Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 78
Reviravolta


Notas iniciais do capítulo

Peguem a pipoca e o refrigerante, que esse capítulo tem mais alguns segredos que são revelados!
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799284/chapter/78

Quando a reunião se reiniciou no período da tarde, o silêncio imperava. Como fui a primeira a chegar, não fui vítima de todos os olhares de uma vez, porém, alguns me olharam enviesados, outros deram mínimos sorrisos, e tinha os que realmente queriam me matar agora.

Ignorei como pude cada um desses olhares e me pus a trabalhar, Milena já estava me mandando os e-mails urgentes e era uma lida em um e-mail e uma levantada de cabeça me fingindo de interessada no que falavam do Oriente Médio.

Dessa vez não teve ânimos exaltados, isso seria fácil de aturar, tinha-se no ar um clima belicoso. Era o Conselho Administrativo contra a Direção a Empresa. E no meio do fogo cruzado, os escritórios, que só assistiam à troca de farpas veladas.

Quem não tinha que abrir a boca nessa hora, estava focado no que tinha que fazer, afinal, tomar partido agora poderia significar uma demissão em um futuro bem próximo.

Tudo o que eu pude pensar foi que realmente as coisas tinham se tornado insustentáveis em um mês e meio. E, no fundo, agradeci por ter sido mandada para outro escritório, bem longe disso aqui, pois se tivesse ficado, se eu estivesse ainda atuando aqui e sem saber o que sei hoje, tudo isso me afetaria de forma imensurável.

Com o Diretor do Escritório de Tel Aviv terminando de apresentar seus números surpreendentes, e sem ninguém para questionar o seu trabalho, a reunião foi encerrada.

E estranhamente ninguém se mexeu para deixar a sala.

Meu plano era ser a última a sair e descer pelas escadas, assim não encontraria com ninguém e praticamente sepultaria o acontecido da manhã. E parece que muita gente queria ficar por último esperando uma reprise do que aconteceu na hora do almoço... ou talvez...

Camila Grissom e Michael Schneider, diretora e vice-diretor do Conselho Administrativo pediram que todos ficassem em seus lugares que eles tinham uma moção para fazer.

Pude sentir alguns olhares sobre mim, talvez fossem até certos, e eu comecei a pensar em como montaria a minha empresa, quanto tempo eu levaria para conseguir lucro de verdade... porque até eu achava que seria destituída do meu cargo e demitida.

Mas para a minha surpresa, os dois Conselheiros não pediram a minha cabeça... E não teve um que não se engasgou com o pronunciamento de Grissom.

— Creio que hoje, na hora do almoço, todos viram a cena lamentável que ocorreu do lado de fora de nosso prédio. Como sabem, não é a política da empresa aceitar agressões ou insultos, seja contra nossos funcionários, ou um funcionário sendo o agente da agressão, ainda mais quando usam o nome da instituição com desculpa para o ato. Assim, diante de todos do Conselho, diante dos Diretores dos Escritórios e do CEO e Vice, o Conselho Administrativo da NT&S vem informar a sua decisão do imediato desligamento do Sr. Lucca Dempsey de suas funções nesta empresa, começando por hoje. E os motivos, antes que alguém pergunte, são simplesmente pelo fato do Sr. Dempsey não saber se portar quando age em nome da empresa, envergonhando nossa história e nosso legado. Diante disso, o RH já foi informado da demissão e está providenciando todos os documentos necessários, assim como os acertos. Que essa demissão sirva de exemplo para todos os funcionários e funcionárias da empresa. Muito obrigada pela atenção. Tenham todos um ótimo fim de tarde e uma boa noite. – Ela terminou, pegou suas coisas e saiu elegantemente da sala, sendo seguida pelos demais conselheiros, deixando todos completamente boquiabertos.

— Quem iria imaginar. – O Diretor do Escritório de São Paulo disse do meu lado, comentando com a diretora da Argentina.

— Achei que Dempsey era o menininho intocável da Empresa. Que ficaria aqui igual a um sanguessuga pelo resto da vida. – Foi um comentário que escutei.

Guardei minhas coisas, coloquei meu casaco e sai da sala sem falar nada, eu estava completamente atônita com o que eu tinha acabado de ouvir.

Estava na porta que dava acesso às escadas, quando Mary me chamou.

— Katerina, a Conselheira Grissom quer te ver.

