A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 19
Um pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Olá prezado cliente.
A Maravilhosa Loja de Argoluli mais uma vez abre as portas para você.

Hoje trazemos um produto especial, chamado fanservice.
Ah, o que eu não faço pela clientela?
Com direito a imagem e trilha sonora no link.
Eu espero que vocês gostem.
Devo advertir que esse é o capítulo mais longo da temporada até agora. Quis dividir, mas achei que ia perder o ritmo, se não, o sentido. Então coloquei completo.

Agora o pedido de sempre.

Deixe seu feedback, sua crítica, sua ajuda pode melhorar a historia e me mostrar um caminho.
Fora o incentivo.

Façam isso não só por mim, mas para os escritores que vocês gostarem. Tenho certeza que vão amar e fortalece a amizade, aí. ^.^
Sem mais demoras, mais um capítulo para vocês.



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Tema: 

Al Qaynah - Cihangir

https://www.youtube.com/watch?v=LKsfeOsT-fo 

"Isso não pode estar acontecendo" _ Foi o que veio a mente do ladino. “Não pode ser real".

Estava no inferno em vida.

Um lugar fétido, úmido, escuro e abafado, quase sem ar para respirar.

Nas entranhas de um monstro.

O mais irônico de tudo era saber que lá fora estava pior.

"É um pesadelo".

Enquanto isso repassava mentalmente como chegou àquela situação.

O som do lado de fora era aterrador apesar de onde estava e parecia cobrir o mundo.

Atordoado com a velocidade em que a desgraça se abateu sobre eles, não tinha mais nada a fazer senão repassar mentalmente o que aconteceu e aguardar o fim.

***

Os “cavaleiros”, comemoraram a boa morte dos companheiros na noite anterior, e compartilharam historias ao redor de fogueiras a despeito dos  alertas do ladino que chamariam atenção de outros nômades, atravessadores e traficantes.

Deram-se ao trabalho de enterrar até mesmo os corpos adversários, embora que com menos pompa, em valas comuns e amontoados.

Deixaram dois túmulos com distinção, um para cada companheiro perdido com todas as honrarias possíveis.

Espadas marcando as lápides, boas espadas.

Armas que não ficariam por muito tempo quando um dos vários meliantes que ali habitavam as encontrasse, pensava o ladino.

Cobriram tudo com largas placas de cristal vermelho, que também não ficariam ali quando os atravessadores os vissem.

Um pequeno tesouro deixado para trás a troca de nada.

Honra entre mercenários era algo ridículo para Razarthan que não entendia o proposito daquilo, mas sabia que era minoria.

Percebeu que para os demais, fazia algum sentido e concluiu ser melhor não contrariar.

Laucel já não havia demonstrado simpatia por ele e os demais mostravam essa simpatia pelo veterano. Contraria-los questionando o porquê daqueles atos, não parecia saudável.

“Uma boa morte” eles repetiam, e a cada vez que citavam isso, Razarthan coçava a cabeça e revirava os olhos instintivamente.

Um monge Guudha quase conseguiria ler a mente do ladino, só por suas expressões faciais, mas os Safira não estavam interessados na opinião de Razarthan, para a sorte dele.

Podia se esperar tudo dessa gente que comemora a morte, não é mesmo?

Eles tinham bebida e Razarthan vontade de se embriagar, foi o que fez.

Foi dormir com a cabeça cheia de vinho barato e olhos vidrados no impressionante Cinturão de Dohara, que circundava o céu noturno e refletia a luz do sol a noite. Ele parecia muito mais visível no deserto do que nas cidades iluminadas de Doomlore.

Até onde ele sabia aquilo e as ilhas flutuantes espalhadas pelo continente, eram tudo que restará da Lua Dourada e do Impressionante Império Zenith.

— Não importa o quão poderoso algo seja, parece que tudo tem um fim. — bebeu mais ainda antes de dormir.  — Menos os malditos deuses.

E no dia seguinte se amaldiçoou por isso.

Seu cavalo estava entre os que foram arremessados para o alto sem aviso.

Somente seus reflexos embaçados pelo álcool, mais treinados com afinco por anos de profissão, garantiram que ele não fosse abocanhado na primeira investida.

