Encontros de Líridas - KakaSaku escrita por LoreyuKZ


Capítulo 3
Pasta de dentes sabor guerra


Notas iniciais do capítulo

Vem comigo, vem sem medo! Capítulo chegou bem rápido para os meus padrões, né? KKK



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Era bem normal, na vida ninja, que tivessem que dormir em densas florestas e terrenos pouco convidativos. Às vezes, se dessem sorte, achavam abrigo em alguma caverna ou ruína local, mas na maior parte das vezes ninjas precisavam montar acampamento com fogueira baixa e sacos de dormir. Viajar em época de chuva era simplesmente horrível e por isso a maior parte dos shinobis apenas tomavam aquelas pílulas do soldado para conseguirem viajar continuamente, mesmo sob as tempestades mais árduas.

O caso daqueles dois era bastante diferente, primeiro porque sua missão não envolvia nada tão urgente, e segundo porque não estavam em épocas de chuva. Se viam um local adequado para dormir antes de anoitecer, Sakura e Kakashi simplesmente decidiam que era a hora de montar acampamento e paravam. Não havia pressa, e mesmo que estimassem um atraso de duas semanas, ainda assim chegariam a tempo de ver o início do festival.

Horas antes, Kakashi e Sakura se depararam com uma linda clareira sob a luz do pôr de sol, mais além havia um riacho que cortava a floresta vindo direto daquele outro rio maior vindo da região do país do Ferro e que foi determinante para que resolvessem parar por ali. Ter água por perto era sempre bom, encher os cantis, lavar algumas coisas, banho.

Eles podiam viajar durante a noite, é verdade, mas decidiram que iriam dormir assim que o sol abaixasse, e levantariam pouco antes do sol nascer, assim poderiam aproveitar a luz do dia de maneira integral, o que favoreceria aquela viagem como um todo. Além disso, mesmo que estivessem numa missão tão simples, Kakashi e Sakura ainda revezavam para ficarem de guarda em caso de ladrões, animais, ou conflitos próximos acontecerem. Era algo natural de sua profissão nesse tipo de viagem e o primeiro turno era sempre o dela.

Kakashi geralmente dormia bastante rápido após ligar todos os seus alarmes de chakra. Ele conseguia ler mesmo à luz baixa da fogueira, e pouco depois se virava para cair no sono de uma vez por todas. Na verdade, cair no sono talvez fosse um termo forte demais, porque mesmo que Sakura estivesse olhando atentamente e houvesse seus alarmes de chakra em caso de invasão, Kakashi entrava num modo de repouso. Ele conseguia restaurar suas energias, mas não dormia tão profundamente assim.

Com Sakura era basicamente a mesma coisa, mas naquele dia ela resolveu apenas se entregar. O sono bateu rápido após a troca de turno devido à semana que se passou dormindo apenas seis horas por dia, ou melhor, cochilando, e não se sentia preocupada em fazê-lo porque Kakashi estava zelando por ela de forma que nada nunca havia acontecido com ela enquanto os olhos dele permaneciam atentos.

Contudo, pouco antes do seu horário de acordar, Sakura abriu seus olhos. Seu alerta de chakra havia disparado e seu corpo foi despertado no mesmo instante, encontrando Kakashi sentado sobre a figura de um homem completamente imobilizado pela posição adversa na qual se encontrava. A mulher arqueou a sobrancelha confusa enquanto ouvia os protestos daquela voz arranhada, e deveria se levantar com rapidez, mas ao invés disso se permitiu dar um bocejo enquanto ouvia Kakashi perguntar o que o homem queria.

— Me solta! Eu não tô fazendo nada! Me solta logo!

Sakura soltou ar antes de esfregar o rosto de maneira sonolenta. O homem intruso era apenas um moleque que não deveria ter mais de dezesseis anos.

— Yare, yare... Falei para você falar baixo! – Kakashi soltou como quem tivesse desistido de algo antes de simplesmente olhar para Sakura — Desculpe se te acordei.

— Na verdade o meu alarme de chakra disparou – Sakura deu os ombros vendo-o acenar com a cabeça — O que está acontecendo?

— Vocês são surdos? Me soltem logo! – O garoto continuava seus protestos.

— Ele estava tentando nos roubar.

Ah...

— O que deu em vocês??? Eu não sou ladrão! Apenas me deixem ir!!

O garoto esperneava enquanto Kakashi apena suspirava. Um ladrão comum não era exatamente uma ameaça a ninjas experientes como Sakura e Kakashi, então eles se permitiram tratar aquela situação com mais serenidade. A kunoichi ainda estava despertando, mas notou as roupas sujas do intruso, tal como seus ferimentos mal cuidados nas pernas, e pela mancha avermelhada no que podia ver daquela camiseta branca, talvez ele também tivesse algum machucado em seu torso.

