Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 64
Sábado


Notas iniciais do capítulo

E aqui estamos para mais uma atualização. Continuando o final de semana, é dia de treino classificatório e uma surpresinha.
Peguem seus capacetes e boa leitura!



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A manhã de sábado foi bem menos caótica, saímos mais cedo para evitar o trânsito infernal da sexta e, dessa vez, fomos direto para nossos lugares.

Com a atividade na pista começando só ao meio-dia, ficamos jogando conversa fora, eu e Vic tirando as dúvidas de Pepper e do Sr. Pierce. Minha sogra e minha mãe resolveram dar uma volta para irem se acostumando uma com a outra, e isso fez com que Alex sussurrasse em meu ouvido que as duas só queriam falar mal de nós dois sem que escutássemos. Sem mais nada para fazer, começamos a comentar sobre as figuras que sempre aparecem em eventos assim. Eu só tive que segurar a minha língua para não falar mal dos cowboys... e olha que eram muitos!

Liv comentava que ia dar seis da tarde, mas não daria meio-dia nunca. Elena conversou com todos, brincou sozinha, pulou, dançou a música que tocava nos autofalantes e ainda tirou um cochilo no meu colo, o que rendeu um comentário do nosso vizinho de arquibancada:

— Ela está recarregando as baterias para torcer para a McLaren daqui a pouco ou aconteceu alguma coisa com essa espoleta?

— Ela está bem. – Garantimos. – Na hora em que o primeiro motor roncar ela acorda.

E foi dito e feito.

Abriram o pitlane, o primeiro carro foi ligado e Elena retornou ao mundo dos acordados em um instante.

— Quem é? – Perguntou esfregando os olhos e tentando tirar o cabelo do rosto.

— Uma Haas.

— Ah! – Disse com um bocejo enorme e eu aproveitei para arrumar o boné dela. – Kiitos, täti[1].

Uma hora depois, as apostas sobre quem largaria na pole começaram, porém estava difícil de prever quem ficaria com a posição de honra, pois os tempos estavam muito apertados e tinha um fator que ninguém estava contando até agora.

A chuva.

Uma imensa nuvem escura se aproximava do circuito e a chuva estava marcada para cair no final da sessão, justamente nos 10 minutos decisivos.

— Vai virar uma loteria danada. Quem vai brilhar além dos pilotos, sãos os engenheiros de pista que deverão saber exatamente o momento de liberarem os pilotos para as voltas. – Vic disse esfregando as mãos de ansiedade.

— E quem são esses engenheiros? – Quis saber minha sogra.

— Papai e vovô. – Respondeu Liv.

— Então se algo der errado...

— Sr. Pierce, se for na McLaren, sabemos quem devemos xingar. - Continuou minha sobrinha.

Meu pai e irmão que não fizessem nenhuma besteira, ou que eles começassem a rezar para a chuva não cair.

As três horas que separavam o final do TL3 e o início da classificação passaram pingando, todos já estavam cansados de esperar e movendo os ponteiros do relógio com os olhos quando as 16:00 chegaram.

— E vamos para o agora ou nunca! Quem vai ser o pole? – Tuomas gritou quando as luzes ficaram verdes.

E no nosso grupo apostamos em um único e lógico nome: Lewis Hamilton.

Começou o Q1 e a nuvem de chuva pairava pelo autódromo, porém, não foi agora que a água caiu. E, como que por milagre, todos os pilotos que nós apoiávamos passaram para o Q2.

— Isso já é uma vitória e tanto para a Alfa. Os dois carros avançaram para a segunda parte! – Vic comentou comigo.

— Não devem fazer muito mais do que isso. O carro não permite.

— Mas podem descolar um 11º lugar.

— Que Odin te ouça. – Falei um tanto descrente.

