Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 85
Tradição de Fim de Ano


Notas iniciais do capítulo

E lá vamos nós para mais um capítulo.
Boa leitura.



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E o dia que Kim tanto esperava havia chegado, a tradição de todo final de ano da Família Nieminen. O jogo de hockey que colocava homens versus mulheres, a polarização da casa, a guerra declarada! E a única pessoa que tinha o direito de andar entre as linhas inimigas sem qualquer sanção era Elena, que ainda não entendia o que a vitória significava.

Claro que Kim, sendo o jogador profissional da família, contava vantagem todo ano. Posso até dizer que sim, ele era o melhor jogador, mas pecava em algo muito importante.

O ego.

Ele subestimava o time adversário todo ano.

E não estava sendo diferente neste. Kim levantou como se fosse o Rei da casa. Já falando que todas as atividades do final de ano ficariam a cargo das mulheres. Porque neste ano, ele tinha o time superior.

Vic encarou o marido como se tivesse crescido uma segunda e até uma terceira cabeça nele. Olivia só fez um som de desgosto e se levantou da mesa, minha mãe encarou o filho e fingiu que não escutou a provocação.

Já eu.

Ah, eu dei um belo tapa na cabeça dele.

— Quer apostar quanto que você vai perder esse ano? – Provoquei.

— Eu não perco esse jogo há oito anos, Katerina. Acha que tendo os reforços que tenho neste ano, eu vou perder?

— Com um ego desse tamanho? Vai.

Kim começou a dizer que eu estava com dor de cotovelo. Principalmente porque Alex jogaria contra mim.

— É, que bom que você acredita no que as vozes da sua cabeça estão dizendo. – Desdenhei, terminei meu café da manhã e fui me preparar para jogar hockey, mesmo contra a vontade das médicas da casa.

Todas as mulheres estavam reunidas no vestiário perto da piscina – onde tinha um belo aquecedor, vantagem que foi devidamente reclamada por Will, já que relegamos os homens a se trocarem na garagem (fria, sem aquecedor, sem nada!).

— Você conseguiu ouvir os planos do Kim, quando ele conversava com Will e com o seu pai, enquanto eu estava no telhado? – Perguntei para Olivia.

— Eu fiz muito melhor, täti, eu gravei a conversa! – Ela respondeu com um sorriso.

— Mas isso não é trapaça? – Pepper perguntou.

— As regras da família são: não há regras, que vença não o melhor, mas o mais esperto! – Tanya explicou.

— Mas e se eles fizeram de propósito? Se conversaram sobre o jogo perto de vocês só para nos enganar? – Dona Amelia perguntou.

— Dona Amelia, Kim é um bom jogador, mas ele não é inteligente a esse ponto! Além do mais, na cabeça dele, a única pessoa que representava perigo era eu. E eu estava ocupada enfeitando a casa, ele jamais teria a ideia de que Olivia pudesse ser uma espiã.

Minha mãe ainda tinha um pé atrás com o meu plano infalível, contudo, ou era isso, ou íamos perder mais uma vez.

— Não é certo trapacear. – Disse a minha avó Mina.

Isoäiti, a senhora, por acaso, se esqueceu que o Ian estropiou a moto da própria esposa durante a noite só para que os homens pudessem ganhar a corrida no verão? Não é trapaça, isso se chama equilíbrio das forças.— Garanti.

Minhas avós não estavam tão certas disso, todavia não questionaram os meus métodos, até porque quem começou a guerra das trapaças foram eles.

— Então, dizer que vença o melhor está fora de cogitação por aqui? – Minha sogra quis saber.

— Por aqui, Dona Amelia, o lema é: que vença o mais esperto! – Liv disse confiante.

— Quais são as chances de alguém parar no hospital? – Pepper perguntou apreensiva.

— No hospital, mínimas. – Tanya garantiu.

— Porém, precisar de ajuda médica... – Vic falou rindo. – E o maior trunfo é que as duas médicas estão do nosso lado!

Não sei o que se passou pela cabeça de minha sogra e de Pepper, mas elas pareceram aceitar nossos métodos nada bentos de equilibrar a balança ao nosso favor.

