Os Cavaleiros do Zodíaco: A Lenda de Seiya escrita por Masei


Capítulo 100
Os Tesouros de Ametista


Notas iniciais do capítulo

Os Cavaleiros de Bronze encontram com o misterioso Alberich, o Guerreiro Deus de Megrez.



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O Guerreiro Deus Alberich de Megrez carregava o nome de um famoso antepassado de sua linhagem, um dos poucos exímios guerreiros em uma família de longo histórico no artesanato, principalmente no manejo dos metais pesados e das forjas profundas de Asgard. O mais recente dessa linhagem agora sofria na neve os choques e a fúria de Shaina de Ofiúco, a Mestre-de-Armas do Santuário treinada desde criança para ser aquela máquina de batalha que ela era. Por outro lado, Alberich, embora carregasse o nome de um antepassado conhecido por seus feitos heróicos, este era na verdade muito mais afeito às recepções aristocráticas de outros países e aos salões do conselho de Asgard; ele era exatamente aquele que servia à Valhalla como um elo entre aquele Reino dos Deuses e o Mundo dos Homens além das fronteiras.

Um homem orgulhoso de sua nobreza e de sua imensa influência, e muito distante de qualquer semelhança com esse antigo avô Alberich, sobre o qual se contavam histórias de vitórias e conquistas até mesmo do outro lado do mundo. Aquele Alberich no chão, no entanto, estava longe daquela força e, portanto, sua derrota diante de Shaina não era nenhuma surpresa; muito menos para ele, que conhecia muito bem a capacidade dos Cavaleiros de Atena.

— Muito bom, Cavaleira. Muito bom. — falou o rapaz, limpando o sangue que escorria de sua boca.

Shaina não se dobrou aos elogios e marchou diante dele, estalando seu cosmo no punho.

— Dê-me sua Safira! — ordenou ela.

O Guerreiro Deus então olhou profundamente nos olhos da Mestre-de-Armas e retirou a Safira de Odin que tinha na cintura, jogando-a na direção de Shaina. Ela a apanhou no ar e olhou confusa para ele.

— Achei que os Guerreiros Deuses tivessem mais fibra.

— Eu não sou um guerreiro. — respondeu ele, levantando-se. — E estou do lado de vocês.

Ele mostrou o pingente de ponta-de-flecha que tinha escondido debaixo da proteção púrpura de sua Robe Divina. Shaina reconhecia aquele pingente, pois era o que usavam as pessoas que foram banidas do Santuário após Aioros ter sido considerado um traidor.

— Você é o amigo de Camus. — concluiu ela.

Alberich confirmou com a cabeça e adicionou.

— E também de Hyoga. — ele puxou o ar e continuou. — Eu gostaria de testar a força dos Cavaleiros de Atena, pois a missão de vocês não será fácil. Mesmo com as Safiras de Odin.

— Eu não confio em você.

— E faz muito bem, Cavaleira. Mas aí está a Safira de Odin. Você não precisa confiar em mim, deve levar essa Safira ao Palácio Valhalla e selar Poseidon em sua Relíquia do Mar.

Shaina ficou finalmente em silêncio, absolutamente surpresa com a facilidade com que havia conseguido aquela Safira. Mas então ela escolheu não perder mais tempo, afinal de contas Alberich não era um Guerreiro Deus com que precisava se preocupar; claramente ele não era capaz de lutar e tudo que ela precisava dele era aquilo que já tinha em mãos. 

— Se sabe de toda a verdade, por que não convenceu Valhalla a nos ajudar para evitar essa batalha?

— A Safira de Odin torna um Guerreiro Deus uma máquina de guerra, nublando seus pensamentos. Hilda está possuída por algo maligno. Os demais Guerreiros Deuses não escutam mais à razão e, como pôde ver, não sou um exímio guerreiro para fazer valer a minha vontade pela força.

— Disse que conhece também Hyoga. — falou Shaina. — Por quê motivo então ele atacou a Cavaleira de Dragão? — Alberich deixou escapar um sorriso.

— Não sabe o tamanho da montanha que precisamos mover para que Hilda se convencesse de que ele poderia atuar como um Guerreiro Deus, de modo que Hilda pudesse dar uma Safira a ele. Uma Safira com Hyoga, outra comigo, já são duas que não estão em poder de Valhalla. É um teatro.

