Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 82
Guerreira


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo saindo do forno!
Boa leitura!



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Senti algo se mover ao meu lado. Não sabia distinguir o que era, mas já estava ali há um tempo e agora agarrava o meu braço.

Eu já tinha aceitado que estava em um ponto entre não estar acordada e não estar em coma. Ouvia as pessoas, sentia quando tocavam em mim, mas não podia me mexer ou me comunicar. E isso estava começando a me irritar.

Escutei meu pai entrar e ficar conversando comigo, não me contava o que estava acontecendo, mas o que aconteceu, quando eu era criança. Ele revivia vários momentos da minha infância, como se isso fosse reviver as minhas memórias e me fazer acordar.

Minha mãe ia e vinha, passava aqui sempre, conversava comigo, colocava a mão em meu rosto, apertava a minha mão, me dava um beijo na testa e só dizia assim:

— Quando você estiver pronta, acorde, filha.

Meus avós Spencer passaram por aqui, ficaram até bastante tempo, meu avô falando que tudo já estava pronto para que Perigo e Hal fossem para a Califórnia, que sábado ele mesmo iria acompanhar o embarque dos dois. Já minha avó só me pedia para lutar mais essa vez.

— Você não pode desistir agora, minha filha. Não pode. Não quando você acabou de encontrar Alexander.

Meus irmãos apareceram, Ian e Kim não estavam muito felizes com a situação, Kim até ameaçou ir atrás de qualquer um e ensinar como jogadores de hockey brigavam de verdade.

Vic, Pietra e Mel também vieram. Pietra, sendo ela, despejou um monte de impropérios contra Cavendish, xingou todo mundo que podia, Melissa não ficou atrás e, estrategista como só ela sabe ser, começou a pensar se não seria possível bolar um “acidente”. Pietra gostou da ideia e disse que conhecia as pessoas perfeitas.

Eu queria pedir que elas parassem com isso, ou elas acabariam presas, não conseguia falar, mas algo estava soando perigosamente alto.

— Será que vocês duas podem parar com isso! Dizem que pessoas no estado da Kat podem ouvir e compreender tudo, ou pelo menos é isso que a Dona Diana e a Tanya estavam falando, e pelo visto é verdade. Kat não gostou da ideia, então parem! – Vic pediu.

— Você não gostou da ideia?! – Pietra comentou e deu um tapa no meu pé. – O que? Não posso bater nela também? Ela não é feita de cristal! Já aguentou mais tranco do que isso e vai sair desse também! – Ela dizia para alguém. – Mas voltando, Katerina... você não tem que gostar ou não. Eles merecem! O vídeo que você gravou! Tudo o que o Cavendish falou?! Peraí, Finlandesa! Ele tem que pagar! Pare de ser a santa! Não há santidade quando tentam tirar a sua vida! – Ela falava comigo.

— Deixe esse assunto para lá! – Melissa voltou ao juízo normal. – Quando tudo passar, a gente volta nele.

— Isso se o Tatuado não matar o Cavendish antes... porque um mísero soco dele, derrubou o velho e quebrou tanto o maxilar, quanto o nariz do desgraçado! – Pietra interrompeu Mel. – Deveriam deixar Alex tomar conta da situação, aí tudo acabaria de uma vez! Eu até emprestaria os advogados da Ferrari para defender o Tatuado.

— Alexander não vai matar ninguém, até porque Cavendish está sob custódia.

Essa era uma informação nova.

— Victória... não estrague os meus sonhos de ver a minha amiga vingada.

— Ninguém vai vingar ninguém! – Minha avó Mina apareceu.

— Dona Mina! Não escutamos a senhora! – Melissa disse assustada.

— E nós nunca vimos a senhora assim... – Pietra comentou.

E eu, nesse mundo do meio, fiquei curiosa. Sobre o que elas falavam?

— Boa tarde, meninas. Posso ter um minuto com a minha neta?

— Mas é claro! – As três responderam juntas. E depois vieram se despedir de mim.

Achei que tinha voltado para o nada, pois o quarto estava silencioso demais, até que escutei um móvel ser arrastado, provavelmente uma cadeira, e minha avó pegou a minha mão e começou a conversar comigo em finlandês.

— Desculpe-me ter vindo só agora, KitKat. Sei que já segunda-feira à noite, mas tive que fazer muitas coisas. Algumas não muito agradáveis, mas necessárias, tendo em vista tudo o que você conseguiu como prova. Falando nisso, foi uma jogada inteligente, gravar toda a conversa, tudo o que aconteceu. Nos salvou de algumas defesas esdruxulas que tanto Cavendish quanto Matti iriam tentar dar.

