Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 34
Telefonemas, jantares e felicidade




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— Então você vai fazer As Patricinhas de Beverly Hills com ela — concluí com um sorriso. Um de pura incredulidade e nervosismo, mas era um sorriso. — Maneiro.

É, mas com a diferença de que ela concordou com os termos! Vou dar início ao meu plano no sábado. Já marquei de sair com as meninas também para dar privacidade aos dois.

Troquei o peso dos pés, encarando o novo rascunho. Não era nada profissional ou o trabalho de Tew, apenas algo para treinar aquarela. Mais uma para a coleção de rostos que moravam na minha parede. Se bem que dizendo assim parece sinistro... Bem, leia num tom simpático.

— Legal! E ela lidou bem com a notícia da sua mãe?

Mais um medo infundado meu indo pelo ralo — Cecilia riu do outro lado da linha. — Pra você ver. Eu não digo que ela lidou bem, mas ela aceitou no final das contas. Eu falei com jeitinho, sabe?

— É melhor do que nada! Já é um começo. Estou orgulhoso, Ceci. Enfrentar medos, mesmo os infundados, é uma grande conquista.

Pelo breve silêncio, supus que ela estivesse sorrindo. Fiquei automaticamente mais feliz. A felicidade dela era contagiante, uma vez que ela parecia ser feita de felicidade.

Valeu, Matt... Por isso e por toda a força...

— Que isso, Ceci. Não é nenhum sacrifício — sorri.

Preciso ir — ela suspirou dramaticamente. Dessa vez, na medida certa. — Hora de treinar minha nova funcionária. Eu digo isso, mas ela me ensina muito mais do que eu ensino a ela. Estou me surpreendendo bastante, sabia?

— Eu imagino! Bom treinamento pra você!

Obrigada, meu bem. Bom trabalho pra você também. Se cuida. Até depois.

Abri um sorriso e desliguei o celular para voltar ao meu projeto de aquarela. Aguei a tinta marrom e a preta até encontrar o tom perfeito do marrom-canela da pele de Cecilia. E então, coloquei minhas mãos a serviço.

 

No final do dia, lá estava eu batendo à porta de Gil e seus pais. Um convite para jantar dos Gallagher não poderia ser ignorado. Dois senhores – vai, estou sendo maldoso, eles têm cinquenta e poucos anos, na teoria eles não são idosos, mas eu já não posso chamá-los de jovens, está dando para entender? – unidos a um jovem carismático convencem qualquer um. E àquela altura eu já estava infiltrado naquela casa.

— Matthew, que bom ver você! — a mãe dele me puxou para um abraço, tão delicadamente que eu mal senti. — Sentimos sua falta! Espero que tenham sido boas férias!

— Que férias, Caroline? Ele foi a trabalho! — o pai me cumprimentou com tapas amigáveis, por mais que sua força fizesse com que eu ficasse indo pra frente e pra trás com o impacto. — Grande Matthew! Você cresceu, hein, rapaz?

Sorri e entrei no apartamento, recebendo um terceiro abraço aperto de Gil. Fiquei tímido com o acolhimento. Que coisa boba a se fazer, já sabendo o que esperar...

— É bom estar de volta, William — sorri de lado. — Foi só dois meses, eu só cresci para os lados.

Ambos gargalharam com a minha piada depreciativa. Gil ficou só me olhando de esguelha.

— Gilbert nos contou que você arranjou uma namorada, Matthew? — Caroline meio indagou, pegando minha jaqueta para pendurar atrás da porta. — Ou ele está apenas pegando no seu pé de novo?

— Obrigado. Ah, é um pouco dos dois! O talento especial do Gil depois da pintura é me atazanar.

Caroline olhou para o filho como se estivesse decepcionada. Mas era de um jeito carinhoso.

— Ele diz isso, mãe, mas não encontrou nenhum novo melhor amigo por lá — Gil atalhou com um sorriso engraçadinho. — A especialidade dele é reclamar de mim à toa.