Ele parecia ter todas as respostas enquanto limpava a neve de sua Robe Divina.

— Leve-me à Caverna de Surtr. — pediu Shaina finalmente.

— A Caverna de Surtr só pode ser acessada pelo pátio externo do Palácio Valhalla. Se conseguirem chegar até lá, vocês estarão debaixo do Colosso de Odin, nosso Deus Maior, segurando a espada Balmung na mão direita. — falou ele apontando para o céu ao longe. — Perto da borda desse pátio, haverá uma longa escadaria até o fundo de um abismo; vai parecer que ele não tem fim se olhar para ele de cima, mas sem dúvidas que ele chegará a um ponto tão profundo que o frio do céu de Asgard sequer chega até lá. E é aí que saberão que chegaram à Caverna de Surtr.

— E onde está a Relíquia?

— Essa é a pergunta certa a se fazer. — começou ele. — Há muitos e muitos tesouros escondidos e guardados na Caverna de Surtr, mas a Relíquia de Poseidon fica na câmara mais distante à direita da entrada, onde o caminho se desloca até um lago parado na Caverna iluminado por tochas de ouro. Escute bem: as Relíquias de Poseidon, como já devem saber os Cavaleiros de Atena, são presentes da antiguidade que o Treme-Terras ofereceu às Civilizações dos Mares. Seja um turíbulo, uma concha, uma canoa e assim por diante. E assim como para todas as Civilizações, ele deu a Asgard um presente que representava tanto sua divindade como também nossa ancestralidade. Deu-nos um bracelete de ouro chamado Draupnir.

— Um bracelete de ouro?

— Sim. Ele está em pedestal indicado com o tridente de Poseidon.

— Muito bem, Alberich… — falou Shaina. — Eu não confio em você, mas aqui você parece ter servido para alguma coisa.

— Espere, Cavaleira. — pediu ele, antes que Shaina se distanciasse.

— Tem algo mais que gostaria de lhe dar que pode ajudá-los a tentar evitar confronto pelos corredores de Valhalla. Sid e Siegfried estarão guardando o Salão Principal e a Câmara da Valquíria, mas o Palácio é enorme e há um caminho por onde poderão passar sem serem notados.

— Pois então fale! — ordenou Shaina.

— Pela lateral esquerda do Palácio, existe um complexo de escadas que começa no mais profundo grotão da montanha, logo após as ruínas de Fossegrim, que pode levá-los até o pátio alto do Palácio. Mas haverá guardas por todos os lados, veja.

 

Alberich estendeu as duas mãos à frente dele e então sua Robe Divina brilhou uma luz púrpura enquanto Shaina percebeu que algo tomava forma entre seus dedos, puxando energia daquela floresta. Era um pequeno cubo translúcido e púrpura que ele ofereceu para Shaina.

— É um Cubo de Ametista.

— Um Cubo de Ametista? — perguntou ela, tomando o presente nas mãos.

— Sim, ele vai fazer com que suas presenças no Palácio Valhalla sejam quase imperceptíveis, pois essa é uma Ametista especial. Veja, existem guerreiros como Mime que são capazes até mesmo de notar a Cosmo-energia de outro guerreiro ainda que ele esteja distante. Esse Cubo irá disfarçar sua Cosmo-energia para que ninguém possa sentí-la e até mesmo diminuirá o som que seus passos ecoarão pelos mármores do Palácio. Isso acontece porque essa Ametista é capaz de se alimentar da sua energia vital, sugando lentamente a sua vitalidade até que você não seja mais capaz de dar um passo sequer.

— O quê?

Shaina encontrou o Guerreiro Deus sorrindo para ela e finalmente percebeu a armadilha em que havia caído; ela tentou soltar o cubo de ametista das mãos, mas percebeu que elas estavam agora dentro do cubo. Ela caiu de joelhos, pois já se sentia um pouco tonta, como se sua pressão houvesse caído, levando-a a uma tontura enorme. Alberich andou até ela e retomou a Safira de Odin que havia lhe dado deixando para ela suas últimas palavras:

— Eu disse que era bom que não confiasse em mim.

Afastou-se e fez sua voz ecoar pela floresta:

— Couraça Ametista!

Alberich de Megrez abriu os braços e de seu corpo inteiro manifestou-se uma nevasca de ametista púrpura que cobriu Shaina criando um ataúde translúcido em que se podia ver ainda a Cavaleira de Ofiúco, a Mestre de Armas, de olhos abertos e assombrada por estar trancada em um caixão tão precioso.