Assim, meia hora depois, meu avô apitava o início do jogo, jogando o disco para o alto.

 - Avisa que é hoje! – Liv gritou assim que conseguiu trazer o disco para o nosso lado, nos dando a vantagem de montar o primeiro ataque.    

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— MAS COMO FOI QUE ISSO ACONTECEU?? – Kim reclamava quando o tempo acabou e o placar marcava a vitória das mulheres no jogo. – COMO?

— Uma coisa tem que ser dita, Kim, elas jogaram bem. – Meu pai tentou por panos quentes, antes que as reclamações de meu irmão gêmeo virassem motivo para briga.

— Elas conseguiram bloquear e interceptar todas as nossas jogadas. TODAS!

Como se fosse ensaiado, as mulheres apenas chegaram na beirada o lago e depois de tirarem os patins e calçarem as botas, rumaram para a casa.

— E A KAT NEM BATEU TANTO ASSIM!!! DESDE QUANDO VOCÊ É TÃO FRIA PARA JOGAR? – Kim gritava na minha direção.

— Não teve briga, esse ano não bateram em ninguém, somente aceite, Joakim, elas ganharam de forma limpa. – Meu avô falava tentando acalmar o meu irmão que ainda estava inconformado com a derrota.

Minha mãe que ia do meu lado, só começou a tossir. E eu me vi na obrigação de dar uma cotovelada nela.

— Não foi limpo. – Ela murmurou para mim.

— Sim, foi. Jogo limpo, fairplay, significa não bater no adversário. Nós não batemos em ninguém, é a primeira vez em muito tempo que ninguém precisa de pontos ou de imobilizar um ombro ou tornozelo ou alguma costela no final do jogo. Foi fairplay sim. – Tanya completou o raciocínio. – Ganhamos, é isso que importa.

Mesmo assim, tanto minha mãe, quanto minha sogra, olhavam para o lago, onde os homens ainda tentavam entender o que tinha acabado de acontecer ali.

— Mas eu vou descobrir como foi que elas ganharam! Aí tem coisa! – Kim continuava injuriado. E, desconfio, continuaria assim por muito tempo.

— Iremos comemorar essa vitória, ou só deixaremos todos eles com a pulga atrás da orelha mesmo? – Vic perguntou.

— Deixe-os imaginando o que aconteceu. Ninguém precisa de mais falação na cabeça. E quanto a você, Olivia, apague todos os registros dessa gravação de seu telefone, seu pai não pode nem sonhar com isso.

— Não tem mais nada no meu celular, äiti. Mas eu deixei salvo na nuvem para futuras pesquisas. – Minha sobrinha disse feliz e foi correndo na direção da garagem, afinal meu pai tinha pedido que ela aparecesse lá para começar a testar a nova moto de motocross dela.

— Cuidado com essa moto. – Tanya alertou à filha.

— Vou tomar. Entro assim que o isoisä disser que não tem nada de errado com a moto. - Foi a resposta que ouvimos.

Os homens passaram por nós, só observando Olivia correr, aos pulinhos, no meio da neve.

— Como ela ainda tem energia para testar a moto? Olivia foi uma das que mais jogou hoje. – Ian comentou vendo a filha já calçando as botas próprias de motocross ao mesmo tempo em que ia correndo pela neve

— Ela é nova, Ian. Nós, os velhos, é quem estamos mortos. – Vic falou e eu tive que discordar da minha amiga, afinal, eu ia fazer a mesma coisa que minha sobrinha. Meu tempo por aqui estava acabando e minha moto tinha que estar perfeita para ser enviada para a Califórnia.

Pedi licença, antes que Kim aparecesse para continuar a lamentar a derrota no meu ouvido, e entrei em casa para trocar de roupa. Já com uma roupa quente e impermeável própria para o que eu ia fazer, cruzei com a turma que estava esparramada no sofá, e acabei por escutar:

— Não é idade. Porque se fosse, a KitKat estaria morta aqui também.