E mesmo descrente, eu me vi tendo esperanças. A chuva caiu, não forte, mas o suficiente para molhar a pista e embaralhar as escolhas de pneus, eu me esqueci que tinha a família do meu noivo perto de mim, me esqueci de que eu talvez, deveria tirar algumas fotos desse momento e comecei a torcer.

A torcer muito.

Se ontem eram Liv e Lena torcendo com a bandeira da McLaren nas mãos. Hoje era eu. Mas não torcia pela equipe laranja, eu estava com a minha blusa preta com escrito em dourado, o rádio mais famoso da Fórmula 1, estampado em letras garrafais e a bandeira branca com a cruz azul nas mãos, torcendo como uma alucinada, acompanhando os tempos no telão, faltando pouco ter um infarto de tão nervosa que estava. E no final, eu já não sabia o que fazia, pois eu estava surpresa com o resultado.

Me deixe em paz, eu sei o que estou fazendo!” foi o que Kimi disse para o próprio engenheiro em Abu Dhabi em 2012... e ele realmente sabia o que fazia lá e o que estava fazendo agora, pois com uma pista quase impossível de se pilotar e com um carro limitado, Kimi levou a Alfa Romeu #7 para o Q3.

Para a minha alegria. E desespero de Alex que tinha tirado os últimos 15 minutos para rir da minha cara.

— Ele passou para o Q3! – Gritei feliz.

— A gente viu. – Kim disse sem empolgação nenhuma.

— O Kimi. Com uma Alfa Romeo! – Tornei a falar, apontando para o telão.

— Não se empolga, täti. Ele não vai fazer a pole. – Meu sobrinho me disse.

Eu sabia disso. Tinha consciência das limitações do carro, mas, caramba, eu podia comemorar, não podia?

Junto comigo, tinha Elena e Liv. Era a primeira vez que Elena via Räikkönen entre os dez primeiros e ela faltava pouco chorar de emoção. E não era só por isso. Os cinco pilotos favoritos dela estavam disputando o Q3. A baixinha era um pé de coelho tanto.

A chuva ficou mais forte, Elena agora não parecia mais a torcedora de ninguém, pois estava totalmente coberta com uma capa de chuva rosa-choque com uma enorme Penelope Charmosa estampada nas costas e galochas brancas. Ela estava tão fofa que valeu até uma foto e a danadinha ainda fez pose.

O restante, depois de garantir que os mais novos estavam seguros e secos da tempestade que caía, resolveram se proteger, para mim já era um tanto tarde, e meu cabelo já pingava.

— Um charme, não? – Alex brincou comigo, pegando a ponta encharcada do meu rabo de cavalo.

— Esse é o único problema de ficar na arquibancada. O tempo! – Apontei para o céu. – Ou melhor, o mau tempo.

— Não vai passar tão cedo. – Vic informou.

— O que é mais chuva para quem já está encharcado mesmo? – Will gritou e depois começou a torcer, não ligando nem um pouco para a água que caía dos céus e que espirrava da pista.

A sessão foi atrasada em 10 minutos e quando os carros foram liberados, nem as câmeras conseguiam ver quem era quem debaixo de tanta água e tanto spray.

— No meio disso aí, pode dar qualquer um. – Meu sogro comentou.

— Espere pelas zebras, elas aparecem em momentos assim. – Vic disse. – Já vi equipes nanicas ganhando Grande Prêmios por conta de temporais!

Sem enxergar muita coisa na pista, nos restou a enorme torre de tempos e o telão e estes nos informavam que realmente poderia pintar uma zebra na primeira fila, pois lá estava o nome de Sebastian Vettel.

— Jesus. O Vettel tá voando! – Kim gritou, nos informando o que ele via na tela do celular. – Ele vai vir para a pole fácil.

E depois dos dez minutos mais insanos, desesperadores e tensos que eu já tinha visto de uma classificação, o grid foi definido. E ninguém acertou o pole.

