Encontros de Líridas - KakaSaku escrita por LoreyuKZ


Capítulo 5
Negando as aparências, disfarçando as evidências


Notas iniciais do capítulo

Ai gente, é isto né? Chega um momento que eu desembolo em mais de 10k de palavras, e o momento tá chegando AHAHAHAHAAHAHA

VAMOS PARA O CAPÍTULO ♥



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Através dos sons que o vento forte fazia, a mulher desolada pôde então ouvir a voz daquele que tanto amou uma última vez. Em seu sussurro errante, o eco distante das palavras fez com que as lágrimas brotassem um pouco mais leve nos olhos castanhos. Não havia alívio, não havia conforto, mas de alguma maneira a certeza de que o dera momentos de felicidade o bastante para que, no final daquele tão intenso encontro com a morte, ele pudesse seguir transcender em sua alma pura.

Olhou a vastidão dos montes descampados em suas cores mais vivas, e o verde predominante daquela paisagem brincava com a falta de seus sentimentos de esperança. Não havia esperança. O azul celeste que adornava a luz ofuscante do sol ao meio-dia era triste e sombrio. Como notar a beleza quando tudo parecia desmoronar? Ela não saberia dizer. Achava que jamais encontraria a resposta, entretanto, precisava continuar em frente com a sua jornada.

Por ele, precisava continuar.

Seu corpo, no entanto, não respondia aos comandos básicos. Sentia como se fosse incapaz de dar qualquer passo adiante, e ainda que pudesse perceber seus joelhos se movendo, estes apenas despencavam na direção do solo. Estava sem forças, sem esperança, sem vontade de seguir em frente.

Mas por ele... Por ele...

Sentiu uma mão conhecia apoiar-se em sua cintura e delicadamente a conduzir para o lado. Provavelmente era mais uma pedra, ela não sabia. Murmurou um agradecimento distraído enquanto virava a página daquele livro de mais de quinhentas páginas que estava sendo sua mais nova companhia durante as andanças pelo país do Fogo.

Já era a terceira semana, o que significava que faltavam mais uma semana para chegarem à costa, e mais outra para chegarem, finalmente, ao país da Água; mesmo assim, Sakura não se sentia tão ansiosa, na verdade, aquele sentimento anterior de estar desesperada para ver algo que não fosse mato verde havia se esvaído por completo – pelo menos nos últimos três dias – porque agora havia essa leitura intensa e importante na qual ela estava inteiramente dedicada.

“Mãos que não se entrelaçam.”

Um romance não muito conhecido que tinha sido publicado com uma tiragem ínfima de apenas mil exemplares contava a história trágica de uma mulher que havia se apaixonado por um monge moribundo, e como toda história de drama com personagens gravemente doentes, ele morria pouco antes do final do livro e a mulher se via numa vastidão de tristeza.

Sakura não era exatamente dada à livros de romance. Para ela, ação e aventura eram gêneros muito mais atrativos, principalmente pelo jeito detalhado com que certos autores conseguiam descrever uma luta, utilizando também de jutsus e armas ninjas. Era extasiante, e Sakura apenas se sentia tão animada quando mergulhava nesse tipo de trama; entretanto, Kakashi era do tipo romance, e todos os livros eram sobre pessoas que tinham, ou viviam, ou construíam algum tipo de relação amorosa, seja num contexto de comédia, drama, aventura... Sempre um romance.

Naquela semana em particular, Sakura sentiu seu antigo professor um pouco inquieto. Não sabia dizer exatamente como ou porquê, mas havia esse sentimento dentro de si que emanava a partir do jeito com que ele agia, principalmente no dia que seguiu após seu aniversário, e ela até pensou que fosse por conta de sua mal-humorada ressaca, mas esse sentimento de que ele estava diferente perdurou no dia seguinte.

Talvez fosse ela...

Porque Sakura não conseguia dizer exatamente o quê estava diferente, mas a sensação que tinha era que ele estava, de alguma forma, inconstante— o que era bem atípico para alguém tão sereno e metódico quanto Hatake Kakashi – e por isso ela apenas resolveu que o trataria como sempre, porque se perguntasse, então esse diferente poderia se tornar um esquisito, o que prejudicaria todo o clima daquela viagem, que, em sua opinião, estava muito agradável.

Foi há três dias que tiveram aquela conversa sobre livros, porque Sakura sentiu falta, finalmente, da trilogia Icha Icha nas mãos do homem. Sim, afinal ele lia aquela porcaria sempre que podia, e depois do seu aniversário, os livros tinham dado lugar a outros livros, estes com capas mais sóbrias e tamanho às vezes maior, às vezes menor. Quando comentou sobre, Sakura poderia apostar que sentiu um tom de desconserto na expressão dele, mas foi tão breve que ela não saberia se ganharia tal aposta.

A desculpa dele para evitar Icha Icha foi que daria um tempo da trilogia para que, quando lesse novamente, parecesse novo de novo. A justificativa era plausível para um leitor ávido, mas Sakura sentia que ele apenas não queria dizer o real motivo, e tudo bem. Acabou não o pressionando, ao invés disso perguntou sobre o novo livro que ele estava lendo e a conversa simplesmente rendeu a tal ponto que Sakura estava lendo o bendito livro para comentar assim que acabasse.

Mas o diabo do livro era tão bom que ela apenas não conseguia parar.

Tinha que admitir que subestimara o potencial daquela leitura, nunca imaginaria que fosse entrar num vício frenético em busca do tão final óbvio, porque tudo indicava que a protagonista morreria em algum momento, e isso inquietava Sakura de tal modo que a fazia querer terminar de ler num único instante, mas ao mesmo tempo estava tão envolvida com o enredo que gostaria nunca terminá-lo.

Sentimentos contraditórios, é claro, mas a contradição faz parte da jornada e ela estava em paz com isso.

Ao fundo, seu antigo professor informava que estavam chegando à algum lugar interessante, e Sakura apenas concordou com um murmuro qualquer.

A voz do silêncio na mais escura das noites era, de fato, a pior. Sem o monge, Hikari sentia que não conseguiria manter os maus espíritos longe como um dia ele a ensinou. No curto período em que viveram juntos, o homem na túnica laranja a ensinou sobre amuletos e encantamentos, mas o mais importante aprendizado foi aquele que fora transmitido pelo mais simples dos sorrisos. Viva, Hikari. A vida é boa, ele dizia, a vida vale a pena, e você que é tão jovem e cheia de vida, você que é minha primavera em pleno inverno, você, meu amor, merece vivê-la. .... Mas como poderia? Como continuar primavera quando todas as flores se foram junto ao homem que jamais retornaria?

... Monge... Por que me deixastes?