E aqui ela parou, apertou um pouco mais a minha mão e falou.

— Cavendish foi preso. Infelizmente, não poderá responder pelos dois crimes que ele cometeu quando você era mais nova, não aconteceram aqui e não tiveram um processo próprio para achar o culpado. Mas não se zangue ou fique chateada. Ele nunca mais vai sair da cadeia e te perturbar. Você está a salvo dele. E do sobrinho dele também. Os documentos que o Conselho tinha sobre os desvios que você encontrou no escritório de Los Angeles eram bem completos e culpavam até Lucca. No fim, minha pequena, você se livrou de um péssimo casamento, sem saber.

Outra parada, e minha avó suspirou pesadamente antes de continuar.

— Não sei se você sabe, mas quem detém as ações da NT&S sou eu, não seu avô. Era mais fácil para mim deixá-lo gerir a empresa, afinal, eu tinha o dinheiro e ele o conhecimento quando tudo se iniciou e eu confiava em Matti. Claro que, com o passar dos anos, eu aprendi a fazer o que ele faz, não tão bem, mas aprendi. Recentemente passei essas ações para seu pai e ele era o membro fantasma do Conselho, contudo, depois do que aconteceu, ele disse que não quer nem pensar em entrar dentro daquele prédio, assim, me repassou as ações de volta. Então, temporariamente, por deter 69% das Ações da Empresa, eu sou a CEO. A vida é traiçoeira, minha querida, e eu acabei no lugar onde nunca quis ocupar, porém, era necessário. O Conselho, com o meu aval, afastou seu avô por tempo indeterminado, Cavendish foi demitido sem direito a nada, e não era para menos, confessou inúmeros crimes para você e ainda tentou te matar... Por hora, tudo está um tanto suspenso, as decisões cotidianas continuam normalmente, O Conselho foi finalizado, só faltava as contas de Los Angeles para serem aprovadas e elas já haviam sido aprovadas no início da semana. As demais decisões de cunho administrativo ficarão para outro dia. Vamos esperar você se recuperar para podermos ouvi-la, saber o que você vai querer fazer. Para onde você vai querer ir.

E silêncio. Um silêncio pesado.

— Eu sinto tanto, minha neta! Tanto! Não era para nada disso ter caído em cima de você. Nada disso. Você só era uma garotinha sonhadora que queria seguir os passos do seu avô, só queria continuar o legado da família e, infelizmente, acharam que você era um empecilho e tentaram te tirar a vida... Ah, Katerina! Você não merecia isso. Nunca mereceu. Ainda mais agora que você encontrou a verdadeira felicidade! Como eu te disse na sexta passada, me perdoe por não ter visto o que eu tinha que ver. Perdoe-me por ter acreditado tão cegamente em meu marido, que não vi o mal que estava perto, perto demais de você. Quando você acordar, minha neta, eu quero conversar com você sobre isso, mas, por enquanto, tudo o que eu peço é que melhore. Assim como você já fez antes, fique boa, acorde, saia desse hospital e volte para as pessoas que te amam tanto!

E do meu mundinho interno, eu comecei a chorar. Minha avó não tinha culpa de nada. Nada disso tinha que respingar nela. Ela era a mais inocente das pessoas e como eu quis poder dizer isso a ela! Espero que ela tenha entendido que o aperto de mão significava exatamente isso.

— Eu vou voltar mais vezes, mas espero que você acorde logo. Seu noivo está desesperado em te ver assim. – Ela falou, me deu um beijo na testa e eu pude escutar o barulho de saltos se afastando.

E, a última presença constante: Alexander.

Ele ficou dentro desse quarto por horas. Podia escutar seus passos, suspiros e sua respiração ao meu lado, cheguei até a contá-las para ver se o tempo passava. Minha mãe pediu que ele fosse em casa e tomasse um banho, ele se recusou, e só saiu do meu lado quando meu pai e irmãos vieram buscá-lo. Não demorava muito e ele estava de volta, reclamando que tinha que ficar do meu lado, que não poderia me deixar sozinha, porque eu tinha o estranho histórico de sempre deixá-lo para trás.

Assim os dias foram passando, ou eu achava isso, até que uma certa hora, ouvi um certo tumulto. Algo tropeçou na cama onde eu estava e mergulhou com tudo no colchão, batendo em minhas costelas quebradas, agarrando meu pescoço e molhando minha pele.

