Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 33
Flertes, embates e arrependimentos




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Deixei San Francisco na segunda-feira pela manhã, e não no domingo à noite, como era o planejado. E foi a melhor escolha que eu poderia ter feito.

Acordar primeiro dessa vez significou poder ter uma visão exclusiva de como Matt era adorável mesmo dormindo. Achei muita graça no fato que ele parecia possesso com as sobrancelhas franzidas e os lábios voltados para baixo, quando normalmente sua expressão era a de um meio-sorriso. Olhando desse ponto de vista, parecia que o único momento em que Matt ficava irritado era ao dormir, o suposto momento de relaxamento.

Algumas conclusões pós-declaração: amar deixa a gente meio besta. Mas é de um jeito legal.

Dessa vez, fui eu quem foi preparar o café da manhã (com a camiseta dele roubada, senão eu não estaria honrando os filmes), optando por tradicionais panquecas com mel e café preto que tínhamos comprado no dia anterior. Peguei-me cantarolando I Won’t Last a Day Without You, munida de um sorriso no rosto e uma espátula em mãos. Então, a casa começou a dar sinais de vida. Melhor dizendo, o banheiro.

Não ri por respeito, mas Matthew parecia um urso preguiçoso pela manhã. Eu quase esperava que ele coçasse as costas na parede mais próxima.

— Bom dia! — sorri, observando-o sentar-se praticamente se desmontando na cadeira. — Dormiu bem?

— Uhum... Você é um travesseiro confortável...

— Uma de minhas muitas qualidades, querido.

Ele riu, o som abafado por um bocejo. Sorri sozinha, despejando o restante da massa na frigideira. Tenho quase certeza de que ele cochilou de novo.

— Já está saindo? — em sua segunda ressurreição, Matt roncou a frase quando eu servi a comida na mesa. — Que horas são?

— Assim que terminar o meu belo cafezinho. São sete e alguma coisa. Algo entre sete e oito horas.

— Sei... Ah, que pena...

Meu coração apertou. Eu sabia que iríamos voltar a nos ver, mas até lá a ausência doeria que nem curativo arrancado. Talvez, num filme, seríamos colegiais indo para a faculdade em diferentes estados. E olhe que Healdsburg ficava logo ali.

— Eu volto, prometo — estendi a mão para segurar a sua no lado oposto da mesa. Matthew apertou-a de leve, arrancando um suspiro meu. Ou se quiser visitar Healdsburg no verão também, eu não acho uma má ideia, sabe?

Matt soltou um risinho, fitando-me com os lindos olhos azuis. Sempre muita areia para o meu caminhãozinho.

— Eu sabia que era isso que você estava tentando fazer, sua ladra de camisas!

— Em minha defesa, eu não faço ideia do que você está falando e a camiseta não tem o seu nome escrito em lugar nenhum.

— Quanta maturidade — Matt gargalhou com maldade, se aproveitando do fato que ainda estávamos de mãos dadas para me puxar para o seu colo. O que, é claro, eu aceitou de bom grado. — E eu iria me vestir com o quê? Com o vestido?

— Matt Carpenter, você literalmente tem um guarda-roupa cheio de roupas suas. Nem vem!

— Tudo bem, você tem um ponto. Mas só um. Não vá ficar se achando.

Abri um sorriso convencido, o contrário do que ele tinha recomendado, sendo premiada com um beijo delicioso de café da manhã. Resolvi ficar por ali mesmo. O conforto era extremo.

— Claro que tenho. Agora coma antes que esfrie. Sem comentários adicionais maldosos.

— Uma pena — Matt suspirou, pegando primeiro uma panqueca para mim e depois uma para ele. — Porque eu tenho um. Pensei que a sobremesa fosse feita depois da refeição principal, não antes...

Franzi a testa e olhei para baixo, para ele.

— Não entendi. Não tem refeição principal.

— Ah, tem sim. É um flerte, Cecilia. Pense bem.

Quando eu fui entender, senti meu rosto pegando fogo. E o safado riu da minha cara. Mastiguei minha panqueca tentando não sorrir – afinal, eu não era lá muito melhor que ele nesse sentido.

— Pobrezinha... Ficou constrangida?

— E ainda não quer que eu fique me achando!

— São seus dois estados de espírito — Matt piscou para mim, nada afetado. — E eu, particularmente, sou responsável por provocá-la para chegar até lá, sejam eles quais forem. Qualquer um deles é aceitável.

