Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 24
Tarde de Paz


Notas iniciais do capítulo

Saori proíbe todo mundo de falar do Santuário durante uma tarde inteira para que possam cozinhar, comer e se divertir. Mas em uma visita de despedida ao Orfanato, o Santuário reaparece.



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Um dia de paz no refúgio.

Acordam todos renovados, enquanto Shun já preparava um chá e algumas poucas comidas para que pudessem comer pela manhã.

— Bom dia, Shun! — disse Xiaoling super animada. A primeira a acordar.

Shun sorriu para ela, pois tinha a boca cheia de chá.

— Deixa que eu preparo alguma coisa. — disse ela. — Vai descansar que você tá todo queimado ainda. Você não dormiu não?

— Dormi um pouco. 

— Mentiroso. E a Ikki, cadê? — Shun respirou fundo antes de responder.

— Ela foi embora, mas… sei que vai ficar bem.

— Ah, você pode ter certeza disso. Eu reconheço aquelas faixas no braço dela em qualquer lugar. A Ikki está lá com a Mestre Mayura nas montanhas. — disse Xiaoling.

— Mestre Mayura? — perguntou Shun.

— É. A nossa Mestre que treinou a gente.

— Você acha?

— Tenho certeza. E posso dizer? Com a Ikki e a Mestre juntas, o Santuário tá perdido! — anunciou ela.

— Bom dia.

— Bom dia, Mii!!! Está melhor?

— Sim. E você, Shun?

— Também. — respondeu ele.

E assim logo todos estavam de pé sentados à mesa tomando o chá de Shun e os comes de Xiaoling. Shun contou a todos que Ikki decidiu ficar só por um tempo, embora Xiaoling tivesse certeza, assim como Alice, de que ela estaria no retiro da Mestre que as havia treinado; o mesmo retiro que Seiya e Shun visitaram já há tantos dias. Saori achou que faria bem para ela. Seiya e Shiryu estavam radiantes pelo amigo.

Ao final da refeição, no entanto, o mundo inteiro parecia estar nas costas deles.

— O que vamos fazer? — perguntou Seiya finalmente.

— Hoje não faremos nada. — anunciou Saori. — Hoje a gente vai passar o dia inteiro assistindo desenho e comendo coisas gostosas.

— Eba!

Era o sonho de Xiaoling, ela quase derrubou Saori da cadeira com seu abraço.

Seiya e Shiryu se entreolharam sem entender muito bem o que aquilo significava, já que tinham um grande inimigo para enfrentar. Saori foi enfática, no entanto, que naquele dia estava proibido falar sobre o Santuário. E quem abrisse a boca para falar sofreria sérias consequências.

Seiya foi o primeiro a falar.

E foi alvejado de todos os lados por almofadas felpudas.

 

—/-

 

Passaram o resto da manhã assistindo desenhos antigos, que Xiaoling absolutamente adorava; comeram doces e sortearam quem iria fazer o almoço. O papelzinho com o nome da Xiaoling foi retirado do sorteio, para protesto da menina. Saori chacoalhou um saquinho em que cada um deles escreveu seu próprio nome e por justiça, Xiaoling seria a pessoa a tirar, já que não estaria participando. Ela mexeu, mexeu e tirou dois nomes.

Saori. Shiryu.

— Xii. — comentou Alice.

— Mii! Eu sei cozinhar, viu?! — falou Saori. — Mas que mania.

— A Shiryu num sabe nem atravessar a rua, imagine cozinhar. — falou Seiya.

Shiryu era a mais séria de todos ali e ficou um pouco corada com a algazarra. Saori fez questão de trazer para elas usarem dois aventais com um desenho lindo circular e as duas foram para a cozinha, deixando o resto da turma vendo TV.

— Shiryu... — falou Saori, baixinho. — Eu tô apavorada. Eu não sei cozinhar nada.

Shiryu experimentou sorrir e disse para Saori ficar tranquila, pois ela tinha uma ideia.

Para surpresa de Saori, Shiryu procurou e tirou um tanto de panelas dos armários, procurou quais ingredientes estavam disponíveis e logo os colocou todos alinhados na bancada.

— Senhorita…

— Ah, não. — protestou Saori. — Se a gente vai cozinhar juntas, você precisa me chamar de Saori.

— Desculpa.