Täti! Täti! Täti! Täti! Täti! Täti! Herätä![1]

— Elena! Como você chegou até aqui? – Alex se assustou ao ver a minha sobrinha dentro desse quarto.

— Eu fugi! Me escondi no carro quando mamãe foi buscar a Liv para a consulta com a terapeuta! Liv perguntou onde a täti estava, a mamãe falou que era aqui. Então eu vim pra cá! – Lena disse e me abraçou apertado. – Eu tô com saudades da täti! Era para ela ter me levado na escola na sexta, mas ela não foi... papai falou que ela tá doente, mas a täti nunca ficou doente... só uma vez. E agora eu vou ficar aqui com ela, eu vou tomar conta dela da mesma forma que ela toma conta de mim quando eu fico doente.

— Eu sei que você está com saudades da sua tia, Leninha, mas não pode ficar aí na cama, pode ficar aqui comigo, mas a sua tia precisa de espaço e conforto para ficar melhor.

Elena se enterrou ainda mais no meu pescoço, apertando minhas costelas quebradas, e isso doeu.

Alex ia tentando convencer Elena a descer da cama, ele estava quase conseguindo, quando alguém entrou no quarto, respirando pesadamente e logo foi falando:

— Elena Maria Nieminen! Desça já dessa cama! Largue a sua tia! – Era Tanya quem falava. Pelo visto ela deve ter agarrado a filha para tirá-la de cima de mim, e Elena, querendo ficar comigo, me agarrou. Quando Tanya a puxou, a Pequena não teve forças para lutar contra a mãe e acabou levando algo que estava ligado em meu braço.

Esse puxão doeu quase na minha alma, me fazendo acordar e, arquejando de dor, acabei por me sentar na cama.

Täti! Você acordou! – Elena se soltou dos braços de Tanya e pulou de encontro a mim. No reflexo, a abracei de volta, mas como ela não sabia de todas as minhas lesões, simplesmente se jogou em mim, levando nos duas de encontro a cama novamente.

— Meu Deus! Kat! – Tanya gritou e tentou me ajudar, mas Alex chegou primeiro e me ajudou a me sentar. Elena ainda estava grudada no meu pescoço e eu lutava para respirar. – Elena, solte a sua tia, só um pouco, ela precisa respirar e eu preciso ver o que aconteceu no braço dela.

Elena não me soltou, mas eu pude ver a mancha de sangue vermelha que estava no lençol e na roupa da pequena, meu braço sangrava e isso devia ser porque minha sobrinha arrancara a intravenosa sem saber.

— Não... você não pode desmaiar agora! – Minha cunhada disse. – Alex, distraia Kat e Elena, enquanto eu desinfeto as minhas mãos para poder estancar esse sangramento.

— As duas desmaiam se veem sangue? – Meu noivo perguntou alarmado.

— Não... mas as duas têm medo de agulhas. E você, cuidado com essa.

Alex, com muito jeito, se sentou do outro lado da cama e devagar, virou meu rosto na direção dele.

— Boa tarde, Bela Adormecida! – Ele brincou assim que eu o fitei! – Já faz um tempinho. – Comentou.

Eu ainda estava um tanto desorientada, mas Elena pareceu achar graça da brincadeira do tio.

— Por que o senhor não beijou a täti para que ela acordasse, setä? – Ela perguntou toda inocente, achando que os contos de fadas eram reais.

— Pior que eu tentei, Loirinha. Sua tia que é dorminhoca mesmo! – Foi a resposta que ele deu e eu me senti um tanto ultrajada!

Elena riu um pouco mais alto e passou voluntariamente para o colo de Alex. E o som das risadas da caçula da família foi me fazendo acordar para a realidade a minha volta. Eu não estava mais no nada, no limbo. Eu tinha “voltado”!

Pisquei e tentei olhar em volta. Alex me impediu, segurando o meu queixo com a ponta dos dedos.

— Nada disso. Vamos resolver o seu medo de agulhas de forma drástica e eficaz quando eu te levar para fazer a sua primeira tatuagem.

Escutei Tanya dar uma risada e fiz uma careta quando algo ardeu no meu braço.

— Isso doeu! – Reclamei.

— É outro acesso. – Ela disse simplesmente. – E seja bem-vinda de volta.

— Não preciso de outra agulha em meu corpo. Já acordei.

— Olha o exemplo. E você se engana, está fraca. Perdeu muito sangue e não foi muito fácil te manter nesse mundo, assim, respeite a médica do quarto.

