Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 18
Céu Silencioso




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/805763/chapter/18

Elaine escutou batidas na porta e se levantou para abrir embora Maria parecesse assustada desde o momento em que o som das batidas ecoou pelo quarto.
A mulher fez um sinal com a mão para Maria esperar e se acalmar, só então olhou pelo olho mágico da porta. Era Agatha quem estava ali.
— Elaine...? Você está aí?
Elaine estava surpresa. Ela se lembrou da última vez em que escutou a voz de Agatha. Foi do outro lado, junto de um homem, e ela falava sobre... A morte do tio de Marco. Sim, sobre Marco. Elaine se perguntou o quão Agatha está envolvida com a religião, mas sabia que não podia perguntar nada, pelo menos não agora.
Quando Elaine esticou o braço para abrir a porta, Maria correu para o banheiro.
— Elaine. – Agatha estava mais pálida do que o costume. – Como você está?
Ela entrou no quarto.
— Estou bem Agatha. Um pouco cansada, mas bem... E você?
— Oh, fabuloso. Estou como sempre, isso é, bem. Sabe? A alguns dias não te vejo, você sumiu... As pessoas aqui somem, mas você não é daqui, então me preocupei.
— Não se preocupe, estou bem.
— Me pergunto o que tem feito, mas acredito que já está se acostumando a esse lugar. Imagino que você tenha passado muito tempo com Marco e aquela garota. Eles estão bem? Marco está bem?
— Marco? Oh, sim. Da última vez que falei com ele, ele estava bem.
— Isso é um alívio...
Elaine manteve o silêncio. Ela não conseguia ignorar a pergunta sínica de Agatha, mas não podia incriminar e nem perguntar nada suspeito. Quanto menos ela aparecesse, melhor. Ainda mais agora que havia, de certa forma, invadido a igreja.
— Bom, você está cansada. Vejo em seus olhos. Acho que já vou indo.
Agatha se virou para dar uma última olhada no quarto de Elaine e algo chamou sua atenção, fazendo ela caminhar até aquela folha de papel no meio da sala e a pegar do chão. Quando Maria correu para o banheiro, levou consigo os desenhos, mas descuidada, acabou deixando um cair.
— O que é isso...?
Agatha mostrou o desenho para Elaine. Era o desenho da mulher enfaixada.
— Hm... Eu sonhei com essa imagem, ou algo assim. Estava tentando escrever hoje mas quando vi, já tinha feito o desenho.
Agatha virou o desenho para si e o observou bem sem dizer uma palavra, em seguida olhou para Elaine e foi embora, deixando o desenho em cima da mesa de centro.
— Você desenha muito bem. Eu gosto de desenhos. Sabe como é, sou uma artista. Tudo que é arte me instiga. Aliás, passe em meu quarto depois para escutar uma composição em que estou trabalhando. Gostaria que você escutasse. Até mais, Campbell.
Agatha saiu e fechou a porta.
Elaine respirou fundo e se sentiu aliviada. Ela estava tensa desde o momento em que viu Agatha no olho mágico. Na realidade fazia um tempo desde a última vez em que a viu cara a cara. Depois do espetáculo de Nostalgia Fúnebre, ela apenas escutou a voz da mulher na outro dimensão, mas não chegou a vê-la. Agora, para Elaine, a mulher era diferente do que ela costumava lembrar. Talvez pelo fato de saber que ela estava envolvida com a religião, Elaine deixou de olhar-la da mesma forma que antes. Mas de toda forma, ela estava aliviada por aquela mulher ter ido embora. Elaine se sentiu amedrontada só de saber um pouco mais sobre ela e além disso, Maria ter se escondido poderia não ser um bom sinal.
— Ela já foi...? – Maria cochichou do banheiro, olhando, ainda escondida, pela fechadura da porta.
— Já sim, pode voltar. Por quê se escondeu?
— Não gosto de pessoas. Já te disse.
— Disse?
— Sim. Bom, acho que já vou indo.
— Espere!
— Não. Você pode achar o significado de tudo isso por si mesma. Eu não quero olhar para esses desenhos, não mais.
— Maria...
Maria saiu do quarto sem dizer mais nada, batendo a porta com força. Elaine se levantou e foi até a porta para chamar pela garota e pedir novamente para ela esperar.
Ela ainda não havia contado sobre a polícia perto do parque e o corpo sem vida encontrado ali, mas não havia ninguém no corredor e nem no elevador. Maria havia sumido.
Elaine voltou para dentro e sentou no sofá, determinada a encontrar o significado e uma ligação entre os quadros.
