A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível escrita por Félix de Souza


Capítulo 12
LIVRO 2 - Uma ruína


Notas iniciais do capítulo

Olá, saudoso cliente.
Depois de um grande recesso, declaro reaberto A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível.

A gerência pede desculpas pelo transtorno e pela demora.
Andamos atulhados de alguns problemas corriqueiros dessa vida mundana.
Acidentes físicos. Danos psicológicos.
Bem, vocês sabem, coisas da vida.
Felizmente, já superamos ou estamos superando parte deles.
A grana continua sendo um problema, por isso, entre na loja, fique a vontade e me diga se achou algo de interessante.

Sejam todos bem vindos, á mais um capítulo de A Maravilhosa Loja de Argoluli — O Terrível.

A gerência.




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O ladino tinha dentes mais fortes que a sua moral.
Isso continuava sendo verdade.
A despeito de jurar que mudaria promessas só não permanecem vazias nas fábulas. Quando a fome ataca, sobreviver é a prioridade e ser herói não era para Razarthan, o sem coração. Assim pensava o ladino.
Felizmente sua reputação ainda garantia algum serviço apesar do dedo perdido, na maldita loja de Argoluli, o desgraçado, gnomo bastardo.
Estava a serviço do infame Legado de Safira, sua missão era corriqueira.
Facilitar o acesso á uma ruína supostamente localizada na Mesa Carmesim, também conhecido como O Grande Tabuleiro. Essa era uma das pitorescas alcunhas do mal-afamado território.
“Na mesa carmesim, repousa um tabuleiro de um jogo onde a aposta é vida ou morte”.
Essa é a reputação do território. Lírico não é mesmo?
Não é um lugar para amadores, e o próprio Razarthan estava ali pela primeira vez. Pelos olhares ansiosos da comitiva que acompanhava, suspeitava que não fosse o único virgem naquela que poderia ser uma orgia sangrenta.
A contratante e líder da expedição, Ester de Safira, garantiu que estariam acompanhados de seus vinte melhores “cavaleiros” e que ele seria ricamente remunerado, além de levar dez por cento de qualquer butim encontrado. Se sobrevivesse, é claro.
Razarthan tinha dúvidas sobre o que achar mais curioso sobre essa declaração. O fato da corajosa líder do legado do protetorado de nada, cogitar baixas, acompanhada de seus melhores cavaleiros, ou o simples fato dela se referir a eles como cavaleiros.
Lá estavam eles, além das fronteiras de sua saudosa Doomlore. Fazia uma semana que partiram e já pareciam anos.
A Mesa Carmesim era oficialmente terra de ninguém. Estava no território conhecido como Terras Escarlates. Um terreno fértil em bandoleiros, mercenários, atravessadores, escravagistas, renegados, desertores e toda a escória do mundo.
Melhor dizendo, um terreno adubado.
Aliás, esse pessoal adora uma cor avermelhada. Eles nomeiam os lugares como, Mesa Carmesim. Terra Escarlate. Bordel Espada Vermelha.
A Mesa Carmesim era, entretanto realmente ruborizada.
Trata-se de uma grande extensão de área desértica repleto de um minério especial, O povo costuma chama-lo Vidro Vermelho, os poetas de cristal carmesim. Existem algumas tragédias escritas sobre o produto e nomeá-lo de vidro vermelho pareceu banal para os menestréis.
Razarthan via que o cristal “precioso” literalmente brotava da terra a olhos vistos. Os efeitos e prazeres sombrios que ouvira dizer sobre o produto, dava certa comichão na sua pele, mas seria inconveniente no meio da companhia, abaixar e tomar um pouco para si. Estava de serviço e tinha uma reputação á zelar.
Não havia vilarejos á vista, nem sequer uma cabana por quilômetros, assim como arvores. Nenhum sinal de garimpo.
O motivo é que eles estavam tão somente em uma das áreas de natureza mais inóspitas do mundo.
A incidência de chuva ácida é comum. O chão é calcinado, a água insalubre e ausência de árvores por pelo menos cinquenta quilômetros ou mais. O calor é intenso como uma filial do inferno de dia e o frio extremo como o norte desolado, além das Muralhas de Brumas à noite.
Qualquer criatura que habitasse o local adaptado ao clima e ‘habitat’ daquele lugar, seria um desafio duro de encarar. Não haviam animais normais á vistas, portanto, qualquer coisa que fosse grande o bastante para levantar poeira no horizonte era diligentemente evitada, com sucesso até então, graças aos batedores do Legado.
O único ponto de interesse nesse território para alguém de fora, seria o cristal.
Razarthan fez suas pesquisas no submundo antes de vir. Como sempre queria ter noção de onde estava se metendo. Ele descobriu que a mineração do cristal ocorre sob forte escolta armada, e não costuma durar mais de dois dias de trabalho frenético de atravessadores, traficantes e mercenários. Além de mão de obra quase sempre escrava, e sempre com certo número de óbitos.
Um viciado contumaz teria serio problemas em ir até essa parte do deserto e recolher os frutos desse paraíso de alucinógenos do chão.