— Que seja. Mas não tem anestesia não? Isso dói!

— E a Katerina está de volta! – Minha cunhada comemorou. – Vou avisar para Dona Diana, afinal, é ela a sua médica. Eu só salvei a sua vida na emergência mesmo.

Ainda estava olhando para Alex, afinal, nem queria saber o que Tanya fazia no meu braço e ele me fitava como se não acreditasse eu estivesse realmente acordada.

— Agora eu vou ficar por aqui. – Murmurei baixinho, sabia que ele leria a mensagem em meus lábios.

Ele só meneou a cabeça em concordância e me deu um beijo na testa.

Tanya acabou de passar a intravenosa no meu braço e colocou um curativo no acesso que Elena arrancou, parando o sangramento. Depois, pedindo pelo amor de Deus para que a filha ficasse quieta, foi até a estação das enfermeiras para que estas chamassem minha mãe. E, se eu entendi certo, parece que ainda teria que passar por um batalhão de exames para comprovar a minha condição.

Enquanto ela estava fora, me ajeitei na cama, e Elena voltou para meu colo, tirando os tênis e se encolhendo ali.

— Com sono, pikkuinen[2]? – Perguntei e ela só se encolheu ainda mais e, colocando a cabeça em cima do meu coração, fechou os olhos.

— Que dia é hoje? – Perguntei para Alex que ainda me olhava, com medo de que eu simplesmente fosse desaparecer junto com o sol que começava a se pôr.

— Quarta-feira. Você dormiu por sete dias, Kat.

— Tudo isso? Mas foi... sério assim?

— Muito. Foi por pouco que você... – Ele deixou a frase no ar e eu entendi o recado.

— Sinto muito. – Murmurei e busquei por sua mão.

— Não foi sua culpa. Aliás, muito esperto de sua parte, mandar o e-mail para sua avó e seu pai e depois gravar tudo... eu não pensaria nisso.

— Não fui tão esperta assim, fui enganada por Mary... justo ela!

— Não vamos entrar nos detalhes, o importante é que você finalmente acordou.

Balancei a cabeça concordando com ele. Essa era a minha quarta chance de viver. Eu realmente devo ter algo muito importante para fazer nesse planeta para ter tantas chances assim.

— Pensando em que? – Alex me perguntou quando percebeu que eu não estava neste mundo.

— Em todas as vezes em que eu quase... e bem, me perguntando o motivo de ter sido salva tantas vezes.

Alex só passou a mão na cabeça de Elena, como me indicando que ela era um dos motivos.

— Não sou a mãe dela, Alex.

— Mas só vendo o desespero dela, para entender, Kat. E não foi só ela, Liv e Tuomas também. Você é tão mãe de seus sobrinhos quanto Tanya é.

Elena começou a ficar inquieta, murmurando em finlandês palavras sem sentido. E me apertou de novo, fazendo o meu lado esquerdo doer.

— É só um sonho, Elena. É só um sonho. Nada é real. – Falava para ela e tentava aliviar o aperto que suas mãozinhas davam em mim.

— E você ainda diz o que diz. – Alex comentou. – Ela está te machucando, mas você continua acalmando os pesadelos dela.

Dei de ombros e quando Elena começou a choramingar, comecei a cantar a canção de ninar que fiz para ela.

Mal tinha acabado de cantar e me ajeitar na cama, quando minha mãe entrou no quarto e olhou para a cena em si. Sorrindo ao me ver acordada e abraçando Elena como se fosse um bebê recém-nascido.

— Bem-vinda de volta, minha filha. – Ela disse e veio para perto de mim. – Como se sente?

— Um pouco confusa. Principalmente por conta da passagem do tempo... fiquei muito tempo desacordada.

— Sim, sete dias é muito tempo, mas condiz com tudo o que você passou. Seu corpo precisava se recuperar e ainda precisa. – Ela olhou para Elena. – Mas parece que nem todo mundo concorda com isso. Entregue-me ela, KitKat, você vai para os exames agora e isso vai demorar.

Alex prontamente se ofereceu para ficar com Elena, que se ajeitou nos ombros dele e recomeçou a ressonar.

Minha mãe foi me examinando pelo caminho, fazendo várias perguntas, umas bem bobinhas, já outras mais complicadas, tudo para saber em que nível de consciência eu estava. E quando eu fiz uma careta ao receber uma injeção, ela ficou satisfeita.