Cruzei as pernas, decidindo não deixar barato. Seu grunhido de protesto foi vitorioso.

— Aceitável? Só isso?

Desejável, sua convencida. Vamos com calma que eu preciso de meia-hora. Comer primeiro e tudo o mais. Credo, sete horas da manhã e você já está assim, Cecilia Sadie?

Era impossível não gargalhar quando ele falava assim, fazendo piada sem dar sequer um sorriso. Eu me acabava de rir com ele. Mesmo sendo um libidinoso daqueles.

— Eu amo a sua risada — Matt elogiou, do nada. Olhei para ele, confusa com o comentário. Ele também estava me observando. — Você ri com o corpo inteiro... Jamais eu vi alguém rir com tanta vivacidade. Dá gosto de ouvir, dá gosto de ver.

— Ah — sorri. — Você me faz rir.

— Querendo me chamar de palhaço de forma velada, Lewis? Acabei de te elogiar!

Neguei com a cabeça, apoiando o queixo em seu monte de cabelos bagunçados. Se ele se incomodou, sua linguagem corporal não denunciou nada.

— Hm-hm — sorri. — Você é o meu melhor amigo... É bom rir com você...

— Ah — ele sussurrou de volta, pausando a matança das panquecas. Parecia ter se sensibilizado com o elogio em retorno. — Puxa vida, Ceci, ainda são sete da manhã...

Ri baixinho, beijando sua testa. Como era curioso que pudéssemos variar tanto de humor em apenas alguns minutos e continuarmos em sintonia.

— Vá se acostumando, meu bem. Faz parte dos meus dois estados de espírito. É um flerte, Matthew. Pense bem.

Posso dizer que foram duas refeições maravilhosas. Healdsburg que me aguardasse. Eu era uma baita mulher e jamais permitiria que alguém me diminuísse de novo.

 

Eu amava segundas-feiras. Elas marcavam um novo início, algo fresco. E era exatamente daquilo que eu precisava naquele mês. Segunda-feira, verão de 2016, e Cecilia Sadie Lewis estava pronta para uma intervenção. Com uma faixa e tudo o mais.

E, depois de pensar isso em voz alta, deixo registrado que jamais vou falar de mim mesma na terceira pessoa outra vez. Eu não sirvo para ser uma vilã caricata.

Estacionei a Petúnia e a sensação de voltar para casa me atingiu no peito como uma marretada. Foram apenas dois dias, como podia? De qualquer maneira, Walt me recepcionou na porta com um miado e o rabo balançando de um lado para o outro preguiçosamente.

— Oi, bebê! — abaixei-me para pegá-lo no colo. — Que milagre, geralmente você só olha pra mim e volta a dormir... Que bicho te mordeu? Ah, já sei. É fome, não é? A Nona não enche o seu potinho, eu sei.

Caminhei pela casa com ele no colo, recebendo em retorno ocasionais miados e mordidas carinhosas. Enchi-o de beijos, observando todos os cantos da casa, estranhando o silêncio.

— Nona? — chamei. — Alguém em casa?

— Aqui em cima — ela retrucou, com o som abafado do andar superior. — Já estava descendo para fazer o almoço...

Hum. Plena segunda-feira e a Nona querendo fazer o almoço? Suspeito.

— Eu acho suspeito — sussurrei para o Walt, apertando-o contra meu rosto. Ele protestou colocando as duas patinhas na minha bochecha. — É. Eu sei. Vamos ver no que vai dar.

Walt miou baixo, bocejando. O bafo de ração úmida me denunciou que ele já tinha comido sim, só estava fazendo drama. Deixei-o em sua poltrona favorita e ele se enrolou em volta do rabo tranquilamente. Então eu corajosamente subi as escadas para o andar dos quartos. Senti o cheiro dos girassóis de longe.

— Oi — cumprimentei-a com um sorriso, indo deitar em seu colo. Nona estava aérea, uma vez que ela sequer reclamou. — Senti saudades! Omo vai? Aliás, como foi?

— Olá... Achei que fosse voltar ontem, eu fiquei preocupada...

— Preocupada? Eu fiquei com o Matt, não estava sozinha!

Ela balançou a cabeça de qualquer jeito, o que não me inspirou lá muita confiança. Como se ficar com o Matt fosse perigoso. Difícil, assim. Eu não podia ceder. Meus instintos mais antigos diziam “não insista, Cecilia”, mas os novos instintos gritavam acima: você sabe da metade da história, agora vá atrás da outra metade. Não desista!

