Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 17
O Arquivo do Porão


Notas iniciais do capítulo

Me perdoem pela demora! Blindwood está em sua reta final, então espero que vocês apreciem o que vem por aí...



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Elaine pensou que finalmente poderia ter ajuda de verdade nesse vale. Não eram moradores locais ou a religião, era a polícia, ela viu com seus próprios olhos.
Ignorando seus dedos que sangravam pelo corte do espelho de bolso, Elaine o jogou dentro de um bolso e escondeu suas mãos no casaco, caminhando seguindo o barulho da sirene para se encontrar, até chegar próxima o bastante do lugar onde o carro estava parado.
Além do carro da polícia, também havia uma ambulância.
A mulher viu um guarda e se aproximou, tentando chamar a atenção do mesmo, mas quando teve a visão completa, arregalou os olhos de espanto e deu um passo para trás e para o lado, saindo do que poderia ser o campo de visão daquelas pessoas.
Pela primeira vez ela agradeceu pela existência da neblina, que ajudou em sua camuflagem.
Elaine se afastou um pouco e foi para a frente da ambulância para tentar se esconder.
Do outro lado, entre a ambulância e o carro da polícia, estavam dois policiais e dois homem que deveriam ser os paramédicos.
Além destes quatro, também estava ali uma mulher com uma feição séria que conversava com os policiais. Ela foi o motivo de Elaine se esconder. Era uma mulher com marcas da idade por seu rosto, que tinha uma feição séria e severa. Ela estava com uma túnica cinza assim como as pessoas da igreja.
— ...foi isso que aconteceu.– Elaine conseguiu escutar parte da conversa entre os policiais e a mulher.
— Obrigada por me informar, policiais...
— Com esse, quantos já se foram nesses últimos dias? São tempos difíceis.
— Sim, difíceis... Mas temos fé que logo tudo mudará. Tudo vai mudar...
— Sim, dias melhores virão.– Disse um dos policiais, concordando com a mulher.
A mulher deu um sorriso forçado e deu as costas para os homens, saindo daquele lugar com passos silenciosos. Os policiais deram de ombro e continuaram seu serviço, checando se já haviam feito tudo que deveriam para poderem voltar para o carro e ir embora dali. Elaine escutou a porta de trás da ambulância se fechar e se afastou um pouco da mesma, vendo que o motorista já estava vindo entrar na mesma. Ela deu a volta na ambulância e assim que a mesma partiu, ela chegou por trás do policial maior, chamando por ele.
— Me desculpe chegar dessa forma. Você pode me informar o que aconteceu aqui?
— Não. Isso é assunto particular.
— Escute, eu sou uma jornalista e gostaria de saber.
— Jornalista? Ora, você então veio de fora. Essa profissão está extinta nesse lugar, mulher, então saia daqui, por favor. Estamos partindo.
O policial entrou no carro. O outro já estava no banco do motorista, aguardando o parceiro.
— Quem sabe eu possa perguntar pra mulher que acabou de sair daqui.
— Hahaha, vá. Com ela você conseguirá muito menos.
O homem estava fechando o vidro da porta quando Elaine colocou a mão no mesmo e o homem parou o fechamento, levantando apenas os olhos para olhar para ela enquanto a jornalista pedia mais uma vez para saber o que havia acontecido. Ele olhou para a mão de Elaine que estava machucada e com cascas de sangue seco e revirou os olhos, pedindo para seu parceiro esperar. Ele então abaixou o vidro e fez um curativo na mão da mulher com bandagens que pegou no porta luvas do carro.
— Olha. Alguém morreu, okay? Mais um corpo, então tome cuidado. Você acabou de chegar aqui e essas terras são perigosas às vezes. Esse tipo de coisa acontece por aqui. Estamos investigando. De toda forma, tome cuidado e cuide dessa maldita mão. Onde já se viu uma jornalista que não pode segurar uma caneta?
Elaine puxou sua mão e balançou a cabeça positivamente, como um agradecimento pela sinceridade e ajuda do policial, que balançou da mesma forma, com uma feição de reprovação pelo que Elaine havia acabado de fazer.
Após fechar o porta luvas e levantar o vidro, o carro foi embora e se perdeu meio a neblina. Ele estava lento de uma forma que Elaine poderia acompanhar caminhando sem muito esforço. Ela se lembrou de que Marco havia lhe avisado sobre isso e pensou que ele tinha razão. Oh, Marco! A quanto tempo Elaine não o via. Nem ele e nem Sarah Bove. Ela se perguntou como eles estão.
