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Estavam nessa viagem há quase duas semanas e finalmente, segundo Kakashi, a floresta estava prestes a se transformar em outro cenário. Bem, prestes talvez fosse uma palavra inadequada, já que em seguida ele informou à mulher pouco paciente que isso demoraria mais alguns dias. Sakura já estava genuinamente sem paciência para troncos, rochas e arbustos, principalmente porque se tivessem pego aquela rota mais rápida, àquela altura já teriam chegado na costa.

Não podia negar, entretanto, que a viagem era revigorante de alguma maneira que não sabia explicar. Talvez fosse todo esse excesso de natureza, mas a moça se sentia disposta a continuar, ainda que sua mente não pudesse ver a hora de encontrar algo que não fosse mato verde. Talvez fossem sentimentos contraditórios, mas a contradição faz parte da vida e ela estava tranquila quanto a isso.

Naquele final de tarde, Sakura dava passos largos por uma pequena trilha cercada por plantas altas como uma grama selvagem que crescia desalinhada, além dos tremoceiros que coloriam a paisagem, a única coisa nova que seus olhos enxergaram antes de se afundarem naquela revista que tinha roubado de Ino pouco antes de sair da floricultura no dia em que recebera a missão.

Olhava distraída para as letras impressas em papel vagabundo enquanto se guiava através de sua visão periférica, seguindo o som dos passos de Kakashi ligeiramente à sua frente. Na página 18 havia um quiz com cinco questões que Sakura simplesmente não conseguia ignorar. O fez rapidamente enquanto contabilizava as respostas em sua mente, resultando num longo ruído de frustração.

— Fala sério...

Ela resmungou em volume não muito moderado, o suficiente para que Kakashi arqueasse uma sobrancelha enquanto olhava por cima do ombro brevemente com uma questão estampada em seu olhar e a viu suspirar com aquele leve mau-humor característico que às vezes a acometia quando algo não saia como o planejado. Não precisou perguntar, porque a moça simplesmente começou a desabafar.

— Fiz um teste para saber qual kage eu seria, e adivinha qual foi o resultado? Kazekage! – Disse sem sequer esperar que ele tentasse de fato adivinhar. — Ridículo! Em que mundo eu seria Kazekage??

— E qual o resultado que você queria?

— Não é óbvio? Hokage é claro!

Kakashi sorriu com a resposta.

— Ok, vamos fazer esse teste com você! – Ela disse de repente.

— Por que?

— Por que não?

— Hm... – Resmungou desistindo de qualquer debate.

— Primeira questão – Ela disse ignorando o claro sinal de que o homem não estava muito disposto – Escolha um elemento: Ar, Água, Fogo, Raio ou Terra.

— Terra.

— Terra?— Sakura repetiu confusa — Pensei que você fosse escolher Raio!

— Eu tenho facilidade com doton – Justificou sem entender porque estavam debatendo sua resposta, afinal, era um teste pessoal, não é? — Qual a próxima pergunta?

— Hm... Bem, qual sua posição de sucessão? Essa pergunta é confusa, mas pelas opções, eles querem saber se você seria o primeiro, segundo, terceiro...

— Sexto.

— Mas eu nem disse as opções...

— Tem sexto?

— Sim...

— Então sexto.

Sakura fez uma careta.

— Sabe, não é porque você será o sexto Hokage que você precisa escolher sexto no teste.

Sim, ele sabia. Mas devido a todo o contexto de sua promoção, ele simplesmente resolveu que iria abraçar seu dever como Rokudaime Hokage.

— Eu escolho sexto.

— Certo... – Ela resmungou antes de continuar — A próxima é “qual primeiro kage é seu favorito?”

Que raios de pergunta infantil era aquela? Ele pensou em desgosto, mas resolveu apenas responder porque não havia muito o que discutir sobre isso.

— Hashirama.

Sakura revirou os olhos nas costas dele evitando qualquer comentário, e quando olhou a próxima questão ela apenas suspirou.

— Se você responder Konoha....— Resmungou. — Em qual vila ninja você moraria?