Então a minha demissão viria de forma mais discreta, menos mal.

Segui Mary pelo corredor, estranhando o fato de que ela estava agindo como porta voz da Diretora do Conselho e não do CEO.

— Senhora, Katerina está aqui. – Anunciou-me e depois fechou a porta atrás de mim.

— Obrigada por vir até aqui, Katerina. Não quero tomar o seu tempo, sei que deve ter coisas para fazer aqui em Londres.

— Não há problema algum, senhora. – Permaneci de pé à sua frente, afinal não fora convidada a me sentar perante todos os Conselheiros.

— Seremos rápidos. Prometo a você. Como viu, demitimos Dempsey, finalmente, estávamos atrás de um motivo há meses, porém, como pode imaginar, ele tinha sempre uma defesa, não hoje, quando agiu na frente de todos nós. – Ela fez uma pausa e eu concordei com a cabeça, cada segundo mais intrigada com o motivo da minha presença naquela sala. – Eu conversei com você ontem, te comunicando sobre a nossa intenção e te trazer de volta para Londres. Para gerir este escritório e assim, ajudar também na administração da empresa.

— Sim, eu me lembro.

— Pois bem, você chegou a pensar com cuidado na proposta?

— Não, senhora. – Fui sincera. – Era até a minha intenção discutir com minha família a respeito, porém, tivemos um problema familiar que demandou toda a nossa atenção, sendo-me impossível trazer à tona tal assunto.

— Espero que o problema esteja resolvido.

— Está encaminhado para solução, mas levará tempo.

Camila me olhou como se soubesse do que se tratava o “problema familiar”, para depois continuar.

— Temos outra proposta para você.

Ajeitei minha postura, para poder receber seja lá o que eles me mandariam.

— Tivemos acesso aos números do Escritório do Pacífico ontem à tarde, pedi que a secretária da Direção me encaminhasse tudo em sigilo, e posso dizer que todos nós analisamos os documentos e ficamos impressionados com o crescimento do escritório nas últimas semanas, você tem feito um excelente trabalho lá e não duvidamos que irá continuar. Assim, te propomos a seguinte oferta: você continua como Diretora do Escritório do Pacífico, liderando, fiscalizando e implementando as mudanças necessárias em todos os portos sob a sua jurisdição e assumiria de forma permanente a Vice Diretoria da Empresa.

Pude sentir meus olhos se arregalando. Pois esse era o cargo de Cavendish.

— Sabemos, - Grissom continuou. – que é seu direito assumir a presidência, afinal, você é a única herdeira da família Nieminen que efetivamente trabalha e entende sobre o que fazemos aqui, mas ainda não é a hora de você assumir. Você, claramente saberia o que fazer, mas ainda lhe falta experiência para lidar com alguns problemas que surgirão e, vamos dizer, que te colocar na Presidência da NT&S hoje não seria um movimento inteligente... não queremos te usar como uma peça de xadrez e simplesmente jogar todos os problemas e ataques no seu colo. Assim, quando, na sexta-feira, fizermos o anúncio da mudança da Vice Diretoria da empresa para outro escritório, queremos saber se contaremos com o seu apoio. Se te indicarmos, por unanimidade, você aceitaria o posto?

Por minha mente passavam os mais diferentes cenários, inclusive um em que Cavendish abria a temporada de caça contra minha família.

— Preciso de tempo para pensar, Senhora. Pois essa mudança não envolve somente um aumento nas minhas responsabilidades, mas também poderá trazer problemas na minha família. Posso te responder na quinta-feira pela manhã?

— Foi exatamente o que me falaram que você diria... – Ela abriu um mínimo sorriso. – Quinta-feira é um ótimo prazo. Vá, converse com todos, não deixe nenhuma variável de fora, pese todos os pormenores e nos encontraremos nesta sala, quinta, às 07:00 da manhã.

— Sim, senhora. Senhores. Posso ser útil em algo mais? – Perguntei, já que não haviam me liberado.

— Só tome cuidado com seus familiares e eu não recomendaria as escadas, Srta. Nieminen. Podem ser perigosas e desertas. – Um dos Conselheiros me advertiu.

— Claro. Obrigada pelo aviso. Tenham todos uma ótima noite. Até amanhã.

— Até amanhã. – Eles responderam juntos, como se fosse uma única entidade.