O chão explodiu em uma torrente de pó vermelho e areia. O mundo virou do avesso.

A criatura irrompeu do chão cristalino como se aquilo não significasse nada para ela, e um cavaleiro jovem que estava do seu lado, contando alguma piada suja longe dos ouvidos de seus superiores, foi partido ao meio com cavalo e tudo.

Morreu com um sorriso sacana ainda nos lábios, sem entender o que estava acontecendo.

O céu choveu sangue, o álcool revirou do estômago a garganta, poeira e pó de cristal invadiram suas narinas e ele achou estar alucinando, mas se estava não parecia ser o único.

— Verme gigante! _ Alguém gritou e o pavor desenfreado tomou as rédeas dos cavalos.

Nenhum batedor poderia prevenir o que não deixava rastros. Os reflexos entorpecidos pela ressaca do dia anterior, não alertaram Razarthan que algo se aproximava deles.

Era um monstro. Tinha cinco metros expostos acima do solo e pelo menos mais três enterrados abaixo para poder empinar equilibrado em toda sua majestade asquerosa.

Um verme nessa proporção era raro. Não parecia ter pele e sim couro, e esse lembrava mais uma couraça. Havia algumas cicatrizes, não era sua primeira caçada.

Só a presença de espírito de Ester manteve a unidade dos cavaleiros ou eles teriam debandado e seriam massacrados.

Pelo menos nos primeiros instantes.

— Arcos! — berrou alto Ester, aos cavaleiros atrasados. — Disparar! — aos cavaleiros ao seu redor deu ordens de recuar.

Razarthan que ia mais adiante quase obedeceu. Foi quando notou que ela e Laucel permaneceram e quando percebeu que ele mesmo ficou.

— O que está fazendo, idiota? _ Indagou Laucel quando se deu conta do fato.

"Que porra estou fazendo"? _ Perguntou Razarthan a si mesmo. Entretanto, não havia tempo para debate.

O monstro atacou e seu ataque ceifou mais vidas.

Quatro cavaleiros retornaram para se interpor entre o verme e a sua líder, como se quisessem morrer por ela, e quem vai dizer que não?

— Idiotas! Recuem! _ No calor da batalha. Safira perdeu a compostura.

O verme gigante desceu seu peso sobre o mais adiantado deles, esmagando cavaleiro e cavalo, disparou em diante e atropelou o segundo, abriu a bocarra de dentes enfileirados do tamanho de adagas e atropelou o cavalo do terceiro, jogando o cavaleiro garganta á dentro, que ainda cravou a espada ali, na boca do monstro que tão somente fechou-se tragando o mesmo. Dava para ouvir todos os ossos sendo esmagados de uma vez. O quarto foi arremessado para o alto com cavalo e tudo em um movimento simples de abaixar e suspender a fronte do monstro, como se desse um mergulho raso na areia, revelando sua força aterrorizante.

Atrás os cavaleiros restantes buscavam fazer uma formação de ataque ou defesa, qualquer uma, com sua líder destacada a frente em franca intenção de defender seus seguidores, Ester abandonou a liderança em um ataque individual.

Quer dizer, quase. Ela foi seguida por seu fiel braço direito Laucel.

Razarthan que nunca pertenceu a nenhuma tropa, tentava mais uma vez acompanhar o fluxo dos movimentos como uma onda, mas nessa maré não via meios de navegar.

Havia sido derrubado do seu cavalo e batido violentamente no chão de costas. Havia um cavaleiro caído ao seu lado, e ele rolou puxando esse, em simultâneo, em que evitou o avanço do monstro sobre os dois. Fez aquilo por reflexo, e rapidamente se convenceu que fez aquilo pelos números e nem por um momento pensou estar sendo corrompido pelo heroísmo.

“Cada cavaleiro conta agora”. — disse a si mesmo.

Quando ergueu os olhos, viu que Ester franqueava o monstro a esquerda empunhando a espada Oito Olhos e Laucel com uma lâmina subitamente em chamas a direita. Não sabia dizer quando Laucel invocou aquelas chamas.