Ele permaneceu em silêncio por um momento antes de virar seu rosto brevemente sobre o ombro, olhando-a com uma sobrancelha arqueada.

— Ok, eu desisto! – A moça falou fechando a revista com certo desprezo não muito bem direcionado. — Desse jeito você vai tirar Hokage!

Kakashi deu uma breve risada, mais alta do que ele planejou, porque Sakura se irritava com coisas tão irrelevantes, ficando frustrada com coisas que obviamente não acrescentariam em nada na sua vida.

— Parece ser um teste bem óbvio. Se tirar Hokage é importante para você, então apenas marque as questões que você sabe que vão levar ao resultado que você quer. – Ele sugeriu sentindo o cheiro do ambiente mudar lentamente para algo bem característico.

— Mas a graça de fazer testes é responder com honestidade. Fazer análise das respostas é quase como roubar.

— É só um teste de revista, Sakura – Ele disse naquele tom de voz simplista — Você não tá fazendo algum tipo de prova.

— É justamente por ser só um teste que não quero seguir uma rota óbvia pro resultado que quero. Não é algo que vai definir minha vida, então eu apenas quero responder de qualquer forma e obter meu resultado.

— Mas se é um resultado que vai te frustrar, então apenas mude as respostas e consiga seu resultado satisfatório. É só um teste irrelevante, afinal.

— Você não entende...— Ela resmungou revirando os olhos.

Ele deu os ombros admitindo para si mesmo que, de fato, não entendia. Na verdade, naquele momento, Kakashi sequer compreendia porque estavam tão imersos nas implicações de mentir ou não num teste besta de uma revista qualquer. Talvez os dois estivessem certos naquela troca de opiniões inconclusivas, talvez não, mas ele ainda achava tudo tão irrelevante.

— Quais respostas você marcou?

Sakura arqueou uma sobrancelha na direção das costas de seu antigo professor, que andava passo após passo de maneira ritmada. Tinham ficado um momento em silêncio antes que ele levantasse essa questão quase despretensiosamente, o que fez com que o bico amuado da moça retornasse a seus lábios. Se era irrelevante, porquê ele queria saber então?

— ... Água, Quarta, Reto, Kumogakure...

— Você moraria em Kumo? – Questionou surpreso.

— Eu já moro em Konoha, então descartei das minhas opções. Eu acabei marcando Kumo porque Naruto me contou algumas coisas sobre culinária e costumes. A Karui também é de lá e fala bastante sobre.

É verdade... Kakashi pensou enquanto o barulho de um galho seco quebrando abaixo de seus pés se fez audível. Sakura jamais tinha saído de Konoha por muito tempo. Chegaram à ir em algumas poucas missões quando genin, mas pelas contas dele, fora do país do Fogo, Sakura só conhecia o país do Vento, do Ferro e.... Som? Até mesmo o país da Água, Sakura só conhecia a prévia, que era aquela ilha por onde deveriam ter seguido se quisessem chegar mais rápido à Kirigakure.

— E por que você escolheu o primeiro Kazekage?

— Ah, eu não sei muito sobre nenhum deles na verdade, mas achei que seria óbvio demais marcar Shodaime Hokage.

— Reto era conhecido por ser um ótimo negociante. – Kakashi comentou de maneira automática, seu pensamento de repente divagando.

— Acho que é um requisito importante para ser um Kage. – A mulher disse dando os ombros.

O homem parou de repente quando a trilha começava a alargar numa bifurcação marcada por bambuzais que se espalhavam adiante, virou seu corpo para a mulher logo atrás, vestida numa blusa verde clara que ele nunca tinha visto antes, e não reparou que estava encarando-a por tempo demais.

— Sensei?

— Ah...

— Aconteceu alguma coisa?

O cheiro dos bambus era forte, mas por trás havia aquele breve aroma tão característico. Ele fechou os olhos se concentrando apenas para ter certeza que poderia sugerir aquilo sem que fosse uma decepção para a moça de cabelos cor-de-rosa, que lhe olhava com curiosidade.