Saí da sala até atordoada, minha cabeça girava, tentando absorver, compreender o que tinha acabado de acontecer. Estava tão aérea que não percebi que tinha cruzado com Matti, até que ele falou:

— É realmente triste saber que meu próprio sangue age pelas minhas costas.

Eu fiquei a ponto de retrucar, porém não valia à pena. Eu sabia que ele não me acertaria com palavras ou atos aqui, ele iria atrás dos membros mais fracos da família. Depois de Tuomas, Liv e Alex, a próxima na lista de Matti deveria ser Elena. Assim, fingi que não escutei o comentário e parei na frente de um elevador.

Achei que teria a companhia desagradável de Matti na minha ida até o saguão, não tive, para o meu alívio. Porém, faltando uns dez andares para meu destino, a caixinha de metal parou e nela entrou Dempsey. Com o rosto machucado, uma mão imobilizada, o nariz com uma proteção e ele puxava uma espécie de carrinho de feira, com uma caixa, seus pertences, pressupus.

Ele me encarou, não me reconheceu de primeira, pois tinha um olho inchado devido ao nariz quebrado, porém, assim que o fez, deu um passo para trás, e ficou o mais distante de mim possível, finalmente escutando o conselho de Alex e o meu.

Assim que as portas se abriram no saguão ele puxou o carrinho para fora do elevador e, de forma vergonhosa, foi escoltado até a saída principal. Todos os funcionários que estavam passando por ali, pararam para ver a cena, muitos sorriam felizes em ver que aquele que tanto deve ter-lhes feito mal, estava, enfim, tendo o que merecia.

— Já vai tarde, Dempsey. Finalmente fizeram algo certo nesse prédio. – Alguém disse. Todos procuraram pelo dono da voz, mas a pessoa estava camuflada no meio da multidão.

— Seus ingratos, isso aqui não vai ficar melhor... nunca irá. – Disse em tom profético.

Deixei essa cena para lá e me dirigi às catracas, saindo em direção à garagem. E foi só quando eu já estava no meio do caminho para a escola de Elena que minha ficha caiu.

Dempsey estava fora da empresa. Era menos um para me atazanar. E logo poderia ser Cavendish, bastasse que eu aceitasse a proposta que me fizeram.

O destino de um dos piores estava em minhas mãos...

Como o mundo é pequeno, não é mesmo?

—-------------------------------

 Estava sendo praticamente impossível de esconder o meu deleite com o que acontecera mais cedo. Sei que é errado ficar feliz pelo infortúnio alheio, acontece que tudo parecia mais uma justiça divina. O pagamento pelo que fizeram comigo no início do ano.

Täti[1]... por que a senhora está tão feliz? Por que tá chegando o Natal? – Elena me questionou assim que eu a coloquei na cadeirinha.

— É. Não é essa a época mais mágica do ano? – Apertei a ponta de seu nariz e ela deu uma risadinha.

— SIM! – Disse alegre. – E vamos todos para a Finlândia, enfeitar as casas, construir bonecos de neve, andar de snowmobile, visitar a casa do Papai Noel...

— Pois é. Não tem como ser triste no Natal, tem?

— Não, não tem! – Elena concordou comigo e depois que perguntei sobre o seu dia, ela disparou a falar.

Mais à frente, cheguei na escola de Tuomas e Olivia. Os dois, assim como a irmã caçula, notaram o meu humor e me olharam de lado, um tanto curiosos, porém não falaram nada.

Täti, a äiti[2] pediu que a senhora me deixasse no hospital, se não fosse atrapalhar. – Liv disse depois de conferir o celular.

— Sem problemas. Espero que estejam prontos para pegarmos um bom trânsito pela frente.

— Só se a senhora contar o que a deixou de bom humor! – Liv tentou barganhar.

— O Natal! – Elena respondeu por mim.

Olivia olhou para a irmã um tanto descrente, já no banco do carona, Tuomas balançou negativamente a cabeça.

— Para trocar de assunto, onde vamos jantar hoje? – Ele perguntou, para tentar acalmar a caçula que tinha recomeçado a falar sobre o Papai Noel e suas renas.

— Hoje eu não sei. Mas amanhã é lá em casa.

Liv fez um muxoxo e Tuomas se virou para trás para perturbar a irmã.

— Posso saber o motivo disso?