— Mais alguém precisa, além de um banho quente, de um calmante? – Pepper perguntou quando começamos a nos encaminhar para o estacionamento. – Céus, eu nunca fiquei tão nervosa vendo algo na TV como fiquei aqui! Foi insano!

— Bem-vinda ao clube! – Tanya disse. – Essa foi de tirar qualquer um do sério.

— Então, por favor, não surtem e olhem para o céu. – Liv falou.

A chuva ia parando e o sol saindo.

— Esperou só a classificação acabar... parece até brincadeira. – Vic disse desolada.

— Foi só para estragar a escova do cabelo das meninas! – Will brincou.

— E molhar todo mundo! – Alex falou já tirando a capa de chuva.

— Eu tô bem sequinha! – Elena disse feliz, enquanto ia pulando de poça em poça até os carros.

— A única também. – Foi o comentário da minha mãe quando colocamos a baixinha no assento e nos preparamos para voltar para o hotel.

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— Conseguiram ver alguma coisa do Q3? – Ian perguntou assim que nos viu no lobby do hotel, já que ele não chegou muito depois de nós.

— Não. – Respondemos.

— Eu só vi água e muita água! – Elena se explicou e pediu colo para o pai. – Mas sei que o Kimi vai largar em 5º! E as McLaren logo atrás dele!

— Só a chuva para fazer um milagre desses. – Tuomas disse e ganhou um encarada de cada uma das irmãs.

— Só para perguntar, vocês estão muito cansados ou ainda aguentam fazer mais alguma coisa hoje? – Meu irmão mais velho continuou com o interrogatório.

— O que você tem em mente? – Kim perguntou.

Por mim, sinceramente, era só um jantar e cama. Eu estava exausta.

— Vocês viram que tem um kartódromo aqui perto?

Eu não precisei nem olhar para saber a reação do restante. Eles topariam essa brincadeira.

— Não tem que reservar o lugar antes? – Minha mãe perguntou, tão esperançosa quanto eu para que essa brincadeira não saísse da ideia.

Ian fez uma careta, como se ele já estivesse pensado nisso há mais tempo.

Tuomas tomou a frente e perguntou:

— Que horas é a reserva, pai?

— 19:30. Ainda temos tempo.

Ian nem terminou de falar e o restante do pessoal saiu correndo para os elevadores. Meu noivo inclusive. Restando no lobby eu, Ian, minha sogra, minha mãe e Elena, que não poderia participar da brincadeira, olhando aturdidos para as portas que se fechavam.

— O que foi isso? – Dona Amelia perguntou. – Até o Jonathan?

— Bem-vinda ao meu problema nos últimos 45 anos, Amelia. – Respondeu minha mãe. – Eu não vou correr. Arranjem outra pessoa para ir em meu lugar. – Ela já foi avisando.

Minha sogra se desculpou, dizendo que até ia no kartódromo para ver o marido andar em um kart pela primeira vez, contudo que ela não correria.

— Kat, chama a Pietra e a Mel, aí iguala o número de mulheres e homens.

— Você bateu a cabeça, Ian? As duas? Em um kartódromo com... – Deixei o final no ar.

— Anda logo, para que as mulheres depois não fiquem reclamando que não ganharam porque estavam em um número menor.

— Você vai se arrepender dessa ideia. – Avisei e mandei uma mensagem no “Bando de Loucas”

Pietra e Melissa. Preciso das bonitas para uma corrida de Kart. As duas, no lobby, às 19:00.

Não deu nem um minuto.

HAHAHAHAHAHAHAHA!!!! Isso vai ser uma vergonha, mas eu vou sim!— Melissa disse.

Vou mostrar para todos do que meu sangue é feito.— Pietra teve a cara de pau de enviar.

Nem me dignei a responder.