— Exatamente, vô. Não é idade. É preguiça mesmo. – Soltei a bomba e saí pela porta, acompanhada por Loki e Thor, não dando tempo de ninguém me retrucar.

— PREGUIÇA?! Nós jogamos por duas horas! Volta aqui, Kat! Temos que... – Deixei Will falando e corri na direção da garagem, para, no meio do caminho, ser parada por Alex, que só agora chegava do lago.

— Indo aonde com essa roupa? Fazer rally?

Dei uma risada.

— Não. Testar a minha moto. Quer dar um passeio também? – Perguntei.

— Já está escuro. – Foi a desculpa que ele deu.

Encarei Alexander.

— Você, por acaso, está com medo de perder para Olivia? – Provoquei. - Porque, para mim, vai perder fácil.

Alex iria me responder, só que algo passou por nós, batendo o capacete em nossas pernas e pisando em nossos pés.

— ELENA!! – Xingamos a espoleta.

Isoisä tá na garagem! Quero andar de moto também! - Ela disse toda esbaforida, correndo, meio levando, meio arrastando o capacete.

— Elena, não faz isso! Já está escuro, pequena! Volte para dentro, venha tomar um chocolate quente! – Minha sogra pedia desesperada, em sua face estava estampada a mais pura preocupação e medo de que algo pudesse acontecer.

— Não é possível que alguém tão pequena possa pilotar uma moto! – Pepper disse.

— Não só é possível como ela faz. – Tanya garantiu. – Mas bem que poderia ser em outro dia.

Acompanhamos Elena tropeçando pelo caminho, ela chegou até a cair, afinal, não tinha calçado a bota direito e o capacete era praticamente maior do que ela, mas ela se levantou, sacudiu a neve da roupa e voltou a correr até a garagem.

Eu só abri um sorriso diante da energia e animação da loirinha, já Alex. Ele estava abismado.

— Então ela realmente corre?

— Você duvidava? – Questionei a sanidade dele.

— Sim. Achei que ela só ficava na garupa.

— Troca de roupa e venha para fora, você vai ver que a baixinha é talentosa. – Me gabei, sendo uma tia bem babona com a sobrinha. – Não só ela, como Liv também.

Fazendo o caminho contrário de praticamente todos, Alex voltou para casa, já eu segui para a garagem, onde minhas sobrinhas já estavam deixando meu pai maluco.

— Graças a Deus chegou reforço! – Ele falou quando me viu entrar.

— Eu deveria falar para o senhor que eu só vim mexer na minha moto. Mas apiedei-me de ti e vou controlar a menorzinha.

Meu pai e Liv ficaram mexendo no motor da moto, enquanto eu fiquei por conta de Elena, para ajudá-la a levar a moto para fora e vigiar o que ela iria fazer.

—  Já estou avisando, Elena. Poucas voltas. Está frio, um pouco tarde e ninguém quer ficar congelando aqui do lado de fora por ficar tomando conta de você, entendeu?

— Sim, täti.

— E o que você tem que fazer agora? – Perguntei me sentando em um banquinho no canto do box que era dividido por ela e por Olivia.

A Pequena apenas ficou na ponta do pé, procurando pelo checklist que Ian tinha feito para ela com a ordem de cada coisa que ela tinha que observar antes de ligar a moto e sair.

— Tá tudo aqui. – Ela apontou para a folha de papel que estava plastificada. – Tenho que fazer tudo isso.

— Então comece. O que você não conseguir fazer sozinha, eu te ajudo.

Elena foi lendo a lista e checando a moto, sob a minha supervisão e a de meu pai, que mesmo ajudando Liv, não tirava os olhos da neta mais nova.

— Tá tudo certinho, posso sair agora? – Perguntou assim que terminou e guardou a lista.

— Eu só vou olhar se seu avô não precisa de ajuda com a moto da sua irmã. Enquanto isso, leve a sua, desligada, para fora e me espere lá. – Falei.

A caçulinha só levantou o cavalete, e saiu empurrando a moto para fora da garagem, enquanto eu só levantei meus olhos para meu pai.