— Amanhã é o dia dele de fazer o jantar e arrumar a cozinha... na segunda a senhora fez isso, e amanhã ele vai estar livre de novo! – Disse Olivia revoltada.

— Quando eu falo que a senhora é a melhor tia que temos, ela briga.

— Ela é a única tia que temos, Tuomas, deixa de ser retardado. – Liv deu um tapa na cabeça do irmão.

— Não é não. Tem a tia Mia! – Elena entrou na briga.

Tuomas, Olivia e eu olhamos para a baixinha, que começou a ficar vermelhinha, até que soltou:

— Mas eu também não gosto dela. Ela não gosta de mim... – Deu de ombros.

Tive que segurar a risada depois dessa. Eu fiz isso, mas os dois adolescentes não fizeram, e começaram a rir do que a irmã mais nova tinha dito.

— Por que estão rindo de mim? – Ela perguntou triste.

— Não é de você, Lena. – Tuomas tentou explicar, mas a Pequena só ficou ainda mais confusa.

— É do que você falou. Nós concordamos com você! – Olivia completou.

— Ah! Então eu vou rir também! – Ela falou e começou a rir sozinha, o que arrancou ainda mais risadas de nós.

E foi assim, rindo de chorar, agora sem motivo algum, que paramos na porta do hospital e Tanya veio nos receber.

— Não, mãe, não temos que ser levados para a ala psiquiátrica! – Tuomas falou diante do olhar confuso da mãe.

— E o que foi dessa vez?

Nós quatro nos olhamos e não achamos um motivo.

— Nada...

Tanya tornou as nos encarar.

— Têm certeza de que não precisam de uma camisa de força?

— Por enquanto não. Quando for necessário, eu te aviso. – Respondi à minha cunhada.

— Fico aguardando a ligação. E, me faz outro favor e leva esses dois para a casa dos seus pais. Sua mãe acabou de me avisar que quer todos lá para o jantar.

— SIM!! Sem louça para lavar hoje! – Olivia comemorou.

Ela, a senhora pode levar para a ala psiquiátrica. – Tuomas disse para a mãe. E Olivia acertou um tapa no ombro dele.

— Eu levo. Só vou pegar Alex em casa e já vou para lá. – Cortei o assunto de meus sobrinhos e respondi à Tanya.

— Certo. Em noventa minutos já estaremos liberadas aqui, né filha? – Falou com Olivia.

— Acho que sim... – Disse minha sobrinha incerta.

— Tchau mamãe! – Elena gritou do banco de trás. – Vou dormir na casa da tia hoje! Tô com saudades do setä!

— Vai sequestrar outra filha minha, KitKat? Aproveita e leva esse aqui também. – Ela apertou a bochecha de Tuomas que faltou pouco se encolher para ninguém ver a cena.

— Eu não estou sabendo de nada. E deixe-me ir, porque o trânsito está o caos.

— Boa sorte.

Para ganhar tempo, no caminho coloquei a Elena para ligar para o Alex e pedir que ele nos esperasse na porta.

— Por que ela? – Tuomas me perguntou um tanto espantado.

— Simples, assim ela fala na cabeça dele e não na nossa.

— Leninha tá atacada hoje.

— Quando que a sua irmã mais nova não está falante, Tuomas?

Como a ligação estava no viva-voz, escutamos Alex explicar para Elena que ele tinha que desligar ou não daria tempo de ele ficar pronto. Com o fim da chamada, Tuomas, tomou a liberdade de ligar o som do carro e procurar uma música.

— Alguma que ela possa escutar e depois sair repetindo, por favor. – Apontei para Elena que estava tentando enxergar a tela do sistema de mídia.

— Essa aqui tá boa? – Meu sobrinho aumentou o som e eu nem tive tempo de responder, pois Elena já cantava a letra de “Hey Jude” de The Beatles. - Pelo visto tá, né?

— O que você acha, Tuomas? - Perguntei sarcasticamente.

E foi com o volume alto e cantando que parei o carro em frente à minha casa. Tuomas, logo tratou de descer e ir para o banco de trás, dando espaço para que Alex assumisse o banco do carona.

Another Brick in the Wall?! – Foi assim que Alex entrou no carro. – Belo exemplo pra baixinha ali. – Comentou sobre a letra que Elena cantava, ou melhor quase gritava:

— “Hey, teachers, leave the kids alone!