Já mordia o lábio inferior com as palavras tão tristes. Estava segurando o choro à cinco ou seis capítulos porque não queria que Kakashi a visse derramar lágrimas como uma criança, e por isso, nesses momentos, a moça apenas fechava sua literatura por um momento e deixava seus pensamentos fluírem pela paisagem estimulante em busca de algum conforto, e seus olhos acabaram por flutuar no cercado baixo que delimitava a área de uma fazenda.

Eles tinham ultrapassado a floresta e haviam chegado num longo planalto cheio de fazendas. Viram búfalos, vacas, ovelhas e cabras, também passaram por plantações de batatas e cereais, mas aquele local onde estavam era bastante diferente. Havia um cercado bonito feito com tábuas de madeira envernizadas, o portão largo sustentava uma placa com caracteres caprichados que dizia aos visitantes “sejam bem-vindos”, e ao atravessá-lo se depararam com o caminho de lajotas que era adornado por pequenos arbustos de flores coloridas, e o clima do local parecia gritar férias tranquilas.

— Que lugar é este? – A moça perguntou já sentindo-se recuperada do impacto das palavras lidas anteriormente.

—  É uma pousada – Kakashi disse em sua voz habitual, andando a sua frente brevemente — Algo como um hotel fazenda.

— Eh? E o que estamos fazendo aqui?

— Eu disse que ia te dar um presente de aniversário, não é? – Respondeu virando seu rosto na direção dela com aqueles olhos plissados. — Esse lugar é conhecido por ter fontes termais artificiais, mas não é por isso que vamos nos hospedar aqui.

Era a primeira vez que ela ouvia falar sobre fontes termais artificiais, entretanto sua curiosidade focou no ponto chave da questão: Iriam se hospedar?

— Isso não vai atrasar ainda mais a nossa viagem? – Perguntou preocupada, porque não era ele que teria que lidar com o mau humor de sua mestra.

— Não se preocupe com isso. – E balançou a mão num gesto despreocupado — Vai ser apenas por uma noite porque preciso ir atrás do seu presente.

Sakura riu com uma estranha vergonha, primeiro porque achou que ele já tinha esquecido essa história de presente, e depois porque não estava acostumada a ganhar presentes daquela forma elaborada.

Apesar de ter sido pego de surpresa, o pensamento de Kakashi se articulou rápido demais para simplesmente traçar uma rota onde acharia alguma coisa para presenteá-la, e mais ainda, saber que tal objeto precisava ser, de alguma forma, encontrado a fazia pensar quanto de esforço ele colocaria naquilo.

E Kakashi nunca se esforçava atoa.

Acabou não o respondendo, deixando aquele silêncio suave se estabelecer. Em suas palavras, Kakashi parecia ter voltado ao seu estado de normalidade, mas talvez fosse apenas sua impressão das coisas, talvez ele jamais tivesse ficado diferente.

Tanto faz.

Na sua cabeça, a única coisa que a rondava era a genuína curiosidade de saber o final do livro, e é claro, o que diabos seu antigo professor estava tramando para seu aniversário.

Entraram na construção simples de madeira, o teto em formato triangular convexo trazia certa imponência a toda estrutura, que não era nada demais além de bem cuidada. A tal pousada parecia mais com uma casa adaptada para acomodar viajantes de passagem, já que a trilha que passava logo a frente do local levava ao porto mais próximo.

Sakura olhou discretamente para todos os cantos daquela recepção ampla, com cadeiras distribuídas numa área coletiva. Pelas mesas dispostas, a moça também concluiu que o espaço era usado para as refeições. Tudo era bonitinho e rústico, emanando um certo aconchego pela luz natural que penetrava as janelas abertas, e também pelo clima de fazenda.

Acabou se demorando num quadro negro pendurado na parede com o menu do café da manhã. Nada muito elaborado ou fora do comum, mas tinha que confessar que, depois de tanto tempo andando por aí, estava ansiosa para comer numa mesa, ainda que a comida não fosse tão boa quanto a do homem que já estava falando com a moça atrás do balcão.

Quando entraram, Kakashi percebeu que a moça atrás do balcão sequer os olhou. Parecia entretida com alguma coisa além da janela e simplesmente ignorou os seus óbvios novos hospedes. Teve que pigarrear diante da mulher para que, depois de um longo suspiro de tédio, ela levantasse seus olhos negros daquele jeito meio sem saco e finalmente o atendesse. Apenas ele.

Sim, porque Sakura estava entretida com mais uma leitura, ainda que não fosse o tal livro que ela estava devorando.

De toda forma, ele apenas queria registrar-se no local como um dia fez a muito tempo. Quando finalmente teve contato visual com a moça, a viu abrir um sorriso enquanto se empertigava. Uma mudança de comportamento bem-vinda na opinião dele, ainda que fosse meramente por ele ser um cliente. Talvez a atendente estivesse com algum problema pessoal, ou qualquer outra coisa que ele simplesmente não dava a mínima.

O que importava era ser bem atendido, e parecia que ela estava disposta a fazer esse sacrifício.

A atendente, de nome Fumiko, lhe deu as boas-vindas e logo perguntou o que ele desejava. Bem... Normalmente pediria dois quartos, mas aquele era um presente para Sakura e ele não a faria pagar por isso, então ele pagaria pelos dois quartos, mas sairia um pouco além do que ele estava disposto a investir. A solução era um quarto duplo, mas... bem...

— Quais tipos de quarto você tem?

— O individual, com cama de solteiro; o duplo, com duas camas de solteiro; e o de casal, com uma confortável e relaxante cama de casal.

Hm... Acabou perguntou o preço de cada um e não gostou do que ouviu. Passou a mão nos cabelos enquanto Fumiko a sua frente explanava os benefícios de relaxar numa cama ampla e confortável como as dos quartos de casal, obviamente tentando fazê-lo pagar mais caro, e quanto mais ela falava, mais Kakashi queria que ela se calasse, porque definitivamente não iria ficar num quarto de casal com Sakura.

Ele olhou para trás brevemente para ver a moça dos cabelos cor-de-rosa observar a paisagem além da janela como se estivesse verificando alguma coisa. Antes de voltar para Fumiko com sua decisão tomada, Sakura o olhou de volta.

— ... e nós estamos com esse desconto para os quartos de casal, então acho que-----

— Yare, yare... – Ele resmungou voltando sua atenção para a moça falante demais, que parecia ter algum problema com sua postura, porque ficava se ajeitando direto, mexendo os ombros... — Eu vou querer---

— Você tem que ver isso!

Fumiko girou seu olhar para ver a garota brotar do nada ao lado de Kakashi. Sakura estava lá colocando sua mão no braço dele de maneira animada e a recepcionista apenas desmanchou seu sorriso.

— O que houve?

— A paisagem daquela janela é igualzinha a descrição do livro! – Sakura disse como se tivesse encontrado algum tesouro escondido — Será que o autor se hospedou aqui?

— Bem... Talvez. – Kakashi disse sem muito interesse naquilo, mas sempre gostava de vê-la tão animada.