— Vá lá e tome conta da Elena. Eu faço isso aqui. – Ele falou sem me olhar. – E, por favor, nada de pular de moto hoje. Você já esforçou esses ferimentos demais.

— Sim, senhor. Se precisar, estou lá embaixo. – Respondi e fiz o mesmo caminho que Elena havia feito, para encontrá-la na porta da garagem. Alex já estava por lá e ele, assim como o restante dos Pierce, estava um tanto embasbacado com o conhecimento de minha sobrinha sobre o veículo que estava parado perto dela. Dona Amelia parecia a mais assustada, creio que pensava em quantas notícias ruins ela iria receber vindo de Elena.

— E tem quanto tempo que você pilota, Elena? – Quis saber Alex, já que parecia que ele era o único que parecia se conformar com a situação, até porque ele já estava avisado sobre isso.

— Ganhei minha moto de presente no meu aniversário de três anos! – Ela respondeu toda feliz. Meus sogros trocaram um olhar e depois voltaram a mirar a garota, parando em Alex e depois em mim. Talvez fazendo as contas de qual era a probabilidade de um possível neto ou neta terem o mesmo destino. Não quis falar nada, mas uma criança minha com certeza ganharia uma moto com essa mesma idade.

— E quem te deu a moto? – Meu sogro perguntou, já se preparando para a pior das notícias e olhou para mim, eu só me escorei na parede da garagem e cruzei os braços, pronta para ver a reação de todos quando Elena desse a notícia.

— O vovô!

Sim, a loucura começava pelo patriarca entre os Nieminen. E isso espantou os Pierce ainda mais, tanto que eles ficaram calados por uns poucos segundos, sendo que foi Will quem foi o primeiro a sair do transe e dizer:

— Então vai lá e mostra o que você sabe fazer, Pouca Sombra! – Apontou para a pista.

Elena olhou na minha direção, como que me pedindo permissão.

— Vamos lá! – Falei para ela, que subiu na moto e ligou o motor. – Vai ficar só olhando ou vai participar também, Alex?

— Eu vou... ficar aqui, vai que a Elena precisa de alguma coisa, né? Até porque você não está com a sua. – Ele disse.

— Como queira. Caso mude de ideia, pode pegar a moto do Kim ou do Ian, os dois estão mortos lá dentro mesmo, até mesmo a minha. E Dona Amelia, pode ficar despreocupada, Elena sabe o que faz, e aquela moto nem é tão veloz assim.

Minha sogra olhava um tanto amedrontada para o rastro de neve que ficou pela passagem de Elena, não acreditando muito nas minhas palavras.

— Anda, Kat, vai lá ficar de olho na baixinha. Porque se eu ainda fico nervosa quando vocês – e aqui ela apontou para Alex, Wil, Pepper e para mim. – sobem nas motos, meu coração está na mão por ver Elena fazer aquilo. – Por aquilo, ela se referia à minha sobrinha dando um salto em uma das lombadas da pista.

Concordei com ela e apressei o passo até a pista, para garantir que minha sobrinha não extrapolasse com a brincadeira, meus cachorros passaram correndo por mim, felizes de poderem estar em um ambiente onde eles se sentiam completamente à vontade.

Elena fez as manobras que bem quis por quase uma hora, mais ou menos na metade do tempo, Olivia veio testar a moto dela, e eu fiquei mais na beirada da pista para observar como as duas meninas, nas suas motos cor de rosa, se sairiam.

Alex parou do meu lado e, depois de observar as duas sobrinhas pulando e fazendo manobras que até ele achou que eram perigosas demais para a idades delas, comentou:

— Se eu contar isso para a turma, ninguém, absolutamente ninguém, vai acreditar.

— Pois é, ainda acham que motocross e automobilismo no geral não é “coisa de menina”. – Falei.

— Ainda mais se olharem para as “meninas” que estão montadas nas motos hoje. – Ele não falava só das duas que estão na pista, mas de mim, que, apesar de estar com a roupa de motocross, tinha cabado por ficar só de babá.

— Como eu te disse quando nos conhecemos, Alexander, jamais julgue um livro pela capa.