— Tem um templo antigo pra dentro dessa trilha. – Informou depois de um breve momento — Quer dar uma olhada?

— Oh! Vamos lá! – Ela respondeu de maneira animada segurando nas alças da mochila como quem está pronta para uma nova jornada.

Não que fosse um homem de poucos sorrisos, mas fazia tempo que ele não saia em missão de maneira tão despreocupada, e ter Sakura como sua companhia fazia a viagem ganhar um tom inesperado; todos os dias havia alguma nova conversa aleatória, algum resmungo mal-humorado que logo se transformava em um comentário divertido. Sakura era animada, mas não espalhafatosa, e ele se descobriu apreciar essa característica nela, principalmente nesses momentos onde ele se pegava reflexivo demais por conta das aleatoriedades dela.

Sim, porque enquanto subiam pela bifurcação esquerda, caminhando entre os bambus altos que cercavam a estrada batida, Kakashi pensava sobre os líderes das vilas ninjas, suas histórias, seus legados. Subiam em silêncio, apreciando o som oco dos bambus se chocando ao comando do vento ora forte, ora brando. Será que ela fazia ideia do que havia provocado nele com apenas uma conversa besta sobre testes de revistas? Reto tinha sido um bom Kazekage? Hashirama tinha sido um bom Hokage?

— Oh! Kakashi-sensei! – Sakura exclamou puxando-o para a realidade novamente.

No alto daquele aclive, árvores frondosas se mesclaram aos bambus mais verdes, haviam também eucaliptos que incensavam todo o ambiente, fazendo seu cheiro ser carregado pelo vento e encobrir até mesmo o cheiro forte do bambu. Sakura parecia encantada em seus passos mais curtos, apreciando a vista folhosa que apenas a primavera propiciava às plantas.

Sorriu novamente se sentindo contagiado pelas árvores, pelo vento, pelo clima ameno, pelo canto dos pássaros tão distantes. Seguiu Sakura pela pequena estradinha antiga com suas pedras encobertas por uma fina camada de terra, sinais do tempo que não recebia visitantes. Encontraram um portal alto de madeira que em algum momento tinha sido colorido de vermelho, mas que agora era opaco como qualquer outra árvore de tom mais claro.

Sakura o olhou por cima do ombro, o verde ansioso de seus olhos revelava mais do que um ninja é autorizado a fazer, mas não importava, não é? Só estavam os dois ali. Ela deu alguns passos mais rápidos e ele se viu calmo atrás dela, sem apressar suas pernas, ele já conhecia aquele lugar e não tinha nada demais em outras épocas do ano, mas na primavera...

— Isso... – O ar lhe escapou com a palavra, e Sakura se sentia completamente deslumbrada com o que via.

Um templo antigo mal tratado pelo tempo, mas que carregava uma beleza singular devido à enorme árvore rosada que jazia majestosa logo em sua entrada. O chão era coberto pelas pétalas delicadas e alguns galhos penetravam as frestas na madeira velha que ainda compunha a construção sólida. As sombras discretas, o sol que coloria tudo com seu tom amarelado, as vigas com a pintura descascada, o caminho de formigas...

Os detalhes daquela cena eram incríveis aos olhos verdes e o fascínio perdurava enquanto ela passeava vagamente entre os elementos, pisando no chão duro com tanto cuidado, como se não quisesse tocar o local e sem perceber a aura satisfeita de Kakashi logo atrás de si, orgulhoso da reação dela com tudo o que estava ali.

Em determinado momento, Sakura virou-se colocando o indicador nos lábios num óbvio sinal para que ele fosse discreto, ele franziu o cenho em curiosidade e foi até ela com passos leves, quando a alcançou, seus olhos acompanharam os dela para ver um panda vermelho andar calmamente até sumir entre a vegetação.

— Esse lugar é incrível – Ela disse virando seu rosto para ele com animação.

— Nessa época do ano, sim. – Kakashi comentou casualmente, satisfeito com a expressão dela — Vem, vamos entrar. 