— Imagino o que teria sido se vocês dois tivessem a mesma idade e se conhecido na escola — Caroline gargalhou indo sentar-se ao lado do esposo. — Não acha que eles seriam uma dupla curiosa, Will?

— Iríamos o triplo assinar advertências — William riu com maldade, passando o braço ao redor do ombro dela. Afagando o ombro da esposa, William nem aparentava ser um brutamontes. — Mas teria sido uma experiência interessante.

Ri junto a eles, me adiantando para pegar os pratos e copos no armário. Após tanto tempo, já tínhamos estabelecido certa ordem e lugar.

— Fico lisonjeado com a confiança de vocês no meu mal comportamento — sorri, distribuindo os quatro pares de louça pela mesa. — Devo decepcioná-los, mas eu era um aluno exemplar. Gil ficaria entediado comigo.

— Hipoteticamente — Gil rebateu, erguendo as sobrancelhas. — Há grandes chances hipotéticas de eu leva-lo para o lado sombrio e você nem reparar.

— Primeiro escolha o seu nome Sith e depois conversamos sobre isso. Posso até considerar a sua proposta.

Gil gargalhou com a minha piadinha, resgatando a travessa de macarrão com queijo e a colocando sobre a mesa. Com o pano de prato jogado no ombro, parecia um elegante dono de casa.

— Queijo, eu te amo — pontuou para ninguém em especial, uma vez que eu não sabia quem é que tinha feito o prato. Daí, apontou com a cabeça para minha sacola. — O que é que tem aí, hein?

— Ah! — fiz outro sinal com a cabeça indicando que ele podia xeretar. — É vinho de Healdsburg! Chegou hoje, a dona da vinícola que me mandou.

— Caramba, que chique — Caroline assoviou, impressionada com a minha mudança de vida. Normalmente eu levava refrigerantes e doces da Sugarfina uma vez por mês, agora vinho era um avanço daqueles. — Sempre quis provar vinho artesanal...

Senti minhas bochechas ficarem vermelhas.

— Não foi nada, Caroline. Era o mínimo...

— Foi de lá que veio a vaquinha! — Gil recordou, dirigindo-se à mãe para reportar o detalhe. — Só Matthew mesmo para se enfiar num vinhedo e sair de lá com uma pintura de vaquinha.

— Você quem pediu, Gilbert, você quem pediu...

Caroline abriu um sorriso da categoria “feliz da vida”.

— Amamos a vaquinha, Matthew. Obrigada pelo vinho também. É muito gentil da sua parte.

Assenti com a cabeça, sorrindo, ao passo que William esfregou as mãos uma na outra e olhou para o restante de nós.

— Muito bem — ele limpou a garganta de brincadeira. Ou não, vai saber. — Podemos continuar falando, mas comendo? Estou faminto.

— Will! — Caroline censurou-o em meio a risos. Todos eles eram muito bem-humorados. — Mas é verdade que o cheiro está muito bem. Parabéns, meu amor.

Gil deu uma piscadela para a mãe, obtendo um sorriso tranquilo em resposta. Uma família feliz. Da qual eu fazia parte, mesmo que infiltrado. Cecilia tinha razão em dizer que a sua família podia ser simplesmente quem a gente quisesse. E pensar nisso me fez pensar também que Cecilia se divertiria muito com eles.

Quando Caroline, romântica incurável, interrogou-me a respeito de Cecilia, eu não poupei nenhum detalhe sobre como eu fui parar nas suas invenções doidas. William disse que parecia uma história de livro ruim, mas que ficava feliz. Já Gil ficou surpreendentemente quieto por boa parte do jantar, apenas acrescentava detalhes aqui e ali onde lhe dizia respeito. Informação adicional. Ele só se pronunciou para mim quando estávamos lavando a louça.

— Eu posso dizer a minha opinião?

— Achei que um bicho tivesse te mordido — ri. — Claro que pode, Gil. O que tá pegando?

Ele trocou o peso dos pés, resgatando os copos do escorredor para enxugá-los com o pano de prato. Era engraçado, porque quando ficava em posição de espera, o pano ia parar em seu ombro e a mão se estabelecia bem na cintura. Parecia uma madame.