Como minha mãe e sogra tinham prometido ir, Elena seria responsabilidade delas, mas a caçulinha do grupo não estava nada feliz com esse arranjo, pois ela clamava que não só tinha o tamanho necessário para ir, como sabia pilotar um kart muito bem. E, mesmo assim, ela ficou de fora. Para que Lena não ficasse muito chateada, dissemos que ela seria uma das comissárias de pista, garantindo assim que ninguém roubasse ou fizesse uma ultrapassagem ilegal. E foi só com essa promessa que ela se conformou.

 Sem tanta animação, entrei no quarto, só para ver Alex andando de um lado para outro, um tanto animado demais.

— Você vai correr, não vai? – Perguntou sem me olhar.

— Vou.

— Como vocês dividem os times? São duplas? É você contra o resto?

— Mulheres x homens.

E aqui ele parou e me olhou.

— Eu vou contra você?!

— Não seria a primeira vez, não é mesmo?

— Mas você é uma piloto...

Dei um sorrisinho.

— Mas minha mãe está no seu time... isso vai balancear as coisas.

— Dona Amelia não vai correr. Nem ela, nem minha mãe. As substitutas já foram convocadas. – Informei.

Substitutas?

— Sim. – Disse triunfante, mesmo sabendo que Pietra só me faria passar vergonha.

— E quem são? – Ele perguntou desconfiado.

— Mel e Pietra.

— Suas amigas? Mas elas...

— Considere isso o payback pelo mico na praia ao me ensinar a surfar, Alexander.

— Você vai realmente fazer isso comigo?

— Eu já fiz... apesar de que nem passou pela minha cabeça que fôssemos parar em um kartódromo.

Ele ainda me olhava meio torto, deixei ele e seus pensamentos obscuros de lado e fui tomar um banho e me arrumar.

Às 18:45 todos já estavam no saguão. E, se passasse uma ambulância do manicômio do lado de fora, poderia levar todo mundo que não salvava nenhum por ali.

Os times foram definidos, assim como o fato de que ninguém iria exigir que Elena escolhesse um lado, ela era “café-com-leite” e não merecia ficar em dúvida entre o pai e a mãe.

Minha mãe e minha sogra estipularam as regras, algo como: era proibido chutar, arranhar, tentar ganhar vantagem segurando o braço do adversário, bater ou usar o seu kart como arma contra o outro competidor. E uma regra bem específica para os irmãos: Nada de forçar o adversário para a mureta de proteção ou barreira de pneus.

— Respeitem os limites da pista. TODOS VOCÊS! – Dona Diana disse séria, tentando colocar ordem no caos.

— Resumo da ópera, a vovó vai ser a nossa FIA[2]! – Tuomas resumiu.

— Eu sou pior que a FIA, Tuomas.

Ninguém duvidava.

Saímos para o que estava sendo chamado de “O Embate do Século”. E como Ian havia dito, não era longe e mais rápido do que pensei, estávamos estacionando e bastou que todos descessem dos carros para que as provocações entre os irmãos começassem com tudo. Alex e Will iam se bicando. Ian e Kim também. Tuomas e Olivia faltavam pouco começarem a brigar de verdade, pois um começou a atacar o piloto favorito do outro.

— Esqueceram de você! – Pepper disse.

— Ainda bem. Porque no meu caso são dois contra um.

— E não tem onde ela fugir, porque eles não param de falar! – Vic garantiu.

— E é uma pena que ela não pode trazer o taco de hockey... – Pietra comentou.

— Da última vez eles saíram correndo só quando ela fez menção de voltar até o carro para pegar. – Melissa continuou.

— Mas hoje ela não faria isso, tem que manter uma pose de pessoa séria na frente dos sogros. – Até Tanya tinha tirado um momento para me perturbar, incrível!.

— Não sei que pose! – Comentei. – Joguei tudo para o alto com o quinto lugar do Kimi.

E as cinco começaram a rir.

— Meu Deus, eu tinha me esquecido. Você alucinou?

—  Pietra, foi pior do que isso. Porque juntou a Liv e a Lena! – Vic riu.