Ela olhou para Kakashi que parecia apenas estar considerando suas possibilidades. Encontrar ladrões nos arredores das florestas não era exatamente incomum, mas sempre que os encontrava, Kakashi enfrentava um pequeno dilema sobre deixá-los ir ou arrastá-los até a vila mais próxima e prendê-los. Ao contrário de Sakura, ele não se atentou para os ferimentos do rapaz, ao invés disso ficou ali escutando os protestos incessantes que afirmavam copiosamente que ele não era nenhum ladrão.

Bem...

Em apenas uma troca de olhares, Kakashi e Sakura decidiram o que fazer.

— Você diz que não é um ladrão então eu vou apenas acreditar – Ela disse querendo apenas um tempo para lavar o rosto e escovar os dentes — Mas quero saber porque você estava tentando pegar emprestado as nossas coisas enquanto cuido desses seus ferimentos, pode ser?

Não tinha nada a ver com intuição, mas Sakura acreditava que o rapaz estava sendo sincero quando dizia que não era nenhum ladrão apesar do ocorrido e Kakashi concordava com o pensamento da moça por diversas razões inconclusivas, mas que faziam algum sentido quando somada a sua vasta experiência com bandidos em florestas.

— O quê? Como assim cuidar dos meus ferimentos? – O rapaz gaguejava em surpresa — Por que você faria isso?

— Porque é o que médicos fazem.

Foi uma resposta muito simples, muito direta.

Era engraçado o jeito com que Sakura disse aquelas palavras. Sua voz quase indiferente soava tão certeira aos ouvidos do ninja, que atentava também na expressão do jovem intruso que parecia completamente arrebatado pelo significado daqueles votos médicos. Kakashi saiu de cima dele e percebeu, finalmente, todos aqueles cortes. Não precisava ser nenhum especialista para dizer que eram ferimentos produzidos por shurikens que passaram de raspão, e havia um mais profundo, provavelmente causado por uma senbon.

O garoto estava completamente estático no chão e Sakura olhou para Kakashi mais uma vez sem saber exatamente o que era aquela reação. No final das contas, ela tinha acabado de acordar e queria apenas escovar os dentes. A kunoichi se aproximou do intruso com cuidado e olhou todos os ferimentos enquanto soltava um ruído longo de quem está pensando. Eram todos ferimentos antigos, alguns já estavam prestes a se tornarem cicatrizes enquanto outros precisavam de alguns pontos para fechar ou se tornariam um incomodo por muito tempo.

Na verdade, ele meio que tinha sorte de não ter uma infecção àquela altura. Tantos cortes abertos, tanto descuido com a limpeza do local... Ela suspirou, colocando uma mão sobre a perna do rapaz e imediatamente seu chakra surgia num brilho verde intenso na floresta escura.

Kakashi observava enquanto colocava sua hitaiate na testa depois de uma noite confortável. A identificação ninja era importante em longas viagens, mas durante seu sono, ele preferia simplesmente retirá-la e deixar sua testa respirar, assim como Sakura que amarrava a sua bandana vermelha no braço para não ter que se separar dela.

— Ninja da folha?

Foi a primeira coisa que o rapaz disse depois do longo período de silêncio em que Sakura apenas curava cada ferimento dele. Kakashi conhecia a sensação e era sempre muito agradável. Sakura tinha o chakra tão suave que até mesmo seu processo curativo parecia como um afago diante dos mais terríveis dos cortes. O garoto tinha sorte de ter esbarrado na melhor iryonin da atualidade.

— Uhum – A moça respondeu sem muito alarde — E você? Vai contar porque tentou nos roubar?

Os olhos do menino arregalaram enquanto Sakura sequer olhava para ele, foi quando Kakashi viu o menino sugar o ar com força para o peito, como se tivesse acabado de perceber algo que antes não fazia ideia.

— Eu preciso que você venha comigo!

— Hein?

— Por favor! Eu estou tentando arrumar remédios para a minha irmã! Ela está com muita febre, tem também a perna dela e eu não consigo... eu...

E ali estava a resposta para a pergunta de um milhão de ryōs.

Sakura o viu agitar-se com a urgência abrupta que o acometia, ignorando totalmente os cortes que ainda estavam abertos em seu corpo e a provável dor que emitiam.

— Oe, oe – A voz de Kakashi se propagou daquele jeito suave e Sakura apenas olhou seu antigo professor se aproximar calmamente — O que aconteceu com sua irmã e onde ela está?