A verdade é que em vários momentos da viagem, Kakashi havia se arrependido de tê-la emprestado “Mãos que não se entrelaçam”, mas toda vez que a via animada com qualquer coisa relacionada ao livro, tal sentimento se esvaia por completo e ele se permitia apreciar o quão interessante era a expressão empolgada da mulher, que ainda tinha suas mãos apoiadas no seu braço, animada demais.

— É sério! Você tem que ver! – Ela continuou com seus olhos grandes, e com certeza estava se segurando para não o arrastar até lá.

— Eu aposto que sim, mas antes vamos apenas nos registrar, e então eu dou uma olhada.

— Ah! – Sakura olhou brevemente para Fumiko, que parecia ter desistido de demonstrar qualquer simpatia, antes de simplesmente continuar sua fala. — É verdade, já pegou nosso quarto?

— Estava para firmar nosso registro num quarto duplo.

— Certo! A gente paga agora ou depois?

Oh.... Os deuses o estavam abençoando.

Sakura estava se propondo a dividir o valor sem que ele sequer tivesse sugerindo? Ele quase quis sorrir satisfeito diante da proposta dela, que provavelmente era causada pelos anos de experiência que tivera em viajar com o ninja mais pão-duro de toda Konohagakure.

Mas...

Aquele era parte do presente de aniversário dela, e parecia tão errado fazê-la pagar por algo quando não era absolutamente necessário para a viagem. Ele olhou para sua companheira de viagem, que esperava tranquila pela resposta.

— Você, bem... Você não paga nada. – Disse tranquilo — Faz parte do seu presente, então não se preocupe com isso.

— Oh! – Ela levantou as sobrancelhas com um sorriso meio esperto, meio vitorioso — Agora sinto que sou sua favorita, Kakashi-sensei!

— Você é aluna dele?

Kakashi e Sakura viraram na direção da voz e viram Fumiko questionar com genuína curiosidade. Sakura arqueou uma sobrancelha em confusão com a pergunta repentina, e Kakashi apenas agradeceu a interrupção, porque ele estava tendo certas dificuldades em lidar com Sakura ultimamente.

— Sim. – Kakashi respondeu depois de um momento sem prolongar muito aquele caso — E vamos ficar com o quarto duplo.

Ok, qual era o problema da atendente? Em um momento, Fumiko o tratava como lixo, então se empertigava e colocava seu melhor sorriso no rosto para atende-lo, daí do nada fazia uma careta e murchava atrás do balcão com visível desinteresse, e então, ao descobrir que Sakura era sua aluna, a mulher apenas iluminava seu rosto e voltava a ter aquele sorriso encantador nos lábios.

Bipolar.

—  Ah, é uma pena. Todos os quartos duplos estão ocupados. – Fumiko informou com seus olhos piscantes e Kakashi de repente quis que Sakura se oferecesse novamente para pagar uma parte.

—  Certo, então dois quartos individuais.

—  Não, não... Veja bem, eu estava para falar da promoção dos quartos de casal. Na reserva de um quarto de casal, você ganha a reserva de um quarto de solteiro.

Oh... bem... O quarto de casal ainda era mais caro que o quarto duplo, mas era um pouco mais barato que dois quartos individuais. Era uma ótima promoção, mas ele realmente não queria pagar nenhum ryō mais caro pela estadia.

— Mas você falou em desconto anteriormente. – Kakashi respondeu puxando da memória a fala da moça, porque ele poderia estar olhando para Sakura naquele momento, mas como um bom ninja, os seus sentidos estavam bem atentos ao que acontecia no ambiente.

Fumiko sorriu.

— Sim, 35% de desconto.

Agora sim...

— Certo, então vamos ficar com a promoção.

Decretou com sua voz firme e Fumiko pareceu estranhamente satisfeita, jogando seu longo cabelo negro para trás antes de começar a preencher alguns papeis. Nesse meio tempo, Sakura arrastou Kakashi para a janela e o fez ver cada mínima semelhança com a descrição da paisagem por trás da casa do monge moribundo, e apesar de enxergar a equivalência, ainda assim tudo soava como se Sakura estivesse empolgada demais, principalmente quando ela segurava em seu braço daquele jeito.

Ele abriu a boca para falar alguma coisa sobre como o autor poderia sim ter se hospedado naquela pousada, mas foi interrompido por Fumiko e seu sorriso, anunciando com sua voz melodiosa que era hora de levá-los aos quartos. O estranho, na opinião de Sakura, era que apesar das palavras soarem como se a mulher estivesse falando com a dupla, Fumiko só olhava para Kakashi, quase como se ignorasse a existência óbvia de uma Sakura que arqueava a sobrancelha em resposta.

— O café da manhã é servido a partir das seis horas, e se encerra às nove, então não se atrasem. Também servimos almoço a partir das onze, e vai até às quatorze horas, e o jantar é servido a partir das sete, com término às dez. – Fumiko informava enquanto subia as escadas de madeira na frente de Kakashi, e Sakura percebia o jeito como ela pisava...

Poderia ser um problema de hiperlordose, mas Sakura duvidava.

— Aqui é o quarto de solteiro – A mulher apontou com o polegar enquanto olhava para Kakashi — E este é o de casal – Disse abrindo o indicador para apontar à porta bem à frente ao outro quarto. — Vou ajudar vocês a se instalarem, você primeiro, mocinha.

Ok....

Ela abriu a porta do quarto de solteiro sem esperar qualquer resposta. Sakura reparou no quimono curto com mangas largas de estampa bonita, era bem simples, mas caia bem nas curvas do corpo voluptuoso. Na verdade, a menina da recepção era até que bonita, com destaque para as sardas discretas e o cabelo bem cortado, além, é claro, dos peitos tamanho Hinata.

— Ah, não – Kakashi disse quando Fumiko já estava dentro do quarto, a voz em tom habitual — Sakura vai ficar com o outro.

— O quê? Não, sensei! Você fica com o de casal! – Disse apressada — Você está pagando, afinal!

— Mas é seu aniversário, e isso faz parte do seu presente.

— Você não precisa...

— Eu sei.

Sakura o olhou e viu a serenidade na expressão relaxada de Kakashi, que tinha as mãos nos bolsos daquele jeito despojado. Ela sorriu um pouco tímida, era estranho receber presentes assim e só por isso ela não sabia como responder, mas antes mesmo de responder, a voz de Fumiko se fez presente.

— Vejam bem, se me permitem uma opinião, eu acho melhor o Kakashi-kun ficar com o quarto de casal, já que a cama corresponde melhor ao tamanho dele, enquanto que a cama de solteiro vai caber a menina com conforto suficiente.

Kakashi-kun? Menina?

— Meu nome é Sakura.

— Certo. – A mulher disse como se fosse irrelevante, olhando para Kakashi enquanto falava — Garanto que sua companheira vai receber o conforto que merece.

— Mas é o aniversário dela.

