A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 4
Uma lenda é só metade da verdade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/801640/chapter/4

— Aceite que lendas são apenas lendas. _ Iniciou a menestrel seu depoimento. — Não existe Esperança Fantasma.

O inquisidor Altman estava perplexo, não era a resposta que ele buscava. — Senhorita, como algo inexistente causou tamanha tragédia?

Ele se referia ao incidente na hospedaria Trupe Luminosa, no mês anterior. Resultando em suicídios, e frenesi violento entre os frequentadores no dia em que Léia Língua D’prata, uma barda em ascensão, foi compelida a representar tal lenda em público devido um encantamento imposto no próprio palco que obrigava quem se apresentasse, dissesse a verdade. Não em vão era chamado de O Palco da Verdade.

— Embora seja uma lenda, não significa que não tenha fundamentação. _ Retorquiu Léia.

O inquisidor ostentava incredulidade no olhar. Léia meneou a cabeça diante da reação.

— Uma lenda é só metade da verdade. Mal me recuperei, devo recontar essa história?

— Serei franco, senhorita. _ Respondeu Altman com um longo suspiro. — Querem lhe condenar por isso. Estão ansiosos por encontrar um vilão nessa história. Convenci meus pares a ouvir sua história, pois sou um grande fã seu.

— Estaria perdida sem meus fãs. — Riu-se a menestrel. O Inquisidor no que lhe concerne não demostrava achar tão engraçado.

Léia retirou uma mecha incomoda dos olhos, fitando a luz da vela na mesa. Sabia que não adiantava protelar mais a história. Seja como for, agora estava envolvida.

— Esperança Fantasma é um segredo na Casa Gnosis. Nem todo o membro tem acesso a essa historia. Contarei a você apenas uma versão que lhe dará ideia do que está vindo, preservando sua sanidade. Eu mesma não sou completamente sã, todos da Gnosis são afetados pelo preço da verdade. _ Desviou os olhos da chama para lo encarar. — Está bem?

— A Casa Gnosis existe?

Léia ignorou-o, tomando sua resposta como um sim.

— A Esperança Fantasma originalmente chamava-se Al-shawkian, o espinho. Sortilégio criado pelo rei-feiticeiro Shaofaw Giactru, inspirado por Cogshogorat…

— A mãe da cobiça._ Interrompeu a história o inquisidor. Léia revirou os olhos e perguntou. — Posso continuar?

O inquisidor assentiu.

— No ano 750 depois da Primeira Lástima, em Laahad, terras de ninguém, posteriormente, o poderoso Califado de Giactutru. Al-shawkian é citada nos apócrifos de Y'v, Portador da Inveja e Chafaudurh, Pai da Preguiça, na mitologia das Chaves do Caos, o Malafith.

Altman tentou assimilar e Léia deu-lhe um tempo. Sabia estar jogando muita informação para um leigo, de uma vez.

— Parece sinistro. _ Disse o inquisidor simplesmente.

A primeira vez que ouviu a lenda inteira, Léia também achou sinistro, e a história tira seu sono desde então, ela conhecia a lenda por inteiro.

— Conte com isso. _ Disse Léia com um ar cansado.

O inquisidor parecia apreensivo. Léia retomou a narrativa.

— Supostamente o Al-shawkian traria prosperidade á Giactutru, entretanto a verdade era que roubava a esperança dos arredores, um sorvedouro drenando boa-venturança. _ Fez uma pausa e olhou ao redor. Havia estantes repletas de livros além da luz da vela. Era quase como se pudesse senti-los. — Você estudou o quanto Giactutru era avançada para sua época? A verdade é que o segredo desse progresso era o Al-shawkian, que drenava a prosperidade das tribos vizinhas.

— Como pode ser? _ Perguntou o inquisidor lutando para manter a mente aberta, mas ficando cada vez mais confuso.

Léia não facilitou a vida do pobre coitado.

— Entropia. — Rebateu Léia. — Um aspecto da realidade ao nosso redor que rege a sorte, destino, e probabilidade. O Al-shawkian usurpa entropia e condensa em uma mediação, uma fonte, convertendo literalmente a boa-venturança roubada em energia a ser manipulada por seu portador, e esse, era o rei-feiticeiro Shaofaw, essa era Giactutru. Acumulando riqueza e progresso, enquanto misticamente afundava e empobrecia os reinos vizinhos. Entretanto, nenhum segredo perdura eternamente.

Os Najima, família de feiticeiros e vassalos que por muitas gerações serviu Shaofaw e seus descendentes, descobriram o segredo do Espinho. Então, audaciosamente o retiraram do seio de Giactutru, mas no meio de sua fuga foram encurralados pelo Rei-Feiticeiro, Shaofaw IV. Entretanto, o simples gesto de retirar o Al-shawkian do pedestal secular, reverteu os maus augúrios que ele transferiu aos reinos a derredor de uma vez só, gerando calamidades desenfreadas e sem precedentes.

O patriarca Madal Najima, se viu encurralado e foi inspirado por uma solução que só pode ser gerada pela loucura e desespero. Ele ingeriu o espinho, tentando desesperadamente leva-lo para o túmulo, como se acaso acreditasse que se fosse meramente um artefato mundano, os lacaios de Shaofaw IV teriam algum pudor em violar seu corpo, porém ao fazer isso seu corpo se transformou. Os raros relatórios de sobreviventes dão indicio de que, na verdade, Madal ouvia vozes, e que essas o comandavam até seu último ato e assim revelou-se a verdade do Al-shawkian, que só tinha aparência de um espinho, porque a mente humana não poderia a concebê-lo de outro jeito. Certamente era desígnio dos deuses profanos desde o princípio que Madal ao engolir o espinho, fosse possuído por forças obscuras.

Altman não queria se perder em assuntos que não lhe cabiam no momento, sendo assim, foi mais incisivo. — Então, como nossa história termina?

Uma pergunta para a qual Léia não tinha resposta, mesmo assim, tentou montar um quadro da situação em sua mente.

— A apresentação mostrou ao tal de Argoluli o último paradeiro do Al-Shawkian, onde começar sua busca. Certamente já está adiantado á nossa frente pelo menos um mês, mas se engana se pensa que já sabe onde está. Os fundadores da Gnosis confinaram Madal, em algum lugar remoto de Doomlore. As informações são compartimentadas e ninguém tem toda a verdade atualmente, porém é obvio que Argoluli crê estar buscando apenas um artefato poderoso.

— E o que encontrará, na verdade?

Léia hesitou, suava frio.

— O arauto da Lástima Final. Madal e o espinho tornaram-se um só.

Altman puxou uma das cadeiras e sentou-se, de repente fadigado. Léia não sabia, mas ele conhecia Argoluli e isso o preocupava por demais. Apoiou-se nas duas mãos, cada qual no seu respectivo joelho, recostou-se na cadeira e suspirando, inclinou a cabeça para trás. Ela o viu melhor, próximo á luz da vela. Era um homem de meia-idade, de cabelos castanhos claros com um início de fios brancos e barba por fazer.

— Ótimo. _ Resmungou por fim. — Umas das minhas histórias favoritas são daquelas em que temos que salvar o mundo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.