Os Retalhadores de Taurus escrita por Haru


Capítulo 3
— Autoridade e consciência




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— Autoridade e consciência

Hirihito bateu as pesadas mãos na mesa metálica atrás da qual Daichi e Mitsu se sentaram, assustando o ruivo distraído e pondo um sorriso no rosto do outro.

— Dormir no meio de uma operação quando toda a equipe depende de você ou fazer diferente do planejado só para se exibir... Por qual dos dois eu começo? — Perguntou, sua poderosa voz grave se expandiu por todos os cantos da pequena e pouco iluminada sala fechada. Mitsu quis olhá-lo nos olhos, mas ele veio de novo com os mesmos óculos escuros de sempre, sustentava para si mesmo a ilusão de que eles o deixavam mais intimidador. Homem negro e robusto de alta estatura, cabeça raspada tatuada, longo sobretudo preto e carranca fechada, Hirihito não precisava nem falar para impor respeito e medo por onde ia. — O que é que vocês dois têm na cabeça?!

O piso, o teto e as paredes, compostos de espessas barreiras de concreto, dificultavam a entrada e a saída de som. Chamou os dois ali porque os conhecia há anos, queria cem por cento da atenção deles e sabia que não teria isso em outro ambiente. Tudo bem que não era a primeira vez que os levava ali para repreendê-los por condutas semelhantes, hoje, no entanto, faria diferente. O ouviriam e mudariam querendo ou não.

— Hunf! "Fazer diferente do planejado só para se exibir"... Pare de falar como se estivesse falando com crianças! — Mitsu o enfrentou. — Vem nos tratando assim desde que ingressamos na Resistência!

— Hoje você viu porquê! — Rebateu Hirihito.

— É, eu vi porquê! — Gritou Mitsu, de pé. — Você não sabe do que somos capazes! Sozinho sou mais poderoso do que todos os retalhadores que já vi você enviar em operações mais difíceis!

Hirihito retirou os óculos e o fitou fixamente.

— Aí é que está o seu problema! — Exclamou. — "Sozinho"! Tem que entender que aqui ninguém faz nada sozinho, que lá fora não é só a sua vida em risco, é a da sua equipe! Não estamos aqui para mostrar o quanto somos fortes "sozinhos", mas para restaurar a liberdade da nossa pátria! O destino do mundo está em jogo!

— Acha que eu não sei disso?! Segurei minha irmã enquanto meus pais eram executados na minha frente! Tudo o que eu sempre quis foi fazer alguma coisa de valor contra essa ditadura!

— Então comece a demonstrar! Aja como um adulto! — Redarguiu o comandante. Diante de um Mitsu finalmente calado, prosseguiu: — Até você aprender o que é isso, vocês dois, vão ficar aqui dentro! Só sairão daqui em missão quando eu permitir! Entenderam bem o que eu disse ou querem que eu repita?

Mitsu cruzou os braços, fechou a cara e sentou. Hirihito os encarou por vários segundos a fio esperando um contra-argumento, uma bravata, sobretudo de Mitsu, mas nada veio, então virou-lhes as costas e se foi. Poucos conheciam sua história ou pensaram qual seria ela, seu jeitão duro e seco de ser despertava a antipatia das pessoas. Claro que ele fazia por querer, nunca agia por acaso. Aprendeu da forma mais difícil que sua vida não era a de alguém que podia ter amigos.

As cinco semanas que se seguiram ao confronto de Mitsu com Hirihito foram embora correndo. O garoto resolveu obedecer, na esperança de que isso abrandasse os ânimos do comandante, contudo, já estava começando a ficar sem paciência. Retalhadores entregavam suas vidas lá fora enquanto ele ficava ali dentro sentado e de braços cruzados. Não se conformava. Poucos dias atrás, quando esteve a um passo de abandonar a resistência e sair para lutar sozinho, desabafou com Aname e, graças ao conselho dela, se conteve.

Passou a observar aquele tempo com pouca seriedade. Queria saber até aonde Hirihito levaria aquele teatro e manteria preso um de seus soldados mais poderosos, então, entre olhares de desdém e risadas sarcásticas, manteve-se calado. Não pronunciou mais uma palavra sobre aquele assunto e nem o discutiu com seus superiores. Até a manhã em que, curioso sobre o que seus companheiros conversavam em missão, ligou o comunicador para ouvi-los. O que escutou o fez literalmente pular da cama de baixo do beliche onde dormia, bater a cabeça, levantar e correr porta a fora.