— Ela não se importa, não é mesmo? – E finalmente olhou para Sakura como se quisesse intimidá-la.

Ok...???????

O que merda estava acontecendo ali?

Sakura estava pronta para começar uma discussão, mas seria ridículo iniciar uma briga com a atendente porque poderia passar uma impressão errada para Kakashi. A verdade é que ela queria que ele dormisse confortável no quarto maior e não se importava em ficar com o de solteiro, mas a fala cheia de empáfia daquelazinha fazia com que Sakura sentisse a necessidade de lhe responder a altura.

— É, sensei. Você deve ficar com o de casal. – Sakura disse por fim, desistindo. — Pode mostrar o quarto de solteiro.

— Ótimo. – Fumiko respondeu antes que Kakashi pudesse retrucar.

Foi algo muito rápido. Entraram no quarto e Fumiko apenas deu algumas instruções gerais, dizendo que não havia serviço de quarto e que Sakura não fizesse muito barulho. Mostrou toalhas e disse não haver água quente, e então finalizou aquele tour ridículo com um sorriso polido antes de se agarrar ao braço de Kakashi, arrastá-lo para fora, e fechar a porta num baque, deixando para trás uma Sakura perplexa e irritada.

O QUE MERDA ESTAVA ACONTECENDO?

Deixou o queixo cair em uma completa fúria, porque nunca em sua vida fora tão mal tratada como naquele curto período de tempo, e olhe que ela foi companheira de time do boca-suja do Sai. Tudo bem que talvez ela fosse fã do grande Copy-nin, mas isso não justificava ser tratada como um estorvo.

Abriu a porta num surto de fúria apenas para se deparar com a porta do outro quarto aberta e a cena de uma mulher de cabelos pretos apoiada em Kakashi, com sua mão perigosamente em cima daquela máscara que parecia ser impossível de ser tirada para ela. Sakura arregalou seus olhos por um momento enquanto sua mente finalmente compreendida a situação, e então fechou a porta da maneira mais discreta possível.

Ok... ... ....

Pegou a mão dela a milímetros de seu rosto por puro reflexo e a encarou por um breve momento de confusão. Fumiko tinha essa beleza comum com seus cabelos pretos, olhos e sardas, e diante daquela investida nada sutil, Kakashi entendeu que ela não era muito boa com flertes. Suspirou depois de afastar a moça de si, deixando-a à uma distância segura de sua máscara antes de simplesmente tirar sua mochila das costas.

— Muito cedo para você?

Eh...?

Em algum outro momento de sua vida, talvez alguns anos mais jovem, Kakashi até tivesse cedido. Como notou, ela era até bonita, e já fazia algum tempo que não tinha qualquer tipo de contato mais íntimo com o sexo oposto, mas a verdade é que ele não estava interessado, além disso, Sakura estava bem no quarto à frente.

Olhou para ela com aqueles olhos languidos dotados de uma irrelevância sem fim direcionada à moça a sua frente.

— Obrigado pelos seus serviços. – Disse polido — Agora você já pode ir.

E esperava ter sido claro o suficiente com aquelas palavras tão diretas.

— Tudo bem, sensei. Volto mais tarde com toalhas limpas. – Ela disse petulante e ele nunca imaginou que toalhas limpas pudesse soar como um código para sexo.

Antes que ele pudesse responder, a mulher ia embora rebolando sua bunda de maneira não muito atrativa. Suspirou desanimado, era só o que faltava, e com esse pensamento seus olhos miraram a porta do quarto a frente onde Sakura deveria estar enfiada naquele livro maldito. Pensou que talvez pudesse chamá-la para conhecer os arredores, mas optou por tomar um banho antes e esperar para depois do almoço.

.. no mausoléu de memórias, Hikari guardava todos aqueles bons sentimentos que, tristemente, a faziam sofrer quando revividos. Quanto tempo já fazia? Anos? Meses? Dias...? ... Quanto tempo não perdeu por puro preconceito? Se não tivesse sido tão tola, poderia ter aproveitado a vida junto ao monge por mais tempo. Se pudesse retornar àquele tempo, ela faria diferente. Aquela ferida ainda estava aberta, e ela ainda podia sentir a sensação da pele dele nos seus dedos...

Fez uma careta percebendo que tinha se perdido na leitura, lendo sem de fato ler, e então retomou de algum ponto anterior.

...tempo não perdeu por puro preconceito? Se não tivesse sido tão tola, poderia ter aproveitado a vida junto ao monge por mais tempo. Se pudesse...

Coçou a cabeça com um bocejo. Estava lendo deitada sob a luz nada amena que invadia o quarto pela janela lateral, mas lendo era um termo muito forte, já que sua mente não conseguia se concentrar nas palavras. Estava a meia hora na mesma página, no mesmo trecho. Revirou os olhos para si mesma incomodada com sua falta de concentração repentina e apenas fechou o livro, deixando-o cair no chão com certo nível de cuidado.

Olhou para o teto por um momento com o pensamento um tanto em branco, e gostava de mantê-lo assim, porque se sua mente começasse a funcionar, imediatamente veria aquela cena onde Kakashi estava prestes a ser... hã...

...? Beijado?

Fez uma careta.

Por que estava tão vidrada naquilo? Por que sua mente não conseguia dispersar essa imagem? Não é como se ela fosse santa e nunca tivesse visto duas pessoas se beijando, e também não era como se achasse que seu antigo professor era puritano, mas ver aquilo...?

Soltou um ruído de frustração.

Talvez estivesse incomodada em saber que bastava tão pouco para fazê-lo esquecer daquele pedaço de pano que cobria parte do seu rosto. Nem os ninjas mais habilidosos conseguiam tocar naquela máscara, mas bastava uma recepcionista atirada que o tecido apenas caia como se fosse nada demais.

Estava irritada, mas sabia que não tinha esse direito.

Olhou para o lado um tanto emburrada percebendo que não queria sair daquele quarto enquanto seu humor não melhorasse, e seu humor jamais melhoraria enquanto não saísse daquela espelunca. Soltou o ar com um ruído enquanto girou o corpo na cama. Tinha tomado um banho rápido porque precisava esfriar a cabeça, colocou aquela blusa vermelha nova com a faixa preta que marcava sua cintura, cortesia de Ino que lhe falava copiosamente que Sakura precisava mostrar que haviam curvas no seu corpo.

Durante sua viagem, Sakura havia abusado de suas blusas mais largas, mas ali estava ela mostrando as curvas de seu corpo, e por que?

Ela não tinha uma resposta. Às vezes, a vida é isto, não é? Nem tudo tem uma resposta.

Né?

E de toda forma, Sakura estava mostrando as curvas de seu corpo para si mesma, porque não havia ninguém com ela, e mais ainda, sua pretensão de sair do quarto era nula.

Até que ouviu o bater na porta.