E então ele apenas se adiantou subindo na madeira um pouco fofa por aguentar chuva e sol copiosamente sem nenhuma manutenção. Havia alguns musgos nas quinas, e caminhos de cupins pelas vigas, mas tudo parecia tão simbiótico com a natureza. As plantas subindo pelos parapeitos das janelas, invadindo o local com suavidade e beleza.

A porta levemente torta abriu com um rangido e eles tiveram que abaixar suas cabeças quando uma revoada de morcegos assustados fez seu caminho para algum lugar mais seguro. O ambiente era um pouco úmido, mas não o suficiente para provocar qualquer tipo de cheiro de mofo, ao contrário, os eucaliptos lá fora se encarregavam de deixar tudo com um aroma bastante agradável, e sem querer abrir as janelas, Kakashi deixou a luz roxa de seu jutsu de raio iluminar os cantos do local.

Sakura passeava de lá para cá com passos cuidadosos, sempre olhando atentamente para os detalhes na pintura descascada, no altar envelhecido, na estrutura que um dia foi um tambor cerimonial. Estava deslumbrada com o largo painel que ainda preservava os contornos do desenho de um monge, que na visão dela poderia ser o sábio dos seis caminhos. Ela nunca viu um lugar como aquele antes, um templo abandonado, que mesmo esquecido entre às árvores, ainda jazia preservado.

— Kakashi-sensei, quando foi a última vez que você passou por aqui?

Ela perguntou em tom baixo, quase como se estivesse sussurrando.

— hm... Acho que fazem sete ou oito anos. – Respondeu tentando puxar da memória — Foi pouco antes de eu ter sido designado como tutor de um time de genins.

— Que tipo de missão te fez vir aqui?

—Espionagem – Deu os ombros — Mas eu já conheço esse local a muito tempo, acho que é a quinta vez que passo por aqui.

— Eu nunca peguei uma missão de espionagem – Sakura disse virando-se, o rosto colorido pela luz roxa advinda da mão do homem — Já peguei de reconhecimento, mas nunca de espionagem. – Completou voltando sua atenção para o que parecia ser um vespeiro — Sensei, acho melhor sairmos daqui.

Ele riu.

— Sim, vamos ficar lá fora.

E assim encontraram a luz do sol novamente antes de procurarem um bom lugar à sombra da majestosa árvore que decorava tudo com o mais belo tom de rosa, optando pela varanda lateral do templo, que parecia limpo o suficiente para que ambos apenas se fizessem confortáveis por um momento.

— Que tal você terminar o teste comigo?

Ele perguntou para a genuína surpresa de Sakura, que achava estar no mínimo o entediando. Não pensou muito naquela proposta, apenas tirou a revista da mochila enquanto esticava suas pernas para recostar na parede de madeira atrás de si.

— Só tem mais uma pergunta – Informou — Qual a sua cor favorita?

Kakashi riu.

— Diga as opções.

— Vermelho, amarelo, azul, marrom e verde.

Eles se olharam com divertimento e Kakashi não precisou responder novamente, Sakura apenas balançou sua cabeça com humor.

— Você daria um ótimo Hokage, parabéns!— Leu os inscritos ao final do teste foleando a revista de maneira despretensiosa em seguida — Não sei por que a Ino fez a assinatura dessa coisa.

A moça levantou seu olhar finalmente, olhando para o homem ao seu lado que parecia perdido entre as flores cor de rosa de maneira quase contemplativa e Sakura reparar nas pequenas marcas de expressão do rosto do homem, que àquela altura já tinha quantos anos mesmo? Kakashi parecia exatamente o mesmo homem com seu cabelo prateado de corte exótico, sua máscara preta bem posicionada, seus olhos languidos que revelavam muito quando ele se permitia relaxar.

Particularmente, Sakura sabia que o homem era discreto, revelando muito pouco sobre si mesmo e seus pensamentos mais profundos, mas diante daquela expressão e do modo como seu olhar pairava quase tranquilo sob a natureza ao seu redor, Sakura sentiu que podia perguntar sem parecer intrometida, porque não era isso. Ela olhou para frente vendo um coelho perdido passar correndo, talvez fugindo de alguma coisa, mas ela não se importou com aquilo.