— Não importa quantos dias eu fico desligada do mundo, Dra. Nieminen, eu jamais vou me acostumar com agulhas. – Comentei diante da cara que ela fazia.

— Não é o que eu ouvi... parece que tem alguém querendo te arrastar para um estúdio de tatuagem...

— Alex é maluco. Só porque ele tem dezenove, acha que eu quero algumas... – Comentei, antes de ser colocada no aparelho da tomografia.

Horas depois, eu voltava para o quarto, Alex ainda estava lá, e Elena, agora acordada, estava sentada na cama e contava para ele as últimas novidades da escola.

— Quando vai ter alta? – Ele me perguntou, enquanto me ajudava a me sentar na cama ao lado de minha sobrinha.

— Não sei. Minha mãe está com os resultados. Tudo vai depender dela. E, antes que você lance mais um milhão de perguntas para as quais eu não vou saber a resposta... como estão seus pais? Will e Pepper?

— Dona Amelia ficou a uma passagem de vir para a Inglaterra, mas eu a convenci a ficar na Califórnia, afinal, seus cavalos já chegaram lá e precisávamos de alguém para tomar conta deles.

— Ela não precisava ter esse trabalho...

— Distração, Kat. E, por falar nela, está quase na hora de Dona Amelia ligar. Hoje você atende o telefone.

Não demorou muito e minha sogra ligou para o filho. Alex me entregou o celular, dizendo:

— Ela quer saber de você... então, faça as honras.

Atendi a chamada e Dona Amelia faltou pouco começar a chorar. Passei os primeiros minutos convencendo-a de que estava realmente bem, Elena me ajudou com essa parte, e depois a conversa foi mudando de rumo e durou bastante tempo, ainda mais depois que o Sr. Pierce entrou na conversa e Alex também.

Minha mãe apareceu quase uma hora depois que a ligação foi encerrada, já com uma prancheta na mão e com uma notícia boa e outra ruim.

— A parte boa, Kat, é que eu vou te dar alta, não há razões para você ficar dentro desse hospital nem por mais um dia, você está bem, precisa de descanso ainda, é claro, mas é melhor ir para casa do que ficar aqui dentro.

— E a parte ruim? – Questionei.

— Nada de voos nos próximos oito dias.

— Mas, mãe... já será praticamente Natal quando eu finalmente puder voar...

— Sim... e estou contando com o seu bom senso de que vai ficar na Europa até depois do ano novo.

— Mãe... eu simplesmente não posso abandonar o escritório agora!

— O problema da empresa será resolvido por eles, Katerina. Entenda, você levou um tiro, tem costelas quebradas, trincadas e uma até mesmo chegou a perfurar seu intestino. Não é hora de ficar preocupada com trabalho.

— Sim, senhora. – Respondi sem jeito. Minhas lesões eram ainda piores do que eu estava imaginando.

— Agora, pode se trocar, vamos para casa.

— A minha, não é?

— Você vai seguir todas as recomendações à risca?

— Sabe que sim.

Minha mãe levantou uma sobrancelha para mim.

— Eu vou ficar de olho nela, Dona Diana. – Alex falou pela primeira vez.

— Tudo bem, a casa de vocês. Mas já vou avisando, vou aparecer para te checar no mínimo duas vezes por dia, nessa primeira semana.

— Sem problemas.

— Se arrume que seu pai já está vindo. – Mamãe falou e depois tirou Elena do quarto, prometendo que agora elas iriam tomar o sorvete que a baixinha tanto queria.

— Mas e a täti?

— Ela já vai para casa, Loirinha. Mas antes precisa tirar aquela roupa do hospital.

Aproveitei o ensejo e tive a brilhante ideia de tomar um banho... só para levar um susto quando tirei o camisão.

Eu estava completamente roxa no lado esquerdo do peito, tinha enormes hematomas roxo escuro cobrindo a minha pele da cintura até o ombro. Isso sem contar com o curativo um pouco abaixo do meu seio esquerdo. Levei a mão até ali e a tirei imediatamente, morrendo de nervoso ao sentir os pontos por baixo do esparadrapo. Meus braços também não estavam bonitos. O direito tinha, além da marca da mão de Dempsey, que ainda não tinha desaparecido, várias outras só que de agulhas, todas na dobra do braço, o mesmo valia para o braço esquerdo, com a diferença que tinha um curativo ali, no local onde Elena, sem querer, arrancara o acesso intravenoso.

— Eu estou horrível! – Choraminguei diante da minha imagem.

— Você está viva, Kat. – Alex respondeu do outro lado da porta.