Apesar de sua voz habitual, Sakura conseguia notar a postura mais séria com que o homem articulava as palavras. Kakashi nunca foi o tipo que levava a situação dos outros de forma leviana, e obviamente só estava tentando fazer o rapaz responder as óbvias perguntas que surgiam à medida que as informações vinham à tona.

— Minha casa é aqui perto, depois daquela clareira! Por favor! Eu imploro, doutora! Salve minha irmã!

Tinha dormido por sabe-se lá quantas horas e provavelmente estava com aquele mau hálito. Sakura realmente queria quinze minutos para sua higiene pessoal, e sabia que Kakashi já tinha feito seu ritual matinal porque ele sempre aproveitava o sono de Sakura para simplesmente dar um trato no próprio rosto sem um alguém curioso que obviamente queria muito ver debaixo daquele pano preto que sempre cobria seu rosto, mas ela? Sakura estava com bafo.

Quinze minutos.

Mas em quinze minutos a garota febril irmã do intruso poderia colapsar e morrer. Era a pior das hipóteses, é claro, mas dado ao desespero do rapaz e a forma com que ele descuidadamente estava tentando captar alguns medicamentos, Sakura sentia que não queria arriscar quinze minutos.

Ela olhou para Kakashi que emitia uma aura que dizia “a decisão é sua”, e é claro que a decisão já havia sido tomada minutos antes, no momento em que o resolveu prestar assistência médica ao menino. Ela suspirou reunindo forças, porque ela só queria escovar seus dentes, mas a vida de uma médica se resumia a urgência.

— Sensei, pegue suas coisas.

Kakashi assentiu com a cabeça enquanto Sakura juntava seu saco de dormir. O menino, adiantado, começou a agradecer copiosamente enquanto largava alguns sintomas no ouvido de uma Sakura que assumia sua postura séria. Em menos de quatro minutos, todos estavam partindo em velocidade pela floresta densa, alcançando a clareira enquanto sol surgia por trás da copa das árvores.

No caminho, o moleque arfante deu mais algumas informações inconclusivas. Kakashi percebeu que ele estava se esforçando para correr o mais rápido que podia, mas ainda era lento comparado a um ninja regular, e mais ainda, o seu arfar constante o impedia de simplesmente falar o que diabos tinha acontecido com a irmã dele e com ele para estarem numa situação de urgência, resultando no discernimento de que roubar viajantes soava como solução.

Atravessaram a clareira sem reparar nas rochas altas e na relva fresca com cheiro de orvalho, por fim, chegando à casa do rapaz que na verdade se localizava num vilarejo minúsculo. No chute, Kakashi diria que haviam vinte casas, talvez um pouco mais além da fonte redonda ao final da rua de barro batido. Algumas casas eram feitas de tábuas, outras exibiam troncos maciços de árvores cuidadosamente lapidadas, e haviam algumas de taipa, mas todas tinham algo em comum: pareciam abandonadas.

O vilarejo como um todo pareciam completamente jogado às traças, como se um furacão tivesse passado por ali e deixado apenas os restos de um lugar tranquilo. Kakashi e Sakura logo notaram as marcas nas construções, as manchas na terra, e o cheiro de podre. Uma galinha correu rápido por entre o grupo, cacarejando desordenada antes de um cachorro magricela surgir logo depois em disparada.

As casas eram distantes uma das outras, e por isso havia também alguns plantios simples de quem vive do que produz. O cercado do micro chiqueiro de uma das casas estava arruinado, assim como o porco morto por três kunais estava infestado por moscas e vermes. O cheiro era horrível, principalmente para alguém como Kakashi e seu olfato apurado.

Pararam diante de uma casa que deveria ter sido pintada de amarelo. As paredes externas estavam manchadas de sujeira e o varal segurado por um pedaço de madeira estava caído. O menino abriu a porta num solavanco sem sequer instruir a dupla a entrar. Sakura e Kakashi não precisaram se entreolhar, e a moça apenas entrou na frente com certa calma, sabendo exatamente o que esperar.

— Aqui! – O rapaz disse — Esta é a minha irmã!

E então se ajoelhou ao lado do fūton sujo onde a moça de cabelos escuros jazia deitada, gemendo em sua própria angustia. Tudo fedia, e Sakura desconfiava que a enferma estava urinando a dias no próprio colchão, mas pudera, como levantar quando sua perna está quebrada a ponto de o osso aparecer?

— Não se preocupe, one-sama, eu trouxe uma médica dessa vez. – O rapaz disse cheio de uma esperança tão... pueril.

Kakashi olhou para Sakura, que apenas amarrou o curto cabelo no topo da cabeça de forma que metade dele ainda cobria sua nuca. O que ela estava pensando? Os olhos dela eram sérios e profissionais, e quem a visse daquela forma acharia que Sakura era o poço da frieza, quando na verdade, Kakashi sabia, ela estava fervendo.