 

—/-

 

A Princesa Freia olhava pela janela de sua casa para a neve que caía sutilmente do lado de fora; ainda demoraria um tanto até que o céu-branco de sempre se escurecesse levemente anunciando a curtíssima noite do norte. Batalhas estalavam longe dali e ela fechou os olhos dolorosamente, pois sentia que havia falhado nas últimas semanas em desarmar aqueles combates que já se avizinhavam.

E na cama jazia uma dessas vítimas; Hagen reagiu a qualquer dor e June, que estava olhando o fogo da lareira, levantou-se reagindo por instinto, mas então se deteve a alguns passos procurando a Princesa Freia do outro lado da sala. Ela cruzou o tapete e ajoelhou-se diante de Hagen.

Não havia muito mais o que fazer por ele, já que suas mãos estavam cuidadas.

— Ele ficará bem. — falou June, tentando confortá-la, sem ter muita certeza, na verdade, do que dizia.

Freia respirou fundo sem virar para ela e não lhe falou nada. June escolheu respeitar seu momento e virou-se para voltar a olhar pela mesma janela que a Princesa mirava antes. Onde os flocos de neve caíam.

— Acha que vão conseguir? — perguntou Freia, finalmente levantando-se e falando com ela.

— Precisamos conseguir. — respondeu ela, inicialmente. — Cruzamos os Sete Mares, fomos a lugares esquecidos pelo tempo e perdemos um homem bom demais para não conseguirmos. Essa é a última relíquia.

— Um homem bom? — perguntou a Princesa e June finalmente olhou para ela.

— O Capitão Meko Kaire. — respondeu com dor no coração lembrando-se do enorme homem. — O maior coração dos oceanos. Nos guiou por lugares incríveis e com ele conseguimos selar quase todas as Relíquias. Mas o destino fez com que sua história se acabasse na mesma praia em que havia nascido. Às vezes parece mesmo que está tudo escrito nas estrelas.

A Princesa Freia sentou-se na mesa que havia próxima à janela, olhando para o mesmo horizonte que a Cavaleira de Camaleão.

— Aqui pouco vemos as estrelas. — falou Freia. — A neve quase sempre está caindo, escondendo o céu nas nuvens. Mas há sete delas que são muito especiais para nós.

— E que história essas sete estrelas escreveram para vocês?

— Uma muito triste. — começou Freia. — Com a Queda dos Deuses há muitos e muitos séculos, o Reino do Norte, isolado de tudo, floresceu em histórias e grandes homens e mulheres, ao ponto de Odin rivalizar com as divindades do Mundo. Em seu auge, o coração das montanhas de Asgard era recheado de metais e pedras preciosas. O povo era próspero e tranquilo. — o orgulho na voz de Freia deu lugar à um olhar distante e triste. — Está nas canções mais antigas de nosso povo que à época das grandes explorações dos Oceanos, Poseidon ressurgiu com ainda mais poder. Diz-se que foi nesta época que Poseidon encheu-se de poder ao ponto de ser tão enorme quanto Odin e decidiu dividir o Mundo com Nosso-Pai, dando-nos um pedaço de seu poder, que era a Relíquia do Mar.

Ela olhou para um brasão bonito que havia acima da lareira.

— Mas hoje eu entendo que era tudo uma mentira. Poseidon já era muito maior que Odin, muito provavelmente por conta da dependência da humanidade nos Oceanos que era seu próprio corpo. E se o que dizem é verdade, não apenas Asgard foi conquistada, mas outras sete Civilizações. Durante alguns séculos, Asgard ainda se sentiu como se fosse o coração do Mundo, mas isolado como somos, perdemos completamente a marcha do progresso e antes que pudéssemos notar, já estávamos afundados em um abismo de gelo e tristeza. E nessas últimas décadas, no que chamamos da Era de Hilda, graças ao surgimento de minha irmã, o inverno tornou-se ainda mais rigoroso e a miséria ainda mais violenta.

June escutava silenciosamente o relato de Freia.

— Os desastres do mar nunca nos abalam, pois Poseidon mantém sua palavra para conosco, mas sua influência sem dúvidas que lentamente nos joga profundamente em um abismo em que, agora eu vejo melhor, nos afasta cada vez mais de nosso Pai-Odin, tornando-o dia após dia apenas uma estátua de pedra e menos um Deus. Esquecido em nossas memórias.