Com um sobressalto, Sakura se sentou na cama olhando para a porta de maneira atenta. Só poderia ser Kakashi, mas por algum motivo se sentiu ansiosa.

Sakura?

É claro que era ele.

— Oi?

— Vamos almoçar?

Ela se levantou tentando pensar numa desculpa para não descer, mas não havia muito o que dizer sem parecer estar escondendo alguma coisa. Abriu a porta e lançou o melhor sorriso que podia, vendo os cabelos úmidos do homem que lhe sorria também.

— Vamos nessa.

Conhecia Sakura a quantos anos? Aquela pirralha que ficava inventando arte com Naruto tinha lá suas manias e trejeitos que, com o tempo, foram amenizadas em reflexo do seu amadurecimento, mesmo assim, Kakashi era íntimo o suficiente para perceber quando tinha algo errado, principalmente porque ela estava vestida como se estivesse indo para uma daquelas missões em que precisaria enfrentar algum poderoso inimigo.

Além disso, apesar do sorriso, ela parecia um tanto inquieta.

Coçou a barba inexistente de seu rosto enquanto dava passos silenciosos logo atrás, pensando no motivo do mau humor da moça. Talvez tivesse chegado à uma parte do livro que não gostava tanto assim, ou talvez algum outro problema que ele desconhecia.

Enfiou as mãos nos bolsos enquanto seguia a moça pensando numa forma de perguntar sem que soasse intrometido. A verdade é que ele queria que Sakura tivesse uma boa estadia e pudesse fazer algumas boas memórias daquele lugar tranquilo, quem sabe andar a cavalo enquanto ele fugia para buscar o presente dela.

A mulher escolheu uma mesa no canto e sentou-se com as costas para a parede, Kakashi sentou logo à frente vendo-a olhar pela janela com uma expressão quase indiferente e diante disso, tamborilou seus dedos na mesa se sentindo, de repente, desconfortável, o que era uma sensação nova naquela dinâmica deles.

— Já terminou de ler o livro?

Sakura virou-se ao ouvir a voz masculina, as sobrancelhas levemente arqueadas evidenciando o quão longe estava nos seus pensamentos.

— Ah, não... Você quer o livro de volta?

— Não, só queria saber o que você achou.

— Bem... Eu acho que ela vai morrer no final.

— Sério? Por que?

— Ela tem sofrido demais desde a morte do monge, e já fazem cinco anos. Está ficando doente de tanto ficar sozinha, isolada do mundo naquela casa cheia de fantasmas.

— Você acha que ela deveria voltar à cidade?

— Eu não sei – Sakura disse considerando — Acho que ela deveria encontrar alguém para conversar, desabafar... Eu entendo que o monge mudou a vida dela, mas ao mesmo tempo foi como uma prisão. Eu queria que ela conseguisse seguir em frente, afinal, era tudo o que ele mais desejou para ela.

Kakashi sorriu.

— O que foi? – Ela perguntou diante do silêncio breve dele.

— Eu realmente quero saber o que você vai achar do final.

 E a resposta dele, dita naquela voz tão suave, a fez sorrir. O clima estava recuperado, e Kakashi sentia como se a estranheza de Sakura houvesse passado completamente diante do sorriso que a deixava tão mais bonita. Foi com esse pensamento que ele se viu, novamente, ter a sensação quente de volta às maçãs do rosto enquanto Sakura desmanchava sua expressão ao assumir um semblante de desgosto.

...???

— Ah, aí está você.

Kakashi girou o rosto na direção da voz. Fumiko surgia com uma bandeja na mão, depositando-a cuidadosamente na mesa antes de passar uma mão pelos ombros masculinos de um jeito casual e íntimo demais. O homem franziu o cenho para a mulher recém chegada, completamente perplexo com aquela atitude.

— Fui levar seu almoço no quarto, mas você já havia descido.

— Você disse que não havia serviço de quarto. – Kakashi retrucou um tom indiferente.

— Não há para os quartos de solteiro. – Ela disse com um sorriso quase inocente, quase — Então não hesite em me chamar se precisar de qualquer coisa.

...

Sakura queria arrancar a mão da mulher fora, e a língua também.

— Entendido. – O homem disse sem muita demora — Agora você já pode ir.

— Ah, mas a mocinha ainda não fez seu pedido.

Mocinha.

Kakashi olhou para Sakura e finalmente se deu conta que o problema tinha nome e provavelmente um sobrenome também. Fumiko a tratava como se fosse uma criança qualquer apesar de parecerem ter idades compatíveis – ela não deveria ter mais que 22. Qualquer um que fosse tratado daquela forma, no mínimo, explodiria com a mulher, e conhecendo Sakura, ela estava bem perto de quebrar os ossos de alguém.

— Não estou com fome. – Sakura respondeu e parecia que Tsunade tinha baixado em seu corpo com aquele tom de voz, mas ao mesmo tempo a explosão que ele esperava não surgiu.

Hm.

— Certo. – Fumiko disse e sequer parecia ter escutado — Veja bem, sensei, eu trouxe um pouco de tudo o que tinha no cardápio de hoje para que você...

A mulher começava a listar todos os pratos que haviam na bandeja enquanto o tocava de maneira invasiva, e quando ele estava prestes a interrompê-la, Sakura se levantou abruptamente, fazendo a cadeira ranger alto pelo atrito com o piso. Ele a olhou com as sobrancelhas arqueadas, visivelmente confuso.

— Eu vou pegar o livro que deixei no quarto. – Avisou e simplesmente saiu sem sequer esperar uma resposta.

Kakashi passou a mão no rosto se sentindo irritado de repente, porque Fumiko apenas deu os ombros e continuou seu falatório enquanto tentava, de alguma forma, se esfregar nele como podia. Além disso, ela tinha um cheiro ruim.

Então ele se levantou, segurou o braço da mulher sem importar-se em parecer bruto e a arrastou para o banheiro, onde ela claramente imaginava que coisas iriam acontecer, mas para sua decepção, Kakashi apenas se curvou na direção dela e com sua voz muito séria disse:

— Pare com isso. Eu não estou interessado em você.

— E como eu posso fazer você ficar interessado? – Ela respondeu naquele tom manhoso, colocando as mãos em seu peito com certo nível de... desejo?

... pelos deuses...

— Não pode, então pare com essa merda. – Disse irritado com toda a situação — E comece a tratar Sakura melhor, ou..

— Ou o quê? – A outra perguntou aproximando seu rosto do dele — Por que você tá tão preocupado com ela? Será que você não está interessado em mim porque está interessado nela?

— Não é da sua conta. – Cortou rapidamente – Apenas pare com isso ou eu não serei tão gentil.

— Adoro quando é um pouco bruto. – Ela provocava brincando com a situação, mas o sorrisinho desmanchou do rosto dela quando o crepitar estático começou a ser ouvido juntamente da luz lilás que surgia na mão dele.

Ela não sabia o nome daquele jutsu, mas não parecia algo comum.