— Eu preciso de panos limpos e água. – Sakura disse chamando a atenção do menino — Preciso também que você ache essa erva... aqui. – E tirou um punhado de folha verde de dentro da cartucheira onde levava kunais e outras armas de uso rápido. — Vá até onde nos encontrou e siga à oeste, preste atenção e logo achará a erva. Traga tudo, entendeu?

— Hai! – O menino gritou como se batesse continência.

— ... Ninja?

O trio virou-se na direção da voz que surgia da porta de entrada. Um homem velho com sua bengala adentrava o recinto sem esperar nenhum convite. Seu olhar curioso mirava o hitaiate de Kakashi e logo em seguida a planta nas mãos de Sakura. O velho abriu a boca quase chocado, como se acabasse de ver uma aparição.

— Hito-oji-san! – O rapaz se adianto dando alguns passos à frente — A médica vai salvar a minha irmã!

— Vocês...?

— Há outras pessoas morando aqui? – Kakashi questionou confuso enquanto deixava seu chakra fluir como um sensor.

— S-sim... Ainda há pessoas morando por aqui. – O velho parecia estar tão aturdido que Kakashi se perguntava o que diabos estava acontecendo naquele lugar. — Quem enviou vocês?

— Ninguém nos enviou. Estamos de passagem. – O ninja respondeu sem revelar muito mais de sua missão.

— Hito-oji-san, ela é uma médica! Ela pode dar uma olhada no Tohū!

— O que você ainda está fazendo aqui? – Sakura perguntou severa — Já disse do que preciso, vá pegar!

— H-hai!!

Sakura havia soado como Tsunade em suas ordens que não deveriam ser ignoradas. Os olhos verdes observaram o menino responder em alto e bom som, e Kakashi sabia que ela só queria tirá-lo dali de alguma forma porque estava na hora dos adultos conversarem. E então o menino saiu correndo com passos apressados deixando para trás dois ninjas, uma enferma, e um velho manco.

— Agora você pode nos contar o que aconteceu aqui? – Sakura perguntou séria.

— A guerra aconteceu, kunoichi.

— O quê? – A moça franziu o cenho — A Grande Guerra aconteceu no perímetro do país do Ferro, muito longe deste pequeno vilarejo.

— Para nós a guerra aconteceu muito antes. – Disse o velho com pesar — Os pelotões de Kirigakure têm que passar pela estrada norte para alcançarem o país do Ferro, no caminho um grupo de desertores aproveitou-se da floresta para abandonar as tropas e se estabeleceram aqui.

Kakashi permaneceu em silêncio mantendo sua expressão impassível pois já conhecia aquela história de muitas outras vilas, muitas outras guerras. Se dependesse de Kakashi, aquela história teria sido encerrada ali, mas... Sakura precisava ouvir.

— Eles beberam da nossa bebida, comeram da nossa comida, dormiram nas nossas casas, usaram nossos colchões, brincaram com nossas crianças, dançaram com nossas mulheres... E quando a comida finalmente acabou à semanas, eles partiram em busca de um novo lar.

Não era ingênua e quando aquela história começou, Sakura já podia adivinhar o final. As marcas de kunais nas construções, o cheiro pútrido exalando das casas, o descuido e abandono. Quem conseguiu ir embora foi salvo, mas a maioria estava a mercê dos desertores.

— Quantos restaram moradores restaram aqui? – Kakashi perguntou depois de um momento.

— Temos 13 casas ocupadas, todas elas com algum doente como Midori, que teve uma perna quebrada para que não tentasse mais fugir.

— Passe em todas as casas e diga que há uma médica no vilarejo. Garanta que haverá água e panos limpos próximo à cada um que precisar de atendimento e diga que esperem um pouco mais. Eu passarei em todas as casas hoje e farei o que puder por eles.

Sakura disse de maneira firme, sua voz e expressão impassível diante do velho que de repente parecia estar tão incrédulo com o que estava bem diante dele.

— Você vai ajudar todos nós?

Perguntou diante da moça de cabelos rosas que mantinha seus olhos verdes sem nenhuma hesitação. Ela não buscou nenhuma confirmação em Kakashi, não pareceu pensar duas vezes, sequer parecia ter qualquer dúvida sobre o que tinha que fazer. Sakura estava completamente decidida a ser o que havia se comprometido a ser: Uma médica. Uma kunoichi.

— Farei o que estiver ao meu alcance.