— Conhecer você está me fazendo descontruir várias ideias.

— Isso é ótimo! Ninguém pode ficar preso em pré-conceitos tão antigos quanto a humanidade.

— Sua família está me fazendo perceber isso. – Foi a resposta dele.

Não pude deixar de me sentir um pouquinho presunçosa com esta revelação, afinal, a forma como eu fui criada era assim, eu sempre pude fazer tudo o que eu queria, meus pais nunca separaram nada por gênero, nos deixaram escolher que queríamos fazer e ser, e o resultado estava bem aqui: eu, tinha a profissão que escolhi ter e ainda fazia o que eu queria, sem me importar com os comentários de ninguém. E assim era com as minhas sobrinhas.  Afinal, em pleno século XXI, já estava passando da hora de pensar nas coisas e dividi-las por gênero. Cada um faz o que quer da vida e não é problema de ninguém.

Contudo, a minha resposta para Alex, foi outra.

— E é agora que você vai sair correndo? Aproveita que ainda não está tão tarde assim... – Dei uma cotovelada nas costelas dele.

— Nada... só quero ver quando for as nossas meninas em motos coloridas e brilhantes, quebrando tudo lá no rancho. Quero ver a cara de um certo casal... – Ele olhou na direção dos pais que estavam um pouco afastados de nós, ainda vendo minhas sobrinhas correndo, e ainda um tanto espantados.

— Teremos que ir devagar... sabe como é, para não assustar ninguém!

— Até lá, eles já se acostumaram com cenas assim.

Olhamos em direção ao Casal Pierce, meu sogro tinha um leve sorriso nos lábios, Dona Amelia não estava tão confiante no talento das meninas e eu desconfiava que ela jamais deixaria de se preocupar com qualquer pessoa com quem se importava, não importava o que fosse, isso era simplesmente ela. Já Will e Pepper estavam se divertindo vendo Elena, na sua moto de criança, dar os saltos e fazer manobras que eu acreditava que eles mesmos não fariam.

Depois de algum tempo, chamei por Elena, ela, teimosamente, deu mais algumas voltas e depois parou a moto ao meu lado, tirou o capacete e só soltou:

— E então, setä, o que o senhor achou? Eu levo jeito para o motocross?

— Não só você como a sua irmã também. – Alex disse.

Elena olhou para a pista e para a velocidade que Olivia imprimia na moto, assim como para as manobras.

— A moto da Liv é maior, e muito, muito mais potente do que a minha. – Falou com um muxoxo.

Alex só deu um tapinha na cabeça dela e respondeu:

— Ela começou em uma igual a sua, assim como eu e a sua tia! Ninguém começa com as motos grandes.

— Papai falou isso comigo... mas tá demorando para eu chegar a andar em motos assim. – Apontou para a moto da irmã.

— Tudo ao seu tempo, Elena. – Minha sogra que vinha escutando a conversa, comentou.

Minha sobrinha olhou para a “avó americana” e só concordou com a cabeça.

— Então, agora, pegue a sua moto, leve para a garagem, deixe no cantinho que amanhã você vai limpá-la. – Ordenei.

Elena, esperta como só, quis ir montada.

— Empurrando a moto, Elena. O tempo de andar já acabou e a mocinha andou até mais do que era combinado!

— Tudo bem. – Ela desmontou e foi empurrando a moto na nossa frente, já dizendo que antes do ano novo iria andar de novo.

Ao chegarmos na oficina, meus sogros, junto com Will e Pepper, voltaram para casa, Alex continuou ao meu lado, pronto para ver como Elena descreveria sua “corrida” para meu pai que estava acabando de organizar as ferramentas.

— E como fomos hoje, Baixinha? – Ele perguntou assim que a escutou entrar no box.

— Não caí. Nenhuma vez. Nem a deixei a moto morrer!

— Muito bem... talvez no ano que vem, possamos colocar um pouco mais de potência nesse motor.

Foi o que bastou para que os olhinhos dela se arregalassem e brilhassem como duas safiras. Alex me cutucou na cintura ao ver a reação dela.