Unidos conseguiram ter êxito em ferir a aberração, mas talvez se tentassem tatuar o couro do monstro causassem mais danos.

O verme apenas ralou neles e simples assim, cada um foi pelos ares caindo dos seus respectivos cavalos.

A ferocidade que o monstro demonstrava era mais que um predador caçando para saciar a fome. Na verdade, para Razarthan parecia mais que o objetivo do monstro era tão somente arrasar as tropas ao invés de se alimentar, e era o que estava fazendo.

Os cavaleiros tentaram ir a resgate de sua senhora, agora mais atentos a criatura que saíra por completo da terra. Oito metros como o previsto, uma baleia rastejando na velocidade de uma víbora sobre a areia e o cristal do deserto.

Nesse ímpeto, alguns conseguiram desviar da criatura, mas pelo menos outros quatros foram feridos ao tentar ataca-la, com apenas uma chicotada da parte traseira do monstro.

Quando alcançaram sua líder caída, os cobriram com escudos dando também cobertura a Laucel. Foi quando veio à ordem.

— Disparar! _ Bradou Safira para os arqueiros prontos do outro lado. Agora as tropas estavam divididas graças ao caos. Razarthan tentou correr para a cobertura, porém foi detido pelo cavaleiro que salvou, o qual cobriu a si mesmo e a ele com seu escudo.

Não que os arqueiros fossem errar um alvo daquele tamanho, mas precaução nunca é demais.

Os arqueiros dispararam na direção da besta serpenteante. Antes tivessem economizado as flechas que ricochetearam.

Trocaram olhares aterrorizados uns aos outros, reconhecendo estarem diante de uma força superior, bem diferente dos nômades vermelhos, agora.

Safira rapidamente observou o quadro e em sua mente frenética tentou tirar proveito da situação. Já que estavam divididos, gesticulou aos cavaleiros ao redor que gesticularam uns aos outros como numa corrente de sinais. Eram treinados para isso.

Rapidamente se moveram para fazer um anel de cerco ao redor do monstro e atacar ele de todos os lados. Embora quatro cavaleiros tenham sido abatidos em um instante, o monstro não poderia atacar todos ao redor em simultâneo.

“Uma boa saída” _ Pensou Razarthan cedo demais.

Como se não bastasse toda essa desgraça, parece que o alvoroço estrondoso e repentino atraíra outros vermes. Eram menores, filhotes provavelmente, que irromperam canhestramente o solo, como o maior o fizera antes, mas sem acertar alvo algum. Se posicionando apenas ao redor do primeiro a surgir.

Isso quer dizer mais três deles, cada um com cerca de três metros de comprimento; cada um da altura de um elefante.

Os cavaleiros se entreolharam em franco espanto e involuntariamente recuaram dois passos atrás, uma brecha que não deveriam ter dado de forma alguma.

Monstros assim não tem instinto de sobrevivência, apenas fome. Enquanto os cavaleiros hesitaram, não houve um átimo de hesitação por parte dos vermes.

Porque haveria hesitação diante de um banquete?

O massacre triplicou.

Os cavaleiros abateram os vermes sendo abatidos no processo. Menos a "mãe".

Na mente deles se os menores eram filhotes, o gigantesco era a mãe. Se bem que cá entre nós, essas criaturas não são tão filiais e devoraria as crias em caso de fome extrema.

O próprio Razarthan, acompanhado de Laucel, abateram um dos filhotes.

Por todo o campo de batalha, porque aquilo virou uma batalha e mais sangrenta e desesperada que a dos nômades se ouviam gritos de fúria, dor e medo.

Alguns "cavaleiros" mais jovens entraram em pânico total.

Razarthan viu que pelos menos três cometeram o erro de virar as costas para fugir, cada despedaçado imediatamente por um verme.

Alguns dos filhotes paravam para se alimentar ali mesmo.

Era uma cena que causaria pesadelos a quem sobrevivesse para o resto da vida.

A dor e a agonia dos que foram devorados vivos, suas vísceras arrancadas diante de todos como o sumo de uma fruta madura. Todavia no frenesi da batalha é matar ou morrer. Não havia como salva-los ou parar de lutar.

