A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 6
Uma linhagem nobre




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— Sua alma ainda não foi quitada, pois, não? Eis minha proposta. Faça esse serviço para mim e tudo estará acertado. _ Disse Argoluli à mulher que o observava de seu assento que já viu dias mais pomposos.

A mulher em questão era a líder do Protetorado de Safira.

Outrora uma ordem de cavaleiros tão poderosos quanto uma força da natureza, nesses dias reduzidos a uma guilda de mercenários e rebatizados como O Legado de Safira.

Liderados por Ester de Safira, que era motivada por alguma vingança obscura e supostamente de uma linhagem nobre tão antiga quanto o mundo, o que só acentua a decadência da ordem. Viviam refugiados em um forte abandonado e esquecido, numa floresta antes sem nome, e agora batizada com a alcunha da própria ordem, A Floresta de Safira.

— Fico impressionada que adentre em uma floresta com carruagem e tudo. Não deve ser das tarefas mais fáceis. Quer dizer, não temos exatamente uma estrada. _ Respondeu-lhe a bela ruiva de olhos azuis.

— Não se concentre nisso, bela senhora. _ Retrucou Argoluli. — Isso não chega a ser um grande feito para quem produz tapetes voadores.

Atrás dele, o homem mais velho que o recepcionou na chegada, suspirou diante essas palavras rudes. Era o braço direito de Ester, Sir Laucel Labaredas. Que em outras circunstâncias tomaria atitudes mais energéticas, mas bem sabia que sua senhora tinha alta tolerância com o feiticeiro e que toda aquela conversa era enrolação para ganhar tempo de raciocinar, é claro.

— Faremos! _ Declarou por fim, a líder sombria do alto de sua cadeira puída, aquilo que parecia um reflexo de sua alma. — Então estaremos quites e o último selo da Oito Olhos será liberado.

— Certamente que sim. _ Respondeu Argoluli. Seu olhar arguto observou a bela ruiva de olhos azuis com um misto de sentimentos entre curiosidade e apreensão.

Secretamente sentia uma atração poderosa por ela, a beleza era inegável, mas aquela aura sinistra também tinha influência sobre isso. Argoluli não era afeiçoado a coisas adocicadas, mas tinha uma regra bem tradicional entre os mercadores que ele levava muito a sério, a de não misturar negócios com prazer. Não que ele acreditasse que em condições normais tivesse alguma oportunidade.

Esse era o motivo da sua apreensão. Uma tolice carnal.

Já a curiosidade.

— Posso perguntar quem ou o que será o alvo de sua vingança furiosa, Senhora Safira?

Um breve sorriso canto de boca, tão fugaz quanto a neblina da manhã, surgiu e desapareceu no rosto de Safira. Tal qual um espasmo involuntário.

— Você sempre pode perguntar feiticeiro, mas a resposta depende do que levo em troca de satisfazer sua famosa curiosidade.

Foi a vez de Argoluli sorrir. Gostava de uma negociata.

— Qual é o seu preço?

— Que tal um daqueles bichos de pote?

— Seu segredo é caro. _ Ele detestava que chamassem "aquilo" de bicho de pote. Uma de suas criações mais aclamadas era a capacidade de, bem, aprisionar criaturas em um pote.

Absurdo?

Pense em um gênio da Lâmpada.

É bem mais problemático aprisionar um Djinn em uma lâmpada que uma salamandra de fogo em um frasco, mas nosso “vendedor” consegue.

— E você se importa comigo, embora não admita. _ Respondeu sorrindo novamente a ruiva.

— Me importo com todos meus fregueses preferenciais. _ Desconversou o feiticeiro. — Pois bem! Não é da minha alçada.

— Se fazendo de durão. _ Ester suspirou e passou as mãos pelo comprido cabelo o jogando atrás das orelhas delicadas. Argoluli tinha um fetiche secreto sobre elas, mas isso não vem ao caso, não é mesmo? Enfim.

— Vou lhe contar, pode ser a última vez que nos vemos e além do que, não fosse por sua loja, jamais teria achado a Oito Olhos.

— Correndo o risco de perde alguma vantagem na negociação, em se tratando da Oito olhos, é provável que ela a tenha encontrado do que o contrário. Perdi a conta de quantas vezes vi clientes olharem diretamente para ela sem notar.

— Ainda assim você cobrou doze favores pelo preço da espada, sob o custo de minha própria alma imortal se eu me engano ainda lhe devo cinco, e se fizer esse serviço, estaremos quitados?

— Que posso dizer? O Al-Shawkian é mais importante para mim.

— Cinco favores?

— Todos pagos.

— Por escrito?

— Melhor. Com o contrato devolvido às suas mãos, para fazer o que bem-quiser.

— Vou me vingar da Casa Gnoses. _ Disse Ester de supetão, pegando o feiticeiro de surpresa.