Elaine não sabia com certeza quanto tempo havia ficado do outro lado, a única coisa que ela sabia é que estava terrivelmente cansada.
O celular de Elaine então começou a vibrar; ela estava recebendo uma ligação. Finalmente havia sinal naquele maldito lugar! Ela pegou o celular e a ligação era de Johny, mas ao apertar a tecla para atender, a ligação não era atendida e o celular continuava vibrando. Na segunda tentativa a vibração parou.
Uma chamada perdida.
Sem entender, Elaine voltou para o Chariotte e foi direto para o seu quarto.
Ela sentou no sofá e puxou a mesa de centro para perto de si, em seguida pegou tudo que havia em seus bolsos e jogou ali em cima. Seu diário, o arquivo e o espelho de Maria.
Maria, Oh, Maria. Elaine queria devolver o espelho, mas como faria isso, se agora ele estava quebrado? Ela olharia mais tarde se em sua mala havia um parecido e entregaria esse para a garota, pedindo desculpas por ter quebrado o que lhe foi cedido.
Elaine pegou o espelho de Maria e viu que ele estava em pedaços; ela não entendia como com sua própria força havia feito aquele estrago. O espelho estava em cacos, com partes faltando – haviam caído no chão da rua –, e o reflexo de Elaine estava estranho; com perspectivas e formas diferentes graças ao estilhaço do mesmo.
— Droga, posso chegar a ter azar...– foi o que Elaine pensou.– ...Mais essa agora.
Elaine colocou o espelho delicadamente na mesa e pegou o arquivo. Ela o apertou com as duas mãos e fechou os olhos, respirando profundamente.
Ceifador. Ela esteve em sua presença. Quão longe ela poderia ir para alcançar a verdade? E em que ponto a verdade se tornou algo tão crítico para valer um risco de vida? Por quê as pessoas ali escondem isso? Elaine não conseguia entender.
Ela não conseguia entender nem porque continuava ali, tentando se envolver em tudo isso. Ela queria ajudar Sarah Bove, Marco, Maria e aqueles que ela conheceu nesse vale. Mas além disso, ela se sentia mais e mais atraída para tudo isso; sendo induzida a se afogar cada vez mais. Era como se algo, lá no fundo, implorasse para que ela continuasse no meio disso tudo. Era como se, caso ela saísse do vale, uma parte sua permanecesse ali para sempre e no mundo externo, ela não pudesse viver sua vida como antes e viveria anseando pelas respostas que deixou para trás, assim como sua parte que ficou nesse passado também. Além dos sonhos, que decerto iriam persegui-la eternamente. Não, ela tinha o dever de continuar.
Elaine abriu o arquivo.
O arquivo continha informações muito valiosas para Elaine. Ele falava sobre o lugar onde Elaine o encontrou, que era denominado como "O Porão", e o motivo pelo qual as pessoas eram levadas para lá.
O Porão era a última estância para aqueles que eram denominados como cegos. Os cegos eram pessoas que iam contra a ordem natural das coisas – Possivelmente as regras da religião –, de alguma forma, ou aqueles que abandonavam aquilo.
A religião levava os cegos para a sala ao lado do altar, onde ela se sentava na cadeira e olhava para os três quadros e acima dos mesmos, via o Ceifador.
Eles precisavam entender o significado dos quadros para eles e sobre o símbolo sagrado, então eram levados até o porão.
Pelo texto, os quadros eram de extrema importância e o Ceifador seria uma imagem para lembrar as pessoas do terror e da autoridade do qual elas estão indo contra.
Elas então ficavam no Porão até o fim de suas vidas. Ou então eram escolhidas para serem luz. Elaine não entendeu o que isso significava.
Os cegos eram pessoas que não seguiam a religião ou seus propósitos, então para essas pessoas não havia solução.
Os cegos eram sacrificados no próprio Porão, na decadência de suas celas, e perante os outros que estavam ali.
Uma pessoa estava ali por não querer virar luz; outras estavam por tentar fugir do vale; outras tentaram abandonar o culto e revelaram seus segredos e outros não usaram seus dons a favor da religião.
Elaine descobriu que luz eram as pessoas que foram sacrificadas para Saliã por alguma razão.