Restava somente a oportunidade de eliminar mais um verme enquanto esse estava distraído se alimentando.

Razarthan que apesar de toda loucura, tinha sangue-frio o bastante para ao menos tentar racionalizar qualquer situação, observou que o verme mãe, não dava tal brecha para ser atacado.

Estava se ocupando tão somente de massacrar a todos.

"Alimente-se, maldita" — esbravejou na sua mente. "Nos dê uma oportunidade, sua filha de uma puta". — ela não deu.

E assim os cavaleiros caiam, um a um.

Doze dos cavaleiros que sobreviveram aos nômades estavam mortos. Todos estavam feridos, inclusive Razarthan, Safira e Laucel.

Ninguém sairia ileso daquele conflito.

—Por que caralhos nada age de maneira típica nessa merda de deserto? — Xingou alto, Razarthan. 

Então ele lembrou-se do vulto que avistou a distância no confronto anterior dos nômades.

"É o Grande tabuleiro" _ racionalizou. "Tem alguém jogando contra nós"

Buscou ao redor, além da batalha. Novamente uma pessoa estava numa posição segura, mas que tinha que observar o campo de batalha.

Achou o que procurava.

— Tem alguém jogando contra nós! _ Berrou acima da algazarra.

— O quê? _ Indagou Laucel como se ele estivesse louco.

— Ali! _ Disse apontando para o horizonte. Havia um vulto sentado contra o sol. — Me deem cobertura.

Safira olhou na direção por um instante e acenou com a cabeça em reconhecimento. Apeou um cavalo desgarrado e partiu ao ataque do verme mãe, o último remanescente e o mais perigoso, ainda quase ileso. Laucel a seguiu. A espada parecia uma língua de fogo. Labaredas.

"Como não queima a mão dele”? — indagou-se o ladino. “Ele se chama labaredas”. — lembrou-se o ladino. “Labaredas Laucel”.

Razarthan pegou outro cavalo desgarrado que sobreviverá, teve mais trabalho que Safira ao dominar o dela, porém conseguiu, e partiu em direção ao vulto.

Enquanto isso, Ester de Safira investiu na direção do verme mãe, seguido de perto por Laucel. Ambos feridos em tantas partes que seria uma tarefa árdua contabilizar.

Todavia entre o trajeto e o momento do impacto uma transformação ocorreu.

Ester convocou todo o poder que já havia conquistado e liberado da espada Oito Olhos e ocorreu uma transfiguração física na sua face. Sua famosa beleza transformada em uma carranca selvagem de quatro olhos.

Dois olhos menores, porém bem visíveis abaixo dos orbes originais, equivalente às quatro joias da espada que fulguravam em brilho ressonante.

Com um urro animalesco, Ester atingiu o monstro, e dessa vez o estrago foi notável.

O golpe causou um ferimento que fez um muco viscoso jorrar onde deveria ser sangue, com partes do corpo do cavaleiro que havia sido engolido, mas ela pouco se importou, parecia fora de si.

Desferiu outro golpe ainda mais firme e não se deteve até a criatura tombar. A espada reluzia e vibrava em sua mão como uma coisa viva.

Ela estava mais forte, mais poderosa e era mais rápida que o verme mãe agora.

Enquanto isso, Razarthan se aproximava do seu alvo. Já podia vislumbrar seus contornos e partes dos seus adereços.

Seja quem fosse, era esguio, parecia até mesmo frágil e estava coberta dos pés a cabeça com um grande — ele julgou — lenço ao redor do crânio. Ostentava um cajado ou uma espécie lança nas costas, contudo ao invés de uma ponta de aço, era ornado por um cristal pontiagudo.

Atrás dele só conseguia imaginar o desenrolar da batalha ao som de lamúrias, gritos de dor, fúria e desespero dos sobreviventes que foram em auxílio de sua destemida líder.

"Não"!

"Cuidado. Ele vai atacar”.

“Minha perna”! — O som de ossos se partindo e gritos de agonia.

"Maldita! Você matou”... — Uma frase solta jamais completada.

E outros sons semelhantes e igualmente perturbadores.