— Pare.

Ele alertou sério demais, irritado demais, e ela finalmente pareceu entender que não deveria seguir a diante com o que quer que estivesse fazendo.

Nesse meio tempo, Sakura retornava para a área de convivência encontrando a bandeja com comida solitária sobre a mesa. Não havia sinal de Kakashi, e ao olhar para a recepção vazia, a mulher de cabelos cor-de-rosa deixou seu olhar vagar um pouco distraído até sentir, de uma forma nada sutil, o chakra de Kakashi surgir. Por reflexo, Sakura foi de encontro a fonte para encontrar a porta do banheiro fechada.

Com cautela, ela encostou seu ouvido na porta imaginando se Kakashi havia encontrado algum velho inimigo, mas se surpreendeu ao ouvir, lá longe, a voz miúda da recepcionista que pedia por favor.

Se desencostou na porta e encarou a madeira por um momento, seus lábios se tornando uma linha rígida. Não era da conta dela. Pensou enquanto apertava o livro com mais força do que o necessário antes de começar a fazer o seu caminho para fora do lugar, sentindo que precisava um pouco de ar fresco e, principalmente, de distância.

— Por favor, me deixe ir.

A voz da mulher tinha se tornado puro temor e diante daquele pedido feito com olhos esbugalhados, Kakashi apenas a encarou por mais um momento, deixando o chakra se dissolver antes de se afastar, ainda intimidante. A moça não se fez de rogada e saiu correndo assim que suas pernas ficaram firmes o suficiente para se moverem.

Uma vez sozinho, Kakashi suspirou passando a mão entre os cabelos num gesto para aliviar a própria tensão. É claro que havia sido um exagero apelar para uma ameaça usando o prenuncio do chidori, mas ao mesmo tempo tinha se sentido tão irritado com as sugestões feitas por Fumiko que seu corpo apenas respondeu àquilo com hostilidade.

Coçou sua barba inexistente depois daquele surto, enfiou a mão nos bolsos e suspirou.

Saiu do banheiro para ver a mesa vazia. Quanto tempo havia se passado? Ele não sabia dizer, mas com certeza tinha sido tempo o suficiente para Sakura retornar, mas bem... Ela não estava ali e talvez tivesse resolvido não voltar. Belo presente de aniversário...

Percebeu que tinha perdido a fome enquanto ainda sentia aquela pontada irritadiça, e por isso apenas olhou para o tempo pensando que era a hora de sua fuga, porque ele tinha um presente para buscar sem saber se era o suficiente para salvar suas boas intensões, mas sabendo que seria um ótimo pedido de desculpas caso fosse precisar.

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.

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Com o rosto entre as mãos, Sakura chorava como um bebê faminto e solitário. Soluçava enquanto as lágrimas rolavam de seus olhos ao mesmo tempo que não havia nenhuma reação possível a ser tomada. Estava completamente entregue àquele sentimento de felicidade e conclusão, porque o livro tinha sido tão intenso e verdadeiro. Hikari conseguiu sorrir no final e seguir em frente, vencendo o luto para encontrar significado em sua vida além do amor que tinha vivido.

Aquilo foi um golpe certeiro no coração amolecido da moça, que apenas queria dar um abraço naquela personagem e dizer que tudo bem sofrer por amor, tudo bem ficar triste com a perda de alguém querido, e que ela tomasse o tempo que precisasse. Sakura queria ser amiga de Hikari e levá-la à algum bar para tomar umas boas doses de saquê, porque Tsunade-sama tinha aquele ditado: O que saquê não resolve, a ressaca ilumina.

Passou a mão nas bochechas pela centésima vez. Estava debaixo daquela fáia enorme por trás da pousada, perto de um cercado onde ficava um galinheiro. O pôr-do-sol logo iria começar, e Sakura sentia que o clima ameno era perfeito para o final daquele livro esplendido.

O final de um bom livro era sempre um tanto esquisito, porque a sensação de não saber o que fazer a dominava por completo. O que há depois que as páginas terminam? Como continuar a viver sem a companhia daqueles personagens que, em apenas três dias, cativaram-na como poucas pessoas um dia fizeram? A hora da separação era a pior, com certeza, e por isso Sakura olhou saudosa pra “Mãos que não se entrelaçam” e sorriu.

Tinha sido uma ótima companhia durante aqueles poucos dias, e talvez Sakura fosse reler as partes que mais gostou enquanto estivesse na pousada apenas para se distrair do caso de Kakashi com a atendente atirada.

Oh sim, porque eles estavam transando, não é?

Ela sempre soube que ele era um pervertido, lendo aquela trilogia erótica descaradamente em todos os lugares possíveis, mas ao mesmo tempo sempre achou que ele fosse do tipo discreto com suas conquistas. Nunca imaginou que ele fosse ceder tão fácil a primeira que se atirasse nele, e mais ainda, que ele fosse fazer isso na sua frente durante uma missão importantíssima! Era uma Rank-S afinal, e nada podia dar errado. Nada.

E sendo completamente honesta, a atendente era completamente inadequada. Não estava com raiva porque Kakashi e ela estavam se divertindo, não era isso, estava irritada porque a mulher era incapaz de tratá-la com qualquer nível de respeito, sempre agindo com toda aquela empáfia, e fazendo com que Sakura se sentisse um verdadeiro estorvo, quando claramente não se importava se seu antigo professor quisesse... hã... fazer coisas...

Ele podia fazer o que quiser e com quem quisesse. Não era da conta dela – nenhum pouco – mas quando isso a afetava de forma negativa, fazendo sua estadia naquela pousada ser um inferno, então sim, Sakura se sentia no direito de ter raiva e ficar emburrada, principalmente quando Kakashi não tinha a decência de simplesmente ser um pouco mais discreto.

Se levantou tirando a poeira dos shorts e se escorou na tábua do cercado das galinhas, que já se empoleiravam para passar a noite. Fez um bico amuado sem perceber, porque quando lembrava de Fumiko, sua irritação crescia e, de alguma forma, Sakura sentia que era uma irritação completamente sem sentido não fosse pelo fato de ser tratada como uma criança incômoda.

Revirou os olhos cruzando os braços enquanto mantinha o livro numa das mãos. Olhou para longe lembrando do jeito que a mulher avançava contra a máscara de Kakashi ainda no começo do dia e se sentiu estranha, quase como uma voyer. Por favor... Ela lembrava da voz da outra vinda do banheiro e se perguntava o quê tinha acontecido para fazê-la implorar daquela forma.

Soltou o ar pelo nariz com seus lábios formando aquela linha rígida. Fumiko chamava Kakashi de sensei, não era? Aliás, foi essa palavra que a fez avançar contra dele, Sakura lembrava. Antes de ter ouvido a forma com que chamava Kakashi, Fumiko estava apenas ignorando a ambos, e depois de obter a confirmação sobre a natureza de sua relação, a moça apenas começou a dar mais atenção ao ninja enquanto a jogava para escanteio.