— Não tem nada pra se desculpar, Shiryu. — falou Saori. — Vamos, o que quer que eu faça?

Saori sabia que seria a ajudante ali; Shiryu juntou a farinha e pediu que Saori fizesse uma massa de farinha e colocasse água aos poucos, bem como um pouco de sal. Ela mesma ia cuidar de um arroz que havia achado em um dos armários.

E as horas que antecederam ao almoço foram de intenso preparo e cheiros deliciosos na cozinha entre as duas.

— Foi tudo bem com seu Mestre? — perguntou Saori enquanto esticava a massa formada.

— Sim. Ele estava bem.

— Você gosta de lá, né, Shiryu?

— Bastante. Eu tive muita sorte. — respondeu ela, quase sem notar o ato falho.

E imediatamente ficou em silêncio. A cozinha se calou inteira.

— Não tem problema. — comentou Saori, séria. — O constrangimento de ter de lembrar que o vô Kido mandou todos vocês para sofrer pelo mundo é muito menor do que o sofrimento que tiveram. Não precisa me poupar.

— É como a Ikki falou. Não são seus erros.

— É. — concordou Saori, sem ter muita certeza daquilo e amuada.

— E, como eu disse, — continuou Shiryu — eu tive muita sorte.

E Shiryu escutou que a massa parou de esticar por um momento atrás dela.

— Muita gente não teve. — falou Saori com a voz pesada, como se uma montanha tivesse caído nela.

Shiryu olhou para Saori e viu a garota encarando a massa com os olhos vazios. Que talento o dela para constranger, pensou calada.

— Não. — corrigiu Saori, ainda mais triste. — Muita criança não teve. 

E então tirou a mão da massa para se apoiar na mesa de preparo.

— Eu fico muito feliz que teve um Mestre bom, Shiryu. Mas todos os outros sofreram demais. Ikki, principalmente. E não falo somente de todos vocês. Mas… — e sua voz falhou pela primeira vez. — Muitas crianças nunca voltaram.

— Senhorita… — começou Shiryu sem saber como consolá-la e, ao chamá-la de senhorita, Saori a sentiu tão distante que levou as mãos cheias de farinha na cabeça.

— Eu sofro e já sofri muitas noites por conta disso. Mas sempre que estou ao lado de vocês essa culpa me invade ainda mais forte.

Shiryu então buscou as melhores palavras para dizer as piores coisas, já que nada ali poderia salvar Saori daquela tristeza.

— Talvez seja o caso de você não estar mais ao nosso lado.

— Não! — retrucou Saori. — Eu não quero esquecer. Eu só quero saber o que fazer.

Shiryu viu ali uma garota como ela. Uma garota perdida, como ela já esteve tantas vezes. Em muitas outras ocasiões, Saori era uma garota decidida, valente e pouco vacilante. Mas ali, esticando a massa e encarando erros passados, ela parecia estar se fragmentando. Talvez não fossem só os erros passados, mas também os dilemas todos que precisou enfrentar, pelo menos até onde Shiryu podia ver. Além daqueles que ela sofria longe de seus olhos. Certamente nada tinha a ver com aquela massa difícil de abrir.

— Meu Mestre me contou uma história certa vez. — começou Shiryu, com uma voz mais tranquila. — Sobre a filha mais nova de um rei terrível na antiga China. O rei queria que ela se casasse para dar sequência à linhagem da família, como suas outras filhas haviam feito. Mas ela se recusou a casar. E por isso foi deserdada pelo pai. Tudo que ela queria era se dedicar aos estudos e fazer o bem para as pessoas. Seu pai queria que ela casasse. E ela fugiu.

Saori afundou a cabeça na mesa e experimentou soluçar de dor.

— O tempo passou e, certa vez, o rei caiu muito doente. Foi diagnosticado com uma doença terminal por um velho monge que estava de passagem em sua vila. Disse que o rei tinha alguns dias de vida apenas, mas o rei lhe suplicou e perguntou se não havia nada que ele pudesse fazer. O velho monge lhe disse que somente uma poderosa infusão com os olhos doados por alguém poderia curar sua enfermidade. Alguém que de bom coração quisesse doar seus próprios olhos para ele. E que havia alguém próximo dali que havia ganhado fama ajudando a todos.

