A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 2
Uma balada de fato inusitada




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A entrada na Trupe Luminosa, aclamado estabelecimento de arte e gastronomia, custou três exaltados de ouro, um verdadeiro disparate, mas custaria mais caro para os frequentadores preguiçosos e privilegiados daquele recinto. Custaria a sanidade de alguns.

Camponeses trabalham um ano inteiro para obter um mísero Exaltado, porém para aquele mercador de itens maravilhosos e caros, era uma noite especial e haveria te valer cada grama do seu ouro.

Era á muito custo, que ele abandonava sua querida loja, entretanto sendo um mercador do seu cacife, esse sacrifício ocasionalmente era necessário.

Muitos são aqueles que não entendem as ‘nuances’ do ofício de um mercador de itens mágicos, não fazem ideias dos seus estudos, esforços e, porque não dizer, poder.

Você já parou para pensar que são esses sujeitos que dispõe a venda, as ferramentas que os aventureiros usam para salvar o dia, em simultâneo, em que eles têm que lidar com os imbecis que sonham em rouba-los.

Você sabe que isso é tolice, certo? Pois, bem!

Naquela noite A Luminosa receberia a renomado menestrel, Léia Língua D’prata, maestro da Sinfônica Prateada, que afinava seu violino, um instrumento novo e na moda no grande Palco da Verdade.

Léia criou fama mesclando efeitos sonoros e ilusionismo aos seus espetáculos remontando suas histórias, criando toda uma dramaticidade de imagens e sons.

Sua varinha mágica era o próprio arco do violino, finamente entalhada com runas arcanas, facilitando seu desempenho duplamente, servindo como extensão do instrumento e, ao mesmo tempo, em que era uma ferramenta de sua mágica.

Além disso, Léia tinha seu encanto natural, das amaldiçoadas pessoas que nascem com a graça de serem inteligentes abastadas e bonitas. Uma mulher alta, de longos cabelos negros como o auge da meia-noite e olhos azuis como um dia de verão ao meio-dia.

— Boa noite, Trupe Luminosa. _ Apresentou-se. — Sou Léia Língua D’prata. _ Mostrou a língua rosada a plateia e riu-se da própria piada. A plateia a acompanhou no riso contagiante, mesmo aqueles que já a viram em outras apresentações. Tinha fãs. — Segundo a tradição, a primeira balada é o desafio da Casa. _ A isso se seguiram aplausos.

O desafio da casa era uma canção aleatória escolhida por alguém na plateia. Tal privilégio era obtido num leilão. O Palco da Verdade era um sortilégio encantado. Qualquer pedido de canção feito ali deveria ser atendido ou o bardo, para sua vergonha, deveria admitir que não conhecesse a canção pedida.

Aquele mercador participou do leilão, é claro, e arrematou esse direito pela bagatela de quatrocentos exaltados.

Quatrocentos anos de trabalho de um camponês comum, vale ressaltar, para você entender o “poder” que essas criaturas têm. O mercado fez seu pedido.

— A balada da Esperança Fantasma. _ Instantes de silêncio precederam ao pedido.

Uma balada de fato inusitada e desconhecida do grande público.

A barda ergueu seus olhos e procurou a voz na plateia.

— Apresente-se desafiante. _ Disse com um sorriso amarelo. Quem era esse desafiante?

— Chamo-me Argoluli. _ Respondeu o mercador se apresentando, ao se erguer do seu assento a mesa que detinha sozinho. Era de baixa estatura, nariz adunco, de aparência muito pouco impressionante. Usava um monóculo e tinha uma cicatriz na orelha esquerda que tentava disfarçar mal com dois brincos.

— Argoluli. _ Replicou Léia. — Poderia acaso ser outra canção?

A pilhéria na voz da violinista camuflava desconforto. Argoluli percebeu e ignorou, e a plateia acompanhava o desafio com interesse e diversão. Decerto apostavam contra e a favor de Léia por baixo das mesas. Será naquela noite que um desafiante finalmente conseguirá encurralar Léia com uma canção que ela não soubesse tocar?

Rejeitar o desafio era impossível no Palco da Verdade, devido o encantamento que o batizava.

Apagaram-se as luzes; e a sinfonia começou. Léia não tinha escolha.

Léia, exímia conjuradora, manipulava o som através da magia replicando melodias, suas ilusões remontavam histórias, simultaneamente ela tocava seu violino.

Sentia-se desconfortável.

Uma história acontecia ali entre Léia e o ilustre desconhecido, enquanto outra era encenada.

Como se a canção fosse amaldiçoado, a barda fez um grande esforço tal como quisesse escapar de uma armadilha. De fato o era, dada às circunstâncias.

A mente de Léia estava dividida em sua tarefa obrigatória e em quem era aquele homem.

A sinfonia preenchia o ar causando arrepios e apreensão irracional nos envolvidos e, linguagem cantada era estranha, talvez num esforço de ocultar sua mensagem, Léia pode escolher cantar a história na sua versão original, em vão, pois Argoluli entendia bem o que ouvia. Ele se preparou para aquilo.

Era um hino à tragédia.

A queda do reino perdido, a antiga Giactutru, único que carregou o título de império mundial.

As ilusões projetadas por Léia mostravam torres de ouro e joias, jardins suspensos, pirâmides colossais e maravilhas esquecidas, A plateia observava tudo com fascinação, afinal as imagens mostravam uma cidade que só poderia ser concebida nos sonhos mais insanos de um rei. Somente para em seguida mergulhar tudo numa luz verde doentia e corroer tudo que havia ali e todos que ali habitavam, envenenar os rios, secar as figueiras e derrubar os pássaros do céu. Vultos grotescos surgiram em meio a uma névoa sinistra e arrancaram gritos de uma plateia hipnotizada pelo fascínio e o terror da destruição repentina, totalmente envolvida agora.

Em meio ao caos sem precedentes, havia uma luz azul; aquilo que Argoluli reconheceu como “A Esperança Fantasma”

Não se sabia se usurpada ou por vontade própria, por ambição ou punição, pessoas em trajes cerimoniais surgiram, ressoando a canção em conjunto com a barda. Era um tanto sinistro, pois era como se aquelas pessoas realmente estivessem ali, e não que fossem criadas pela magia do menestrel.

As imagens replicavam uma família que escapava, e dado momento um dos membros engoliu um objeto parecido com um grande espinho, parecia lhe causar dor e angustia e os vultos que atacavam a cidade se voltaram para eles e os envolveram.

Entre as aclamações alucinadas e gritos de horror, tanto da plateia absorta quanto das imagens projetadas, Argoluli partiu desconsiderando o segundo ato, apressado, porém sorridente. Abandonando uma barda apreensiva e confusa. Seu objetivo fora alcançado.

Sabia onde começar sua próxima jornada.

Léia estava abalada ao ver o estranho partir e ainda meio lucida. Até ela, no entanto, estava afetada, não sairia ilesa de tanta carga emocional. Sua mente martelava questões.

Como aquele homem sabia da Esperança Fantasma? Quem era ele?

Sentia-se usada.

Nenhuma história poderia ser negada no palco da verdade.

No dia seguinte, Léia foi encontrada chorando sangue, em meio a uma plateia de insanos.

Enquanto isso, Argoluli estava longe, em busca de sua próxima aquisição.


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