— Não diga que está surpreso, você sabia que essa era uma família de roqueiros. – Defendi o estilo musical, mas abaixei o volume, o que provocou uma onda de reprovação vinda do banco de trás.

TÄTI!!!! – Gritaram os dois.

— Não vou desligar, só abaixei o volume. Se chegarmos desse jeito na casa dos avós de vocês, eles vão querer a minha cabeça e tomaremos aquele sermão sobre saúde auditiva que a sua avó adora falar.

Elena fez uma careta, Tuomas deu de ombros, já fazia tempos que ele não estava nem aí para a falação da minha mãe sobre o volume de seus fones de ouvido e do amplificador da guitarra.

As músicas foram tocando e nós quatro estávamos um tanto empolgados com o refrão de uma certa música quando paramos na garagem da casa de meus pais, ainda cantado. Antes mesmo que a melhor frase chegasse, Vic e Kim saíram pela porta, cantando na mesma altura que nós quatro que descíamos do carro:

I’ll tip my hat to the new constitution

Take a bow for the new revolution

Smile and grin at the change all around

Pick up my guitar and play

Just like yesterday

Then I'll get on my knees and pray

We don't get fooled again

Don't get fooled again, no, no.”

— Achou que nós não viríamos, hein? – Vic perguntou quando Elena correu para abraçar a tia inglesa dela.

— Estava achando que vocês nunca mais apareceriam por aqui. – Falei ao passar por ela e dar um chute na canela do meu irmão.

— Hei! O que eu fiz agora?! – Ele perguntou injuriado.

— Nasceu! – Respondi

— Isso, vai ensinando essas coisas para a anãzinha de jardim...- Kim apontou para Lena.

— EU VOU CRESCER!!! – Foi o que ela respondeu emburrada, já descendo do colo de Vic e se escondendo atrás de Alex.

— Ah! É assim? Tá me trocando por ele?! – Kim brincou e fingiu sair correndo atrás da pequena. Elena, que não entendeu a intenção do tio, saiu correndo e gritando em volta do carro.

— Agora vai atrás! – Vic comentou. E foi exatamente o que Kim fez e quando dei por mim, até eu corria atrás de Elena pela garagem, Tuomas foi o único que entrou nos chamando de malucos.

— Tudo bem! Já chega de gritaria e correria nessa garagem! A maioria de vocês já estão quase nos trinta anos. Podem parar! – Minha mãe chegou na porta e nos mandou entrar, como se tivéssemos dez anos.

Um por um passamos ao lado dela e de sua expressão zangada.

— Oi, isoäiti[3]! Tudo bem com a senhora? – Elena, que foi a última a passar, porque estava escondida no fundo da garagem, disse.

— Uma criança e quatro adultos que se esqueceram de quantos anos têm! – Minha mãe murmurou.

 Alex ficou todo sem graça por conta da bagunça, ainda mais que, já dentro de casa, a primeira pessoa que ele viu foi meu pai, já Kim e Vic, não se importaram muito e saíram rindo, já planejando a próxima diversão com Elena.

— Tudo bem... – Gritou Kim. – Tá faltando a sua cópia, Kat. Cadê a Olivia?

— Deixei-a com Tanya no hospital. – Informei.

Kim fechou a expressão, pelo visto ele já estava por dentro da confusão, e depois se voltou para Tuomas e perguntou como ia a recuperação do sobrinho.

E, enquanto Kim ia se atualizando com os sobrinhos e sabendo que Tanya, Ian e Liv ainda demorariam um pouco para chegar, fui contar o que aconteceu no escritório nessa tarde.

Antes mesmo de chamar por meus pais até a biblioteca, Alex me segurou pelo braço e fez a seguinte indagação:

— Seu emprego? Como foi de tarde? Você...

— Eu ainda tenho meu emprego, Alex. E tenho novidades que nem eu esperava ouvir. Vem comigo.

Aproveitei que meu pai nos olhava meio de lado, e fiz um sinal para ele entrar também, sabendo que minha mãe viria logo atrás. Kim, percebendo a reunião, só falou:

— Quero saber o segredo também!

Antes de fechar a porta, só respondi:

— Se não fosse tão desgarrado, saberia.

— Depois a Vic me conta, mesmo. Vocês vivem fofocando por mensagens e ela vive falando comigo.