— Mas por que então não se rebelam? Ou por que lutam contra nós, que queremos combater Poseidon?

— Tudo isso eu sei porque confiei em suas palavras. — respondeu Freia. — Pedaços de um quebra-cabeça que só aos poucos agora eu começo a enxergar. Mas muito mais do que lutar contra Poseidon, o que minha irmã e os Guerreiros Deuses mais querem é na verdade servir a Odin. Pois por muito e muito tempo o Todo-Poderoso do Norte tem estado calado, causando ao seu povo o sentimento de abandono. O surgimento do Anel de Nibelungos só poderia ser mesmo a vontade de Odin. E por essa vontade, minha irmã faria qualquer coisa para que Odin nunca mais desaparecesse. Nunca mais se calasse.

— Por isso ela acredita piamente ter sido um presente de Odin.

— Não poderia ser de mais ninguém. Minha irmã, Hilda de Polaris, nasceu para servir e ser a Voz de Odin. E nem por um dia por todos esses vinte anos alguém respondeu suas orações.

— Agora que responderam, ela dará sua própria vida para essa missão.

— Mas não pode ser assim. — retrucou Freia. — O Anel dos Nibelungos é a marcha para o fim-dos-mundos, não ao começo-dos-tempos.

— Se não Odin, então quem mais? — perguntou June.

— É o que me pergunto noite e dia.

Freia respondeu e as duas ficaram observando a neve cair do lado de fora, leve, mas fria.

 

—/-

 

Seiya com seu sobretudo carcomido, uma de suas mangas rasgadas na altura do ombro e sem a sua Armadura avançou pela montanha seguindo os passos que haviam na neve. Sentia-se ainda muito amargurado de ter caído inconsciente no casarão de Freia, mas ele estava realmente muito ferido pelas garras de Fenrir. Ikki achou um erro e um absurdo que Seiya quisesse lutar naquela batalha sem sua Armadura, escondida nos porões da Caverna de Surtr junto aos demais tesouros de Asgard; mas ele também sentia-se responsável pela batalha e principalmente calava muito fundo em seu peito terminar a missão do Capitão Kaire.

Teimou com todas as suas forças com seus amigos de que lutaria e, apesar dos protestos dos irmãos Shun e Ikki, Shiryu escolheu confiar em Seiya dando-lhe a Safira que haviam conquistado de Fenrir, pois ainda que Shun tenha conseguido pacificar a batalha, Seiya também havia sangrado por ela. Era justo que ele a levasse.

Mas ele não estava com ela.

Entrou em uma floresta antiquíssima, que era para onde os passos na neve levavam; e ele os seguiu até uma clareira onde havia uma pessoa parada no meio entre as árvores. Um Guerreiro Deus. Seiya parou diante dele em alerta. Notou, com assombro, que no pé das muitas árvores ao redor em que estavam, haviam cristais púrpuras dando àquele lugar um aspecto lúgubre e curioso.

— Eu estava esperando por você. — falou o Guerreiro Deus.

— Quem é você?

— Eu sou Alberich, o Guerreiro Deus de Megrez.

— E eu sou Seiya, o Cavaleiro de Pégaso.

— Bem, Seiya. — começou Alberich. — Espero que você esteja preparado para o que vai acontecer aqui.

Encararam-se, medindo cada um ao guerreiro que tinham à frente.

— Seiya, você quer a minha Safira de Odin, não é verdade? — e então calou-se, notando o estado lastimável que ele estava. — Mas você deve estar sonhando se acha que vai poder fazer qualquer coisa nesse estado. Sem a sua Armadura e parecendo um cadáver que anda por aí.

— Não duvide de mim. Um Cavaleiro de Atena sempre consegue realizar milagres impossíveis.

— Certo. — respondeu Alberich, com um meio-sorriso irônico. — Nesse caso, vou aproveitar que parece meio-morto e vou te sepultar de uma vez.

Cruzou os braços à frente dele na diagonal, fez arder seu seidr prateado ao redor de seu corpo e Seiya observou como sua Robe Divina iluminou-se de púrpura antes de sua voz fazer disparar sua rajada de pedras.

— Couraça Ametista!