O celular de Elaine novamente começou a vibrar. Era outra ligação de Johny, mas novamente ela não conseguia atender. A vibração parou e ela colocou o celular para carregar. Novamente as ligações começaram. Elaine desistiu de tentar atender.
Ela se sentou novamente e pegou seu diário para ver o desenho dos quadros e tentar entender o significado dos mesmos; ver se havia algo escondido ou qualquer coisa que pudesse lhe ajudar.
Seus desenhos não eram impecáveis, mas ela conseguia ver claramente. A lembrança em sua memória também lhe ajudava nessa tarefa.

O primeiro quadro era uma mão segurando o coração, Elaine se lembrava bem. Três perfurações no coração. Uma adaga pequena, uma grande e uma foice. A chance da foice vir do Ceifador era grande, mas e quanto ao resto?
O segundo era a mulher com raiva tampando seu rosto com uma mão e sendo perfurada pelas costas. Além disso havia a coroa no chão. Aquela mulher poderia ser alguém importante, como uma rainha?
Já o último era um rio, uma correnteza... Uma pessoa com camisa de força e seu rosto borrado. Seria uma pessoa louca?
Além disso havia o desenho do Ceifador atrás dos quadros, e ainda existia o possível símbolo da religião. Elaine o fez em seu caderno.
Um círculo com um triângulo cortado na ponta, e dentro deste, três círculos menores.
Qual era a ligação entre eles, se é que havia alguma? O arquivo não falava nada sobre isso, apenas que os cegos precisavam entender o significado.
Elaine observou bem os quadros e tentou ver uma semelhança entre eles, mas não via nada.
Ela não conseguia seguir uma única linha de raciocínio e a seguinte sempre quebrava a antiga, essa nova por sua vez se assemelhava a mais antiga. Ela estava cansada e os pensamentos estavam mostrando isso, então ela resolveu dormir. Mais tarde, descansada, ela poderia pensar sobre o assunto. Ela ainda tinha tempo.
Elaine se deitou na cama e adormeceu quase que instantaneamente, a viagem para o outro lado havia mexido muito com ela e lhe custara muito fisicamente.
Quando acordou, Elaine estava meia grogue e lenta. Ela se sentou na cama e tentava abrir os olhos um pouco, piscando os mesmos pois sua visão ainda estava embaçada. Ela não acreditava no que estava vendo; pensava que estava sonhando.
Maria estava sentada no lugar onde Elaine estava antes. Ela estava com um caderno em mãos e desenhava no mesmo, vez ou outra olhando para a mesa.
Agora haviam três folhas ali, além do diário e do arquivo, que haviam sido afastados um pouco.
Quando terminou o desenho que estava fazendo, Maria arrancou a folha do caderno e colocou em cima do desenho que estava no meio.
— Maria? O que está fazendo?
Elaine se levantou.
— Shhh, venha cá. A ordem não é importante, por isso coloquei um do lado do outro. Vê os desenhos? Esses são os quadros que você viu, certo? .– Elaine concordou com a cabeça.– Pois então, isso é curioso. Olhe esse desenho que fiz agora.
O desenho de Maria causou curiosidade em Elaine e ela se sentou no sofá enquanto olhava para ele com uma feição de surpresa e alívio por ser lembrada.
— Maria...
O desenho de Maria era igual o último quadro que Elaine viu: A mulher enfaixada com a mão tampando sua boca.
Como Elaine pôde esquecer disso, mas além disso, como poderia Maria saber disso?
— Maria... Você me seguiu?
— Não seja idiota. Esses quadros são especiais, são únicos. Você vê o que precisa ver; o que faz mais parte de você e sua história. Mas é curioso, sabe? Eu vi os outros dois da mesma forma que você, o único diferente foi este. Você viu a mulher com a coroa, eu vi essa mulher enfaixada.
— Maria, eu vi os dois... Apenas não desenhei, mas vi os dois.
— Os dois? Ora... Como isso é possível?
— Eu não sei.
— Sua idiota. O que mais você viu lá?
— Eu vi o Ceifador.
— O quê?! Você o viu?
— Sim. Também vi pessoas da religião que me expulsaram da igreja. Maria, me ajude por favor.
— Eu não... – Maria se levantou e caminhou pela sala.– não quero lhe contar isso. Ainda não.
— O que você esconde, Maria? Por favor, me ajude.
O celular de Elaine novamente começou a vibrar.
— Esse negócio não para nunca?
— É Johny, meu assistente no trabalho. Mas por alguma razão não consigo atender.
