Os Retalhadores de Taurus escrita por Haru


Capítulo 2
— A Resistência de Sirius




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— A Resistência de Sirius

Mitsu mal conseguia ficar parado. Não que ele fosse um cara centrado e controlado em seu dia a dia, mas aquela era a primeira missão séria que o comandante de sua ala dava ao seu esquadrão e ele estava ansioso para provar que podia mais do que aquele imbecil pensava. Correntes douradas de energia elétrica dançavam em torno de seus braços e seus olhos castanhos faiscavam. Seus curtos e arrepiados cabelos azuis claros dançavam de acordo com o sopro dos ventos. Daichi, Aname, Lila e Shiino, outros integrantes de seu esquadrão, sabiam que ele se comportaria assim. Saíram de casa preparados para não se irritarem por isso.

Não, não era por causa de Mitsu que eles estavam perturbados. Tinham um bom motivo para estar: o perigoso desafio que aceitaram. Quase suicida.

— Mitsu, está prestando atenção? — A voz de Aname soou baixinha no ouvido dele, pelo comunicador. — Sei que não adianta te lembrar de seguir o plano, eu só quero dizer que eu acredito em você. Só tome cuidado com a sua vida.

O garoto sorriu. Impressionava-se com como nada roubava a calma de Aname, no mundo inteiro não existia ninguém tão paciente com ele quanto ela, nem mesmo Lila, sua irmã. Lila passou a manhã toda gritando a estratégia em sua cabeça porque assim ele não teria desculpas para dar quando ela o xingasse por fugir do combinado; no refeitório, no bebedouro, no caminho até ali. Ele passou a manhã toda a ignorando. Sabia exatamente o que faria e se ofendia por seus amigos acharem que o veriam agir diferente. Não o conheciam tão bem quanto pensavam.

— Mantenha os olhos na casa, idiota. — Shiino, que nunca foi conhecido por sua gentileza, o repreendeu pela terceira vez desde que se puseram a postos. — Ataque surpresa, se formos vistos teremos problemas!

— Sim, senhor! — Como de costume, implicou com Shiino. O cara era um mala. — Quantos lá dentro, Daichi? Daichi?

De costas para a cerca de madeira que envolvia a residência, Lila olhou para o alto da árvore, para o galho onde Daichi se posicionou.

— O infeliz dormiu! — Acusou-o para os outros.

Mitsu deu um peteleco no besouro que pousou na ponta de sua bota preta de couro. Um brilho luziu em seus olhos. Estava agachado na beira de uma laje a quinhentos metros do local que planejavam invadir, todos concordaram que, dado o seu histórico, era melhor mantê-lo o mais longe possível de lá. Mas distância nenhuma o impediria de... bom, de ser ele mesmo.

— Se o Daichi dormiu, deixem o reconhecimento comigo! — Avisou que agiria, depois, para não ouvir as reclamações e as advertências de seus colegas, jogou fora o comunicador.

Turbinou sua velocidade e seus reflexos espalhando energia elétrica pelo corpo e, num piscar de olhos, apareceu de pé em cima da cerca onde Lila encostou, bem ao lado dela. Olhou pela janela e contou exatamente quatro retalhadores perambulando pela casa, dois homens parrudos e duas mulheres sinistras. Ia sinalizar para Lila a quantidade em que eles estavam quando uma das retalhadoras o viu. Morena, alta, forte e toda vestida de preto, ela não perdeu tempo, apontou-lhe a mão e disparou contra ele um estranho raio prateado, Mitsu saltou para o lado e esquivou.

Encarou Lila sem graça.

— Fomos vistos! — Disse.

Furiosa, a garota ficou de pé e replicou:

— Não me diga!

Um dos homens, aparentemente o mais forte deles, materializou-se nas costas de Mitsu e tentou socá-lo. Graças a seus super reflexos, Mitsu girou, desviou-se e, com um ágil salto para trás, aterrissou no gramado do quintal da casa que antes espionava com sua tropa. O guerreiro que o atacou partiu para cima dele novamente, desferiu outro soco contra sua cara, Mitsu tirou o rosto da reta, saiu da frente do seguinte, do subsequente e assim se manteve, até resolver contra-atacar e seus punhos colidirem brutalmente. O impacto destruiu os vidros nas janelas.