Shiryu abaixou um pouco o fogo, Saori olhou para ela.

— O rei então enviou um mensageiro até a montanha onde ele encontrou um monastério e uma jovem monge. Era a filha deserdada do rei. E, ao saber do caso, ela sacrificou seus olhos de bom grado para que o enfermo pudesse viver. E ele viveu. Se curou e, tempos depois, reencontrou o velho monge, que lhe disse para ir agradecer quem havia feito aquele sacrifício.

Havia uma gravidade na voz de Shiryu.

— O rei foi até esse monastério e reencontrou sua filha, que havia deserdado há alguns anos. Ela era adorada por muitos ao seu redor. E, ao chegar mais perto, ele notou que ela estava cega. Sem os dois olhos. E sofreu ao imaginar a dor que ela suportou por todo esse tempo querendo que ele, seu pai, a aceitasse. O que ele não imaginava era que, ao sentir o seu toque, sua filha transformou-se no velho monge que o havia aconselhado em primeiro lugar.

Shiryu então aproximou-se de Saori e segurou suas mãos.

— Dizem que essa é a história de Guan Yin, a bodisatva da Compaixão. — as mãos de Shiryu eram quentes. — E então uma luz iluminou a todos no monastério e ela foi agraciada pela vida eterna e novos olhos. Mas essa é uma história. Ela era uma divindade.

Shiryu graciosamente puxou o rosto de Saori para que a olhasse.

— Você é uma garota como eu, como Alice, a Xiaoling, como Ikki.

 Shiryu olhava fundo em seus olhos, mas Saori lamentou levemente.

— Anos depois eu entendi o motivo de meu Mestre me contar essa história. A história não é sobre a enorme compaixão de bodisatva, mas sua obsessão em corrigir um erro de seu pai. Que era o de não aceitá-la como ela era. Pois esse era um erro dele. Não dela. — concluiu Shiryu.

— Shiryu… — lamentou Saori, sem entender como agradecer.

— Viva a sua vida, Senhori… — corrigiu-se no meio da fala. — Viva a sua vida, Saori. Cometa os seus erros. Não deixe que essa dor lhe cegue. Use ela para transformar seu destino.

Saori então abraçou Shiryu que, desacostumada, não respondeu ao abraço por dois motivos: primeiro porque não sabia muito bem abraçar; segundo porque ela estava toda suja de óleo.

— Te sujei toda de farinha. — disse Saori, limpando as lágrimas.

— Você não tá muito melhor. — respondeu Shiryu.

Ela experimentou sorrir e Shiryu logo lhe disse para continuar esticando a massa ou a receita não daria certo. E pelas próximas duas horas cozinharam com o peito leve, se ajudando a preparar o almoço para a horda que morria de fome na sala.

 

—/-

 

Mesa posta, pratos espalhados, talheres, copos, Xiaoling babando de um lado, Seiya de outro; Shiryu apareceu com uma panela de bambu, outra mais rígida e um prato com muitos bolinhos fritos. O cheiro era de matar.

— Shiryu! — espantou-se Xiaoling. — O cheiro está delicioso. Eu vou morrer!

— Nossa, Shiryu. Eu não fazia ideia que você cozinhava tão bem! — disse Seiya.

— Parte do meu treinamento era cozinhar para o velho Mestre Ancião. — comentou Shiryu.

— Por que ninguém tá achando que fui eu que cozinhei?

— O chá eu aposto que é seu. — falou Alice, séria.

Todo mundo se serviu e comeram como reis enquanto a tarde ia se alongando; Saori ainda buscou na geladeira um doce que ela garantiu que havia feito no dia anterior. Um pudim de leite maravilhoso que também desapareceu em poucos segundos.

Morgaram sentados à mesa, suspirando cansados e felizes.

— Bom, já que não me deixaram cozinhar, eu e o Seiya vamos lavar a louça! — anunciou Xiaoling.

— Ah, por que eu? Por que você me odeia, Xiaoling?

— Larga mão, Seiya. Vamo.

E foram. Shun adorava ver Seiya contrariado e dali mesmo da mesa podiam ouvir as muitas broncas que ele levava de Xiaoling por fazer tudo errado. E não é exagerado dizer que a turma ficou um tempo à mesa apenas dando risada dos dois se matando lá dentro.

— Hoje é um bom dia. — comentou Saori.