O que significava que, à principio, Fumiko achava que Kakashi e Sakura eram....

— Yo.

Ela virou-se na direção da voz vendo Kakashi se aproximar casualmente na companhia de algo enrolado em papel pardo. Corou quando o viu porque seus pensamentos estavam a mil.

— Ah! Você... – Ela disse apressada, quase gaguejando no processo. Deu uma risada nervosa se arrumando contra a tábua. — Tá dando uma volta?

— Na verdade, não. Estava procurando você. Não nos vemos desde o almoço.

— Ah, eu... hã... – Mordeu o lábio de maneira involuntária sem saber o que dizer e acabou apenas rindo desconsertada — Eu só preferi terminar o livro.

Kakashi a olhou por um momento avaliando a expressão dela. Estava mentindo, é claro, e ele sabia que tinha mais coisas por trás daquela fala.

— Você comeu alguma coisa?

— Não, estou sem fome. – Deu os ombros — Não se preocupe com isso, tenho pílulas do soldado comigo.

O homem fez uma careta.

— Coma algo de verdade. Pílulas do soldado são para emergências.

— Mais tarde eu como alguma coisa então. – Ela disse apenas porque não queria discutir. — Seu almoço estava bom?

— Eu não comi – Revelou vendo a sobrancelha dela arquear numa óbvia questão — Perdi o apetite.

Ou estava comendo outra coisa, Sakura pensou com desdém desviando o olhar e Kakashi podia sentir que havia algo entre eles.

— Sakura, o que está acontecendo?

— Como assim?

— Você está estranha desde que chegamos.

Conversavam em tom baixo enquanto o sol caia no horizonte por trás das montanhas distantes. Sakura sorriu quase por reflexo quando ouviu aquelas palavras.

— É engraçado você falar isso porque eu tenho te sentido estranho durante toda essa semana.

Enquanto dizia aquilo, Sakura mantinha seus olhos na paisagem para se fazer mais honesta, mais confortável. Parecia que ambos tinham coisas por trás de suas ações que não queriam revelar, e tudo bem, mas a verdade é que Sakura perdeu o ar de surpresa que Kakashi emitiu assim que as palavras saíram da boca dela e tomaram forma em sua mente.

— Deve ter sido impressão sua – A voz dele soou depois de um longo momento.

— Depois do meu aniversário você passou um dia inteiro sem olhar pra mim. – E continuava olhando para as montanhas enquanto a brisa mais forte fazia o pasto farfalhar — Fiquei me perguntando se fiz algo errado.

... está interessado nela?

A voz de Fumiko surgiu em sua mente, e foi nesse momento que Kakashi desviou o olhar do rosto contemplativo e tão honesto de Sakura. Mirou a paisagem se sentindo, de repente, envergonhado de sua reação com um simples sussurrar de um agradecer bêbado, e só por conta desse sentimento adverso que ele não conseguiu agir como habitual. Foi por conta desse mesmo sentimento que ele ameaçou a atendente com o chidori.

Ele não estava interessado em Sakura, odiava que isso fosse sugerido, porque ela era sua aluna e quatorze anos mais jovem que ele. Tudo bem, a verdade é que não ensinava a ela desde os 13 anos, e agora, seis anos depois, Sakura já não era mais uma criança e também não era sua aluna, ainda assim... Ele não estava interessado nela.

Mas ele não queria ter que explicar tudo isso.

— Você não fez nada errado. Eu só... bem... Eu te prometi um presente com base na lembrança de uma conversa que tive anos atrás e comecei a pensar se seria capaz de cumprir com minha palavra. – Disse tentando parecer o mais honesto possível — Não queria fazer papel de idiota. Isso me perturbou por algum tempo, mas... Acho que conseguimos superar.

Ela o olhou discretamente e apesar de parecer uma justificativa meio razoável, ainda parecia que haviam coisas que ele não queria lhe dizer, e bem, também haviam coisas que ela não queria que o homem soubesse, e apenas por isso resolveu ser condescendente.

— Confesso que achei que você fosse esquecer isso em algum momento da semana. – Ela disse deixando o clima mais leve. Kakashi riu.

— Pensei que poderia fingir que esqueci, mas honestamente, chega de esquecer do seu aniversário, não é?

Se olharam e Sakura se sentiu corar brevemente antes de desviar o olhar para o horizonte.

— Então vou esperar um presente todos os anos.

— Eu não sou tão criativo.

— Tenho certeza que Naruto vai adorar te ajudar nessa missão.

Kakashi sorriu, e aquele silêncio confortável se fez entre eles por algum momento. Ele sentiu falta daquilo, e ela também se pegou apreciando aquele momento onde as palavras não eram necessárias.

— Desculpe ter ficado esquisita – Ela recomeçou sentindo que precisava dar-lhe algum tipo de justificativa — A atendente estava me tirando do sério. – Riu sem nenhum constrangimento.

— Ela estava sendo bem maldosa com você. Fiquei impressionado com sua frieza. A Sakura que eu conheço não teria aguentado por mais de dois minutos.

Sakura revirou os olhos tombando o ombro na direção apenas por provocação antes de continuar.

— Fala sério... Eu quase quebrei aquele balcão com um dedo para fazê-la entender com quem estava falando, mas você parecia estar aproveitando a atenção e eu achei que não deveria assustá-la.

— Como é que é? Aproveitando a atenção?

— Ah, vai dizer que você não estava curtindo? – Sakura perguntou disfarçando o incomodo com uma risada — Tudo bem, pode admitir, ela era bonitinha.

Ele riu zombeteiro diante da frase.

— Eu prefiro não receber esse tipo de atenção, pra ser sincero. – E então coçou o rosto daquele jeito um tanto nervoso — Ela parece ser o tipo de pessoa que considera um “não” como um incentivo. Talvez me visse como um desafio, mas acho que deixei bem claro que... bem... Que é melhor ela investir a atenção dela noutra coisa.

Sakura o olhava um pouco surpresa, um pouco curiosa, mas certamente aquele incomodo ridículo havia diminuído.

— Vocês não...? Eu vi vocês indo para o banheiro. – Resolveu modificar a verdade apenas para não parecer intrometida. — Estava voltando com o livro pra te dizer que ia passear e vi quando vocês entraram.

— Bem, se tivesse esperado um pouco mais, teria visto uma mudança positiva de atitude.

Sakura riu.

— O que você disse a ela?

— Que eu não estava interessado.

— E ela aceitou, assim, sem mais nem menos?

— Eu precisei repetir algumas vezes.

— Eu senti você manifestar chakra.

— Às vezes, chakra ajuda as pessoas a entenderem coisas.

— Você a ameaçou?

— Eu não usaria essas palavras.

— Oh, céus – Ela riu colocando a mão sobre a boca — A Ino vai amar essa história – Pensou alto esquecendo totalmente qualquer questão anterior.