Ela anotou no seu diário o significado que, junto de Maria, deu para o primeiro.
Um coração perfurado por alguém que não se espera, uma perfuração "normal" e uma do Ceifador.
Traição. Dor. Pecado.
O segundo quadro era a rainha perfurada pelas costas. Elaine chegou a conclusão de que ou sua raiva se dava pelo ataque nas costas ou ela estava com tanta raiva que não se importou com o ataque nas costas. A coroa seria para mostrar ser alguém importante.
Raiva. Vingança. Dor. Status.
O terceiro quadro era a correnteza e a pessoa presa naquele lugar. Além disso, seu rosto embaçado e a única estrela brilhando no céu. Elaine já havia visto em algum lugar que uma estrela poderia significar esperança enquanto a correnteza pode significar outra coisa.
Elaine pensou muito sobre e, para ela, a correnteza poderia ser o fluxo de uma vida, assim como a vida em si. O fluxo que não podemos conter, por mais que possamos tentar lutar contra; andar contra a correnteza não adianta nada.
O homem está parado em vez de seguir esse fluxo de transformação. Ele está com a camisa de força mas talvez não por estar louco, e sim por estar reprimido, como se estivesse reprimindo os seus desejos ou a sua vida. Seu rosto borrado com mais de uma feição com emoções diferentes poderia ser uma forma de mostrar as emoções que ele sente ao mesmo tempo, como se realmente tivesse dois rostos, mas talvez poderia ser a loucura, ou bipolaridade. A estrela única no céu representaria um último pedaço de esperança...?
Vida. Loucura. Sentimento. (Única) Esperança.
Elaine parou e releu mais de uma vez as anotações que fez, ela estava satisfeita por dar um significado para os quadros, só não estava confiante de que realmente estes eram os verdadeiros significados. Mas se afinal, cada um vê o que precisa ver, então para Elaine esse definitivamente era o significado destes.
Mas além desses, tinha mais um.
O último quadro. A mulher enfaixada com uma mão em sua boca. Talvez o cansaço tenha apossuído a mulher ou ela não viu mais nada no quadro, mas sua interpretação deste fora rápida.
Segredo. Pânico.
Ela só não conseguiu dar um significado para as faixas que cobriam o rosto da mulher.
Elaine olhou por mais algum tempo para os quadros e se lembrou do que Maria lhe disse: No fim, eram apenas quadros. Quadros únicos para cada pessoa, mas apenas quadros. Talvez sem significado.
Elaine tinha mais um todo para ver. Ela precisava investigar.
Ela se levantou e foi até a porta, já sabendo para onde iria a seguir.
Quando saiu no corredor, foi como se sua pressão tivesse caído e a realidade fosse destorcida; ela quase perdeu o equilíbrio. O ambiente estava escuro. O chão estava sujo e as paredes mofadas, começando perto do elevador. Esse mofo presente nas paredes as deixava em um tom um pouco mais escuro do que o normal e isso estava se movendo em sua direção, corroendo a parede e o chão até chegar mais próximo de Elaine. Além disso, havia a sensação de que alguém estava caminhando por ali, se aproximando na mesma medida em que a parede e o chão, pelo mofo, iam ficando mais escuros. Ela não conseguia se mover.
No instante em que aquilo passaria por ela, tudo voltou ao normal.
Ela levou as mãos a cabeça.
— Minha nossa... O que foi isso?
Elaine olhou em volta e não viu ninguém no corredor, então pegou o elevador e logo saiu do hotel.
Ela caminhou pelas ruas de Blindwood indo direto para o lugar onde Sarah Bove trabalhava.
Parecia que a porta do lugar estava trancada, mas após o terceiro empurrão, a mesma se abriu.
O lugar estava completamente escuro. Não havia uma única luz acessa e nenhum cliente.
O lugar estava completamente vazio. Elaine caminhou até o pé da escada e voltou para a porta: realmente não havia ninguém.
Ela saiu dali e entrou no beco à esquina, onde seu carro estava. O mesmo beco que dava na casa de Sarah Bove.
Elaine olhou para o carro e por um instante sentiu uma vontade de dirigir até sair daquele local, o mais longe que pudesse. Mas logo repreendeu a si mesma. Por alguma razão, ela precisava continuar ali.
Elaine subiu as escadas e bateu na porta de Sarah Bove, mas ninguém a respondeu. Também não havia ninguém ali.
A cada passo que dava, Elaine tinha a sensação de que estava sendo observada. Seguida não tinha certeza, mas observada, sim. Ela decidiu caminhar mais um pouco e não voltou para o Chariotte, indo por ruas sem ver seu mapa, já que o deixou em seu quarto. Ela apenas caminhava na esperança de chegar em algum lugar, mesmo sem saber onde.