Mas Seiya pôde ver claramente o ataque de Alberich, pois não era uma técnica lapidada ou até mesmo muito bem desenvolvida, de modo que ele saltou tranquilamente, escapando da rajada de energia pulando entre galhos acima de Alberich e surpreendendo-o às suas costas, liberando seus poderosos Meteoros de Pégaso. O Guerreiro Deus até que tentou colocar as mãos à frente de seu corpo em uma tentativa de evitar ser atingido, mas a velocidade e a violência do punho de Seiya, àquela altura, já eram incríveis; mesmo que ele estivesse muito cansado, seu Cosmo brilhava cada vez mais. E Alberich espalhou-se na neve estirado com muitas dores.

Ele tentou se levantar e Seiya observou como ele tinha dificuldades para fazê-lo, claramente despreparado para batalhas, pensou ele, achando aquilo muito curioso. Se aquela fosse mesmo toda a força que tinha o Guerreiro Deus, então ele não tinha dúvidas que a Safira de Odin já seria dele. Caminhou tranquilamente na direção do Guerreiro Deus que ainda levantava-se com dificuldades da neve, porém quando se aproximou de Alberich o Guerreiro Deus deixou de fingir dificuldades e desferiu um punho fortíssimo à queima-roupa de Seiya.

Seiya esquivou-se muito habilmente e ainda usou a força desferida por Alberich contra ele próprio, segurando-o pelo braço e saltando junto dele para a altura da copa das árvores antigas. O Cosmo do Cavaleiro de Bronze invadiu a floresta e outra vez sua voz ecoou com força.

— Turbilhão de Pégaso!

O Cavaleiro de Pégaso era mesmo um exímio guerreiro. Às costas de Alberich, Seiya controlou o tufão que formou-se para que chocasse o Guerreiro Deus contra o tronco de uma árvore retorcida e muito antiga, tão enorme e maciça que parecia ter batido contra puro concreto. Mas apenas o corpo de Alberich caiu muito ferido no chão, buscando ar nos pulmões machucados.

— Alberich, agora eu vou levar embora a sua Safira de Odin.

Mais próximo de um Guerreiro Deus completamente indefeso, Seiya viu que ainda que ele sofresse sangrando no chão, Alberich tinha um breve sorriso desenhado no rosto. 

— É cedo para cantar vitória. — falou ele apenas. 

— O que quer dizer com isso? Você não tem condições de me enfrentar.

— Olhe para aquilo, Seiya de Pégaso.

Ainda deitado no chão, o Guerreiro Deus apontou para onde haviam muitos cristais ametistas ao redor de uma árvore. Seiya botou os olhos naquelas pedras preciosas, percebendo que algumas alcançavam inclusive a sua própria altura, e entendeu que, na verdade, tratavam-se de caixões verticais, pois embora algumas fossem pedras normais, grandes demais, mas aparentemente comuns, em outras era possível claramente ver os ossos de esqueletos do que sem dúvidas eram vítimas de Alberich.

Mas em uma dessas enormes pedras ametistas, Seiya reconheceu Shaina.

Seus olhos tremeram ante àquela visão; ele se aproximou e percebeu que seus olhos pintados tinham um horror paralizado, seus braços pareciam ter sido congelados no meio de um contra-ataque e sua boca aberta, como quem gritasse antes de ser presa naquele ataúde de ametista.

— Shaina…

Seiya colocou a mão na Ametista e percorreu-lhe os dedos uma estranha sensação familiar que o fez imediatamente tirar a mão da pedra. O garoto olhou atrás para Alberich, que aos poucos levantava-se, ainda muito ferido pelos golpes do Cavaleiro de Bronze.

— Alberich, o que foi que você fez com ela?

— Usarei você e ela como reféns para atrair todos os Cavaleiros. — começou ele. — Neste lugar estarão os seus túmulos, Cavaleiro de Pégaso. Aproveitarão o inferno dentro da Ametista.

O Cavaleiro de Pégaso colocou-se em guarda, mas então foi invadido por um Cosmo familiar e sutil; era o Cosmo de Shaina, que ainda lutava dentro daquele esquife precioso. Seiya olhou para ela e era desconcertante seus olhos sempre tão furiosos com ele, agora paralisados com aquela expressão de horror. Gostaria de fazer algo por ela. Shaina havia sido um inferno em sua vida durante seu treinamento, mas ela também arriscou-se para que ele não fosse assassinado por Aioria. Sem dúvidas que, se ainda estava vivo, era por causa dela.