— Como você pode ficar tão... tranquilo, não viu o que eu estou vendo!

— Eu vi. Alguém tinha que ajudar nas trocas de curativo e no seu banho.

Senti meu rosto corar na hora e me enrolando na toalha, entrei para o banho, determinada a não pensar no estado em que meu corpo se encontrava.

Quando acabei o banho, me vi em um dilema... eu não conseguia vestir o suéter que estava na minha bolsa sem ajuda, e também não queria que Alex me visse desse jeito... era humilhante demais estar tão machucada. O problema era que eu precisava vestir a blusa, porque lá fora já estava muito frio. Tive que engolir meu orgulho e, toda sem graça, acabei por pedir ajuda a Alex, já que eu não conseguia levantar o braço esquerdo.

— Obrigada! – Murmurei quando ele acabou de me ajudar.

— Não precisa ficar assim, Kat. Não me importo de tomar conta de você e te ajudar. Além do mais, você fez a mesma coisa por mim. – Ele disse ao me olhar. – Será que agora, eu finalmente posso te dar um beijo.

Eu nem esperei que ele tomasse a iniciativa, fui logo puxando-o para mais perto de mim e quando tivemos que encerrar o beijo, porque dessa vez quem não tinha fôlego era eu, falei:

— Obrigada por não desistir de mim, Alex. Muito obrigada.

Ele só me abraçou mais forte e deu um beijo no topo da minha cabeça.

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E, finalmente, eu estava um pouco livre dos resquícios do hospital e indo para a minha casa.

Claro que, por determinação médica e materna, eu não poderia fazer muito, contudo, já era alguma coisa poder ficar em casa, deitar na minha cama, comer uma comida preparada por mim.

Como prometido, minha mãe passava para me checar duas vezes por dia, além de trocar o curativo e fazer um pequeno exame diário de como estava a evolução de meus machucados.

Pietra, Mel e Vic vieram todos os dias por uma semana, para desespero de Alex que só faltava sair correndo, cada vez que a Italiana Louca tinha uma ideia sobre que comida ela queria comer ou algo que ela queria fazer para me tirar do tédio (eu não estava entediada), lógico que afora a comilança por parte de minhas amigas, e, às vezes sobrinhos e irmãos também (ninguém sabia respeitar a palavra repouso), vinham as fofocas, e o assunto mais presente era “O que a Mia veio fazer em Londres?” Ninguém tinha a resposta, mas especulamos tudo o que foi possível e, talvez, tenhamos inventado muitas histórias loucas também.

Em uma das visitas de minha mãe, veio junto meu pai, que agora realmente de férias, disse que tinha a obrigação de ficar de olho em mim. Afora isso, ele, de dez em dez minutos vinha me perguntar se eu não estava precisando de nada, se ele poderia fazer algo para me ajudar ou se ele poderia até mesmo cozinhar.

— Papai, tudo está bem! – Garanti.

— Tem certeza, KitKat?

— Tenho. Eu também não preciso ficar deitada o dia inteiro. Tenho que me movimentar ou eu vou ficar maluca!

— Não se esforce muito. E se precisar de algo, peça ao Surfista. Falando nele, onde Alexander está?

— Com saudades de seu genro, papai? – Perguntei brincando e ganhei uma encarada em resposta. – Ele está no meu escritório. Já mandaram o script do filme para ele e agora tem uma reunião com o estúdio, para acertarem as datas de início das gravações e da mesa de leitura.

Papai olhou na direção do cômodo e depois se virou para mim com a seguinte pergunta:

— Você está certa de que está pronta para encarar essa vida ao lado dele?

— Sei que essa carreira parece, e é instável, papai. Dona Amelia já me alertou quanto a isto, contudo, sim. Eu estou. Não é pelo glamour ou pelas festas com tapete vermelho. É por ele. É o que ele ama fazer, papai, e teve que se ausentar por um tempo por conta de mentiras espalhadas.

— Ele comentou que foi a Mia...

— Sim. Foi ela. Mia é a melhor amiga da ex-namorada de Alex. E eu tive o desprazer de encontrar as duas em uma mesma noite. Não foi agradável. E por falar na sua outra filha, o que ela queria? - Aproveitei a oportunidade para saber da fofoca, que claro, espalharia para as meninas depois.

— Convidar para o chá de bebê.

— É mesmo? Novidade vindo dela, já que não convidou para o casamento. – Comentei casualmente.