— E me conta, a cara da Família Pierce!! – Continuou a italiana.

— Não fizeram nada, eles estavam mais agitados do que ela. Nunca vi a família assim, nem em jogo de futebol americano. – Pepper respondeu por mim.

— Sério? O que vocês comeram na hora do almoço? Tem certeza de que não estava batizado?

— Se tinha, Melissa, eu estava tão doida quanto todo mundo. – Respondi para minha amiga.

— Dona Diana também torceu de gritar?

— Sim! – As quatro que estavam na arquibancada confirmaram para o espanto das minhas amigas.

Sua mãe gritou na arquibancada? – Melissa ainda não acreditava.

— Pode apostar que sim.

— Alguém gravou?

— Está na minha câmera. Depois envio para vocês! – Garanti.

Chegamos na pista, e os meninos já estavam reclamando da nossa demora e do excesso de fofoca.

Distribuíram os macacões esterilizados e os capacetes. Cada um pode escolher o seu kart e depois saímos para nos trocar.

O encontro na pista poderia ser filmado de tão engraçado que foi, afinal, tinha gente no outro time – Alex e Kim – que estava levando a brincadeira muito à sério e se achando o verdadeiro piloto.

Novamente as matriarcas tiveram que conter o entusiasmo dos “pilotos”, relembrando as regras e ditando como a disputa pela pole position iria se dar. Uma volta lançada, e a ordem de entrada na pista seria por ordem alfabética e pelo primeiro nome.

E advinha quem se achou o tal?

Ele mesmo, Alexander. Tadinho, não sabia que o primeiro que vai para a pista, acaba limpando a bendita!

O último era Will, o que rendeu outra rodada de provocações entre os irmãos.

Com tudo checado, era hora de sabermos quem seria o mais rápido.

Eu não fazia ideia de como eram as médias de tempos dessa pista, não nos deixaram nem dar uma andadinha no trajeto para saber como eram as curvas, então todos estavam indo às cegas mesmo.

Menos Alex, que depois de assistir a quatro horas de Fórmula 1 ao vivo e in loco, estava se sentindo o próprio piloto campeão do mundo.

— Eu juro, se ele rodar, eu vou rir muito da cara dele. Onde já se viu ser tão prepotente assim? – Will comentava.

— Se ele rodar, Will, todos vamos rir. – Garanti para meu cunhado.

Alexander não rodou, desceu do kart se achando o melhor, mas, sinceramente, achei o tempo meio ruinzinho.

Logo depois dele foi a vez de Ian, ele sim fez uma volta descente e já ultrapassou o tempo meia-boca do meu noivo. Então vieram meu pai e Kim, e este último tomou a liderança. Meu sogro, foi o oposto, e pelo menos agora Alex não largaria em último.

E então, foi a minha vez, abaixei a viseira do capacete e depois de ter prestado bastante atenção nas voltas que antecederam a minha, eu praticamente tinha uma imagem mental da pista, respirei fundo e acelerei o kart, eu tinha uma reputação a manter perante a família e estava determinada em mantê-la.

E no final da volta, vi as reações antes de saber o tempo. É, eu tinha a pole temporária e a minha única real ameaça agora eram Tuomas e Olivia.

Melissa veio logo em seguida e não bateu o meu tempo. Olivia desbancou Kim e saiu comemorando. Pepper consegui a proeza de ficar em último.

— Não me olhe assim, Kat. Isso aqui é a sua praia, considere essa minha volta como os seus tombos da prancha! Cada um no seu quadrado.

— Não falei nada! – Me defendi.

 Pietra não fez jus ao sangue dela... e ficou bem lá trás.

— É para dar chance a todos de ganhar, sou muito magnânima! – Ela disse na maior cara de pau.

— Isso é desculpa de perdedor! – Tuomas gritou.

— Fica quieto, filhote de Lewis Hamilton!

— Se isso é verdade, a pole é minha.

— E ele acaba de perder a pole! – Melissa riu.