— Passei o final de semana com ele, como disse que iria fazer — cruzei os braços em frente ao peito, reunindo coragem suficiente. — E... Ontem eu não voltei porque fui fazer uma visita à minha mãe. Achei melhor pegar o ônibus hoje de manhã.

Nona endireitou a postura, quase como um gato arqueando as costas. Os tempos com Walt havia feito coisas curiosas para ela.

— Está falando sério, Cecilia?

— Sim, estou sim. Uma visita a ela e sua nova família. Esposo e filho.

Ah, é. Eu tinha jogado verde. Podia ser um pouco cruel, mas era um diabo necessário.

— Eu já sei exatamente o que você vai dizer — ela ralhou, lançando um olhar mal-humorado em minha direção. Não me deixei abalar. — “Por que não me contou, Nona?”. Não é?

— Sim. É o que vou dizer, com precisão. Por que não me contou, Nona?

Nona se ajeitou na cama, obrigando-me a sair de seu colo. Engoli em seco, quase deixando o meu eu antigo me dominar. Fiz igual a ela e me empertiguei, mas não de uma maneira hostil. Apenas atenta.

— O que foi que ela disse pra você?

— Nona... Eu quero que você me conte a sua versão da história, não que você rebata a versão da minha mãe. Por favor... Eu estou em realidade pedindo-a para me dizer por que a senhora achou que tinha o direito de tirar a minha vida de mim.

Ela pareceu abismada com a minha fala. Confesso que eu também fiquei surpresa com a escolha de palavras. Ou a falta de escolha. Ah, como eu conseguia ser patética às vezes.

— Cecilia... Eu não acho que você esteja sendo razoável...

— Ah, mas eu acho. Na verdade, eu tenho certeza de que estou sendo bastante razoável — suspirei, jogando meus cabelos para trás. — Eu poderia estar furiosa, mas cá estou eu, perguntando calmamente, dando-me ao trabalho de perguntar sua opinião. Você não concorda, Nona? Não vou censurar sua visão.

Ela continuou me encarando. Fiz o mesmo, sem jogar a toalha. E aí ela pareceu se dar conta de que eu não abriria mão do meu posicionamento e franziu o nariz.

— Certo. Como quiser...

Assenti com a cabeça, ajeitando-me na cama. Notei que os girassóis estavam no canto do quarto, ainda bastante inteiros e conservados num vasinho. Uma coisa de cada vez.

— Leila andava muito estranha naquele ano. Muito esquiva, muito... Muito alheia às coisas sérias da vida — Nona resmungou, pigarreando como se quisesse se controlar para não ser tão atrevida. Não estava funcionando, aparentemente. — E quando ela me contou sobre a criança, eu... Eu fiquei muito revoltada, sim. Senti-me indignada. Traída. Em sua defesa! Não tinha cabimento ela querer ter um relacionamento já tendo uma filha, Cecilia.

— Descabido por quê? Ela não podia ter um relacionamento já tendo uma filha?

— B-bem, não! — ela pareceu confusa com a minha dúvida. Seu tom acusava: não é óbvio? — Não uma filha crescida, pelo menos. Eu entenderia se você fosse menor e ela quisesse alguém para ajudar a criar a criança, mas se meter com um homem quase da sua idade e querer que eu achasse isso normal? Pior: queria que eu concordasse com você ir junto?

Fiquei boquiaberta. Foi inevitável.

— Nona... Você está escutando o que está falando? — indaguei num tom perigosamente calmo. — Eu amo você, mas isso é preconceito. Você... Mandou minha mãe embora, da casa dela, sem dar a mínima chance de ela comunicar isso a mim, que era a maior interessada, e não apenas acha isso normal, mas também aceitável?

Ela me observou um tanto embasbacada. Confesso que eu também fiquei estranhando minha reação, então procurei me recompor.

— Ela mentiu pra nós, Cecilia...

— E você também! Mentiu pra mim por anos — sussurrei, levantando-me um pouco numa tentativa de descontrair a tensão do corpo. — Omitir também é uma forma de mentir. A senhora me disso, está recordada?

Nona aquiesceu, abaixando a cabeça.

— Minha mãe estava assustada, Nona... Ela precisava da sua ajuda... Deixou os seus preconceitos falarem mais alto, proibiu de falarmos sobre ela, fingiu que ela nunca existiu, e por anos eu achei que fosse ela quem nos excluiu da sua vida! Você entende que a sua visão deturpou a minha? Minha mãe sempre quis que eu fizesse parte da sua vida. Ela não estava mudando de vida, estava apenas começando uma fase mais ensolarada dela. Ela merecia esse recomeço, e teria todo o meu apoio se eu soubesse disso...