— Jura, isoisä? – Ela começou a pular.

— Sim, desde que você continue a ser uma boa aluna e boa filha, não vejo motivos para não turbinar a sua moto!

Elena não cabia em si de contentamento e depois de abraçar e dar um beijo na bochecha de meu pai, saiu correndo da garagem e gritando para quem quisesse ouvir que ia ter a moto turbinada no ano que vem.

— O senhor criou um pequeno monstrinho. – Alertei.

— Eu não. Quem criou o pequeno monstrinho foi o Ian. Eu só alimento. – Foi a resposta que ele me deu.

— Tudo bem. Retiro o que eu disse. Precisando de algo?

— Não. Como está se comportando a moto de Olivia?

— Pelo pouco que vi, parece que está desalinhada e com a suspensão um tanto dura. Mas ela vai falar para o senhor melhor.

— Sim, já está até voltando. – Meu pai disse ao perceber que não havia mais ronco de moto.

— Parece que vamos ter tempestade nessa noite. O céu está ficando muito, mas muito carregado. E Liv não é boba de tentar rodar no gelo.

Foi eu fechar a boca e Olivia parecer, empurrando a moto e já sem o capacete. Ela estava um tanto vermelha, tanto pelo esforço quanto pelo frio.

— Veredicto? - Meu pai perguntou para a neta.

— Então. Suspensão dianteira tem que ser mais macia. Está me deixando com dor no ombro muito rápido. Está puxando para a esquerda, principalmente quando aterrissa e a redução da terceira para a segunda está engasgando. – Ela falou já baixando o cavalete e estacionando a moto na frente de meu pai.

Meu pai deu uma volta em torno da moto e só falou.

— Mexo nisso amanhã. Suspensão e alinhamento serão fáceis de resolver, agora a redução de marcha vai dar um pouco mais de trabalho.

— Se o senhor quiser, isoisä, eu posso ajudá-lo.  – Liv se ofereceu. - Se a täti pode arrumar a moto dela, eu posso começar a arrumar a minha. – Disse e já foi pegando algumas ferramentas.

— Não dispenso a sua ajuda, Olivia, contudo, não hoje. Sua tia disse que vai ter tempestade, e tudo o que não precisamos é ficarmos presos aqui dentro da garagem. Arrume tudo aí que vamos entrar.

Ajudamos a organizar tudo, inclusive algumas peças da minha moto e rapidamente estávamos dentro de casa. E não passou meia hora, o vento começou a soprar forte.

Todos estávamos procurando por Elena que tinha se escondido em algum lugar para fugir do banho, quando meu irmão gêmeo, já cansado de andar atrás da sobrinha fujona, parou na porta do porão e soltou:

— Quem vai ter coragem de descer no porão para verificar os geradores? Porque essa vai ser das bravas. – Disse se referindo à tempestade que estava se formando.

— O primeiro que fala, desce. Boa sorte! – Minha mãe passou perto dele e só entregou uma lanterna. Kim a olhou estupefato e deu de ombros, abrindo a porta e murmurando que era melhor fazer isso do que sair correndo atrás de Elena. Ouvindo a reclamação do tio, a Pequena deu uma risada, revelando o esconderijo onde havia entrado para fugir do banho.

— Peguem a fujona! – Will falou e Elena saiu correndo pelo primeiro andar, dando um verdadeiro olé em todo mundo, até nos cachorros, que latiam empolgados, achando que era uma espécie de brincadeira de correr.

— Já chega, Elena. Acabou a brincadeira! – Tanya falou quando a filha mais nova deu uma de ninja e pulou de um corrimão para o outro na escada.

Mas a menina não parou e quando tentou escalar o corrimão para pular para o segundo andar, Alex e Will, que eram os verdadeiros praticantes de parkour ali, conseguiram agarrar a escorregadia garota.

— Isso não é justo! Dois contra uma é jogo sujo! – Ela reclamava e fazia cara de poucos amigos, enquanto olhava para Alex que a segurava no colo.

— Hora do banho. – Foi o que ele disse.