Dezenas de retalhadores aglomeraram-se no corredor, todos eles falavam muito alto e juntos, Mitsu não entendia nada. Um pressentimento muito ruim levou medo ao seu coração. Ele empurrou todo mundo da frente sem a menor gentileza, alguns teve que retirar do caminho a tapas, andou a passos firmes entre os que abriam espaço e no fim, como imaginava, deu de cara com Hirihito. Em silêncio, um olhava o outro nos olhos — Mitsu tentava fazer isso, Hirihito continuava com aqueles óculos idiotas na cara.

— E então? — Pela primeira vez depois de semanas dirigiu a palavra ao grandalhão assustador. — Quantos você vai mandar pra resgatar nossos amigos?

Uma tropa de retalhadores da Resistência de Sirius foi cercada e aprisionada durante uma operação naquela madrugada. Shiino estava entre eles. Se bem conhecia Hirihito, Mitsu diria que ele inventaria alguma boa desculpa para não enviar tropa alguma de resgate. Saiu da cama preparado para brigar feio com ele de novo. O carrancudo capitão da resistência cruzou os braços, aproximou o rosto do dele e, como o previsto, anunciou:

— Não vou enviar ninguém. Isso é uma armadilha, eles matarão os reféns de todo o jeito e quem mais for lá.

Mitsu calou a boca e, profundamente decepcionado, abaixou a cabeça. Como previu, o cretino realmente desistiu dos próprios soldados. No fundo reservava certa fé de que ele não faria isso, repetia para si mesmo que estava enganado. Nunca odiou tanto estar certo. Disfarçou a tristeza com um sorriso otimista, sabia exatamente o que fazer. Sem questionar, falar, vociferar ou pelo menos ameaçar objetar, apenas saiu andando. Todos a sua volta iam saindo da sua frente, o entreviam estupefatos. Não sabiam o que esperar dele.

Quando estava chegando na escadaria branca de metal que levava para o andar de cima, Mitsu mirou o alto e, sem se virar, expressou enfim sua opinião sobre a decisão dele:

— Está tão obcecado com derrubar essa ditadura que se perdeu? Esqueceu que isso não é sobre quem está no poder, mas sobre a nossa pátria, que estamos aqui porque não desistimos do nosso povo!

Mitsu segurou os degraus com firmeza e subiu metade deles.

— Eu não esqueci nada! É estupidez ir até lá, eu já falei que isso é uma armadilha! Seja paciente e os arianos chegarão para nos ajudar!

— Os arianos não podem fazer nada por nós se somos tão covardes pra abandonar nossos amigos! Eu vou lá sozinho, então não se preocupe porque você não vai perder muitos soldados! — Mitsu retorquiu e, sem nada mais dizer, terminou a subida.

Lá na superfície, entre as árvores e as folhas que cobriam o solo da floresta em baixo da qual ficava o esconderijo da Resistência, ele deu de cara com Aname, que vestia a saia preta e a camiseta da organização. As bochechas de Mitsu enrubesceram, para disfarçar, ele sacudiu o rosto e apalpou a poeira nas roupas. A garota, curiosa, encarou-o sem dizer nada por vários segundos, até que entendeu aonde ele ia.

— Não quer uma ajuda? — Perguntou, oferecendo-lhe a mão para ajudá-lo a ficar de pé. Quando ele a segurou, disse: — Você tem bastante chão pela frente e um monte de inimigos pra derrubar.

Mitsu sorriu. Sabia que ela não tentaria fazê-lo desistir, ela era a única pessoa que acreditava tanto nele quanto ele mesmo.

— Vamos nessa! — A convidou, apontando para atrás com o polegar.

A Nave de Áries sobrevoava o universo na mais plena paz. O relógio deles foi regulado de acordo com o do Reino de Órion e, como em Órion era madrugada, os viajantes espaciais dormiam. Um silêncio inigualável cobria de ponta a ponta o veloz meio cósmico de transporte. Só havia Toyotomi acordado, limpando o banheiro. Dois meses se passaram desde que partiram da Terra e mesmo assim, ao menos uma vez por semana, ele vomitava. Não se acostumou e nem se acostumaria. Sua primeira e última ida ao espaço. 