— No que você está pensando?

Perguntou finalmente, fazendo-o olhar para ela brevemente em sua atenção desviada.

— Ah, bem... Estou pensando na minha nomeação.

— É verdade, já está bem próximo. – Disse finalmente compreendendo — Ansioso?

— Eu não usaria essa palavra. – O homem respondeu com leveza deixando o riso baixo escapar.

Sakura assentiu brevemente antes de buscar sua mochila, curvando-se na direção dela para encontrar um pergaminho escondido entre suas coisas. Ele parecia distraído enquanto ela calmamente colocava o pergaminho desenrolado no chão com seus inscritos negros bem desenhados. Kakashi a olhou brevemente antes que ela pudesse desfazer o selo.

Enquanto ele havia levado um kit de culinária, Sakura havia cuidado de copos e garrafas de saquê.

— Tenten me ensinou o jutsu de armazenamento em pergaminho – Ela disse verificando as cinco garrafas que haviam sido invocada — Como eu não tinha muito espaço, coloquei isso aqui dentro deste pergaminho – E levantou aquela garrafa menor com um rótulo mais bonito — Tsunade-sama me presenteou com essa aqui.

— Parece cara – O homem comentou se perguntando quando Sakura havia se familiarizado com álcool.

— E é! Não é uma bebida qualquer. Tsunade-sama adora esse saquê e me deu uma garrafa na semana antes de virmos em missão. – Falou enquanto a abria com maestria — Você precisa provar, o gosto é maravilhoso.

— Quando você começou a beber?

— Quando eu tinha dezesseis. – Respondeu sem titubear enquanto derramava o liquido cuidadosamente nos copos quadrados. — Não vai me repreender?

— Acho que já passou do tempo.

Ela sorriu.

— Tome. – E o ofereceu a bebida.

Kakashi olhou para o líquido transparente nas mãos da mulher.

— Acho que vou passar dessa vez. – Disse enquanto o rosto de Sakura sustentava uma careta — Estamos no meio da floresta e esse local é conhecido por outras pessoas. É prudente que um de nós esteja apto às adversidades que possam vir a acontecer.

— É só um gole, Kakashi-sensei.

— Eu sou fraco para bebidas.

— Ora, vamos... Só um gole – Ela insistiu — Não me faça ter aberto essa garrafa à toa.

— Você deveria ter guardado para uma ocasião especial, já que é um presente da Hokage.

— Mas esta é uma ocasião especial. – Sakura disse ainda insistente, vendo a expressão confusa surgir no rosto dele — Estamos comemorando a sua nomeação.

— Ah...— Ele riu. — Acho que ainda não é um bom motivo.

— Bem, então você pode beber pelo meu aniversário.

...?

Aniversário?

— Que dia é hoje?

— Vinte e oito de março.

Ela quase se sentiu culpada quando viu a expressão nos olhos dele num misto de surpresa e desconserto. Em todos esses anos, Kakashi tinha lhe parabenizado pelo seu aniversário apenas duas vezes, então ela já esperava que ele não fosse se lembrar e isso não a incomodava, na verdade, ela pretendia passar todo aquele dia sem deixar aquela informação vir a tona pelo simples motivo que não acrescentaria em nada naquela viagem.

Mas ali estava ele como quem acabava de tomar um contragolpe forte no estômago, e Sakura quase se arrependeu. Às vezes era bom pegá-lo de surpresa, apenas para saber que ele ainda conseguia fazer aquela expressão quase arrependida. Ela sorriu com toda sua gentileza antes de ofertar o copo novamente, e num ato de completa desistência, Kakashi apenas o segurou.

— Só esse copo e nada mais. – Alertou devidamente.

— Hai, hai! – Ela disse em concordância se sentindo vitoriosa.