— Podemos fazer isso amanhã? Foi divertido! – Ela disse com uma carinha de sapeca tanto para Alex quanto para Will.

— Não! – Todos responderam ao mesmo e Elena fez um bico, olhando para cada um dos adultos.

— Pelo menos eu tentei, né? – Deu de ombros e foi de bom grado para o colo da mãe.

Assim que mãe e filha estavam fora do alcance, meu avô só falou:

— Se essa menina fizer a mesma coisa amanhã, ninguém vai conseguir levantar da cama para o dia de Natal.

Ninguém discordou da fala e tudo o que se pode ouvir foram murmúrios de que devíamos cansar a Elena mais cedo, para que isso não acontecesse novamente.

Estávamos jantando quando a tempestade começou a cair com força. O vento uivava forte, assustando Stark que, além de não ser acostumado com o clima que estava lá fora, estava encolhido na frente da lareira, Thor roncava no sofá e somente Loki era quem se mantinha em alerta, vasculhando a imensidão branca por qualquer coisa ou presença que ele considerasse ameaça.

Com tudo pronto e uma tempestade furiosa do lado de fora, que tinha derrubado a energia, não nos restou muita coisa para fazer a não ser irmos nos deitar. A casa continuava iluminada, é claro. Mas lá fora não. E isso pareceu perturbar Alex, que olhava na direção do lago, pela janela do quarto.

— Que foi? – Perguntei para ele, abraçando-o por trás.

— Nada.

— Você não está com uma cara boa. O que foi? Medo da nevasca?

— Não tenho medo de tempestades de inverno. Só não gosto do que elas podem trazer. Você viu como Loki estava?

— Confia em Loki agora? – Tentei quebrar o clima tenso.

— Dos três cachorros que estão dentro desta casa, é o único que realmente tem um instinto forte. Thor não é de grande ajuda, Stark está mais para um cachorro de madame nestes dias do que para o pitbull que eu conheço. – Olhamos para Stark, que estava encolhido na frente da lareira e usava o uniforme dos Bruins para se manter aquecido. – Só sobrou Loki e, se tem uma coisa que aprendi nestes meses, é que aquele cachorro te protege de qualquer coisa.

— Pode ficar tranquilo, Alex. Tempestades assim nunca trouxeram nada, nunca aconteceu nada demais. A luz ter acabado é mais do que normal. E te garanto que amanhã já estará tudo consertado.

Alex não parecia convencido da minha fala e ainda olhava desconfiado para a escuridão.

— Vem, vamos nos deitar e aproveitar que ninguém vai vir nos chamar! – Puxei-o para a cama e mal tínhamos nos ajeitado, quando Stark começou a rosnar.

Alex pulou da cama, pois o pitbull tinha corrido para a porta. Antes mesmo que abríssemos, escutamos latidos no andar de baixo. E não era só Loki quem latia, Thor também.

— Tempestades não trazem nada? – Alex me perguntou e depois de amarrar o roupão, seguiu o cachorro escada abaixo. No corredor encontramos com todos.

— O que deu nos seus cachorros, KitKat? – Minha avó Claire me perguntou.

— Não sei. – Acendi a luz da escada e desci correndo. Alex e meus irmãos me seguindo.

Na sala, onde há uma enorme parede de vidro virada para o poente, Loki latia insistentemente, até mesmo rosnando, para o lado de fora.

Enquanto meu pai foi verificar os demais cômodos junto com meus irmãos, eu caminhei até meus cachorros e tentei fazê-los parar.

— Tudo bem, Ruivo, não tem nada. – Falei ao acariciar a sua cabeça. Mas o carinho, ao invés de acalmar, deixou meu cachorro ainda mais nervoso e ele simplesmente se recusou a se sentar na minha frente, passando a ficar de pé na minha frente e latindo mais alto.

— Tem algo lá fora! – Alex falou. - Porque até Stark está agitado. – Apontou para o pitbull que tinha uma posição até agressiva ao olhar pelo vidro, imitando a pose de Thor, mas, principalmente, a de Loki.