É, essa era Cecilia Impulsiva. Só percebi que precisava calar a boca dela quando escurei Nona fungar, parecendo ser minúscula sentada na cama encolhida daquele jeito. Imediatamente arrependida, me sentei de volta na cama e segurei uma mão com cuidado.

— Desculpe... Acredito que eu me excedi — sussurrei, tentando estabelecer contato visual. — Está tudo bem, já passou... Ficou no passado, não é? A senhora só... Precisa rever alguns conceitos, mas também pode recomeçar com a minha mãe... O filho dela é uma graça, o esposo a ama tanto... Tenho certeza de que ela...

— Eu não queria que ela tirasse você de mim — Nona falou num fiapo de voz. — Fui eu quem criou você, eu não podia deixá-la levar você embora... Você é tudo que eu tenho, Cecilia, se você for embora o que é que me resta...?

Meu coração pesou. Nona era uma mulher bastante orgulhosa, mas vê-la tão vulnerável era de se abalar as estruturas. Nona também tinha seus medos e inseguranças. A minha única referência de personalidade forte e confiante era ela, mas isso significava substancialmente que ela não tinha fraqueza nenhuma? Que insensível eu tinha sido...

— Quem te disse que eu vou embora, Nona?

— Você quer, sim — ela balbuciou feito uma criança. — Agora que conheceu  o Matthew, você vai começar a viver uma vida com ele, não vai? E você está certa, ainda é jovem e pode aproveitar a vida...

Afaguei suas costas, carinhosamente. Consegui fazer com que ela se se encostasse a mim e eu pudesse dá-la um abraço por trás. Pelo visto, o final de semana dela não tinha sido lá tão divertido quanto o nosso.

— O senhor Bell veio aqui, não veio? — indaguei num tom gentil. — Esse final de semana?

Ela meneou afirmativamente. Bem, ao menos uma coisa tinha corrido conforme o planejado. Ainda tinha a opção de o senhor Bell acovardar-se, dar meia-volta e jamais sequer entregar as flores.

— E como foi?

— Terrível... Comportei-me feito uma víbora traiçoeira.

Pisquei um tanto confusa. Eu também não costumava escutar comentários autodepreciativos vindos dela. Estávamos numa versão alternativa de Healdsburg?

— Nona — falei num tom de advertência. — Não me diga que você mandou o pobre homem embora.

Seu silêncio respondeu mais do que tivesse dito alguma coisa. Suspirei exasperada com o desenrolar da situação. Deveria ser simples!

— Ah, Nona... Por quê? O que aconteceu?

— Não faço ideia — ela negou com a cabeça, repetidas vezes. — Entrei em pânico. Há muito não nos víamos. E do nada ele apareceu na porta da minha casa com um buquê. Ele me entregou, deu um passo atrás e não falou nada. Eu não mandei ele embora, eu só... Esqueci-me de convidá-lo a entrar e aí... Aí ele foi embora e eu fiquei parada na porta com o buquê. Foi... Foi isso...

Ah, senhor Bell... Estava difícil tomar partido naquela história toda. Massageei as têmporas.

— Então isso é melhor do que expulsá-lo. Ainda tem conserto. Não é?

Nona sequer se dignou a me encarar. Já vi tudo.

— Você quer que tenha conserto, Nona?

— Eu não sei — ela murmurou, abraçando o próprio corpo. — Eu não sei, Cecilia...

— Não sabe se quer?

— Não sei se consigo...

Apertei um pouco o abraço, morrendo de dó. Sua cabeça estava tão confusa... Com toda a história da minha mãe, ainda? Eu teria que ir com calma, senão estragaria tudo para todos os lados.

— Como assim...? Por que não conseguiria? Você é uma pessoa que dificilmente não consegue fazer algo...

— Amor dói — ela confidenciou, olhando para mim com os olhos úmidos. — Estou muito bem sem ele, por que eu deveria insistir em algo que sei que vai dar errado? É uma perda de tempo, Cecilia...

— Eu discordo — sorri, tentando tranquilizá-la. — Acho que você jamais o esqueceu. O amor, quando é verdadeiro, não dói... Ele é levinho, só trás boas sensações... A saudada é que dói...

— Então por que as pessoas vão embora? Dizem “eu te amo”, mas vão embora...