— Johny? Elaine, você está bem?
Elaine de repente sentiu uma grande dor de cabeça e ficou trêmula por um instante.
— Eu... Estou. Estou cansada, é apenas isso, imagino.
— Eu te mandei para o outro lado porque você é assim como eu. Você quer respostas e você precisa delas, você tem esse direito. Por isso você precisava ver com os seus próprios olhos.
— Eu entendi. Agora eu entendo algumas coisas e preciso lhe agradecer por isso, mas sinto que ainda falta muito.
— Não me agradeça.– Maria cerrou os punhos.– Você é uma idiota. Você me largou aqui. Mas... O que você quer com esses quadros?
— Quero entender o que eles significam.
— Pense bem sobre isso. Você chegará na resposta. Materialize sentimentos e mensagens, você pode fazer isso, então você entenderá o que eles significam.
Elaine se aproximou da mesa e observou bem os desenhos, então pegou o primeiro em suas mãos.
"Uma mão segurando um coração. Posso levar em consideração ser um coração de um homem; o coração humano. Ele está perfurado. Talvez machucado ou ferido... Imagino que um coração perfurado cause uma dor e tristeza na vítima, talvez o quadro represente isso... Por esse estar perfurado por três objetos, imagino o triplo desse sentimento. Realmente é algo muito doloroso. Decerto que a foice tem haver com o Ceifador, como a perfuração final do grande carrasco. Seria esse o seu último ato, como se fosse o livramento para os homens deste lugar? Nesse caso as adagas. Uma pequena e uma grande... Não imagino que elas representem algo de seus próprios tamanhos, como uma dor pequena e uma dor grande. Não, não é isso." , foi o que ela pensou consigo mesma.
— Maria. O que essas adagas representam pra você?
— Hm? Ah, a pequena é tão pequena que você não espera que ela possa te machucar da mesma forma que as outras duas; você realmente não espera isso. Na verdade, seria como se você fosse machucada por alguém que você não esperava; é uma grande surpresa.
Elaine não acreditava como Maria havia resolvido aquilo em poucos segundos de uma maneira tão clara.
— É claro! Então a pequena adaga representa uma traição ou algum tipo de ataque por algo que você não esperava. A do meio, imagino eu que não seja nada demais e a foice seria o final, dado pelo Ceifador.
— Pra mim a sem significado para você me representa raiva. Você viu como ela foi enfiada profundamente, com sua ponta saindo do outro lado? Pois então, é necessário uma grande força e raiva para isso acontecer. E o Ceifador, seguindo a religião, é os dois lados da moeda: o pecado e o livramento deste. Talvez esteja relacionado... Mas me diga, por quê você quer entender esses quadros? O que isso trará pra você? Você quer se sentir como um cego? Vamos, eu te levo para aquele inferno novamente.
— Você já esteve lá? Maria...
— Não me olhe desse jeito. Eu vivi muita coisa aqui sozinha, acredite. Conheço Blindwood como a palma da minha mão. Esse lugar e eu estamos... Conectados.
— E sobre sua família?
Maria olhou para Elaine como se a simples pergunta tivesse lhe ofendido de uma forma gigantesca. A garota estava zangada.
— O que lhe importa? Você vê alguém comigo? Você acha que eu preciso de alguém? Eu já vivi muito, me arrastei sozinha, graças a pessoas como... Como você.– Maria levou as mãos a boca como que para evitar que as palavras saíssem e arregalou os olhos, como se estivesse dito mais do que devia. Agora ela não iria dizer mais nada.
Elaine entendeu como se esse assunto fosse muito difícil para Maria e se deu uma nota mental de não tocar mais no mesmo, pelo menos não por enquanto.
Ela imaginava que em uma outra hora teria essa conversa com Maria e essa lhe diria tudo, inclusive o que tentava esconder. Elaine notara que ela escondia alguma coisa, só não sabia o que era.
O jeito da garota quando falava sobre família; o jeito de agir... Uma pequena garota sozinha em um lugar perigoso e pior, sabendo de perto sobre todos os perigos, e mesmo assim, agindo como se isso lhe fosse indiferente. Ela havia sobrevivido até agora sozinha, ao menos foi o que dissera. Decerto que estava escondendo algo, ela sabia demais.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado do capítulo e se puder, comente o que você está achando, opiniões nessa reta final seriam de grande ajuda!
Ainda essa semana sai o próximo, então fiquem de olho!



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