— Deveras ambicioso seu proposito. _ Havia um espanto genuíno na expressão de Argoluli. Não era ligada a Casa Gnoses a barda que ele encontrou na Trupe Luminosa? Sim, era.

Argoluli temia as coincidências, mesmo que elas agissem ao seu favor, porque imaginava que cedo ou tarde a Gnoses iria descobrir o que fizera com um dos seus membros, e se Safira cuidasse disso seria de grande valia, porém, ainda assim temia. Coincidências são engrenagens de algo maior em andamento, uma roda de moinho a qual ele não sabia para qual lado girava e quem esmagaria. Gostava que as coisas saíssem como planejasse e tinha necessidade interior de manter o controle. Entretanto, também sabia improvisar quando via uma oportunidade.

— Isso é interessante por demais. _ Deu seu sorriso mais simpático, o que não era muita coisa. — Conte-me essa historia, e independente do resultado, eu lhe concederei a poção de invocação que desejar. _ Estava falando do que ela chamava Bicho de pote.

Ester de Safira que já conhecia o feiticeiro há algum tempo, arqueou uma sobrancelha diante tanta generosidade. Nada é de graça com Argoluli.

A questão é que ela não tinha nada á perder. Contou sua história ao feiticeiro.

— Foi no ano do inverno brutal que tudo aconteceu, há longos dez anos que o Protetorado de Safira deixou de existir. Uma décadata de vergonha e dor, humilhação e penúria. Naquele inverno nos preparávamos para decidir a maior de todas as batalhas contra o Círculo Feérico, e por fim a sua opressão sobre as terras de Doomlore.

Foi então, nesse momento crucial, que a Casa Gnoses se revelou e veio até nós.

Disseram-nos que tinham a informação definitiva para por fim as batalhas sangrentas.

Aquele inverno violento, também era um advento mágico. Um fenômeno que afetava a magia e suas formas como se entendia.

Muitos dos nossos Arcanos pressentiram haver algo de diferente no ar, no sentido que seus poderes se fortaleciam.

A Gnose nos convenceu de alguma maneira que isso não era positivo para os feéricos, muito pelo contrário. Convenceu-nos que o poder feérico fluía deles para nós e que eles hibernariam como fazem os ursos e outros seres no inverno. Seria um longo sono.

Estávamos desesperados por uma solução, sabíamos que muitos morreriam num confronto direto na próxima primavera contra o Círculo, entretanto se eles não fossem detidos, tomariam a maior parte de Doomlore e daí seria questão de tempo para dominarem tudo.

A Casa Gnoses tinha grande reputação de saberem muitos segredos místicos e históricos, conhecimentos perdidos depois da Grande Tragédia, a queda da Lua Dourada. Eles também tinham a fama de só recrutar humanos e de serem inimigos declarados do Círculo Feérico.

Enfim, aprendemos da pior maneira que a lealdade de um grupo formado basicamente por bardos, deve ser sempre questionada. Fomos tolos e desesperados.

Eles usaram de nosso desespero, fingiram amizade e disseram tudo que nós queríamos ouvir.

Assim caímos em sua armadilha.

A Casa Gnoses estava do lado do Círculo Feérico afinal.

Atacar no inverno nunca é uma boa ideia, naquele em particular era mais que verdade.

Homens adoeceram antes de alcançarmos nosso objetivo, cavalos foram perdidos, espadas presas nas bainhas quando deviam ser sacadas e fomos emboscados, caçados, e aterrorizados. Eles sabiam que iriamos e mais que isso, o poder deles estava no ápice. Aquele inverno não os enfraquecia muito pelo contrário.

Quase foi o fim do Protetorado de Safira.

Não! Na verdade, foi o fim. Ali nascia o Legado de Safira.

Meu pai, Raymond de Safira, foi morto ali tentando me salvar e eu herdei o seu legado.

Tempos depois encontrei sua loja, e a Oito Olhos, ou a espada me encontrou como você costuma dizer. O resto você já sabe.

Houve minutos de silêncio após o relato.

Argoluli cofiou seu queixo protuberante.

— Então foi assim que aconteceu. Tenho certeza que você está me poupando dos detalhes mais sórdidos, porém, entendo que deve ser doloroso. _ Olhou diretamente naqueles olhos azuis pela primeira vez. — Do que precisa?

Ela mal podia crer em tamanha generosidade daquele homem visto como mesquinho. Pensou em como as pessoas são rápidas e falhas em julgar e talvez ele não fosse tão terrível assim.

Ela lhe deu seu mais belo sorriso selvagem.

— Eu quero uma górgona furiosa. Quero ver o rosto de terror deles eternizado, quando souberem que eu cheguei com a Oito Olhos para impor seu final.

Argoluli fez um muxoxo dissimulado á isso e suspirou profundamente.

— Oram vejam. _ Disse por fim. — E a fama de terrível ainda é minha.


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