— O melhor dia. — emendou Shun.

— A Ikki continua forte. — comentou Shiryu.

— Com ela do nosso lado, teremos menos problemas.  — disse Alice.

Saori levantou, foi até o sofá, pegou uma almofada e jogou na cara de Alice.

— Ei! Eu não falei do Santuário.

— Falou da luta. — explicou Saori.

— Isso não tava nas regras. — protestou Alice, levantando-se da mesa.

— Quem levou? — perguntou Seiya, aparecendo na porta da cozinha.

— A Alice. Da Saori ainda. — falou Shiryu.

Seiya foi puxado para dentro por Xiaoling gritando com ele.

Próximo ao final daquela tarde gostosa em que todos se aninharam no sofá, Saori anunciou que seria melhor voltarem para a cidade e se abrigarem na estrutura subterrânea do Coliseu, já que aquele refúgio era conhecido pelos agentes do Santuário.

E levou almofada na cara de todo mundo.

 

—/-

 

No começo da noite, Seiya e Shun foram deixados na frente do Orfanato pela Fundação; Seiya havia pedido para Saori um momento para poder se despedir das crianças e também de Miho, já que à frente deles provavelmente haveria uma difícil batalha. Não era tempo de voltar ao Orfanato, principalmente para não colocá-los em risco, mas Shun também queria se despedir de todo mundo e agradecer pela estadia.

Foi uma festa enorme quando Seiya apareceu no salão comunal onde as crianças assistiam ao desenho de fim de tarde que elas adoravam. Foram todos agarrar e atacar tanto ele quanto Shun.

— E quando que volta o Torneio, campeão? 

— Eu aposto que o Shun vai ganhar de você. — disse a garotinha de cara amarrada.

Distribuíram doces, para desespero de Miho, e outras coisas mais que vieram da Fundação. Seiya pediu que Miho o acompanhasse pela praia, pois queria falar com ela a sós. Shun disse que cuidaria das crianças e que era para os dois se comportarem.

Seiya quis matá-lo.

O Orfanato ficava em uma grande avenida na orla da praia, portanto a caminhada não era grande. Havia muitas luzes na praia e, naquela noite em especial, brilhava uma enorme lua no céu, garantindo a luz da orla. Caminharam pela areia, mas se afastaram das tendas e principalmente dos jovens que bebiam e davam risada perto de alguns quiosques.

— Quer dizer que você foi pra Sibéria, então? — comentou Miho.

— Fui.

— E como era lá?

— Um frio terrível, Miho. Eu nunca senti tanto frio na minha vida.

— As pessoas são muito diferentes?

— Muito… mas as crianças são todas iguais. Tudo uns pestinhas.

— Você num era muito melhor, né.

— Você também não.

— Culpa sua que eu tomava bronca do padre.

— Ah, tudo era culpa minha.

— Você continua uma peste, né.

Ele sorriu.

— Seiya, porque eu sinto que você veio se despedir?

Ele deixou de sorrir e sentou-se; já estavam bastante afastados da civilização, em uma faixa de areia para onde costumavam fugir quando moravam juntos no Orfanato.

— Miho, eu vou precisar lutar. E não quero trazer nenhum problema pra você. Ou para as crianças.

A voz de Seiya era a voz de um jovem dizendo à uma amiga que estava indo para a guerra. Era isso que Miho sentia e, para ela, ele ainda era um menino traquina.

— Você promete que vai voltar? — pediu Miho, e Seiya olhou para ela, risonho.

— É claro que vou voltar. — disse ele. — Assim que tudo isso se resolver eu voltarei aqui.

— Vai ficar na Mansão novamente?

— Não. — negou ele.

— Eu não gosto dela, Seiya. — falou Miho, muito sinceramente.

Ela não gostava de Saori.

— Por causa dela, você vive lutando. Se machucando. Vive ferido. Passou anos em um treinamento ridículo e agora tudo que faz é lutar, lutar e se machucar. Eu sinto que vou sempre te reencontrar em algum hospital da cidade.

— Miho…

— Você é um garoto. Você deveria ter a oportunidade de viver sem preocupações. De vir à praia sem ser escondido. Garotos da sua idade estão aproveitando a vida, e você deveria ter essa chance também. — disse ela, indignada.