A cada metro notava algo há mais do seu objetivo.

Parecia estar em transe.

"Outro maldito feiticeiro, afinal". _ concluiu. Lembrava-se de Argoluli e no quanto se arrependia de ter buscado auxilio na magia á venda em sua loja. “Magia só traz problemas”. Ele nem imaginava a transfiguração que Ester sofria nesse mesmo momento por conta disso.

O cavalo não atropelaria o feiticeiro em transe, ele sabia o mínimo de cavalos para ter ciência disso, então passou o mais próximo possível e com uma adaga já presa nos dentes se arremessou com violência em cima do feiticeiro.

Seja o que ele estivesse fazendo, se precisava entrar em transe ao ponto de não notar um cavalo se aproximando, era fácil deduzir que o transe devia ser quebrado.

E funcionou. Melhor do que ele previa.

Atrás dele o verme mãe se viu repentinamente atordoada e desorientada, enquanto o feiticeiro, também atordoado, sentia o ar escapar subitamente de seus pulmões.

Razarthan poderia e talvez devesse ter saltado já cravando sua adaga no feiticeiro, todavia sua mente vingativa queria que ele visse quem o mataria.

Ester no que lhe concerne, compenetrada no combate, constatou a oportunidade e não titubeou. Desferiu um goste na abominação de baixo para cima tão violento que penetrou couro e carne espalhando as vísceras do monstro ao redor. Ela recebeu um jato generoso de visgo no lugar do sangue, mas não parecia notar. Ao invés disso, sorria em deleite selvagem.

A fera tombou, para não levantar mais.

Razarthan dominou o feiticeiro, a adaga entre os dedos erguidos para o golpe final. Por menos de um segundo sua visão era o lenço da cabeça soltando-se e sendo levado pelo vento forte que soprou de repente, para logo a seguir ele mirar o rosto do seu oponente.

O feiticeiro, era uma garota.

O cabelo mais negro que o carvão, com a textura da seda, roçou alguns fios em seu rosto, chicoteando-o com uma mexa única branca como a neve em contraste.

Os olhos delineados em negro eram de um castanho dourado que apreciam arder como o bronze em brasa numa forja. O nariz afilado, a boca parecia desenhada e a pele acobreada, ela era tão bela, que ele se viu forçado a suspirar fundo.

O coração que ele acreditava que não tinha há anos titubeou por um instante.

Ela olhava-o de volta. No primeiro momento atordoada e com medo. Logo após uma fúria inexplicável. Ainda assim, ele conseguia ver beleza nas duas expressões.

Imaginou depois que era assim que o pássaro se sentia olhando para a serpente, antes do bote, e meus amigos, o bote veio.

— Amaldiçoado seja, Malafith. _ Ela fechou as mãos em torno de um punhado de areia e soprou no rosto do ladino, que ficou momentaneamente cego e com a dor de ter areia nos olhos e logo após o pior aconteceu. Ele sentiu uma dor que subiu de sua virilha até os olhos lacrimejantes. Foi um ataque certeiro.

Suspeitava que fosse o fim de qualquer oportunidade de gerar descendência. De qualquer forma ele não pretendia ter filhos mesmo.

Ela aproveitou para sair debaixo dele e rastejar para longe. Nunca se sentiu tão humilhada na vida.

Ergueu-se, recompõe-se e buscou pelo seu “hijab” e o devolveu ao rosto de qualquer maneira.

— Maldito sejam todos vocês, Malafith! — esbravejou a feiticeira. — Se houver uma próxima vez que nos encontrarmos será a última. Eu, Zaya filha de Shaofaw, princesa de Giactutru, assim prometo.

Razarthan já com o encanto quebrado e esquecido de qualquer coração, estava de joelhos e furioso vendo a imagem embaçada de quem falava com ele. Deveria ser o bastante, ele supunha.

— Até parece que vai haver uma próxima vez. _ Ele disse. — Vamos resolver isso agora.

Então o vento forte se elevou com maior violência, como se fosse uma advertência. Ela riu e apontou para trás dele.

— Concordo que vai ser difícil. _ Zombou Zaya.