Não havia nenhuma promessa naquelas palavras, era apenas Sakura dizendo que iria dar o melhor atendimento que podia a todos aqueles que precisavam. O velho assentiu com a cabeça quase embasbacado, e talvez achasse que estava sonhando, porque seus olhos pareciam não querer piscar, e sua respiração ainda estava presa como a de quem está diante de algo deslumbrante.

— ... V-vou avisar a todos – O velho disse gaguejando em sua breve fala.

Então a moça tomou a dianteira de tudo dando breves instruções de como o velho deveria proceder a partir daquele momento. Toda casa deveria preparar um quarto para o atendimento, aqueles que estivessem aptos a entrarem na floresta deveriam procurar algumas ervas anestésicas que aliviariam algum desconforto moderado. O velho apenas concordava com a cabeça ouvindo atentamente todas as simples instruções e simplesmente saiu para levar esperança a todos.

No quarto pequeno e imundo onde estavam, a enferma grunhiu em seu delírio de febre. Sakura a olhou brevemente antes de colocar sua mochila na superfície mais limpa que encontrou, tirando aquele kit médico que carregava por ai. Ela sempre exagerava em alguns itens como luvas. Haviam vinte delas, e só por isso Sakura se sentiu com um pouco de sorte.

— Vou trazer algumas ervas pra você também.

Ela ouviu Kakashi dizer naquele tom cuidadoso, quase solene. Virou-se para vê-lo e pela primeira vez desde que Sakura pisou naquele lugar, Kakashi conseguiu ver algo além de sua expressão firme.

— Não. Eu preciso de você aqui. – Disse sem se preocupar em dar qualquer explicação mais detalhada enquanto enfiava suas mãos nas luvas com pó branco, ficando um momento em silêncio antes de continuar — Apenas avise Tsunade-sama sobre o que está acontecendo aqui, e peça que mande alguns remédios para dor, infecção... Essas coisas.

— Certo. Eu volto em um minuto.

Se olharam por um momento e mulher assentiu com a cabeça antes de cortar o contato visual. Kakashi quis tocá-la em solidariedade, mas resistiu. Não era o momento para isso. Saiu do quarto passando pela saleta minúscula até finalmente alcançar a rua principal e executou aqueles selos rapidamente.

O mais rápido deles surgiu numa nuvem de fumaça e logo fez uma careta reclamando do óbvio mau cheiro.

— O que aconteceu aqui?

Bisuke.

— Preciso que você volte a Konoha e procure a Hokage. Diga a ela que estamos num vilarejo a três dias de Konoha em viagem sem descanso e que esse lugar foi atacado por ninjas renegados. Precisamos de remédios e que ela disponibilize um time para procurar pelos desgarrados.

— Mais alguma coisa?

— Vá o mais rápido que puder.

— Deixa comigo, chefe.

O cão partiu em velocidade, e no timming perfeito, Kakashi ouvia a mulher dentro da casa gritar.

Começou.

Sakura passou de casa em casa sem nenhum descanso. Não fosse a insistência de Kakashi, sequer água teria consumido. Sua expressão não mudou, impassível diante de qualquer que fosse o caso, não hesitava quando precisava colocar um osso no lugar ou enfiar a mão num ferimento profundo. Alguns gritavam como se estivessem sofrendo o maior dos castigos, outros apenas seguravam firme em alguma coisa enquanto ela prestava atendimentos. Alguns só precisavam de remédios, outros não tiveram a mesma sorte.

A irmã do invasor, por exemplo, sofreu uma amputação.

O neto do velho manco tinha um clássico problema de pseudartrose, os ossos quebrados estavam mal alinhados, e Sakura precisou coloca-los no seu devido lugar. As ervas não serviram para esse caso, e Sakura parecia ser surda enquanto simplesmente executava aquele movimento brusco e preciso.

Já passava de uma da manhã quando Sakura finalmente terminou seu décimo quinto atendimento. Treze casas, quinze enfermos, mais de dezoito horas de atendimento.

O velho manco, num gesto de pura gratidão, providenciou a maior casa do vilarejo para que a dupla pudesse pernoitar. De alguma forma todos tinham ajudado a limpar, e ainda que não houvesse nenhum luxo, uma mesa com frutas estava posta e alguém havia colocado lenha o suficiente para que o fogo na lareira minúscula durasse a noite toda.

Sakura estava exausta. Só sorriu para os moradores quando terminou seu último atendimento, sem perder nenhum de seus pacientes. Instruiu sobre higiene, sobre como utilizar as plantas, em que caso deveriam fazer chás e sobre alimentação. Recusou agradecimentos de maneira polida, se desculpou por estar muito cansada e por fim, finalmente, pôde ser recolher.