Bandoleiros de várias facções que disputam a posse da área e também os nômades vermelhos. Viciados que foram longe demais no uso de cristal. Já vamos chegar neles.
A Mesa carmesim era apenas uma parte do território devastado conhecido como Terras Escarlates, que faziam fronteira com Al-Azim, um reino exótico de Thronus.
Essas informações todas foram recolhidas previamente por Razarthan para lhe situar na afável situação em que se encontrava e estabelecer um preço razoável. Esse é o nosso "herói".
Teriam que trabalhar para evitar os atravessadores, os nômades e todas as aberrações que existissem no terreno, quase com certeza de fracasso. Uma hora ou outro o problema surgiria.
É nessa paisagem maravilhosa que encontramos Razarthan, agora.
O suor escorria nas suas costas, da nuca a lugares inconvenientes, enquanto ele reconsiderava um adicional a sua tabela de preços para lugares desconhecidos.
Uma coisa é saber na teoria. Na prática, era bem pior do que ele imaginava.
— Você está bem, ladino? _ A figura de um senhor de meia-idade aparelhou com o cavalo de Razarthan. O ladino admitia para si mesmo que quando chegasse a idade do velho, gostaria de demonstrar o vigor que ele dispunha, ou dissimulava.
Era robusto e se sentava ereto em sua sela como se o sol não fosse nada de mais, mal suava e Razarthan ficou grato no seu interior por ter a repentina sombra do cavaleiro bloqueando a luz ofuscante que refletia nos cristais do solo.
O homem se autodenominava Sir Laucel de Labaredas.
Supostamente descendente de outra nobre linhagem de cavaleiros falidos, assim como Ester de Safira.
Laucel de Labaredas e Ester de Safira.
Loucos. Pomposos. Era divertido ver como eles se davam importância.
Se Razarthan estava bem?
Seu corpo, não, todavia considerava que sua mente estava mais sã do que a deles.
Ossos do ofício. Era contraproducente esmiuçar o assunto. O importante era o pagamento envolvido e a tarefa cumprida, e ele mal chegou e já queria acabar com aquilo logo.
— Estou bem, Sir Laucel. _ Sua voz rouca devido à garganta seca, não soou verdadeira nem para seus vaidosos ouvidos de mentiroso. — Apesar de notar que esse não é um lugar muito amigável, vou sobreviver.
— Ótimo. _ Respondeu um cavaleiro que não se importava de verdade. Para Laucel, era muito inconveniente depender de gentalha como aquela, mas, ordens são ordens e sua superior Ester de Safira demandava. — Você tem ideia de onde estamos?
— Espero que não estejamos perdidos, Sir. _ Retrucou o ladino meio brincando e meio preocupado com a hipótese. O cavaleiro ao seu lado bufou meio divertido e meio por desdém. Resolveu continuar o assunto por fim.
— Dizem que havia há muito tempo, ainda em outra Era, um próspero reino perdido aqui que se chamava Giactutru. Outrora riscado do mapa da noite para o dia.
O Ladino não era especialista no assunto, mas ouvira falar sobre Giactutru quando criança, nas festividades em que os bardos tocavam por alguns trocados em Doomlore.
Também ouvira sobre a fabulosa casa feita de chocolate de Madame Tulma e o Mímico gigante que se disfarça de navio nas tempestades. Acreditava nessas coisas com o mesmo afinco que acreditava poder andar sobre as águas se quisesse.
O cavaleiro lhe olhou de soslaio, e Razarthan percebendo, virou o rosto na direção oposta a sua vista para disfarçar sua descrença. O velho parecia tentar sondar o coração do ladino o tempo todo, mas você sabe.
Ele era Razarthan, o sem coração. Tentou desconversar.
— Nunca ouvi falar de ruínas nessas paisagens, nem vilas, nem garimpos e nada. Só os cristais vermelhos e os pobres coitados que se tornaram bestas carmesins, por consumir cristal demais. _ O velho ergueu uma sobrancelha ao ouvir isso.
— Em se tratando do cristal, qualquer dose é demais, meu jovem. _ Retrucou.
“Velhos assim passam pela vida sem aproveitar nada dela” pensou o ladino. Depois de três longos dias na companhia daquela caravana, não conseguia imaginar o velho nem sequer bêbado, muito menos drogado. Os mais jovens da caravana talvez ainda tivessem salvação, mas aquele ali estava enterrado em seu código moral até o pescoço.
E o ladino continuava tendo dentes mais fortes que a sua moral. O que tristemente o levou a relembrar sua promessa.
Entretanto, se forçou a afastar aquela questão de si naquele momento.
— Já que o senhor tocou no assunto. _ Disse o ladino cheio de dedos. — Quais são suas fontes?
— Você não precisa saber disso, não é mesmo? _ Rebateu o cavaleiro já arrependido de puxar assunto. Como era ardiloso aquele ladino, procurando meios de sair com mais do que o combinado. Sair com informações.
Outra coisa que incomodava o velho cavaleiro.
A fonte da informação, na verdade, vinha de um usuário de magia. Isso era problemático por si só. Ainda por cima, não qualquer usuário, mas um, que tinha um pacto com sua senhora como se fosse um demônio e tinha uma alcunha tão infame quanto o local em que estavam.
Argoluli, o terrível.