Seiya respirou fundo e olhou para o céu estrelado onde brilhavam algumas estrelas especiais para ele.

— Há crianças que são mais sortudas do que outras. — começou Seiya.

— Acha que é o seu destino sempre sofrer? — perguntou Miho.

— Não me importa o destino. — respondeu Seiya. — Não importa a estrela sob a qual eu nasci. Eu vou viver com coragem.

Miho olhou para o garoto e, como sempre, seus olhos eram fortes e cheios de vida.

— Para os outros garotos, talvez o que faça sentido para a vida deles seja mesmo ir à praia sem pensar em nada, beber o que não deveriam beber, fazer coisas que não deveriam fazer. — falou ele, refletindo. — Talvez tenham outros que ficam dentro de casa lendo livros. Jogando qualquer coisa. 

Ele tinha um rosto ferido, mas valente.

— O que faz sentido para mim é fazer o melhor que eu puder. Dar o meu máximo para lutar ao lado dos meus amigos.

Miho talvez jamais entenderia.

— Promete mesmo que volta, Seiya?

— Sempre, Miho. — respondeu ele. — Eu ainda não desisti de encontrar a minha irmã. Vou trazê-la de volta e nós vamos todos passar uma semana inteira na praia.

— Eu vou cobrar essa promessa. — disse Miho, sorrindo.

Ele se levantou para selar a promessa com sua mais antiga amiga, mas percebeu que haviam duas pessoas observando-os encostados à uma pedra um pouco ao longe. A luz da lua era forte, mas as silhuetas pareciam desconhecidas e certamente escondiam-se.

Ainda assim, o brilho da lua era forte o suficiente para refletir no que sem dúvidas era uma máscara. Seiya conhecia aquela postura em qualquer lugar do mundo.

— Miho. — começou ele. — Volte para o Orfanato.

Miho olhou por sobre os ombros e viu os dois vultos próximos à enorme pedra, observando-os. Levantou-se e notou também o rosto de uma mulher, refletindo forte a luz da lua. 

— Seiya… — Miho preocupou-se, pois sentia que aquilo não podia ser coisa boa.

— Miho. Volte para o Orfanato. Vai ficar tudo bem. — disse ele, tentando confortá-la. — Essa é a minha Mestre, Marin, que me ajudou na Grécia.

Miho novamente olhou para a mulher, mas toda aquela situação a deixava desconfortável. Ainda que o mundo de Seiya, pelo menos essa parte de sua vida, fosse um mistério enorme para uma ajudante de orfanato, ela não conseguia deixar de sentir um calafrio imenso.

Vagas noturnas do mar invadiam a faixa de areia, ondas quebravam paredões mais adiante em que as águas espumavam. A cidade já distante ao ponto das vozes da rua e as buzinas dos carros não chegarem até eles.

Ela escolheu confiar no amigo, olhou-o fundo nos olhos e encontrou um garoto confiante com um sorriso no rosto. Abraçaram-se. Ela segurou seus sapatinhos na mão e foi embora descalça na areia.

Seiya ficou a olhar a jovem Miho voltar pela orla e quando não a viu mais no horizonte, olhou novamente para Marin e o estranho junto dela.

A mulher pisou mais próximo de Seiya e ele não teve dúvidas de que era mesmo sua Mestre. Não usava sua Sagrada Armadura, tampouco a roupa de treino que Seiya estava tão acostumado, mas era sem dúvida sua máscara de prata.

Mas Seiya tinha a sensação de que aquela não era uma visita amigável. Ele tinha medo no peito que, com sucesso, escondeu dos olhos de Miho.

O sujeito ao lado de Marin caminhou até Seiya; era um homem jovem com uma roupa extremamente elegante, clara, uma capa dobrada nos ombros e o cabelo ondulado, comprido e sedoso.

— Você tem duas escolhas. — disse ele, finalmente, e sua voz era amigável. — Tirar sua própria vida ou deixar que eu a tire de você. Não há nada mais. Não há misericórdia.

Uma bomba de gelo explodiu no estômago de Seiya. Ele engoliu em seco.

— O que significa isso, Marin?! — disse Seiya para ela, que estava mais atrás.

— Esse é Misty de Lagarto, um Cavaleiro de Prata do Santuário. Essa é a sua punição. — limitou-se ela a dizer, estóica.