Brindaram e Kakashi apenas virou-se brevemente para abaixar sua máscara e ingerir o conteúdo daquele pequeno copo quadrado. Sakura riu brevemente antes de virar sua dose completamente. Era mesmo um ótimo saquê, Kakashi pensou enquanto sentia o corpo aquecer brevemente sem nenhum incômodo na garganta como os mais baratos produziam. Recolocou sua máscara no lugar antes de virar-se novamente para ver Sakura servindo a si mesma com mais uma dose.

— Feliz aniversário, Sakura.

Ele disse de um jeito meio polido, ela o olhou com um sorriso fácil nos lábios satisfeita com a expressão dele.

— Que tal um presente de aniversário? – Ela sugeriu, dessa vez bebericando sua bebida com aquele olhar travesso. Ele estreitou os olhos.

— Que tipo de presente? – E a cautela era presente em cada palavra.

— Bem, já que estamos no meio do mato e você não pode me comprar nada, que tal um presente simbólico?

— Simbólico?

— Sim.... Você pode me mostrar seu rosto.

Ela jogou daquele jeito meio casual enquanto esperava a resposta dele. No fundo ela sabia que seria uma recusa, mas dentro de si girava numa expectativa quase infantil. Kakashi riu e ela acabou rindo junto.

— Vou te dar algo que você vai gostar mais. – Ele disse convicto.

Não sabia se tinha sido a pouquíssima bebida afetando seu cérebro, mas Kakashi sentia que queria dar algo a ela de repente. Na verdade, soava mais como o clima da viagem, porque estavam próximos de um lugar específico e tudo soava como se, de repente, o destino quisesse ajudá-lo em sua missão de presentear.  

— Oh...?

— Vai demorar mais alguns dias, mas vai valer a espera – Informou com aquele suspense barato — Apenas seja paciente.

— Mas como eu vou saber que vou gostar mais do presente ou do seu rosto? – Ela riu.

— Imagino que vá ser melhor do que o rosto de um velho.

— Por favor... – Ela disse num tom divertido de reprovação antes de dar um pequeno gole na bebida — Eu lembro da Ayame, filha do dono do Ichiraku, que quando viu seu rosto ficou completamente apaixonada.

— Na época eu era bem mais novo.

— Aposto que você não mudou tanto assim.

— Você mudou bastante.

— Mas eu era uma criança.

— É verdade... – Ele disse com humor, Sakura balançou os pés esticados em suas botas, olhando por um longo momento antes de continuar.

— Talvez eu veja seu rosto quando o esculpirem na pedra.

— Vão esculpir com a máscara.

— O que...?

— Nidaime foi esculpido com seu protetor, eu vou ser esculpido com minha máscara.

— Era só o que faltava...— Ela resmungou virando o resto do saquê que estava em seu copo. Kakashi não conseguiu evitar a risada diante da fala abusada de sua antiga aluna.

— Eu sei que você tem uma aposta com Naruto, mas não é hoje que você vai vencê-la.

Ela o olhou discretamente pelo canto do olho como quem foi pega no flagra, deu uma risadinha antes de se servir novamente e Kakashi se perguntou se Tsunade havia treinado Sakura para ter alguma resistência a bebidas alcoólicas.

— Bem, mais cedo ou mais tarde você vai ter que me mostrar seu rosto. – Ela disse de repente, dando os ombros enquanto deixava seu olhar vaguear pela paisagem ensolarada.

— É mesmo?

— Sim, afinal um dia você vai ter uma dor de garganta qualquer, e eu vou dizer “diga aaaa”.

Kakashi riu.

— Você vai ser minha médica, então?

— Sim, não vou aceitar que outra pessoa pegue as suas consultas.

— Só porque quer ver meu rosto?

— E também porque você não vai confiar em mais ninguém para cuidar da sua saúde.

— É verdade, você é a melhor. – Ele disse sem muitos rodeios e Sakura se sentiu satisfeita.

— E você também é a melhor opção para Hokage.

O homem a olhou de repente, vendo os olhos verdes brilharem em uma gentileza que só Sakura possuía.