— Vou fingir que não sei que você vai contar para ela, mas já que vai contar, espero que seja na companhia do seu presente de aniversário. – E então entregou aquele pacote em papel pardo para a mulher que arqueou uma sobrancelha em divertimento — Feliz aniversário atrasado.

Ela abriu rapidamente com certo nível de cuidado. O embrulho era bem feito apesar do papel simples, e encontrou uma caixa retangular guardando uma garrafa transparente com rótulo feito à mão.

— Isso é uma bebida chamada cachaça. Numa das minhas missões, um velho me falou que sobre esse local que vendia bebidas a base de uma planta chamada cana-de-açúcar, e que tinha vários sabores. – Ele começou antes que ela pudesse perguntar — Eu nunca tomei, mas me informei com o artesão que recomendou trazer essa, um pouco mais doce e de sensação licorosa. Honestamente, eu não sei que gosto tem, mas sei que é mais forte que saquê, então cuidado quando for tomar.

Sakura o ouvia com atenção enquanto olhava o liquido cor amarelo-palha dentro da garrafa. No rótulo, ela lia os ingredientes escritos numa letra caprichada: especiarias, frutas adocicadas, envelhecida em barril... Parecia chique, parecia caro, e parecia especial.

— Você lembrou dessa conversa enquanto eu bebia lá no templo?

— Sim. – Ele deu os ombros — Você estava bebendo aquele saquê com tanto gosto que achei que gostaria de experimentar alguma bebida mais exótica. Espero ter acertado.

A garota olhou mais uma vez para a garrafa e novamente para o homem, sorriu.

— Que tal eu guardar essa para quando formos beber juntos? Você prometeu....

— Eu sou fraco para bebidas...

— Só um gole não vai te embebedar, e depois disso você pode ficar no saquê.

Ele maneou a cabeça.

— Tudo bem. – Disse vencido e a viu sorrir vitoriosa. — Mas você tem que escolher um local discreto. Ninguém quer um Hokage bêbado por aí.

— Você tá falando que nem a Shizune – Sakura riu sem nenhuma piedade — Pelo menos ela vai ficar feliz em saber que não precisa se preocupar em procurar saquê escondido nas gavetas quando você assumir, Kakashi-sensei.

O homem passou as mãos nos cabelos soltando seu clássico yare, yare com as palavras da mulher. A olhou de soslaio para perceber que o sorriso leve tinha escapado de seu rosto de franziu o cenho em confusão, porque ele sentia que tinham resolvido suas pendencias. Àquela altura, a luz do sol já era escassa, e o céu começava a ganhar seu tom mais escuro, mostrando os pequeninos pontos luminosos que decoravam as noites mais densas.

Eles ficaram em silêncio e Kakashi esperou de maneira tranquila, sabendo que o que quer que fosse, Sakura iria falar.

— Eu tava pensando se, bem... Se você não achar desrespeitoso ou coisa assim, se... hã...

Ele a olhava com curiosidade. O que ela iria pedir que ele pudesse achar desrespeitoso? E apesar da pouca luz, ele conseguia ver as orelhas avermelhadas dela refletirem a dificuldade que ela tinha para apenas dizer o que queria dizer. Kakashi esperou, tranquilo, curioso e paciente.

— É... Eu queria não precisar usar honoríficos com você. – Disse de uma vez, coçando a cabeça num gesto nervoso.

Kakashi arqueou a sobrancelha. Então era isso? Nunca se importou muito com essas coisas, apesar de achar bonitinho quando dois de seus três genins emendavam o sensei no final de seu nome. Com o tempo eles cresceram, e aquele adendo virou puro costume.

Mas era um pedido esquisito vindo de alguém que a três semanas queria que a reconhecessem como sua aluna.

Bem...

— Eu não me importo – Ele respondeu dando os ombros — Contanto que você não pegue a mania do Tenzō e comece a me chamar de senpai. Me chame apenas de Kakashi e está bom.

Foi inevitável sorrir quando ele disse aquilo para ela, porque se sentiu aliviada em não ter que se explicar, e mais ainda, de ele não fazer muita questão.

— Ok! Então nada de Kakashi-senpai.— Ela zombou.

— Me deu até um calafrio. – Ele resmungou divertido — Agora vamos entrar, está ficando frio aqui fora.

— Ah... – Ela maneou a cabeça — Que tal a gente seguir viagem? – Perguntou encolhendo os ombros.

Estava escuro demais e teriam menos horas para dormir já que precisariam revezar em turnos, provavelmente não iriam muito longe e além disso não tinham almoçado. O mais prudente, sem sombra de dúvidas, era pernoitar ali e seguir viagem no dia seguinte, mas ele olhou para a moça dos olhos verdes e realmente gostava quando ela sorria, o que não aconteceu muito desde que chegaram ali.

Bem...

— Tudo bem, vamos pegar nossas coisas e sair de fininho.

— Você não vai pagar? – Ela perguntou com humor.

— Acho que a atendente é quem deveria pagar a gente por toda chateação.

Sakura riu.

— Eu vou fingir que não sei de nada.

— É o melhor a se fazer. – E então se empertigou — Vamos lá, e no caminho você me diz o que achou do livro.

— Ah, sim! – A mulher dava um sobressalto repentino, um tanto mais animada — Nossa... Tem tanta coisa que eu quero comentar!

— Então você gostou do final?

— Sim! Eu fiquei sem palavras... Olha... O autor é fantástico e você estava certo, eu deveria dar mais chances a livros de romance – Ela disse enquanto faziam seu caminho para dentro da pousada. O rosto iluminado parcialmente pela lua e os cabelos balançando com o vento um tanto frio. Era curioso como os olhos dela ainda eram tão verdes mesmo sobre a baixa luz, mas ele jamais comentaria isso.

A mulher continuou falando sobre o livro e Kakashi percebeu que tinha sentido muita falta da tagarelice e das conversas aleatórias durante o período que ela se isolou para finalizar aquela leitura. Ele ficou em silêncio, fazendo comentários pontuais aqui e ali, e quando finalmente se esgueiraram para fora da pousava, ambos de volta no blusão azul do uniforme ninja, Sakura girou na trilha noturna com seu rosto encantador apenas para fazer contato visual, andando de costas pelo caminho.

Quando terminou o que queria dizer, ela se virou e continuou andando a sua frente. Na frase dita, seu nome soou pela primeira vez sem aquele honorifico, e foi tão diferente, tão estranhamente certo...

— Eu realmente amei esse livro. Obrigada por ter insistido, Kakashi.

Não bastasse ser a primeira vez sem o tal sensei, ainda vinha acompanhado de todo o resto.

...

Talvez agradecimentos fossem mais perigosos do que ele imaginava.

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Notas finais do capítulo

E AI?
Mereço aquela review????
CONTINUEM COMIGO!



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