A uma certa distância dali, Aname trocava golpes com uma das moças. Lila, do outro lado da cerca, brigava com a outra e Shiino, com o retalhador restante. Mitsu olhou rápido para dentro da casa e deu uma risada. Graças a isso, seu adversário, branco e careca, notou algo que não tinha notado e reparou melhor nele, em suas vestes.

— Você é um daqueles idiotas da resistência! — Apontou o sujeito, em tom de acusação.

— É, eu sou um dos idiotas da resistência! — Admitiu, em tom de lisonja de si. Só então percebeu que se chamou de idiota, mas, tarde demais para se corrigir, continuou: — Isso não é uma boa notícia pra vocês... Significa o começo do fim do seu reinado de terror!

A camiseta de Mitsu era azul marinho com contornos brancos. No lado direito havia uma estrela bordada e, abaixo dessa estrela, as siglas RS, "Reino de Sirius", nome do governo que foi derrubado pelos revolucionários que hoje detinham o poder. A Terra de Taurus estava em violenta guerra civil pois um grupo de retalhadores ávidos por poder atacou sua capital, matou o antigo guardião e os conselheiros de lá e instaurou um regime ditatorial que em poucos dias completaria uma década de existência. Cansados de viverem sob o jugo de um bando de criminosos, de verem os seus serem presos e mortos, um número expressivo de retalhadores se uniu para, representando o Estado anterior, destituí-los do poder do qual eles se investiram. Claro que Mitsu não ficaria fora dessa.

Lila e ele eram crianças quando assistiram a execução pública de seus pais. Nunca esqueceram. Enquanto abraçava sua irmã e cobria os olhos dela para preservá-la daquela visão traumatizante, Mitsu jurou para si mesmo dedicar todos os seus dias restantes a expulsar aqueles desgraçados de sua pátria. Assim vinha fazendo.

— Pra ser franco com você, eu não dou a mínima pra quem fica com o poder, só entrei nessa porque não sou muito fã de paz. — O inimigo estalou o pescoço e disse. — Vamos acabar logo com isso, eu sei o que vocês vieram buscar.

Uma raiva muito grande se espalhou pelo peito de Mitsu. As roupas que aquele sujeito estava usando remeteram-no ao dia da morte de seus pais, eram idênticas às dos soldados que os mataram. O indivíduo investiu contra ele, desferiu um soco direto contra seu rosto, Mitsu saiu para o lado no último segundo e o golpeou na cara com o punho, o atirou no chão. Esperou-o recompor-se. Foi atacado com uma chuva de socos, esquivou-se de todos, um após o outro, no final deu uma joelhada no estômago do atacante e voltou a derrubá-lo, com uma cabeçada na testa. A face de Mitsu continuava sem expressão.

Chutou, o homem de preto ergueu o braço e se defendeu. Pôs rápido o pé de volta no chão, encheu o punho direito de força e esmurrou o careca no peito. Atacou com uma veloz sequência de socos, seu alvo escudou-se de todos com as mãos mas descuidou-se no último e ficou de guarda aberta para Mitsu, que de repente sumiu. O homem olhou em volta, o procurou. Mitsu ressurgiu acima de sua cabeça, o nocauteou com uma cotovelada na cabeça, rolou para o lado e se levantou. Olhou-o caído, sentiu-se vingado por breves instantes. Sonhou acordado imaginando o dia que faria pior com o tirano que dominava sua nação.

Despertou do sonho e saltou para o outro lado da cerca para ajudar Lila. Ela deu um passo para trás e se esquivou de um cruzado de esquerda da adversária, contra-atacou com uma canelada alta, o alvo abaixou, investiu sobre ela com um direto, Lila se protegeu do soco com as mãos, agarrou a agressora pelo pulso e revidou o golpe com um direto bem no meio do nariz, atirou-a no chão. A oponente se recuperou rápido, planejava acertar Lila, Mitsu correu até elas e a empurrou tão forte que jogou-a para longe de sua irmã, a fez colidir com a árvore na qual Daichi dormia. Daichi despencou de lá de cima como se fosse uma fruta.

— Por Deus, qual é o problema de vocês? — Murmurava o dorminhoco, esfregando caído a cabeça dolorida por causa da queda. Se comportava como quem realmente estava no quarto e acabava de levantar na cama.