— Droga, Shaina. Eu vou te tirar daí!

— Não tenha tanta certeza. — falou finalmente Alberich de pé e, à essa altura, já muito confiante de ter diante de si duas pessoas que eram importantes uma para a outra. — Essa Ametista tem o poder de sugar a vitalidade humana.

Seiya lembrava-se delas; pois foi com elas que suas mãos foram presas no calabouço, de modo que mesmo o Cosmo dos Cavaleiros de Atena era incapaz de quebrar o que pareciam correntes tão frágeis. Olhou para seu punho desprotegido e viu as marcas que aquelas algemas haviam deixado em seu punho.

— Assim como aquelas algemas que nos prenderam nos calabouços do Palácio Valhalla.

— Exatamente. Mas aquelas algemas são feitas com o poder da ametista apenas para mantê-los incapazes de se soltarem, embora continue te mantendo vivo. A Couraça Ametista, pelo contrário, é um ataúde que envolve e se alimenta da energia de sua vítima, consumindo-a lentamente até que não sobre nada de seu corpo. — e então Alberich finalmente tinha sua postura altiva outra vez. — Até quando essa Shaina poderá aguentar?

— Eu tenho certeza que ela aguenta até eu acabar com você e libertá-la!

Seiya não pensou duas vezes e correu na direção do Guerreiro Deus para partir seu sorriso no meio.

— Espere um pouco, Seiya. Não se atreva a me atacar agora, pois se eu morrer, essa garota jamais poderá se livrar da ametista. Espero que entenda o que eu quero dizer..

O Cavaleiro de Pégaso parou sua marcha, desesperado. 

— Como é que é?

— Se é isso que você quer, vá em frente e me derrote. — disse ele, estendendo os braços. Seiya estava em uma encruzilhada. — Mas se você quer salvar a mulher que chama de Shaina, fique de joelhos e prometa que vai me obedecer. Irei prendê-lo nas Algemas de Ametista para ter certeza de que não irá se levantar contra Asgard.

Os olhos de Seiya buscaram o ataúde de Ametista e encontraram novamente a expressão de horror nos olhos pintados de Shaina.

— E não se demore a tomar uma decisão ou o que sobrará da garota serão apenas seus ossos. As preciosas Ametistas de Asgard sugam a vitalidade e alimentam essa floresta eternamente viva e pulsante.

— Droga, Shaina…

Aquela mulher havia sido mestra de Cássius e uma terrível rival para Marin; estrangeira como eles todos, Shaina, no entanto, tinha certa aceitação entre os núcleos mais seguros do antigo Camarlengo e até mesmo a admiração de muitos soldados gregos do Santuário. Ela era a única estrangeira que, de tão bem-quista em Rodório, podia até mesmo usar seu nome de batismo trazido da Itália, ao passo que os demais forasteiros aceitos na casta de Saga, precisavam renunciar ao seu nome estrangeiro por um que lhes fosse dado: assim como era com Aldebarã, amazonense de nascença, ou mesmo Moisés, o Capitão Meko Kaire dos Maori e tantos outros que tiveram de dobrar àquele cenário totalitário.

Certamente não era o caso de Marin ou de Seiya, que nunca fizeram parte das frentes do Camerlengo, embora recaísse sobre Marin certo mistério sobre tudo que dela pertencia: do seu rosto ao nome. 

Sobre Shaina, Seiya compreendeu somente quando deu-se a queda de Saga o sentimento que Marin tinha por ela; ainda que ela houvesse desaparecido no pós-batalha, lembrava-se de como Marin respeitava Shaina durante seu treinamento e seguidamente o alertava para que não se doesse por demais com as perseguições da garota. Assim se dava, imaginou Seiya, pois no fundo, Marin sentia uma certa comiseração pela rival que não enxergava seu papel entre os asseclas do antigo Camerlengo. Ela era a estrangeira aceita no grupo, a desculpa que tinham contra qualquer acusação; um mascote para justificar tantas violências contra os imigrantes do Santuário.