Quando se deu conta, ela estava em uma rua sem saída.
Havia uma pequena garagem fechada a sua frente e um pequeno beco tanto a sua direita quando a esquerda. No da direita era possível ver a rua de trás, mas o da esquerda estava bloqueado por um muro no meio do mesmo.
Elaine se virou para sair dali, mas viu uma silhueta entre a névoa vindo em sua direção com passos lentos e incertos. Como se a pessoa estivesse tremendo. Ela caminhava a passos tortos com pés descalços.
A cada passo que a pessoa dava, seu corpo se inclinava para o mesmo lado. Direito, esquerda, direita novamente. Seus braços não estavam visíveis, talvez a pessoa esteja se abraçando assim como Elaine, para tentar afugentar o frio que fazia em Blindwood.
— Ei, você está bem? Precisa de ajuda?
Elaine caminhou na direção da pessoa, tentando vê-la mais de perto. Esse foi um erro terrível.
Começando por seus pés, que eram de um tom estranho, como se tivessem sido queimados, e além de descalços, estavam enfaixados em partes. Algumas partes ficavam a mostra, deixando escapar uma visão de uma pele enrugada e feia.
Suas pernas estavam completamente enfaixadas e seu torso também, com os braços dentro das faixas como se fosse uma camisa de força. O pescoço e o redor de sua cabeça também estavam enfaixados, mas sua face deformada estava a mostra.
No lugar dos olhos havia uma sutura de costura e não havia um nariz em seu rosto. Seus lábios eram pequenos e sua boca era completamente torta, como se fosse feita de cera que havia derretido.
A pele de seu rosto também era enrugada e possuía algumas cicatrizes. Havia uma pequena marca em seu peito esquerdo, mas Elaine não conseguiu reconhecer aquilo.
Assim que se aproximou o bastante para ver aquele ser de perto, Elaine deu passos para trás, agora querendo se afastar daquilo, que continuava vindo em sua direção e agora seus passos tortos estavam um pouco mais rápidos, mas ainda eram de certa forma lentos.
Ele deu dois passos rápidos para frente, mas voltou a caminhar com passos lentos na direção de Elaine, como se desse pequenos impulsos e fazendo um barulho que a deixava ainda mais aterrorizada. Como se fosse um gemido rouco.
O ser parou de caminhar e virou sua cabeça verticalmente, como se olhasse para Elaine. Ele começou a tremer um pouco e se preparou para vomitar algo na direção de Elaine, que se esquivou para a direita.
Aquilo que o ser vomitou era escuro e fedia da mesma forma que aquilo que Elaine viu nas paredes no porão da igreja. Era um odor muito ruim.
O ser levantou sua cabeça após vomitar e como se tivesse notado, pareceu se lamentar por não atingir Elaine. Logo se virou para ela e novamente tremeu, parecendo raivoso.
O ser abaixou sua cabeça e correu na direção dela, pronto para dar uma cabeçada na mulher.
Ela deu um grito. Não esperava por aquilo. Mas conseguiu se esquivar novamente.
O ser atingiu o portão da garagem e amassou-o um pouco, então caiu no chão. Elaine aproveitou a chance para fugir, correndo pelo beco a sua direita.
No meio do caminho ela olhou para trás a tempo de ver aquilo se levantar e olhar para os lados, procurando por ela.
Louca. Ela só podia estar louca. O que poderia ser aquilo? Talvez um ser de Blindwood, assim como o homem do porão, mas esse estava deste lado. Estava no mundo normal. Elaine só podia estar ficando louca, foi o que pensou.
Seria ele um humano normal? Mas por quê estava nesse estado? Preso, amarrado, queimado. O que era isso?
Em meio a uma respiração ofegante e sensações de adrenalina, Elaine correu para o mais longe que pôde, sempre olhando para trás, temendo que aquilo estivesse perseguindo-a.
Embora perigoso, ele era lento. Muito lento.
Quando Elaine deixou de correr, não sabia onde estava com precisão. Para ela, todas as ruas e imóveis de Blindwood eram iguais. A neblina ajudava nessa confusão.
