Yue nos rastreou e o resto é história. Promete não brigar com ela?

Kin franziu as sobrancelhas. 

— Então com meu irmão tá tudo bem eu brigar, é? — Esbravejou.

— Você pega leve com seu irmãozinho e com a minha irmãzinha. — Replicou. Olhou para o nada pensativo, então se explicou: — Ela me lembra muito a Shiori. 

Pôde sentir a tristeza dele. 

— Tá, vou deixar essa passar. — Permitiu. Algo a deixou curiosa: — Mas rebobina essa fita aí... Você disse "entramos em pânico", na primeira pessoa do plural. Desde quando você "entra em pânico", guerreiro glacial? — Enquanto perguntava, fazia aspas com os dedos e imitava a voz e o jeito dele sempre que o parafraseava.

O primeiro ministro fez carinho no rosto da namorada, pôs os cabelos dela atrás dos ombros. Sem desviar os olhos dos dela por um segundo sequer, se abriu:

— Desde você, retalhadora de elite. Tive medo de não te rever. Quando fui na psiquiatra, ela me disse que eu sofro de uma depressão tão severa que me faz escolher a morte por reflexo quando estou em perigo, que eu tendo a tomar as piores decisões pra mim mesmo, mas você me curou. Você me salvou, Kin Iminari. Eu queria contornar esses cachos dourados com os dedos de novo, te ouvir imitando minha voz e meu jeito turrão pra me deixar sem fala... Eu queria você. 

A retalhadora ficou vermelha e chorou, como sempre acontecia quando ele era romântico. Enxugou os olhos como uma gatinha esfregando o nariz, cena tão adorável que o encantou. Arashi tomou a mão direita dela e deu um demorado selinho. Kin deixou essa mesma mão na bochecha dele, apoiou o queixo na outra, fitou-o fixamente e pediu:

— Me conta tudo o que aconteceu na Terra de Taurus, vai. 

— Só depois de você me contar "que história foi essa" de que você quase perdeu o cargo de primeira ministra. — Impôs a condição, fez aspas com os dedos e afinou a voz quando a parafraseou. 

Por causa disso, diferente do que esperava que ocorreria quando abordasse esse assunto com ele, Kin caiu na gargalhada. 

— Essa fala é minha, tá? E a imitação é o meu negócio nesse relacionamento, inventa um pra você! — O repreendeu e deu uma travesseirada na cara dele, depois ficou de pé, de costas para a cama. Deu a ele a visão completa de seu magro, sarado e curvilíneo corpo, todo moldado pelos exercícios físicos e as batalhas. — Vou pegar alguma coisa pra gente beber, depois a gente decide quem vai falar primeiro... 

— Particularmente eu adorei da vista. — Comentou, deixando-a rubra da cabeça aos pés. Cheirou o sutiã rosa claro dela e riu quando ela o tomou apressada de sua mão. Estava tão à vontade que esqueceu que ficou totalmente nua. — Mas acho melhor não descer assim, não, viu. Só eu posso adorar essa vista. 

Kin não escondeu que as falas dele a lisonjearam. Não vendo mais porquê ficar tímida, desfilou sensualmente até as roupas que largou no piso do quarto, inclinou-se completamente quando se abaixou para catá-las e jogou a camisa por cima do ombro quando voltou a ficar ereta. Voltou o rosto para a cama e o olhou da forma mais sexy e cômica que foi capaz. Arashi não tirava os olhos dela, enfeitiçado. No meio do caminho até a porta, ela tropeçou no sapato e teria ido de cara na parede se não tivesse posto a mão na frente, os dois perderam a pose, caíram na gargalhada. 


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