Seiya sofreu horrores nas mãos daqueles que o perseguiam e não raro a própria Shaina zombava e o colocava em provações terríveis; mas a ferida na mão nunca os afastou do que realmente eram: estrangeiros. E os sentimentos de Shaina, ainda que Seiya fosse muito novo, ele já compreendia em certo sentido. Sua larga teimosia contra ele, pois afinal de contas, de todos os estrangeiros que haviam se arriscado no Santuário, Shaina o perseguia muito mais persistentemente; assim como foi atrás dele até mesmo fora do Santuário e finalmente sacrificou-se diante de um Cavaleiro de Ouro para lhe dar uma chance.

Se Seiya ainda parecia não ter apagado tantos sofrimentos nas mãos dela, aqueles olhos horrorizados que o encaravam dentro da Ametista mexeram com algo profundo nele: não poderia simplesmente deixá-la ali se desmanchando dentro daquela prisão.

Ele finalmente abaixou a guarda.

— Muito bem, Pégaso. — falou Alberich ao notar que suas palavras e os sentimentos do garoto o haviam desarmado.

Seiya, de fato, não conseguia deixar de se sentir arrasado cada vez que buscava os olhos de Shaina e os encontrava daquele jeito: paralisados no medo. O Cavaleiro de Pégaso fechou os olhos, deixando que seu coração sentisse o calafrio que lhe percorria o corpo, pois ele não era mais um menino buscando sua irmã, lutando unicamente pela felicidade de Saori ou até mesmo de seus amigos. Lembrou-se do olhar severo de Mayura quando anunciou diante de todos que ele era um Cavaleiro de Atena. O timoneiro do Galeão que partiu aos Sete Mares para selar Poseidon sob o comando de Meko Kaire, que o escolheu e por quem o garoto desempenhou seus deveres de maneira exemplo.

Seus deveres.

Naquele instante, Seiya deixou de ser o menino de antes, ainda que seus olhos fossem valentes e jovens como o do garoto que ele sempre foi. Seu Cosmo ascendeu brilhante ao redor de seu corpo.

— O que está fazendo, Pégaso? Vai deixar ela morrer?

— Me desculpe, Shaina. — começou ele. — Mas nós somos Cavaleiros de Atena e precisamos seguir nossa missão para selar Poseidon. E se para isso precisamos das Safiras de Odin, eu preciso seguir lutando. É o meu dever como um Cavaleiro de Atena!

— É disso que são feitos os Cavaleiros? — perguntou Alberich em um tom mais acima, legitimamente chocado que o garoto seguiria em frente com aquela loucura. — Não entende que isso selará o destino de sua amiga? 

— Meteoros de Pégaso!

O Guerreiro Deus não teve um segundo a mais para tentar dobrar a vontade de Seiya com suas palavras ferinas; seu corpo foi completamente envolto pelos Meteoros de Seiya, que o levaram ao chão uma outra vez. Mas dessa vez o golpe de Seiya estava mais fraco e Alberich levantou-se com dores, mas ainda vivo.

— Que curioso. — observou ele de joelhos. — Quer dizer então que os Cavaleiros de Atena abandonam seus amigos? São esses os responsáveis pela paz na Terra? 

— Cale a boca, Alberich! — vociferou Seiya. — Nós, os Cavaleiros de Atena, estamos dispostos a morrer a qualquer momento por nossa missão e por Atena. 

De costas para o Cavaleiro de Pégaso, Alberich preocupou-se, mas não deixou que seu inimigo notasse sua expressão preocupada. Ele claramente havia subestimado seu inimigo, julgando-o jovem demais para uma Guerra como aquela. Mas se ele era o sábio de Asgard que trazia as notícias do Mundo ao Reino do Norte, ele certamente não havia feito seu trabalho corretamente ao deixar de lado o tanto de batalhas incríveis que aquele menino em frente a ele havia lutado.

— Alberich, se tem algum amor por sua vida, deixe que ela saia daquele esquife agora mesmo! — mas o Guerreiro Deus novamente sorriu de volta.

— A sua obstinação é ridícula. Olhe para ela! Vamos, olhe para ela! Ela está perdendo a sua energia vital. Shaina está morrendo por culpa sua.

Seiya podia ser um valoroso Cavaleiro de Atena, mas ainda lhe doíam demais aqueles olhos que lentamente agora pareciam se fechar dentro do esquife de Ametista. Estava dividido e ainda que ali houvesse demonstrado uma valentia enorme em seguir sempre adiante com seu dever, Alberich sabia que já havia vencido aquela batalha. Ainda que não soubesse de todos os milagres que o Cavaleiro de Pégaso havia produzido e ainda que estivesse surpreso com a coragem e a obstinação de Seiya, ele sentiu na pele que seus últimos golpes eram vacilantes. Ou de outro modo, o Meteoro de Pégaso o haveria derrotado definitivamente. Se Seiya houvesse usado todo seu Cosmo como fez logo que se encontraram, ele já estaria morto, sem dúvidas.