— Minha… punição. — repetiu Seiya, e então olhou para a direção em que Miho havia ido embora.

— Não se preocupe com a garota. — disse Misty, tranquilo. — Ela chegará no seu destino sem nenhum problema.

Seiya não soube dizer se aquilo o confortava ou o deixava ainda mais amedrontado.

— Marin, vocês estão enganados. Há um mal no Santuário qu…

O elegante homem derrubou Seiya de cara na areia. E pisou em sua cabeça.

— Cale a boca. Eu já disse que vim para tirar a sua vida. Não vim para escutar sua voz. — ele pisava com força e afundava a cabeça de Seiya na areia. — É a sua última chance. Tire sua própria vida ou eu vou tirar por você. Faça sua escolha!

Mas Seiya juntou forças e segurou o pé de Misty para que não o pisasse mais.

— Eu escolho lutar! — falou ele, decidido.

E o arremessou para o ar; o guerreiro rodopiou e pousou gracioso na areia, ao lado de Marin.

— Marin, me parece que o seu discípulo escolheu morrer pelas mãos de um Cavaleiro de Prata. — disse ele, olhando para Marin.

— Eu não vou morrer. — protestou Seiya. — Marin, existe algo muito errado acontecendo no Santuário. — tentou ele.

— Errados são vocês, Cavaleiros de Bronze, por mancharem a história dos Santos Cavaleiros se expondo por motivos ridículos. Pagarão com a vida. — falou Misty.

Finalmente havia chegado a punição direta do Santuário para os pecados de Seiya e seus amigos por terem participado do Torneio. Ele sequer conseguia contra-argumentar, pois no fundo, e ainda que houvesse qualquer mal instalado naquele Santuário, a sua punição era justa. Afinal de contas, o lema atravessava as eras de Cavaleiros.

Mas Seiya não iria aceitar a punição facilmente. Sua Armadura lhe protegeu. Ela escolheu estar junto dele nos momentos mais difíceis. Ele era digno de ser um Cavaleiro. 

Misty percebeu que ali na sua frente estava um garoto disposto a lutar.

— Acha mesmo que haverá uma luta aqui? — perguntou Misty. — Acha que tem alguma chance só porque estou sem a minha Sagrada Armadura?

Seiya estava em guarda.

— Com ou sem a Armadura, existe um abismo entre nossos cosmos. Sei que Marin o ensinou sobre isso, portanto deve saber que o poder de um Cavaleiro existe em seu Cosmo. Não existe qualquer chance de você me vencer.

— Nossos corpos ainda são de pessoas normais! — falou Seiya.

E disparou seus Meteoros de Pégaso na direção de Misty, que não movimentou-se um centímetro sequer; e todos os seus meteoros simplesmente dissiparam-se diante da face impávida do Cavaleiro de Prata.

Seiya ficou chocado, pois ele não havia se mexido; seu punho não tocou nem a roupa elegante que Misty vestia.

— Eu avisei. — disse Misty. — E você tem razão. Nossos corpos são normais. Um golpe de meu cosmo será o suficiente para acabar com a sua vida.

Mas então Seiya viu-se paralisado por Marin, que estava às suas costas.

— Entendeu agora, Seiya? — disse ela. — A diferença entre vocês é muito grande.

Marin ascendeu seu cosmo ciano-prata e, quando Seiya virou-se para ela, a viu com seu punho armado para acertá-lo com violência no peito. O golpe imediatamente rasgou sua pele e afundou em seu pulmão, o fazendo perder o ar imediatamente, em choque. O sangue banhou a areia e o garoto caiu de joelhos. De frente para Marin e de costas para Misty.

Ela ainda torceu o pescoço de Seiya para que não sofresse uma morte horrível.

Seiya finalmente caiu, vencido, no chão.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Uma continuação do clima de paz do capítulo anterior, buscando humanizar a Saori junto à todo mundo. A história que a Shiryu conta para a Saori é um conto real da bodhisatva da Compaixão, achei curiosa e encaixava com o que ela queria dizer e com sua personalidade herdada do Mestre Ancião que costuma dizer as coisas profundas através de parábolas e histórias antigas.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO: OS CAVALEIROS DE PRATA

Os Cavaleiros de Prata aparecem e Seiya encontra-se em um difícil dilema.



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