Tanya honrou o sobrenome e desbancou o marido, alguém ia acabar dormindo no sofá nessa noite e eu acho que era Ian.

Foi a vez do falador Tuomas. Ele tentou, tentou e empatou com a irmã, mesmíssimo tempo. E a regra é clara, quem consegue o tempo primeiro, larga na frente...

Victoria se meteu entre Tuomas e Kim, largando na frente do marido também.

Só faltava Will agora. E ele fez uma proeza. Uma proeza e tanto.

Ele rodou sozinho, sem ter encostado em nada e ficou em looping por quase trinta segundos.

Resultado: fora as nossas gargalhadas intermináveis, ele largaria atrás da namorada.

— Uhn... interessante isso aqui. – Pietra pegou a tabela de tempos.

— Não vale olhar de ponta cabeça para achar seu nome mais rápido, Louca. – Kim brincou com ela.

— Eu só ia dizer, Joakim, que as esposas/namoradas estão TODAS largando na frente de seus respectivos garotos... e isso tem um grande significado.

— Tem? Qual é? – Quis saber meu irmão gêmeo.

— As mulheres pilotam muito mais do que os homens.

E aqui começaram os protestos e todos os homens negaram o que a tabela de tempos informava.

— Tudo bem, já entendemos! – Dona Amelia teve que intervir. – Será que vocês podem ir para o grid ou sei lá como isso chama!

Nos alinhamos para a largada. Mesmo sob protestos dos últimos colocados. E com meus irmãos, agora unidos contra um inimigo comum – eu -, falando na minha cabeça que a minha liderança não duraria até a primeira curva.

Apagaram a luz vermelha. Apagaram a amarela. A verde ficou acessa pelo que pareceu a eternidade, porém foram só cinco segundos e quando ela se apagou...

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O caos, o desespero, a pior coisa que pode acontecer com um piloto!

— Para com o drama, Pietra! Não é nossa culpa se você voou por cima da barreira de pneus! – Vic xingou.

— Quem está contando como foi a corrida para vocês? Quer pegar o meu lugar de “Melhor Locutora da História Daquele Kartódromo de Quinta Categoria”?

Revirei meus olhos. Definitivamente a corrida tinha sido um marco.

Um marco para provar que nem todo mundo está preparado para andar de kart.

Mas eu vou deixar a Italiana Louca contar a história, com todos os dramas e bordões que ela diz que inventou, – e que nossa checagem automática já nos disse que foi copiado de locutores mundo afora – narrar como foi essa caótica corrida que quase terminou em divórcio, com dois irmãos saindo no braço e por muito pouco Will não teve a cabeça arrancada pelo kart voador de Pietra.

— Posso continuar a narrar a Pior Corrida de Kart da História das Corridas de Karts?

— Vá em frente, Pietra. – Meu pai disse, colocando uma bolsa de gelo no ombro...

— Então, onde foi que eu parei? – Quis saber a Italiana.

— Na largada, nós ainda estamos na largada. – Alex falou.

— Ah, sim, claro, o meu momento épico.

— O seu único momento nessa corrida. – Kim remendou e ela arremessou uma bolsa de gelo na testa dele.

— Então, as três luzes verdes se apagaram e esse bando de desorientado largou. Por uns quatro segundos, eu até pensei que poderíamos nos passar por pilotos profissionais, até que a largada virou uma reprise barata da largada do GP da Bélgica de 2012.

— Com você incorporando o Romain Grosjean... – Olivia comentou.

— Fica quieta, Projeto de Loira, que eu vou continuar.

— Pietra, é para hoje, por favor. – Minha sogra pediu.