Eu não via nada na escuridão, assim, cheguei mais perto do vidro, Loki imediatamente pulou na minha frente, ficando entre mim e a parede, segurei-o pela coleira e o tirei da minha frente e quando levantei os meus olhos, um enorme lobo branco pulou, suas unhas arranhando o vidro, rosnando furiosamente na minha direção.

Levei tanto susto, que acabei caindo no chão. E me assustei ainda mais quando mais quatro saíram das sombras e também pularam no vidro, como se quisessem entrar na casa e nos atacar.

— Meu Deus! De onde eles vieram? – Murmurei enquanto tentava me levantar. – Não tinha nenhum rastro de lobo lá fora!

— Como sabe disso? – Alex me questionou quando me ajudou a me levantar.

— Eles saíram comigo. Estavam lá na pista. Não sentiram cheiro nenhum, ou teriam começado a rosnar na direção do rastro. – Apontei para meus huskies que encaram a matilha pelo vidro. Os lobos avançaram mais uma vez, batendo no vidro e Loki se pos na frente, como que pronto para me defender, caso algum dos cinco enormes lobos conseguisse entrar.

— Esse vidro é forte? – Alex perguntou preocupado, vendo as marcas das patas, mas principalmente das unhas que os lobos estavam deixando.

— Claro. Feito para aguentar até tiro. Garras de lobos não vão quebrá-lo.

Meu pai apareceu e olhava para a mesma cena que observávamos.

— Matilha nova. Não tinham lobos brancos aqui. – Ele falou.

— E nem estavam aqui mais cedo. – Confirmei.

— Não. Vieram seguindo os rastros do Loki e Thor. E devem estar famintos, para chegarem tão perto da casa.

— Foi o que pensei. Não poderemos deixar nada aberto no primeiro andar amanhã... ou teremos visitas bem indesejáveis e perigosas.

— Como vamos fazer? Eles vão rondar a casa até acharem um ponto para entrar. E o trio aqui não vai deixar ninguém dormir.

— Vou levá-los para o quarto, pai, pelo menos lá eles não veem diretamente a matilha.

Com muito custo, conseguimos levar Thor, Loki e Stark para o andar de cima e trancamos os três dentro do nosso quarto. Claro que eles não ficaram quietos de primeira, e foi ainda pior, pois Alex toda hora abria a cortina para procurar pela matilha faminta, o que fazia com que Loki ficasse de pé na janela, para tentar ver algo, o que acabou por acontecer e meu cachorro recomeçou a latir.

— Pare com isso. Eles não vão entrar na casa, Alex! – Falei para ele, afastei Loki da janela e fechei a cortina.

— Só vendo se foram embora.

— Não. Eles não vão embora facilmente. Sabem que aqui tem comida. – Comentei. – E uma boa briga. – Apontei para os três cachorros que estavam em alerta.

— Você não tem medo de lobos?

— Não. São cachorros selvagens. E não atacam à toa. A tempestade no norte deve ter sido mais forte do que imaginamos, e, sem comida por lá, pararam onde não só sentiram cheiro de outra matilha, como de comida. É a natureza. Já passaram outras matilhas por aqui, lembro-me bem que eu até brincava com alguns lobos quando era mais nova. Eles não fazem por mal. É só instinto de sobrevivência.

Alex se convenceu minimamente e veio se deitar com a cabeça no meu colo. E bastou que a casa toda caísse novamente em silêncio e ficasse escura, que escutamos os uivos da matilha, e, tardiamente percebi que não eram só cinco lobos, deveria ter no mínimo uns dez e quando eles uivaram conjuntamente um arrepio desceu pela minha pele, pois o som não era nada convidativo. Chegava até a ser medonho.

— Tomara que não acorde os meninos. – Alex falou.

— Tarde demais. Elena já está acordada. – Falei assim que ouvi minha sobrinha mais nova batendo na porta do quarto dos pais.

— Longa noite?

— Sim... essa vai ser. E o dia de amanhã terá que ser cheio de cuidados. – Respondi.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Muito obrigada a você que leu até aqui!
Semana que vem tem mais! Até lá.
xoxo



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