— KIM! – Vic disse injuriada e logo escutamos o barulho de um tapa e meu irmão reclamando que tinha doído.

Fechei a porta e olhei para os três que esperavam por mim.

— Aconteceu muita coisa hoje, mas eu jamais esperaria que fosse isso... – Comecei o relato do dia.

Assim que terminei, vi que minha família – porque a certa altura Tanya e Ian chegaram e se intrometeram na conversa, assim como Kim e Vic vieram saber sobre o que falávamos e depois meus sobrinhos, - estava perplexa.

— O Conselho Geral demitiu Dempsey?! – Minha mãe foi a primeira pessoa a falar.

— Sim. Na frente de todos na reunião, sem deixar tempo ou argumento para que alguém o defendesse.

—  E depois te chamaram para uma conversa particular, te oferecendo o cargo de Vice-Diretora? – Ian questionou.

— É. Eu também fiquei abismada com isso. Falaram que na sexta-feira vão pedir a palavra para discutir a mudança de sede da vice administração e me querem como vice-diretora.

— Por quais motivos?

— Não sei, papai. Não faço ideia. Parece que tem a ver com os números do escritório de LA, porém...

— Você acha que tem mais. – Alex completou.

— Sim. Sempre tem. TEM que ter. O Conselho Geral não mexeria na estrutura da administração sem um motivo muito bom. Não fizeram isso nos últimos trinta anos. Por que fariam justo agora?

Meu pai se recostou na poltrona, juntando as mãos e olhando para a família.

— O senhor sabe de alguma coisa, não sabe? Porque a Grissom disse que alguém falou para ela qual seria a minha resposta.

Ele deu de ombros e só confirmou com a cabeça.

— Sempre foi Camila Grissom? A sua informante? – Devolvi outra pergunta.

— Pode parecer estranho para você, KitKat – ele parou e observou toda a sala. – para vocês, - se corrigiu. – porém eu faço parte do Conselho.

— FAZ?! – Ian, Kim e eu perguntamos.

— Assumi uma cadeira quando a sua avó deixou claro que queria se aposentar. Vocês não achavam que meu pai fundou a empresa sozinho, não é?

— Eu nunca pensei que a vó tivesse se envolvido com isso. Para mim ela sempre fora a professora de música e canto. Nunca pensei nela como a fundadora...

— O dinheiro tinha que vir de algum lugar. – Foi tudo o que meu pai disse. – E posso dizer que ela ficou bem aliviada quando a KitKat demonstrou interesse em continuar o legado.

— Ela não gosta dos Cavendish. – Vic falou. – Isso deu para notar. – Completou minha cunhada que até então estava calada.

— Não, ela não gosta. E tudo o que ela mais temia era que um deles assumisse a empresa. – Meu pai continuava a falar.

— O que quase aconteceu. – Ian disse soturno.

— Contudo, nada disso explica o movimento do Conselho hoje. O Pateta Três – sem querer soltei o apelido que Alex tinha inventado. – ter sido demitido foi explicado, mas quererem tirar Cavendish? O homem está lá há trinta anos!

Pateta Três? – Tanya estranhou o apelido.

— É... – Desconversei.

— Achei adequado. – Vic disse segurando a risada.

— Eu deveria tê-lo chamado assim, só para ver aquela cara de falso ficando vermelha...  de que será que ele iria me xingar? – Olivia falou.

— Te xingar? – Olhamos para ela.

— Sim. Eu não contei?

— Contou o que, filha? – Ian chamou a atenção da filha do meio.

— No meu último dia no escritório, eu tive o desprazer de encontrar com o Pateta Três no elevador. Estava levando alguns documentos que Mary me pediu para o arquivo, e assim que ele entrou no elevador e me viu, só falou assim: - aqui ela parou, fez aspas com as mãos e tentou imitar a voz de Lucca. – “Acabei de ficar livre da tia, mas ainda tem a peste da sobrinha aqui dentro dando uma de sanguessuga. Por que você não foi com sua tia para a Califórnia, já que vive grudada nela?”

— Ah, mas eu deveria ter batido mais forte nele! – Reclamei.

— Eu deveria ter quebrado a cara dele! – Alex falou pela primeira vez em muito tempo. – Por que você me impediu, Kat?

— Queria ter ido preso? – Dei um tapa no ombro dele, já que Alex tinha se sentado na poltrona e eu me sentei no braço.