— Vai ser no dia 21/12. Na ilha do marido dela, não sei onde.

— Pelo visto o senhor não vai...

— Não, não vou e nem a sua mãe. Já não íamos, depois do que aconteceu com você...

— Ela vai adorar saber disso. Já até estou ouvindo os comentários sarcásticos que ela vai lançar na próxima vez em que tivermos o desprazer de nos encontrarmos.

— Ela não nos convidou para o casamento e acha que vai chegar dentro da minha casa e dizer que só está convidando para o chá de bebê, porque o marido disse que era para que a foto ficasse completa? Já é um pouco demais! E eu não sou cego, Mia pode ser minha filha, mas eu sei, e você também, esse casamento é por conveniência. Mia se casou porque o homem é rico e ele se casou com a sua irmã, porque ela é bonita. Os dois só se esqueceram que fortuna e beleza podem acabar com o tempo.

Meu pai nunca tinha sido tão sincero sobre Mia e seus casamentos antes.

— Eu não posso falar muito. Nunca fui convidada para nenhuma festa ou comemoração então, não tenho experiência no assunto. Só espero que os futuros pais saibam criar e se preocuparem com o bebê que está a caminho.

— Se você e Mia fossem um pouco próximas, KitKat, te garanto que ela entregaria o bebê para você cuidar e criar.

Dei uma risada que resultou em uma dor horrível no meu abdome.

— Não, papai. Nada de crianças. Tenho experiência com três... não preciso de mais.

Meu pai me olhou e depois voltou a olhar na direção do escritório, para então me perguntar.

— Vocês não planejam ter filhos? Sempre achei que você queria... Alex não quer?

— Muito pelo contrário... se depender de Alex, teríamos cinco! Sim, papai, cinco, o senhor ouviu certo. Eu que estou bem relutante em trazer uma criança para esse mundo... então, se vier um bebê, aproveite, não vou ficar grávida duas vezes.

— Talvez não precise, talvez tenha gêmeos.

Fiz uma careta.

— Com todas essas costelas calcificadas que eu tenho... uma gravidez de gêmeos será extremamente confortável... – Falei sarcasticamente e acariciei meu lado esquerdo.

— Tem razão... Isso tem que ser pensado com muito cuidado, Kat. Sua saúde tem que vir em primeiro lugar nesse quesito.

— Eu sei, papai. Mas não vamos conversar sobre isso, com todo respeito ao senhor, é estranho.

Foi a vez de meu pai rir.

— O senhor está fazendo de propósito, não está? Para me distrair?

— Bem que sua mãe me avisou que você percebia as coisas muito bem.

— Não vou perguntar do escritório. – Falei firme. – Não por enquanto. Em janeiro, quando eu voltar ao trabalho, eu penso em tudo o que aconteceu e em como a minha vida vai ficar nessa empresa.

— Você vai voltar, então?

— Mas é claro, papai! Estudei a minha vida inteira para fazer o que faço. Não cheguei aonde cheguei só por conta do sobrenome que carrego. Eu vou voltar para Los Angeles, para a gerência do escritório do Pacífico. Não tenha dúvidas disso.

— Você ainda tem tempo para pensar, KitKat... pense com cuidado.

— É a minha profissão, papai. Eu amo o que eu faço e não vou parar porque um velho, babaca, misógino e ladrão achou que eu não merecia o cargo que eu tenho. Eu vou mostrar àquela escória que eu sou muito melhor do que ele.

Papai me encarou seriamente, depois se levantou.

— Minha guerreira! – Ele falou quando me deu um beijo no alto da minha cabeça.

— Vai aonde?

— Buscar meus netos. Ao que parece a motorista deles está afastada... fazendo corpo mole para não trabalhar.

— Tudo bem... vai lá. Elena detesta ficar esperando. E Liv tem terapia.

Meu pai se despediu de mim e se foi. Ajeitei-me no sofá e, sabendo que Alex ainda iria demorar na reunião, peguei meu celular, primeiro espalhei a fofoca sobre Mia, afinal, todas tínhamos o direito de dar o nosso pitaco, depois, comecei a olhar o que eu tinha que fazer. Sim, extraoficialmente estava de volta ao trabalho e tinha pedido para Milena me manter atualizada sobre o andamento do escritório e sobre como as coisas estavam indo na Califórnia.

Duas horas depois, escutei Alex abrir a porta e murmurar qualquer coisa ininteligível, fechei os aplicativos do celular que indicavam que eu estava trabalhando e abri o inofensivo “sudoku”.