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Notas finais do capítulo

* Terras Escarlates.
Trata-se de um território sem lei, sem governante fixo e sem rei. Uma verdadeira terra de ninguém, extensa e desordenada, no coração do continente de Thronus.
No passado era onde se concentrava a maioria dos reinos humanos, inclusive Giactutru.
Depois do colapso da Grande Tragédia há quase cem anos, nenhum governo conseguiu se estabelecer até agora. Os nomes do lugares costumam mudar com frequência de acordo com o "governante" no poder atual. O que não costuma durar muito tempo.
Somente lugares insalubres como A Mesa Carmesim, mantém seu nome por mais tempo que regiões habitadas.

*Vidro vermelho
Também conhecido como Cristal Carmesim quando refinado, é usado como
droga, por forças mercenárias para aumento de força e vitalidade. Causa euforia e destemor, também alucinações e senso de grandeza.
Acabou chegando á classe pobre da sociedade já miserável das Terras Escarlates.
A médio e longo prazo, seu efeitos são visíveis no corpo. Antes disso afeta a mente do usuário de modo negativo, tornando-o violento e irracional.

*Nômades vermelhos.
Pessoas que fizeram uso extensivo de vidro vermelho, perderam o raciocínio pratico e/ou o senso de sobrevivência e podem ser facilmente identificados por sua aparência exótica. Costumam demonstrar partes do corpo cristalizadas como se fossem feridas.

Se você, caro leitor, tem alguma dúvida, deixe nos comentários. tentarei responder na próxima.
Até mais.



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