— Ele falou isso com você e só agora a mocinha se lembrou de nos contar? – Ian olhou para Liv.

— Bem... ele disse isso. Eu fingi que não ouvi, sou muito boa nisso, ignorar gente chata, mas não ficou nisso. – Liv ia dizendo as coisas aos poucos.

— O que você fez? – Kim perguntou, sabendo tão bem quanto eu que a sobrinha não gosta de levar desaforo para casa, mesmo que ela finja que não está escutando.

— Eu estava ouvindo música e mexendo no celular, e como o arquivo era pesado, estava puxando um carrinho, afinal eram umas quatro ou cinco caixas e eu não queria ficar passeando de elevador a tarde inteira. E assim que eu notei que ele iria para o saguão de entrada e eu pararia dois andares antes...

— Não conta a fofoca pela metade, Olivia! Quer matar essa sua tia aqui? – Vic emendou quando minha sobrinha parou para tomar um ar.

— Na hora que o elevador parou, eu simplesmente puxei o carrinho para que passasse em cima do pé dele... e sabem como ele é fresco com aqueles sapatos italianos dele...

— Você estragou o sapato dele?!

— Sim, tia Vic. Eu estraguei, porque eu puxei o freio do carrinho na hora que a rodinha estava passando em cima... deu aquela arranhada maravilhosa.

— Quando vai ser a minha vez de bater nele? – Tuomas perguntou debochado. - Tio o que sobrou para eu quebrar? – Virou para Alex.

— O maxilar ficou inteiro. – Meu noivo comentou casualmente.

— Ninguém vai bater em ninguém. Já chega. – Minha mãe pôs fim a essa conversa. – Olivia você deveria ter nos contado sobre isso quando aconteceu. E quanto a vocês dois. – olhou para mim e para Alex. – Por favor, mantenham distância de Dempsey, ou agora pode ser ele a fazer algo contra vocês, de verdade.

— E quanto à proposta que você recebeu, KitKat? Sua decisão é?

— Ainda não sei, Ian. Tenho amanhã para tentar descobrir algo. Por mais que as palavras de Camila tenham parecido sinceras, pode haver algo muito maior por trás... e eu preciso investigar o que é.

— E como você pretende fazer isso? Está presa na reunião do conselho o dia inteiro! – Alex falou.

— Eu estou presa, mas conto com duas frentes que não estão. Mary parece que tomou partido nessa guerra e está do lado do Conselho-Geral, sem Matti saber. E eu tenho a quem recorrer também.

— Quem? – Minha mãe estava mais do que curiosa.

— O pessoal da pesquisa, lá no escritório. Tem dois lá que podem invadir até o computador da Rainha da Inglaterra que ninguém ficaria sabendo.

— Acha que vale à pena? Eles não sairão falando nada?

— Os contratos deles se baseiam em confidencialidade. Eles não podem espalhar nada do que fazem para ninguém. Se isso acontecer, a empresa está imune, pois vamos negar, dizendo que o método usado por eles é de livre escolha de cada pesquisador e eles que arquem com as possíveis sanções que aparecerem, afinal, as leia americanas são bem claras quanto à hackers.

— E quando você vai pedir isso?

Dei um sorrisinho para minha família.

— Então, isä[4], são oito horas de diferença entre Londres e Los Angeles. São sete e meia da noite aqui... lá a tarde só está começando.

— Vai fazer uma reunião com eles agora? – Minha mãe matou a charada.

— Será rápida, prometo. Será que posso tomar conta da biblioteca por um tempo?

Não deu dois minutos, todos saíram e eu logo estava fazendo uma videochamada com Milena.

 ------------------------------------

— Você descobriu que eu mandei os documentos, não descobriu? – Foi assim que minha secretária atendeu.

— Me contaram.

— Eu juro, Katerina, estava para dizer não, mas a tal da Camila Grissom me pareceu uma pessoa para quem você nunca diz não. Além do mais, ela tem o poder de me demitir, não tem?

— Tem e faz uso desse poder. Contudo, não é sobre isso que quero conversar. Você fez o certo.

— E é sobre o que?

— Tem como você reunir o pessoal da pesquisa na sala de reuniões para mim? Preciso de um favor e só eles podem resolver.

— Em quanto tempo?

— Será que poderia ser agora?