— E nesse caos, sobrou para quase todo mundo. Menos para os que largaram nas duas primeiras filas. Teve gente conseguindo engasgar o motor de um kart, teve gente que não saiu do lugar e serviu de rampa de lançamento para bem... – Ela apontou para si. – O resumo dos primeiros trinta segundos de corrida foi: um carro em cima da barreira de pneus (o dela!), outro atravessado na pista sem conseguir fazer o motor pegar (Pepper), um perdeu a roda (Will), uma batida inexplicável entre Ian e Tanya que acabou com o engenheiro de corrida com o dedo da mão quebrado e a coisa mais estranha até aqui: Melissa, como você conseguiu virar uma beyblade humana daquele jeito?

Minha amiga inglesa deu de ombros, na verdade, ninguém tinha conseguido explicar o que foi aquela largada. Nem as imagens do circuito, que agora estavam nos celulares de todos.

— Mas voltando, milagrosamente o Sr. Jonathan conseguiu escapar dos “Ruim de Roda do Fim do Grid” e foi à caça de Alex que não largou muito bem. Lá na frente, Liv e Tuomas, desrespeitaram todas as regras impostas pelas matriarcas e faltavam pouco tirarem um taco de hockey de dentro dos macacões para começarem a atingir um ao outro. Sr. N, Ian e seu dedo quebrado, Tanya e Vic travavam uma batalha épica, recheada de ultrapassagens, xingos, sobrando toque de roda, de carenagem e até mesmo alguns tapas para que quem estava vendo pudesse torcer o bastante.

Enquanto isso, Kat, que é uma amiga desnaturada e uma cunhada muito pior, não ligou nem um pouco para o que aconteceu na largada, ela só queria saber de vencer e fazer a volta mais rápida. Kim, por sua vez, ia mais lento do que um caramujo atrás da irmã e não demorou se viu ensanduichado pelos sobrinhos que brigavam tanto quanto os pais. E essa batalha rendeu a primeira bandeira preta da história daquele kartódromo, que feio! Kim não respeitou as regras impostas ou deu bom exemplo para os sobrinhos que estavam na pista, e muito menos para a caçulinha da família Nieminen que assistia tudo da arquibancada, dando seus gritinhos e pulos cada vez que algo errado acontecia na pista, e depois de empurrar Liv e Tuomas para fora da pista, recebeu o famoso: “Você Está Eliminado!” vindo da Direção de Prova.

No final de cinco das quinze voltas, nós tínhamos, nessa ordem, fora da pista, euzinha, que estava narrando a corrida, Pepper e Will que se encontraram de maneira muito estranha antes mesmo que as luzes se apagassem, a beyblade humana da Melissa e Kim, que tomou o gancho por mal comportamento.

Tudo indicava outra vitória fácil da piloto mais fake da história, até que Sr. N, cansado de ficar no meio da briga do filho mais velho com Tanya, resolveu correr e, voando, passou, de uma única vez, pelo neto e pela única neta autorizada a guiar um kart, indo à caça da filha mais nova. Se essa briga prometia, lá no fim da fila, tínhamos outra briga pai e filho, os Pierces, que pareciam mais perdidos do que daltônicos montando cubo mágico, resolveram que se divertiriam entre eles e, para desespero da Dona Amelia, eles se divertiram por seis longas voltas e, depois, acabaram batendo um no outro e enfiando o carro na barreira de pneus, resumo, não tinha mais nenhum Pierce na pista, e ainda bem que vocês não seguiram a carreira de piloto ou estariam morando debaixo de uma ponte agora. – Disse a Italiana soando mais dramático do que o normal. Ela parou, tomou fôlego e continuou:

— Victoria corria sozinha, era a última e não atrapalhava ninguém... até que Kat veio voando para dar uma volta nela e o que a inglesinha aprontou?  Fechou a cunhada, para a alegria de quem estava vendo a corrida e viu o desespero de Kat, gesticulando sem parar para que ela saísse da frente. E eu juro, escutei gritos de "BANDEIRA AZUL", por quase duas voltas, não foi Sebastian Vettel? – Olhou para mim.