Mas não era assim.

O experiente Guerreiro Deus deixou o silêncio entre os dois imperar, pois sabia que isso obrigaria Seiya a escutar seus pensamentos, suas dúvidas, suas angústias. Alberich ascendeu o seu seidr divino e Seiya viu como da terra ao lado dele brotou um cristal vertical afiadíssimo de Ametista que o Guerreiro Deus tomou nas mãos.

— Mas o que é isso? — perguntou-se Seiya, colocando-se em guarda.

Era algo parecido com uma espada púrpura. O Guerreiro Deus sorriu e saltou na direção de Seiya, atacando-o feito um espadachim muito ágil e habilidoso; mas Seiya havia tido todo tipo de ensinamentos com sua mestra Marin, ele bem se lembrava. De modo que esquivou-se facilmente de todos os golpes delicados de Alberich que, sem dúvidas, era alguém que dominava a arte muito bem, embora seus golpes fossem lentos e sem tanta força, como se houvesse treinado em sua vida muito mais pela graça e o estilo, do que para vencer seus oponentes. Era hora de Seiya contra-atacar e assim que Alberich desceu a espada de baixo para cima, o Cavaleiro de Pégaso cometeu um erro terrível: parou a espada com as duas mãos, segurando a pouca força de Alberich que buscava fatiá-lo ao meio.

Ao menos era isso que ele pensou, mas então Alberich apenas queria aumentar seu tempo de contato com aquela venenosa Ametista, de modo que Seiya caiu no chão, sentindo-se zonzo. Alberich soltou da Espada e abriu os braços com sua energia púrpura ressoando com os cristais daquela floresta e sugando todo o fio daquela espada de Ametista para dentro dele. Seiya sentiu os efeitos breves da pedra-venenosa e recordou-se do estado de torpor em que sentia-se preso no calabouço; percebeu imediatamente a armadilha, mas então era tarde demais.

— Couraça Ametista!

A voz ecoou pela floresta, seu brilho púrpura envolveu sua Robe Divina e a rajada de cristal trancou Seiya também dentro de um ataúde translúcido que a habilidade de Alberich poeticamente posicionou-o ao lado de Shaina.

O Guerreiro Deus de Megrez havia vencido o segundo Cavaleiro de Atena, como havia prometido à Hilda e aos Conselheiros rivais.

— Agora falta pouco. — comentou ele, como se falasse aos cadáveres sepultados.

Mas o som de passos ecoando muito longe entre as raízes e troncos daquela Floresta Proibida tomaram sua atenção; sem dúvida que era mais uma vítima que corria até as teias de uma aranha perniciosa que aguardava pacientemente cada uma delas para fazer seu banquete de poder. Mas além dos passos ao longe, as árvores que pareciam amigas silenciosas de Alberich lhe deram a certeza de que quem vinha ao longe. Era alguém que Alberich não esperava tão cedo, mas que sabia que teria de encarar em algum momento daquela batalha.

Ele olhou para aqueles dois caixões de ametista e cobriu-os com os ramos, raízes e muitas folhas de modo que sumissem de vista unindo-se ao tronco sob o qual descansavam. Não tardou para que os passos chegassem até ele com a voz acusatória.

— Você sabia!

Exclamou Hyoga às suas costas com uma Safira de Odin na mão.


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Notas finais do capítulo

SOBRE O CAPÍTULO: Alberich em ação! Troquei Marin por Shaina e busquei um modo dele enganar Shaina pela inteligência e sagacidade. Usei Shaina para ter o mesmo efeito de divisão em Seiya, e acho que funciona super bem considerando a relação entre os dois. As histórias comparilhadas por Freia para June eu inventei para dar um pouco mais de ancestralidade para um povo e explicar porque Hilda e os Guerreiros Deuses são tão irredutíveis em suas ações.

PRÓXIMO CAPÍTULO: CARTAS DO NORTE

O que, de fato, aconteceu com Hyoga assim que ele chegou à Asgard?



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