— Você acha?

— Eu tenho certeza.

Não hesitou em sua resposta, não precisava. Ela continuou olhando diretamente para ele de maneira plena e havia toda a certeza do mundo em suas palavras que pareceram ser apreciadas pelo homem em sua expressão serena, como sempre. Era um homem de poucas palavras, ela sabia, mas conseguia ser bem claro no que queria dizer com apenas uma pequena frase.

O viu sorrir através de seus olhos antes de mirar a linda árvore rosa. Ele abriu a boca e fechou novamente, riu como se tivesse acabado de perceber algo que era óbvio e então olhou para a moça ao seu lado que ainda sustentava seu brilho verde nos olhos grandes.

Ela era uma mulher bonita.

— Obrigado, Sakura.

— Obrigada você por me trazer num lugar tão bonito no meu aniversário – Ela disse balançando suas pernas levemente, e a brisa suave os abraçou com o cheiro intenso dos eucaliptos. Alguns fios do cabelo dela saíram do seu lugar de harmonia, e uma pétala de cor bem similar caiu sobre sua cabeça suavemente.

Kakashi não resistiu, e com um simples movimento ele capturou aquela pétala delicada. Sakura o olhou levemente confusa e quando os dedos masculinos estavam na sua frente ela viu tão rosa quanto seus cabelos. Ela sentiu-se corar por um momento antes de pegar a pequena parte de flor que ele oferecia a ela.

Haviam sorrisos nos rostos, e aquela troca de olhares durou por um longo momento ate se desfazerem em um suave recostar de seus corpos na parede do templo antigo. Um pássaro começou a cantar lá longe, e Sakura tomou mais um gole de seu saquê gostoso, sentindo que talvez estivesse ficando um pouco tonta. Ela riu sozinha e Kakashi apreciou o som da risada dela.

— Kakashi-sensei, nós vamos pernoitar aqui?

Sakura perguntou depois de um momento.

— Não. Esse é um bom lugar para visitar, mas é conhecido na região e bandidos podem aparecer no cair da noite. É melhor irmos para o meio da floresta.

— Certo, então eu vou parar de beber – Ela avisou e ele percebeu que a garrafa estava pela metade.

— Como você fica de ressaca?

Ela o olhou de canto e sorriu.

— Talvez eu devesse começar a tomar água.

Foi a resposta dela.

— Não se preocupe com isso. Se quiser beber, continue. – Deu os ombros — É o seu aniversário e qualquer coisa, se você não quiser andar, eu te levo.

— Você é o melhor, Kakashi-sensei – Disse se servindo novamente com uma expressão contente. — Mas você tem que beber comigo da próxima vez.

— Quando voltarmos à Konoha, pode ser?

Ela o olhou por um momento e seus olhos verdes prenderam os deles.

— É uma promessa.

Ficaram ali por mais algumas horas e pouco antes do sol se pôr, Kakashi resolveu que deveriam partir. Sakura estava risonha, mas sóbria o suficiente para não constranger-se e o viu criar um clone para carregar ambas as mochilas enquanto ele a colocava nas costas sob protestos, pois ela achava que podia andar por si mesma ainda que o chão estivesse menos plano e sua visão fosse um pouco turva.

Foi quando ela começou a cantar uma canção, murmurando as palavras numa melodia pouco articulada enquanto tinha o rosto apoiado no ombro dele, completamente curvada. Ele não se incomodava, na verdade ela estava particularmente divertida e todas as expressões se acentuavam de um jeito que o fazia querer usar a palavra fofa para descrevê-la, mas ao invés disso, o homem decidiu que queria apenas apreciar aquele momento.

Então ela se empertigou nas costas dele, ajustando seus braços envolta do pescoço dele para então levar seus lábios para perto demais de sua pele sensível para sussurrar um sonolento obrigada por hoje.

Oh, céus...

O Kakashi-clone olhou com uma sobrancelha arqueada para o seu criador, que se negava a transparecer ter ficado brevemente vermelho.

E a viagem seguia seu curso.

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