— Tem muito tempo que seu pai se foi? – Foi a primeira pergunta que meu noivo fez, ao se sentar do meu lado e me puxar para perto dele. E eu não perdi o olhar dele para a tela do celular, como se estivesse conferindo se eu realmente estava fazendo repouso ou se estava trabalhando.

— Umas duas horas e meia. Tinha que pegar o trio na escola, levar Liv para terapia... fazer o que estávamos fazendo.

— E alguém vem jantar hoje?

— Ninguém falou nada... Kim e Vic já voltaram para Chicago. Pietra para Milão... creio que a única pessoa que deve passar por aqui é minha mãe.

Alex se ajeitou no sofá e apoiou a cabeça no encosto.

— Reunião difícil?

Ele deu uma risada.

— Nem comece, não vou te preocupar com isso.

— Eu não tenho feito absolutamente nada nos últimos dias, Alex. Não é me preocupar, é dividir o que está te perturbando comigo, assim, quem sabe, você não encontra uma solução para seu problema?

Alex abriu os olhos e me encarou desconfiado.

— Você é persuasiva para caramba, hein?

— Mas é claro, como você acha que eu te conquistei? Não foi sorrindo na sua direção, foi?

Ele revirou os olhos e eu dei um selinho nele.

— E então? Qual é o motivo da sua dor de cabeça?

— As datas das filmagens. Inverteram tudo, vai ser primeiro aqui na Europa, depois no Novo México.

— Você fica por aqui de uma vez... – Falei.

— E é isso que eu não queria... pelo menos em janeiro queria poder estar do seu lado. Para te ajudar com a recuperação, porém, nem mais em Los Angeles serão as gravações.

— Eu me recupero rápido, Alex. Acredite em mim. E se algo estiver errado até lá, minha mãe não vai me deixar embarcar. Mas, sem querer ser a pessimista agora, temos um outro problema...

— Qual?

— As Festas de Fim de Ano. Nós não tínhamos discutido sobre isso ainda... e agora eu tenho que ficar aqui.

— E eu vou ficar com você!

— E o seus pais? Seu irmão? Vai passar as duas datas comigo e deixá-los mais de três meses sem te ver?

— Você andou pensando muito nisso, não andou?

— Desde o Dia de Ação de Graças... Dona Ilsa colocou essa ideia na minha cabeça e vira e mexe ela volta.

— E você pensou em alguma solução?

— Bem... agora que eu não vou poder ir para a Califórnia... pensei se seus pais se importariam de vir passar o Natal por aqui. Não sei se a minha família vai para a Finlândia, mas, mesmo assim, o que você acha?

Alex me segurou pelos ombros, me afastando um pouco dele, para que pudesse ver meus olhos.

— Você quer reunir as duas famílias, para as Festas de Fim de Ano?

— Sim. Todos se deram bem... não vejo mal algum. A menos que tenha acontecido algo e ninguém me falou.

— Não tem nada demais, Kat. É só que minha mãe me perguntou isso. Se reunir as duas famílias era uma ideia ruim.

— Não é, e nunca vai ser.

— Bem, converse com seus pais sobre isso primeiro. Depois converse com a minha mãe, o que vocês decidirem, eu vou aceitar, apesar de achar que Will não vem... ele e Pepper gostam de viajar na passagem do ano, não de ficarem grudados na família.

— Entendo perfeitamente o ponto deles.

— Mas você ainda tem certeza disso? Minha mãe pode ser um tanto descontrolada... ainda mais com Elena e Liv por perto.

— Tenho, Alex. Assim vai aliviar a minha culpa de ter te separado dos seus pais por tanto tempo.

Ele ia protestar, mas eu o calei com o beijo.

— E não discuta comigo, estou doente!

— Essa é a minha fala, Kat!

— Peguei emprestado e parece que funciona muito bem. – Pisquei para ele.

— Sei, acha que me convenceu com uma frase? Continua acreditando que que foi por conta de uma frase e não porque eu te amo. – Ele disse todo sério.

— Bem... gostei mais da sua explicação. – Murmurei.

— Espero que continue gostando não só da explicação, mas de mim também, quando a sua sogra te tirar do sério.

— Ah, pode acreditar, eu vou sim. – Confirmei.

 

[1] Tia! Acorde!

[2] Pequena


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Notas finais do capítulo

E é isso... tempos mais fáceis irão chegar, pelo menos por enquanto...
Obrigada a você que leu ate aqui.
Volto na semana que vem, até lá!
xoxo



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