Kakashi estava com ela durante todo o processo e viu cada detalhe de sua expressão, do jeito de agir. Assim que fecharam a porta, o rosto de Sakura envelheceu alguns anos. A moça suspirou silenciosa antes de olhar para as roupas imundas que vestia, tirou seus sapatos e sentiu aquele gosto amargo na boca. Ela riu para si mesma sem nenhum humor e não olhou para Kakashi que esperava sentado numa cadeira de madeira ali perto.

— Vou usar o banheiro primeiro.

Anunciou sentindo seu corpo pesado a cada passo que dava. Kakashi não disse nada, apenas assistiu a moça passar com alguns pertences pela porta e fechá-la com um ranger característico. Ele olhou para as sandálias dela, aquelas de cano alto, e estavam imundas assim como as dele. Virou-se para sua bagagem para içar um pedaço de sabão antes de pegar ambos os calçados e se encaminhar para a frente da casa onde sabia que encontraria uma bacia solitária.

Enquanto Sakura tomava banho, Kakashi limpava seus calçados.

Naquele banheiro, Sakura se olhou no espelho rachado reconhecendo seu rosto cansado. Olheiras profundas adornavam seus orbes verdes, o cabelo estava arruinado, e apesar de ter acostumado com o cheiro e sequer senti-lo, Sakura sabia que estava fedendo. Se livrou de sua camisa jounin feita sob medida, tirou seu top preto suado, livrou-se da bermuda e todo o resto deixando-os cair no chão.

Sua cabeça estava tão cheia e ao mesmo tempo tão vazia. Não demorou para jogar água no corpo e se lavar com o sabonete de viagem. Era de conhecimento geral que banhos quentes ajudavam os músculos a relaxarem, mas um bom banho frio era tudo que ela precisava, e assim ela jogou água no corpo copiosamente, lavou a espuma do corpo duas vezes apreciando a sensação de limpeza e o cheiro agradável, lavou os cabelos sem importar-se com o frio da noite, e quando finalmente terminou Sakura viu sua escova de dente em cima das roupas limpas que havia escolhido.

...

Kakashi estava parado diante da janela com as mãos nos bolsos e aspecto de limpeza, mas Sakura não pensou muito sobre isso, apenas enfiou seus itens de banho na mochila e reparou que seu saco de dormir já estava devidamente posicionado.

— Tomei a liberdade de arrumar isso pra você.

A voz do homem surgiu, mas Sakura não olhou para ele. Ao invés disso apenas continuou organizando os itens, vendo o que ainda tinha e separando o que deveria limpar no outro dia enquanto ouvia o barulho crepitante das chamas que deixava aquele espaço estranhamente acolhedor.

— Ah, obrigada. – Falou ainda com o gosto de menta na boca — Tem outro banheiro nessa casa? – Perguntou curiosa com o fato de ele estar aparentemente tão limpo.

— Na parte de trás, na verdade. É um banheiro externo.

Para aquele tipo de construção não era comum que houvessem banheiros separados do resto da casa, Sakura pensou de forma quase automática.

— Desculpe por demorar no banho.

— Não foi um problema.

Ele a olhou agachada frente aos próprios pertences, e estava com aquela blusa branca que geralmente só usava em Konoha quando não tinha nenhuma obrigação com o trabalho. Ficaram em silêncio enquanto o ruído mudo do manuseio se fazia um pouco mais amplo. Kakashi escorou-se no peitoril da janela, voltando sua atenção para o vilarejo noturno no qual se encontravam sem pensar em nada muito particular.

Ouviu os passos atrás de si na madeira velha, que rangia suavemente ao passo que a mulher se aproximava, buscando aquele espaço sobressalente para olhar a rua também. Sakura ainda não parecia como ela mesma aos olhos de Kakashi, e isso era corroborado pelo jeito com que ela falava, andava e se mexia. Ela soava como alguém distante, e ele sabia que podia ser tudo, menos distante.

O silêncio era tranquilo e a mão dela tocava a madeira lascada do peitoril com a suavidade de quem toca na mais delicada das peças. Kakashi era discreto em seu olhar, avaliando de canto de olho a expressão quase neutra que havia no rosto dela enquanto os olhos verdes miravam a rua de terra batida.

— Sensei, porque você virou um shinobi?

A pergunta feita levou um momento para ser absorvida, e ainda escorado na janela, mirando a discretamente o rosto de Sakura, Kakashi não conseguiu desvendar o rumo daquela conversa.

— Hm... Para ser sincero, ser um shinobi era o único caminho que eu conhecia. Nunca pensei que poderia ser qualquer coisa além de ninja.

O barulho crepitante foi a única coisa que puderam ouvir por alguns instantes antes de Sakura trocar o peso de seu corpo para a outra perna.