O problema de Arashi era muito pior, ele pagaria qualquer quantia para apenas vomitar. Não dormiu em paz um só dia desde que deixou a Terra. O motivo? Vinha tendo pesadelos aterrorizantes, neles dizimava toda a população do Reino de Órion, matava todos os seus amigos, sua irmã e, por último, Kin. Sonhos que o perseguiam incansavelmente, qualquer que fosse a hora que deitasse. Realistas até demais. Pareciam lembranças. Na última semana eles ficaram piores, mais ricos em detalhes. Na tarde daquele dia, enquanto almoçava, ele teve uma alucinação. Viu sua irmã correr apavorada.

Abriu os olhos e sentou-se rápido, assustado. Levou a mão ao peito sob a camiseta preta. Seu coração o espancava furiosamente. Teve a impressão de que ouviu um choro e, em choque, olhou os dois lados. Viu que estava sozinho ali. Lentamente acalmou-se. Quando apalpou as costas em busca do travesseiro branco no qual aconchegava a cabeça, notou que havia um grande rasgo no colchão. Inspecionou-o com o olhar. Havia rasgos em todo o colchão. Levou as mãos ao rosto, tirou umas mechas de cabelos da testa, fechou os olhos e deitou novamente. Usou os poderes dormindo de novo. 

— O que é que tá acontecendo comigo? — Questionou-se, mantendo as mãos sobre o rosto. Não passou por aquilo nem quando estava no hospital. 

Ao redor de seu braço direito, uma grossa camada de gelo cresceu sem sua vontade e gerou afiados espinhos, com um pouco de esforço, porém, fez todos regressarem. Mais esforço do que admitiria. Olhou curioso o antebraço. A camada de gelo da qual brotou os espinhos, no entanto, por mais que tentasse, não conseguia recolher. Ficou assombrado. Um repentino surto de energia azulada explodiu em seu corpo. Ele não soube na hora, mas toda a galáxia sentiu a força que veio dele. Todos na nave acordaram imediatamente.

Incônscio desse ocorrido, Arashi calmamente jogou para o lado o lençol branco que o cobria, esticou a calça comprida bege, deixou o quarto e passeou até o bebedouro prateado do outro lado do corredor. Encheu um copo com água gelada e andou até a sala principal da nave bebendo-a. Lá, viu seus companheiros de viagem conversando aturdidos. Franziu as sobrancelhas como estranhamento. 

Noriko e Toyotomi estavam sentados, Naruhito, de pé com os braços cruzados, falava-lhes algo. Mais do que perturbação, havia confusão em suas expressões. 

— O que houve? — Curioso, Arashi perguntou-lhes. 

Os três trocaram olhares. Não achavam possível que ele não tivesse sentido aquele poder. Noriko, a mais cara de pau dos três, foi quem falou com ele:

— Tudo bem, eu sei que você é o poderoso primeiro ministro do Reino de Órion, mas é sério que você não sentiu essa energia? Admite que sim, se for só pose nós não contamos pra mais ninguém!

A perplexidade do guerreiro glacial ante as palavras dela pareceu natural e convincente demais até para o melhor dos atores reproduzir. Ele encarou os três, um por um, esperando que mais alguém dissesse algo. O difícil foi que trio também esperava ouvir algo dele. 

 — Energia? — Desceu os três degraus e bebeu um pouco da água do copo de plástico que trazia. 

 — É! — Disse Toyotomi. Seus cabelos loiros, rebeldes e espetados por natureza, estavam eriçados. — Não deu nem pra medir! Deve ter se espalhado pela galáxia inteira...! — Descreveu. Olhou para Naruhito e indagou: — O que vamos fazer se essa energia danificar a nave? As lâmpadas do meu quarto explodiram!

 O piloto teve uma ideia.

— Vou verificar como está o combustível da nave, se ela está pronta pra mais um salto na velocidade da luz. — Respondeu. Descruzou os braços, pegou as chaves do bolso direito da calça e prosseguiu: — Se não estiver, uso o meu chikara, temos que chegar lá logo. Preparem-se. 

Num estado que pouco lhe era familiar, Arashi permaneceu sem nada entender. A que ser podia pertencer todo esse poder que seus colegas disseram sentir? Por que só ele não sentiu? Seria uma nova ameaça à galáxia?


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