— Nosso?! — Lila se irritou. — Estamos em missão e você dormiu, você é que é o errado! E sai logo daí, essa retalhadora é inimiga!

Ao ser informado disso, Daichi voltou para o alto da árvore em um salto. Humilhada, a referida guerreira se agachou e enxugou o nariz. Sangue descia de suas narinas. Olhou Lila e Mitsu enraivecida. Sabia que não os venceria. Entretanto, não sofreria derrota. Nunca, em vida, foi vítima de uma. Um esplendor acinzentado emanou de seu corpo. Os irmãos recuaram um breve passo, assustados. Aquilo não podia ser bom, eles pensaram. Uma explosão devastadora começou do ponto onde a inimiga deles os encarava, uma que obliterava tudo o que via em seu caminho. Em pouco tempo ela abrangeu o quarteirão inteiro e se fez visível das alturas.

Mitsu tomou a irmã nos braços e usou sua super velocidade para fugir de lá, Daichi, que já estava nas alturas, não teve problemas para escapar do raio de alcance da onda de energia destrutiva. Os três aterrissaram na laje de onde Mitsu observava tudo no começo.

— O mapa! — O ruivo sonolento lembrou, mas se lamentou: — Nós o perdemos na explosão...

Após deixar Lila no chão, Mitsu pegou do bolso de trás a folha com o mapa e, sorridente, se exibiu:

— Não! Não perdemos! Como eu sou o máximo, invadi a casa e roubei ele depois de derrotar aquele retalhador enorme...

Os olhos verdes claros de Lila se encheram de raiva.

— Quase fracassamos por sua causa! — Exclamou. — Eu falei pra você seguir o combinado! — Deu um tapa no braço dele com as costas da mão.

— Au! Não precisava de tanto, nós vencemos! — Mitsu se desculpou, alisando o braço atingido.

Daichi se espreguiçou e riu da cara dele. Lila também lhe deu um tapão.

— Cara! Por quê?! — Reclamou.

— E ainda pergunta?! — A morena gritou, em resposta. — Vou ver como a Aname e o Shiino estão, não saiam daqui, ouviram? Vocês vão ter que se ver com o Hirihito!

Os dois fizeram uma careta, evitando dizer algo que a irritasse mais e a fizesse voltar para bater neles de novo. Tinha razão por estar irritada, a indisciplina de Mitsu e o descaso de Daichi foram longe demais, chegaram ao ponto de quase custar o sucesso da operação e as vidas de todos. Mas a culpa não era de toda deles. Hirihito só lhes deu missões fáceis suas vidas inteiras, nunca receberam um desafio verdadeiro, acostumaram-se a fazer as coisas daquele jeito. Estavam ansiosos para jogar isso na cara daquele velho chato.

Todos os integrantes da resistência vestiam as mesmas roupas, como se declarassem para o mundo que não iriam se esconder e conclamassem quem quisesse a vir atrás deles. Cansaram-se de ver seu mundo nas mãos daqueles déspotas, não queriam arriscar as vidas de civis se ocultando e, com isso, esperavam conseguir recrutar novos retalhadores para a iniciativa. Recordando-se de que foi quem resgatou o mapa, Mitsu deu um soco na palma da mão. Fazia isso toda vez que derrotava um daqueles desgraçados.

Alegrou-se até mais quando Shiino e Aname se juntaram a eles. Felizmente nada lhes aconteceu, tudo ocorreu bem. Se algum dos dois se ferisse, especialmente a Aname, nunca se perdoaria. Ela sorriu e estendeu o punho para Mitsu tocar, como se dissesse que não ficara brava com ele. Mitsu bateu o punho no dela. Uma bela jovem de pele escura, olhos cor de mel e longos cabelos negros trançados, só Aname conseguia deixá-lo nervoso. Lila respirou fundo e descansou as mãos na cintura. Abaixou a cabeça. Queria mesmo ter aquela paciência toda com seu irmão.

— Se não é com você que ele vai se casar, eu não imagino com mais quem! — Comentou, envergonhando o irmão. — Só você mesma pra ter toda essa paciência com ele, viu! Olha que--

— Calada! — Vermelho, Mitsu tapou a boca dela rápido.

Aname sorriu.


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