A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 3
Uma boa ideia




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O Ladino tinha dentes mais fortes que sua moral.

Também tinha cansaço, sede, mil arrependimentos… E fome

Entretanto, sobre arrependimentos encararemos os fatos: É fácil arrepender-se diante da morte certa.

Inadvertidamente pensou ser uma boa ideia roubar de um feiticeiro, artífice de itens arcanos, ou seja, lá que raios de nomes dão a classe.

Assim seu destino foi selado quando sua ambição o cegou diante de um artefato único. O anel da invisibilidade suprema, que tinha uma maldição para quem o furtasse como não poderia deixar de ser e como seria com cada item á venda naquela maldita loja. Nesse caso em particular, tornava-se irremovível.

O anel não deixava o usuário só invisível, mas inaudível, indefectível aos melhores cães farejadores, menos que um fantasma isolado de tudo e de todos como a mais perfeita cela de solitária do mundo. Um tanto quanto enlouquecedor para um ser social.

Então ele cometeu o segundo maior erro de sua vida ao tentar devolver o anel.

Todavia o feiticeiro, vítima de centenas de assaltos semelhantes fez uma trajetória na sua mente e previu por pura imaginação o que viria a seguir.

Eu disse que o anel o deixava imune a adivinhações? Sim, mas não disse deixar isento de deduções.

Quando o ladino voltou à maravilhosa loja de Argoluli, um sortilégio foi acionado.

E cá estamos.

Preso, dentro de um pentagrama de um metro quadrado, com um anel que o tornava…

É você já entendeu, amigo. Ele estava muito encrencado.

Por incontáveis vezes tentou apagar, arranhar e socar o pentagrama. Tudo em vão.  

Que sádico faria uma armadilha dessas? — Pensou o ladino. Em contrapartida, quem era ele para julgar?

O passado de Razarthan era no mínimo questionável.

Saiu de casa bem jovem. Não precisava, era ladrão por pura “diversão”. Pertencia a uma família abastada de mercadores e saiu pelo mundo para roubar, matar, mentir e destruir, por nenhuma necessidade plausível. Não tinha nenhum receio de abraçar a escuridão interior, era um egoísta, mimado e entediado dos muitos privilégios de uma vida fácil. Um mero caçador de emoções.

Até que, o maldito anel mudou tudo.

Antes de tentar devolve-lo, visitou a família que não via á anos. Encontrar a antiga mansão em que morava no passado não foi problema. Encarar as consequências dos seus atos, entretanto, foi um pouco mais perturbador do que ele esperava.

O ladino tinha alguma reputação no submundo e, esta destruiu o nome da família.

Quem iria querer negociar com a família do pérfido Razarthan, o desalmado?

A mansão em que viveu a infância já não pertencia à família, agora, era de um velho rival que permitiu a família do antigo proprietário, seu pai, o servisse só para lo humilha. Quando soube que a mãe caiu doente assim que ele partiu e piorava a cada dia, sentiu-se culpado pela primeira vez na vida.

Prometeu para si mesmo que se conseguisse sair daquela situação, se redimiria de algum jeito.

Juntaria economias, limparia seu nome, e resgataria a estabilidade da família.

Quando pensou nisso, só estava irremediavelmente invisível. No seu pouco conhecimento sobre coisas arcanas, pensava que já estava isolado o bastante.

Ledo engano. Agora via que seria muito improvável buscar alguma redenção.

Estava preso naquele pentagrama que o prendia em um espaço mínimo por alguma força invisível e que só desativaria quando o anel caísse do seu corpo morto.

Estava ali há dias, quantos não sabia direito, mas já estava à beira da loucura.

As pessoas entravam e saiam sem o ver, evitando o pentagrama por instinto.

O feiticeiro ocasionalmente ria, sussurrava comentários maldosos para ele.

— Eu já perdi a conta de quantos animais como você que se acham espertos demais para ter êxito sob alguém como eu. Quer saber? Eu não sou um monstro, todavia, não consigo sentir pena de pessoas como você, que morrem estupidamente. _ Olhou para os lados nessa hora percebeu que um freguês o observava com desconfiança. Foi em sua direção para atendê-lo.

Vez ou outra chegava para contar algum causo ou desdenhar mais um pouco. Razarthan ouvia sabendo ser inútil retrucar, mas não conseguindo evitar lamúrias, pragas e xingamentos em vão, aquela figura que ele tinha plena confiança que em outras situações, poderia abater com um golpe só.

Pelo menos é o que ele pensava.

Era após fechar a loja que a tortura de verdade começava. Aquela figura atarracada se gabava, desdenhava e falava no seu monologo como se dirigisse á uma plateia. Se fosse levar tudo que contou em conta, dava para crer que ele era muito mais velho do que parecia.

Certo dia, Argoluli fechou a loja e disse que iria viajar. Despediu-se com cortesia, pois tinha certeza que quando voltasse o ladino já estaria morto.

— Muito bem! ladrãozinho imundo. É aqui que nos despedimos. Espero que tenha uma morte horrível como tem que ser para sua laia. Pena que não vou estar aqui para ver. _ E riu-se.

— Estou falando igual aqueles vilões de histórias clichês. Que horror!

Fez uma pausa e uma cara de bobo, como se tivesse notado só naquele momento.

— De qualquer jeito, não conseguiria ver mesmo. _ E riu-se com aquilo que o ladino á essa altura desconfiava ser uma velha piada particular.

Nesse dia, de volta a solidão absoluta, pensou na mãe que nunca poderia ajudar e, sentiu o remorso que o corroía.

Também tinha cansaço, sede, mil arrependimentos… E fome.

Ergueu a mão do anel mais uma vez, não podia vê-la, mas ainda a sentia.

Abocanhou o dedo anelar. O mesmo que sustentava o anel maldito.

O ladino tinha dentes mais fortes que sua moral.

Pretendia mudar isso.


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