Inventei Você? escrita por Camélia Bardon


Capítulo 27
Sábados, casamentos e expedições


Notas iniciais do capítulo

Oie! Hoje inauguramos oficialmente a parte 3 de 3 e, consequentemente, o arco final da história ♥ ainda não sei quantos capítulos teremos até o final, mas assim que eu terminar de escrever aviso vocês, tá bom?



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Eu não sei se foi o vinho ou o quê, mas a terça-feira foi... Selvagem. Em nome da minha sanidade e da de vocês, vou pular as descrições e deixar que a mágica da imaginação faça sua parte.

De qualquer maneira, acho que toda aquela urgência fazia com que eu me jogasse de cabeça em todas as situações. Veja bem: o grande problema de ser uma pessoa com sentimentos intensos era que tudo era muito extremo. Qualquer ponto ruim me arrastava para baixo como uma montanha-russa. E quando algo bom acontecia me afetava num nível eufórico. Ao ponto de me tirar dos eixos sem que o vinho fosse necessário. Estar eufórica era aceitável, mas Matthew tinha razão – chegar ao fundo do poço com qualquer tristeza não era. Era preciso um meio-termo. E eu precisava sair e distrair a cabeça.

E então... E então Matt se mostrou o seu quadro. O meu quadro. Nosso já é um pouco demais. E, bem, eu chorei como se fosse uma criancinha. Era simplesmente a coisa mais linda que eu já tinha visto na vida.

Todo o conjunto da pintura era perfeito. Ao menos do meu ponto de vista leigo. E Matt era outro que parecia uma criança tímida exibindo um desenho que fez.

Ah, o amor que eu sentia por ele era forte demais. Nesse ponto, aquela era uma informação incontestável.

— Matty, você fez a pobre Cecilia chorar? — a senhorita Georgette passou pelo corredor com uma pilha de papéis, porém ainda assim parou próxima à porta. Provavelmente assustada com o meu soluço patético. — O que foi, minha querida?

— Vamos com calma que eu não fiz nada — Matt logo se defendeu, erguendo as mãos. Consegui rir em meio a um soluço. — Só mostrei o quadro pra ela! E foi só isso!

Funguei, tentando atrair um pouco de oxigênio para as minhas narinas. Por sorte, era só a aguinha de choro remanescente.

— Não aconteceu nada, senhorita Georgette... É só que... Ah, puxa, ele é tão bonito... Tenho a tendência de ficar emotiva com coisas bonitas...

— É verdade — Matt se aprumou todo. — Ela chorou muito quando me viu pela primeira vez, tia Georgie. Tive de garantir às senhorinhas que eu não era nenhum agiota. Do contrário, a fofoca hoje seria outra.

A idosa quase ia caindo na lábia dele, não fosse eu lhe dar um tapinha de reprimenda amigável. Daí ela se juntou a mim num revirar de olhos e risadas que não tinham opção a não ser escapar de bom grado.

— Bem, ficou bastante bonito, isso é inegável — ela pôs-se a olhar por cima de nossos ombros. — Matty sempre foi talentoso, sabe, Ceci? Talentoso e muito modesto. Ele só se finge de convencido, mas não se deixe enganar. Tudo fachada.

Meu instinto automático foi inspecionar o rosto de Matthew enquanto a senhorita Georgette falava. Foi adorável. Suas bochechas coloriram-se de vermelho aos poucos, sua postura tornou-se encabulada e ele trocou o peso dos pés a cada cinco palavras. E o instinto que tive de reprimir foi o de abraçá-lo de lado, uma vez que eu não sabia exatamente qual era o nosso status de relacionamento aos olhos da senhorita Georgette.

— Ah, tia Georgie, não é para tanto... E você também, Cecilia. Obrigado pelo elogio, mas não sou nenhum Monet.

— Que bom. De longe é uma beleza, mas de perto é uma bagunça — comentei despretensiosamente.

— De onde tirou isso? — ele franziu a testa.

As Patricinhas de Beverly Hills. Grande obra-prima.

Tanto ele quanto a senhorita Georgette riram da minha piadinha. E eu ri junto, afinal de contas era um dia de muito nervoso.

Eu falei, falei, falei e não expus o principal.

Estamos situados naquele sábado. O sábado.

O Sábado Antes do Domingo, como eu gostei de chamar. Um apelido carinhoso.

O Dia do Casamento. O Dia Antes do Dia em que Tudo Potencialmente Pode Dar Errado.