— Amanda, comece a arrumar a sala, você sabe ligar os equipamentos, não sabe?

— Claro. – A estagiária passou atrás dela e ainda me deu um tchauzinho. – Oi, Chefa!! Tá chovendo muito aí? – Brincou.

— Vou ligar para eles agora. – Milena disse. – Mas do jeito que aquele pessoal gosta de você, vão aparecer aqui em um instante.

Minha secretária estava certa, bastou ela falar que era um favor para a Chefa que todos eles se dispuseram a parar no 30º andar. Logo cada um dos “nerds”, com suas camisas de personagens de videogame, quadrinhos e séries estava sentado na enorme mesa da sala de reuniões do escritório em Los Angeles, devidamente mantidos em ordem por Milena e Yuna Park.

— Diz aí, Chefa, o que tá precisando?

— Chefa?

Amanda, que estava em um cantinho, só se encolheu, pelo visto o apelido que ela me dera já tinha alcançado todos os andares e algumas pessoas não estavam se fazendo de rogadas ao usá-lo.

Vários começaram a gaguejar diante do meu questionamento, porém Park logo colocou ordem.

— Então, Katerina, precisa de que?

E eu comecei a explicar o que eu queria e antes que eu terminasse, já tinha gente com os notebooks abertos, fazendo que eu havia pedido.

— Então, Chefa, você quer só as conversas do Conselho que tenham a ver com Cavendish, certo?

— Sim. – Confirmei. Mesmo sabendo que era um tanto ilegal o que eu fazia, eu precisava ter a certeza de que não seria usada como bode expiatório para a demissão de Cavendish, destituição de Matti e depois ser demitida da empresa que levava o meu sobrenome.

— Então... Tudo, absolutamente tudo o que envolve o nome Cavendish nos últimos dez meses tem relação com Matti Nieminen, você, Lucca Dempsey e Alberto Mancini.

— Mancini? Tem certeza, Park?

— Sim, o ex diretor desse escritório e agora sabemos o motivo dele ter sido demitido pela porta de trás.

— Vocês poderiam me enviar o... – Nem falei e vi a notificação e um novo e-mail.

— Por favor, instale uma VPN de qualidade. – Ela me pediu.

— Pode ficar tranquila, já tenho VPN. Ela cobre qualquer país.

— Ótimo. Use a Antártica, você vai entender o motivo.

E os motivos eram impressionantes.

— Tem mais coisa? – Perguntei um tanto assustada.

— Muito mais. E termina com o dossiê que você encaminhou recentemente.

— Esse eu tenho aqui comigo. – Falei enquanto recebia mais e mais documentos. – Muito obrigada a todos. – Agradeci. – E só um aviso, o que vocês viram, o que vocês leram, é confidencial. Nada disso poderá sair dessa sala. Isso é um aviso para todos. – Pedi.

— Já desconfiávamos disso. Não se preocupe, Katerina. Todos esses arquivos sumirão de nossos dispositivos em dez minutos. Sugiro que você salve os seus em um local seguro, pois acontecerá o mesmo no seu computador.

— Claro. Obrigada pela dica, Park. E a todos vocês.

— Uhm... Chefa? – Chad Abbot me chamou.

— Diga.

 - Nosso programa de rastreio foi aprovado?

— Será apresentado na quinta-feira, as chances são grandes de ser.

— Nos avise, assim que tiver uma posição.

— Com certeza. Serão os primeiros a saber.

— Obrigado.

— Eu quem agradeço a vocês. – Falei e a reunião foi encerrada simultaneamente.

Permaneci sentada na cadeira lendo o arquivo que haviam me conseguido. Ele explicava tanto, principalmente os motivos de Cavendish não ter voado no pescoço do sobrinho quando ele me deixou no altar.

Porque além do casamento arranjado, ele tinha um outro plano em andamento, um plano que não envolvia Matti como ajudante ou parceiro.

Esse Conselho estava ficando cheio de reviravoltas. Uma mais interessante do que a outra.

 

[1] Tia.

[2] mamãe

[3] Vovó

[4] Pai.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Prometo que vou desenrolar essa história no próximo capítulo... até lá, bolem suas teorias. O que vocês acham que os "nerds" descobriram?
Muito obrigada por lerem até aqui!
Semana que vem tem mais capítulo.
Até lá!
xoxo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Presos Por Um Olhar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.