— Eu poderia ter sido uma comerciante, como meus pais. – Disse dando os ombros — Na verdade, ninguém esperava que eu fosse seguir com o caminho ninja, mas eu decidi continuar para passar mais tempo com o Sasuke-kun.

Kakashi a viu rir brevemente com sua fala, talvez levemente constrangida pelo motivo de ter definido seu futuro com base apenas na sua paixão infantil. Não que o homem a julgasse, na verdade, crianças não pensam muito a frente e agem quase sempre por impulso, então ele apenas permaneceu calado enquanto a mulher desmanchava o breve sorriso, um dos poucos que deu naquele dia.

— Se não fosse isso, então eu teria parado enquanto genin e começaria a ajudar meus pais com as vendas. Acho que viajaria bastante, como eles. Durantes os ataques, eu ficaria no alojamento para civis rezando para que os ninjas resolvessem os problemas, ficaria olhando de longe você, Naruto, Ino... Acho que não teria passado nem metade dos riscos que passei enquanto kunoichi... – E riu daquele jeito nasalado ao final, deixando o ar escapar com rapidez.

— Você se arrepende? – Ele perguntou de repente — De ter seguido o caminho ninja?

Finalmente seus olhos se encontraram. O verde profundo refletia o alaranjado das chamas discretas naquele cômodo que também coloriam sua pele discretamente, o nariz arrebitado, as sobrancelhas finas levemente arqueadas e os fios cor-de-rosa que caiam sobre sua bochecha de um jeito até charmoso... Todos os detalhes fizeram aquele mínimo curvar de lábios um dos mais honestos que ele já viu.

— É claro que não.

O homem sorriu em resposta, assentindo com a cabeça num movimento automático.

— Dias como esse me fazem pensar no que é ser um ninja, mas acho que no final das contas é mais sobre... não sei, ser um ser humano? – Ela riu dando os ombros — Nós vencemos uma guerra e atingimos a paz, mas para um vilarejo como este, isso não significa muita coisa.

— Hm... – Ele soltou pensativo deixando seu olhar vagar novamente para além da janela — Há todo tipo de gente por aí e nós não podemos controlar a índole das pessoas. A única coisa que podemos fazer é dar o nosso melhor pelos lugares que passamos, exatamente como você fez hoje.

— Posso te contar um segredo? – Sakura perguntou com aquele tom mais baixo vendo Kakashi virar-se para ela com certo nível de curiosidade estampado nos olhos já não tão preguiçosos.

— É claro.

— O tempo todo eu só ficava pensando que queria escovar os dentes.

Kakashi deixou uma risada escapar e Sakura encolheu os ombros com vergonha de admitir tal pensamento descabido para o momento. Ele colocou uma mão sobre o ombro dela e se curvou levemente como quem vai contar outro segredo em resposta.

— Higiene pessoal é importante.

Ela riu um pouco mais virando o rosto para a janela e depois para ele novamente num gesto natural, seus cabelos curtos e molhados balançando brevemente.

— Você não acha egoísta? Todas aquelas pessoas sofrendo e a médica pensando o tempo todo que queria apenas escovar os dentes? Quer dizer, isso me faz tão ridícula...

— Sakura, egoísta é a última coisa que você foi hoje. – A voz dele soava convicta — Você salvou todos eles e fez isso sem hesitar. Tudo bem querer cinco minutos para escovar os dentes, tudo bem tomar distância para poder lidar com a situação. Você é uma ninja médica, uma médica de combate, e enquanto todos nós estamos preocupados em derrotar nosso inimigo, você está preocupada em trazer nossos companheiros vivos. Alguém egoísta jamais conseguiria fazer isso.

E já não havia um sorriso no rosto dela, ao contrário, Sakura o ouvia tão séria, tão dura consigo mesma. Ficaram em silêncio enquanto os olhos verdes se desviavam dos dele, mirando os cantos do local como se procurasse uma resposta para aquilo que não necessita de uma resposta.

— Acredite em mim. Eu não mentiria pra você.

A mão dele pousou no ombro dela com um aperto gentil e os olhos da moça finalmente viram os dele que mostravam o quanto ele acreditava nas próprias palavras. A moça concordou com a cabeça se sentindo um pouco mais leve, e Kakashi gostou de como a expressão dela mudou. Ele sorriu por fim antes recolher sua mão.

— Obrigada, Kakashi-sensei.

Sakura sorriu de maneira genuína e seu ar leve já retornava mostrando o quão determinante foram aquelas palavras. A viu apoiar os cotovelos no peitoril da janela e olhar um pouco mais para o horizonte noturno de um jeito um pouco menos contemplativo. Ficaram ali por um momento até que finalmente resolveram que era a hora de ceder ao sono. Uma vez naquele vilarejo e com um teto em suas cabeças, os alarmes de chakra seriam o suficiente e eles poderiam dormir ao mesmo tempo.