Ele congelou. Sabia que não era um truque, o vento estava cada vez mais forte e o barulho que o seguia era bem característico. Ele sabia o que era só não queria acreditar. Ainda que nunca tivesse visto nenhuma na vida.

— Tempestade de areia. — Admitiu com pesar para si mesmo.

Do nada, uma tempestade de areia encobriu o horizonte, inexoravelmente vindo à direção dos sobreviventes.

Como dita o proverbio, “desgraça pouca é bobagem”, ainda por cima a areia era estranhamente vermelha.

— Ora vejam todos os lordes demoníacos. _ Ele sentiu uma vontade insana de rir. — Quem disse que não é possível morrer feliz?

As nuvens de areia estavam carregadas de pó de vidro vermelho. Ele nem ousava imaginar qual seria o efeito disso.

Nesse meio tempo, a feiticeira desapareceu, é claro. É o que eles fazem.

Ester já voltara ao normal, estava acompanhada de um Laucel visivelmente apreensivo quando o alcançou e atrás deles, quatro cavaleiros restantes e moribundos, mais mortos do que vivos.

Eles não disseram nada. Apenas olhavam a tempestade se aproximando com desanimo.

Se os ventos cheios de pó de cristal não os cortassem como navalha até a morte, talvez a droga em excesso no ar os matasse primeiro.

“Morrer na farra”. _ Pensou Razarthan ironicamente. “O sonho de todo ladino”.

Olhou para os cavaleiros ao redor e teve vontade de dizer para respirarem fundo, que ia ser a maior sensação da vida sem sentido deles. Não tinha mais nada a perder.

Foi quando ao olhar ao redor com mais atenção, teve uma ideia.

Começou a arrastar corpos e amontoa-los. Tinham poucos minutos antes de serem engolidos pela tempestade.

Foi um Laucel confuso que perguntou. — O que pensa que está fazendo?

O velho não era muito criativo.

— O que eu sempre faço de melhor! _ Tinha que gritar devido ao barulho. — Sobrevivendo!

Ester arregalou os olhos ao entender.

— Escudos e cavalos também! _ Ordenou aos sobreviventes. — Tudo num lugar só! Agora!

E assim fizeram uma barricada que serviria logo a seguir de cobertura. Ninguém tinha certeza se ia funcionar, mas tinham que tentar.

Todos entraram debaixo dos corpos menos um. O último deles.

Razarthan ficou do lado de fora para ajeitar os escudos e quando deu por si, já era tarde demais e apertado em excesso para entrar ali com eles. Se o fizesse, iria desmantelar tudo dando uma brecha enorme para serem atingidos.

Respirou fundo, contemplou a tempestade, imensa, colossal e aceitou seu destino.

Salvaria aquelas pessoas e cumpriria a sua promessa? Sim.

— É isso aí, mamãe. Seu filho é um otário completo, agora. — resmungou o ladino para si.

— Por quê? _ Ele ouviu Laucel perguntar por uma fresta aberta, que ele mesmo foi lá e fechou.

— Não me faça perguntas estupidas, e abaixe-se! _ Respondeu Razarthan.

Voltou-se a olhar para a tempestade de areia vermelha e gritou.

— Venha sua meretriz sifilítica! Eu sou seu! Possua-me! Me leve para o além, alucinado!

Gargalhou histericamente. Era questão de segundos agora.

Olhou ao redor. O derradeiro lugar em que Razarthan, o sem coração pisaria no mundo dos homens e no último instante; notou que talvez não precisasse ser assim.

A poucos metros dele, estava a verme mãe. Tronco aberto e vísceras expostas.

— O que eu sempre faço de melhor? _ Disse para si mesmo.

A tempestade de areia vermelha abarcou a tudo e a todos e o seu som parecia cobrir o mundo.

 


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Notas finais do capítulo

É isso aí pessoal.
Continuem fazendo suas perguntas e questionando.
Dessa vez não pensei em nada de interessante para por aqui. Talvez vocês queiram saber dos Zenitheres, mas não quero sobrecarregar vocês.
As poucos vocês vão saber o que importa.
Então, até a próxima.



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