Certo, desculpe. Estou exagerando. Mas é que eu preciso dizer que eu sou viciada em dramas. Matthew já tinha me assegurado de que não era nada demais, porém... Ah, vamos lá, será que era possível eu fantasiar um pouco?

Situando, novamente. Sábado. Amanhecer recente. Eu e Matt (e agora a senhorita Georgette) encarando o quadro, uma vez que ele iria para as mãos de sua agente e, posteriormente, para o cliente. Eu, toda de preto e com minha franja aparada, pronta para ir para o meu evento. Dali a pouco sairíamos na Petúnia, nós e as meninas. E era o início da Operação Bell-Mendez.

Eu apostava três meses de salário que estava todo mundo se cagando. Mas lá fomos nós, porque a grande piada da vida adulta era que não havia absolutamente nada que pudesse ser feito sozinho.

— Boa sorte hoje, meus amores — a senhorita Georgette deixou a pilha de papéis de lado para puxá-lo para baixo e lhe dar um beijo na testa. Foi uma cena simplesmente adorável. — Cecilia. Venha cá. Você também.

Aproximei-me dela tímida como uma criancinha. Recebi um beijo também, mas na bochecha – imagino que a franja impedia que a testa fosse um alvo. Senti um terço das minhas preocupações se dissiparem.

— Obrigada — sorri, arrumando minha postura. — Obrigada, senhorita Georgette... Tenha um bom dia você também...

— Terei. Um dia sem adolescentes é um dia bem mais tranquilo. Vou fazer minhas unhas.

Gargalhei de seu comentário, ao passo que Matthew embalava seu quadro com todo o cuidado. Aproveitei o momento para jogar uma água no rosto e me recompor antes de sair para um casamento com cara de choro. Eu e ele fomos para a Petúnia, primeiro para a casa do senhor Bell. Após amarrarmos o quadro no banco do carro, e eu dei um buquê de girassóis para ele segurar.

— Ah, que gentil. É para mim? — Matt fez troça do meu falso gesto romântico. — É um pedido, Sadie?

— É pro senhor Bell. Vai me chamar de Sadie agora?

— Quem sabe, não? Vai que o apelido pega.

Sexy Sadie?

— Mais tarde, talvez...

Eu ri com maldade, manobrando o carro. Matthew parecia muito concentrado em observar as sementes na flor – provavelmente pensando em novas obras criativas ou deduzindo o que Van Gogh tinha visto de tão especial nos girassóis. Achei curioso.

— Ainda acho que “Cecilia” é melhor — ele decidiu, por fim. — É sua identidade.

— Realmente, Sadie Cecilia seria lamentável — sorri. — Está nervoso, não está?

Ele assentiu com a cabeça, ajeitando o colarinho. Aproveitei o sinal fechado para acariciar sua mão. Matt me encarou com aqueles olhos de luz estelar, e então não tive outra opção além de abrir mais o sorriso. Ele me retribuiu com um pouco de hesitação, mas procurei me lembrar de que era um momento tenso em sua vida. E que aquele também era O Dia.

— Vai ficar tudo bem — prometi. Senti sua mão trêmula, como num espasmo. Compadeci-me instantaneamente. — Todos vão amar o quadro. Eu amei, a senhorita Georgette amou. Saindo do casamento vamos comer alguma coisa... Não sei se ajuda, mas...

— Ajuda, sim — ela me assegurou, endireitando a postura. Após um grande suspiro, Matt arrastou o polegar pela minha mão, enviando-me uma onda de arrepios pelo corpo inteiro. — Obrigado, Ceci...

Voltei a dirigir, ajustando o espelho retrovisor com um sorriso tranquilo. Alô, Califórnia!

— Sinto que estamos sempre agradecendo um ao outro.

— É uma situação recorrente — ele franziu a testa. — Isso te incomoda?

— Não, é bem fofo... Não sei se quer ser visto assim, mas é fofo. Sem comentários adicionais maldosos.

— Uma pena — Matthew coreografou uma expressão tristonha, mas pude ver um lampejo de felicidade atravessar seus lábios. — Mas poderia ser perigoso para a Petúnia. Se a balançássemos tanto.

Foi com esse comentário que rumamos para a casa do senhor Bell. Liguei o rádio – que ainda estava com o CD dos Carpenters — e mudei da faixa 14 para a 2. Superstar era a minha favorita deles, e Matthew infelizmente seria obrigado a me aguentar cantando-a em plenos pulmões às 7 da manhã. Escolhas, não?