Se enfiaram nos sacos de dormir com o fogo mais baixo aquecendo o recinto. Sakura resmungou algo sobre seu cabelo molhado e lavar roupa no dia seguinte, e Kakashi apenas se permitiu fechar os olhos por um momento, sentindo o corpo finalmente pesar num relaxamento merecido.

...

— Sakura?

Ele perguntou depois de alguns segundos de silêncio. Talvez ela já estivesse dormindo, mas a questão surgiu imperativa em sua mente, fazendo com que ele tivesse o impulso de simplesmente perguntá-la.

— ... Hm?

A mulher respondeu com sua voz preguiçosa, como se já estivesse prestes a cair no sono.

— Por que você me pediu para ficar?

Oh, sim... Ele teria sido muito mais eficiente indo à floresta e coletando os materiais que ela precisava, mas ao invés disso, o homem ficou apenas seguindo-a de casa em casa, assistindo os procedimentos, pegando as coisas que ela o pedia para pegar, segurando enfermos quando eles se mexiam demais, coisas que ela podia facilmente fazer sozinha.

...

— ... Porque eu não queria ficar sozinha.

Foi a resposta dela depois de um longo momento, e sua voz já parecia suficientemente embargada pelo sono para aquilo soar como algo completamente honesto. Kakashi virou o rosto para o lado onde ela estava e viu seus cabelos úmidos caídos antes de fechar os olhos e finalmente se permitir dormir.

Um sono sem sono tomou os dois ninjas que repousaram tranquilamente naquela casa antiga. Acordaram descansados e um pouco mais animados, comeram frutas no café da manhã antes de receber alguns visitantes que, como agradecimento, lhes deram outros tipos de alimento. Teriam que ficar na vila até Bisuke retornar com alguma resposta, e por isso Sakura passou nas casas novamente para uma rápida olhada nos enfermos, e dessa vez tinha um gosto delicioso de menta espalhado na boca.

Antes das nove, uma ave branca cruzou os céus. Kakashi jogou um pergaminho aberto no chão e a ave pousou ali, mesclando sua tinta na folha enquanto Bisuke e uma caixa de isopor caiam com delicadeza quando a ave desapareceu. Era o jutsu de Sai.

— Bom trabalho, Bisuke. Você foi bem veloz. – Kakashi o cumprimentou antes do cão sumir numa nuvem de fumaça.

Sakura pegou o pergaminho no chão e leu a mensagem de sua mestra, Tsunade, que havia mandado o medicamento que havia disponível, justificando não ser muito por conta da situação da própria vila, e além disso disse que o time 8 tinha sido enviado para investigar a situação.

— Hinata, Kiba e Shino, é?

— Um time de rastreadores. Vão achar os desgarrados em dois minutos – Sakura sorriu satisfeita.

— E os remédios?

— Não é muito, mas vai servir. – Ela deu os ombros olhando dentro da caixa com o semblante tranquilo.

E depois de instruir os moradores sobre como tomar os medicamentos, Sakura e Kakashi se despediram de todos e voltaram para sua longa viagem com suas mochilas nas costas.

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— Médica-san!

A dupla virou na direção do som que chegava afoito numa corrida atrapalhada. Sakura arqueou a sobrancelha com humor quando viu o menino que se aproximava. Era o intruso.

— Oe, o que você está fazendo aqui? Vá cuidar da sua irmã. – A mulher ralhou com sua mão na cintura.

— Eu vim agradecer devidamente – E estendeu a mão na direção de Sakura, que com breve surpresa pegou o pequeno objeto que ele a oferecia. — Eu fiquei a noite toda fazendo isso! Espero que goste, médica-san! – E então completou com uma saudosa e profunda reverencia antes de simplesmente voltar correndo por onde veio.

O chaveiro de madeira escupido à mão no formato idêntico à de uma flor de cereja.

Sakura sorriu.

— E eu nem disse meu nome. – Falou em voz baixa com um sorriso breve antes de levantar a cabeça na direção da criança que corria — Obrigada! – Gritou em resposta na esperança que ele pudesse escutar.

Kakashi ao seu lado sorriu brevemente antes de virar as costas e continuar seu caminho com Sakura logo ao seu lado.

É, preferia quando ela sorria.

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Notas finais do capítulo

E AI? Quem gostou levanta a mão!

Esse capítulo foi um pouco pesado, mas confia que a leveza chega ♥ Próximo capítulo Sakura mostra à Kakashi um pouco da sabedoria de Godaime Hokage!

Continuem comigo!!!



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