Ruas de asfalto sujas, imóveis que pareciam abandonados a anos. Alguns dos letreiros dos estabelecimentos estavam tão sujos que não era possível reconhecer o que estava escrito ali. Apenas poucas letras aleatórias no todo, que não ajudavam muito em saber o que era aquilo. De toda forma, isso não importava. Ela tinha a impressão de que todos estavam fechados. Alguns possuíam tábuas na janela e outros tinham os vidros das janelas quebrados. Alguns pareciam estar abandonado a tanto tempo que o vidro estava ali, intacto, mas sujo em um nível onde não era possível ver com precisão o que havia lá dentro. Prateleiras, mesas, apenas isso. Assim como os seres que às vezes vinham em sua direção nas ruas, através das janelas ela só enxergava silhuetas; sombras que faziam com que ela tivesse que imaginar ou supor o que havia lá dentro. Nesse vale ela não conseguia ver nada com clareza, a menos que esteja bem diante seus olhos.
Pessoas, pessoas vivas, isso ela não conseguia ver em nenhuma dessas janelas.
O tempo que caminhou foi o bastante para notar – Agora que havia tempo para isso –, como Blindwood realmente era um lugar inóspito. Um lugar vazio.
Ela já havia notado em partes que as pessoas que haviam ali eram estranhas e pareciam querer vê-la longe, como se a evitassem. Mas da mesma em que havia pessoas ali, também parecia não haver ninguém. Elaine sentia como se fosse a única pessoa nesse vale. Como se fosse o que sobrou. Ela sentia como se o mundo todo estivesse assim, da mesma forma que o vale. Vazio. Silencioso.
Ela se sentia em um sonho, embora se sentisse viva.
Ela havia acostumado com a neblina incessante. Parecia estar no céu. Em um céu silencioso.
Elaine escutou um barulho de chiado novamente, como se aquilo estivesse a perseguindo e logo repreendeu a si mesma em seus pensamentos. Impossível estar sozinha em um lugar como esse. Sempre terá alguém a observando; algo sempre poderia sair na neblina. Ela podia sentir.
A mulher andou mais um pouco até conseguir enxergar uma das torres da igreja. Indo na direção da mesma ela já conseguia se localizar.
O quarto que a levou até o escrivão existia nesse mundo, mas parecia abandonado. Ele estava com as paredes sujas, vidros embaçados e a porta era velha. Elaine conseguiu ver isso de longe.
Com medo de tentar entrar ali e ser pega por alguém, Elaine deu passos para trás até se afastar, mas conseguiu ver duas mulheres mais velhas saindo de dentro da igreja. As mulheres, com vestes simples, caminhavam apressadamente e foram na direção contrária de Elaine, sem se importar com a mulher que estava ali, agindo de modo furtivo.
Elaine sentiu uma espécie de medo ao ver as mulheres, como se estivesse fazendo algo errado. Mas não sabia se todas as pessoas da religião eram da mesma forma que as que ela havia encontrado na outra dimensão. Talvez fossem, ou fossem pessoas inocentes adorando esse deus macabro. Saliã.
Ela disse para si mesma que ainda voltaria para dentro da igreja, para vê-la nesse mundo; se havia algo diferente ali. Ela também queria conhecer mais sobre; ela precisava conhecer mais sobre a religião. Mas isso ficaria para depois, agora ela sentia um grande cansaço e estava febril. Ela queria voltar para casa.
Caminhando de volta para o Chariotte, assim que cruzou a esquina, Elaine levou um grande susto.
Vidros se partiram de repente. Havia fumaça saindo das janelas do terceiro andar e alguns gritos altos foram escutados. O chiado de antes agora estava mais alto nos ouvidos de Elaine, a incomodando muito e a fazendo levar as mãos as orelhas. Logo ela também escutou uma espécie de sirene. Era um grande terror.
Ela não estava acreditando. O hotel estava pegando fogo.
Novamente ele estava pegando fogo. Elaine sentiu uma espécie de déjà vu e nostalgia, mas não compreendia com precisão essas sensações. Sua mente estava uma loucura.
Em meio a esses sentimentos de medo e terror, ela se preocupou com Maria. A pequena possivelmente poderia estar ali dentro, se não desse a sorte de estar do outro lado agora. Também tinha todos os outros que estavam ali agora e ninguém estava saindo daquele lugar. Também não havia ninguém nas ruas. Se havia alguém ali, estava lá dentro.
Elaine se lembrou de seus sonhos antes de vir a Blindwood, com um lugar pegando fogo, e começou a ficar tonta; a febre estava mais forte agora.
Eram muitas sensações, além da grande impotência de não conseguir fazer nada que realmente ajudasse nesse momento.
Ela estava tonta e doente.
Sem saber o que fazer, Elaine tentou dar passos para trás para sair dali, na esperança de chamar por ajuda, mas cada passo era mais pesado e difícil de ser dado do que o último.
Elaine desmaiou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse NÃO é o último capítulo!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Blindwood" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.