— Eu acho que você não vai ser feliz aqui, agora que fez parte de Healdsburg por tanto tempo — Gilbert opinou calmamente. Olhei para ele, aguardando o resto. — E, tipo, fora isso, você iria gastar muito dinheiro indo pra lá com uma frequência razoável. Quer dizer, supondo que queira ver a sua namorada com uma frequência, porque aí se não quiser talvez o meu argumento fique meio nulo...

Gargalhei baixo, deixando mais uma remessa de louça para escorrer. Gilbert me acompanhou no ritmo.

— Seria bom, não seria? — brinquei. — Está sugerindo que eu me mude para Healdsburg, querido amigo Gil?

— Precisamente.

Ponderei a ideia. Ela não era de todo ruim. O aluguel seria mesmo mais barato... E teria não apenas Cecilia por perto, mas a tia Georgie e o senhor Bell por perto. E significava também um emprego fixo na livraria – e isso era um ponto positivo enorme. Só tinha um pequeno porém que me deixava encucado.

— E vocês?

— Nós o quê?

— Você não se importaria se eu me mudasse para outra cidade? — ergui uma sobrancelha. — Tudo numa boa?

— Não se isso fosse te fazer feliz. E ajudasse no seu processo criativo. Ter uma rotina é bom para artistas, você sabia disso?

Abri um sorriso, sentido. E aí enxuguei as mãos e fui abraçar o meu irmão. Gil retribuiu o abraço com um riso juvenil e contagiante. E tapas nas costas, como o pai fazia.

— Eu posso te visitar nas férias, mano — ele pontuou naquele tom de quem já tem tudo planejado. Suspeitava que ele tivesse mesmo confabulado tudo com antecedência. — E você aparecendo aqui pelo menos uma vez por mês já vai suprir a minha carência. Quer dizer, se ligar entre uma visita e outra, claro. Senão, eu retiro o que disse e te prendo aqui em San Francisco.

— Te ligo todos os dias se forem esses os termos!

— Não é pra tanto, Matteroo. Vamos com calma.

Gargalhei com o comentário, mas dois segundos depois outra questão importante passou por minha cabeça. Franzi a testa, tentando balancear as coisas.

— Não vai ser forçar a barra? Tipo, me mudar pra cidade da Ceci? Não é emoção demais?

— Matthew Carpenter, eu vou acertar você — ele me encarou, indignado. — A Ceci te ama, cara. Estar fisicamente perto é uma coisa boa, seu pateta.

— Certo. Você tem razão — suspirei. — Ainda tenho que me acostumar com esse negócio de autoestima e tal.

— Esse é o meu garoto. Mas, sério, Matt. Se o único impedimento que você vê somos nós, vá em paz. Você tem todo o nosso apoio. Você merece ser feliz, cara.

Sorri sem-graça com a demonstração de afeto. E Gil, que já estava acostumado com isso, continuou abraçado de lado a mim. Percebi que, pela primeira vez em trinta e dois, eu me sentia completamente confortável com a minha vida. Meu emprego finalmente havia alcançado um estado onde eu conseguia apreciar o que eu fazia. Minha vida amorosa já não estava mais fadada ao desastre. Meus amigos eram variados e incríveis, modéstia à parte. E... Ao olhar minha imagem num espelho, eu também já não me sentia enojado ou impelido a me arrumar mais rápido apenas para não encarar o demônio atrás do vidro. Eu já não me sentia obrigado a habitar um corpo que me causava asco.

Eu estava feliz. Tranquilamente feliz. Sem exceção.

— Eu estou feliz — me senti na obrigação de dizer em voz alta. — Pra caramba, Gil.

— Dá pra ver! Isso é bom, amigão.

— Tá falando comigo como se eu fosse um cachorro...

Ambos rimos, indo terminar a louça, jogando conversa fora. Afinal, eu tinha muito a planejar, Pelo menos eu já sabia por onde começar. Onde tudo teve início.

Ligar para a tia Georgie.


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Notas finais do capítulo

o que será que dá se existir um Matt Anti-Impulsivo?



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