Respirei fundo, me ajeitando na cama para poder acolhê-la em meu colo. Agora eu poderia dizer que tinha feito aquilo com outra pessoa além de Matt.

— As pessoas Às vezes tomam decisões questionáveis, mas não é por isso que devemos desistir do amor... Vale a pena investir no senhor Bell, ele não se esqueceu de você durante todos esses anos... — sorri triste, pensando em anos e anos jogados fora e os dois morando nos pensamentos um do outro. — É difícil recomeçar, mas em minha opinião vocês dois já passaram tempo demais longe um do outro...

— E como eu faço isso...? — Nona parecia verdadeiramente perdida, vindo ao meu auxílio por puro desespero. — Sem estragar tudo de novo?

— Vocês vão precisar conversar com bastante calma e paciência. E você vai precisar se dispor a ouvir o que ele tem a dizer.

Nona aquiesceu, estudando as flores com um tanto de distração. Respeitei seu silêncio, olhando os girassóis junto a ela. Eu não queria me gabar, mas elas estavam lindas daquele jeito porque fui eu quem a cultivou.

— Pobre Victor... — ela murmurou perdida em pensamentos. — Ele tinha só 20 anos e foi ao Vietnã... Devia estar tão assustado... E eu fui tão dura com ele... Disse que era um covarde, Cecilia...

— Ficou no passado — sorri, ainda que de forma meio trêmula. — O que importa é o agora. E o que você sente e pensa agora. Tudo bem?

— Tudo bem...

Abri um sorriso, contente com o nosso diálogo. Mas então eu me lembrei do tema inicial da conversa e me levantei para ir agachar em frente a ela. Nona moveu os olhos em minha direção preguiçosamente, ao passo que segurei suas mãos com todo carinho do mundo.

— Eu não vou abandoná-la porque quero fazer as pazes com a minha mãe — garanti. — Há espaço suficiente para vocês duas em minha vida. E Matthew também. E as meninas. E meu meio-irmão, e seu pai, e quem mais aparecer. Eu não guardo amor só para mim. Nunca fiz isso e não posso começar a fazer agora. Eu... Entendo se não quiser mais saber da minha mãe, mas eu preciso fazer isso. Passei muitos anos guardando mágoas que nasceram de equívocos e que já não fazem mais sentido. Por isso, eu respeito sua decisão de manter-se longe dela. Desde que você respeite a minha decisão de me manter-se longe dela. Sem sarcasmos, sem ironias, só respeito. Pode fazer isso por mim?

Ela confirmou com uma expressão mais amena no rosto. Finalmente consegui relaxar os ombros.

Espere aí. Eu tinha conseguido falar tudo que precisava e não tinha me travado toda? Não tinha ofendido ninguém? Isso era uma baita conquista.

— Ok — beijei suas mãos e afaguei-as tranquilamente. Nona me presenteou com um sorriso fraco. Era um bom começo. — Eu vou te ajudar com o senhor Bell. Quer dizer, você gostaria que eu te ajudasse com isso?

— Sim — ela sussurrou, com um pouco mais de coragem. Seus olhos voltaram a faiscar. — Eu quero.

Dei-me por satisfeita e levantei. Surpreendentemente, Nona me segurou pelo pulso para impedir que eu partisse. Naquele momento eu me dei conta de que ela estava prestes a fazer 70 anos. Minha avó querida, minha segunda mãe, que havia me acompanhado por toda a vida, tão vulnerável... Senti vontade de chorar.

— Cecilia, eu... Obrigada.

— Pelo quê?

— Por não desistir de mim...

Neguei com a cabeça, sentindo o baque daquela frase tão simples. Consegui segurar o choro sabe-se lá como.

— Nona, eu nunca vou abandonar você. Nunca.

— Mesmo eu sendo tão teimosa?

— Sim. Eu a amo muito... Você também é a minha família. E da família a gente cuida...

Ela pareceu se sensibilizar com a minha declaração, portanto inclinei-me para abraçá-la. Nona não recuou, o que fez meu coração se aquecer. Como fazia quando eu era criança, ela acariciou meus cabelos com a ponta dos dedos. Noelle era o meu lar. Um lar móvel. Flexível.

— Eu também amo você, querida — ela terminou o momento carinhoso com um beijo na testa. — Quer fazer o almoço comigo? Aí conversamos mais sobre isso...

— Ok — sorri. — Vamos colocar fogo na cozinha.


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Notas finais do capítulo

Sextou com treta xD



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