O senhor Bell recebeu as flores com um sorriso emotivo. Mais um nervoso. Eu o disse que estaríamos fechados hoje, mas que Nona estaria disponível em casa. Havíamos combinado com a tia Georgie de não chamá-la para nenhum programa para o final de semana, então Nona seria toda sua. E é claro que ele ficou todo corado quando eu disse isso.

O segundo ponto da viagem foi para buscar as meninas na casa dos Palmer. Tive permissão do senhor Palmer para deixar minha caminhonete na frente de sua casa, o que facilitou na hora de irmos. Foi só substituir a Petúnia pela minivan – recebendo um olhar de julgamento do pai de Sarah pelo meu humilde calhambeque, isso eu ficaria devendo o elogio – e logo estávamos todos acomodados.

Passados cinco minutos, a mãe de Angie ligou-a. Com um grunhido nada simpático, ela rejeitou a chamada e ajeitou-se no banco como se tivesse trocado de personalidade com May. Peguei-me questionando: qual era o limite entre a preocupação por amor e a preocupação por vaidade de uma mãe? Fosse como fosse, em minhas observações acerca da relação entre as Sharpe, eu tinha notado sem ajuda que nem todo amor de mãe é incondicional como pregam.

— Hã... Vamos ouvir música? — Sarah sorriu com sua melhor expressão apaziguadora. — Dá pra ouvir bastante coisa em uma hora e meia!

Era verdade. Eu já tinha desligado o rádio. Duvidava muito que adolescentes fossem aprovar Carpenters. A cultura pop das séries estava mais para os anos 80 do que para os 70, mas eu acreditava que ainda tínhamos esperança.

— Eu vou dormir — May anunciou, tirando de sua bolsa de mão uma almofada. Era curioso vê-la sem a maquiagem carregada e os piercings. Quase como a Taylor Momsen em Gossip Girl e depois em The Pretty Reckless, mas ao contrário. — Boa noite.

— Ok! Eu vou tocar Ed...

— Se você tocar Ed Sheeran de novo, Sarah Palmer... — Angie grunhiu novamente. — Teremos problemas por aqui. Eu juro. Ed Sheeran está vetado dessa expedição.

Expedição... É cada coisa que iinventam...

Sarah riu de nervoso, tirando o dedo do player. Acho que ela já estava tão pronta para colocar Ed Sheeran que a mudança a deixou perdida.

— Tá. Sia ou Beyoncé?

— E não dá meio que na mesma? — May riu com maldade, em seu último resquício de vida útil. — Com ela no cativeiro e tudo mais... Voto na Bey.

Meu Deus, eu não entendia quase nada do que elas falavam. Parecia estar em código.

— Queen Bee — Angie votou.

— Sia — Sarah sorriu, como sempre.

Matt ergueu a mão, e a ruivinha permitiu que ele falasse com um aceno de cabeça.

— Isso é tão importante assim? Tipo, não dá só pra ligar o rádio e ir? Não vamos nos atrasar?

— Não dá — Angie pareceu indignada. — É todo um ritual. A escolha da trilha sonora é essencial para que a viagem dê certo.

— Sou obrigada a concordar — opinei. — E saímos meia hora mais cedo, para contar com o trânsito. Eu sou uma profissional, querido.

E então ele assentiu com a cabeça, fazendo-se de derrotada. Sarah gargalhou.

— Não me lembro de quem é Sia — pontuei o óbvio.

— Ah! É aquela cantora da peruca de duas cores!

— Hum... Eu gosto dela. Pode ser. Matt?

— O que decidir, para mim está bom — ele retrucou, leal. — Essa aí da peruca. Da Beyoncé eu só conheço aquela do clipe em preto e branco.

— Não é Single Ladies — Angie retrucou. — É o álbum novo dela. Lemonade.

Matt abriu seu sorriso de menino doce e adorável. Sempre que ele fazia isso eu sabia que vinha alguma gracinha pela frente.

— Odeio limonada. Mantenho meu voto.

Angie revirou os olhos, mas pude ver que ela sorriu com a piadinha. Sarah colocou o álbum escolhido por vias talvez não tão sérias e, após eu me certificar de que todos estavam devidamente em segurança, partimos para San Francisco. As meninas que estavam acordadas foram cantando, ansiosas por sua primeira oportunidade de serem úteis de ganharem uma renda extra para o verão. No entanto, eu e Matthew fomos calados completamente, apreensivos demais para exprimirmos qualquer som.

Nós, adultos, gostamos de dizer que não precisamos agradar ninguém enquanto corremos direto para o abraço da validação.


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Notas finais do capítulo

Sia, a famosa Tia Peruca.
Até o próximo ♥



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