— A regra é clara! Vai tomar volta, encosta e deixa a líder voar! – Defendi a minha atitude.

— Vic não arredou o kart e Sr. N encostou para ultrapassar a filha. Vic ia pilotando a carrocinha dela, nem aí para a briga do século que estava prestes a estourar bem às suas costas e continuou como uma velhinha dirigindo o seu Fusca em um domingo de manhã indo para missa, ligando para nada, até que tomou um passão duplo. Kat por fora, Sr. N por dentro. A Inglesinha ficou tão desorientada que pisou no freio, que não funcionou e ela foi parar aonde? Na irresistível barreira de pneus, fazer companhia para o maridão que estava secando a corrida da irmã gêmea.

Com seis pessoas na pista, as brigas estavam localizadas entre Tuomas e Liv, que estavam mais para gladiadores do que pilotos de kart, Ian e Tanya, que eu jurava que sairiam direto da pista, ainda usando o macacão, a balaclava e a sapatilha, pilotando o kart, para irem assinar o divórcio no cartório mais próximo, e Kat e Sr. N, que eram os únicos que mantinham uma briga limpa, sem problemas, tudo como mandavam as regras.

Tanya passou Ian, mesmo que sob protestos deste que jura que a esposa agarrou o braço dele, Liv em uma manobra digna de Kimi Räikkönen em cima de Michael Schumacher no GP do Brasil de 2012, deu um passão por fora no irmão e assumiu o terceiro lugar, deixando o irmão para ser engolido por uma Tanya que vinha possessa.

E tivemos, nas últimas três voltas, a briga de pai e filha. Os dois trocaram de posições a cada curva e eu até achei que daria um empate, até que... hoje sim, hoje não, hoje sim, hoje não, hoje sim... hoje sim... Katerina ganhou a corrida por meio carro!! Muito coisa de Relâmpago McQueen mesmo!

— Mas eu ganhei! – Disse feliz. – Não é minha culpa se eu tracionei melhor na saída da curva.

— Você é uma tremenda de uma estraga prazeres, isso sim. – Kim reclamou, tirando o gelo da testa.

— Eu?! Você me chuta, tenta me tirar da pista, faz a mesma coisa com seus sobrinhos e eu sou culpada?

— Eu fui desclassificado! – Chiou Kim.

— As regras eram bem claras! – Minha mãe avisou.

— Tuomas e Liv não seguiram regra nenhuma!

— Quantos anos você tem, Joakim? Além do mais, olhe para seus sobrinhos.

Todos olhamos para Liv e Tuomas. Os dois estavam com os braços e as pernas roxas de tanto que se bateram durante a corrida, e teriam continuado depois, se meu pai não tivesse se imposto e mandado os dois se comportarem.

Ian e Tanya, agora bem mais calma, só olharam para os filhos mais velhos.

— Vocês são péssimos competidores. – Disse Tanya.

Todo mundo a encarou um tanto espantado e depois olhou para a mão imobilizada de Ian.

— Ainda bem que o Ian se casou com uma médica! – Kim brincou. – Imagina se fosse uma lutadora de MMA.

Elena, que ainda estava muito calada, só completou:

— Agora o papai tá igualzinho a mim. – E levantou a mãozinha que estava na tala. Ainda bem que ela não tinha entendido que foi sua própria mãe quem quebrou o dedo do pai dela.

— E, só para perguntar mesmo... quando vai ser a próxima? – Will fez piada. – Só para que eu já arrume a minha armadura e toda a parafernália para não morrer sem cabeça.

— Nossa próxima ida ao kartódromo vai ser todo mundo em cima de cavalos, com lanças e maças, prontos para entrarmos em uma batalha medieval. – Vic completou.

E pelo estado das pessoas que estavam nessa sala, essa era a verdade, estava difícil de ver alguém que não tinha um saquinho de gelo pressionado em alguma lesão... éramos muito melhores torcendo e arrumando os carros, ou atuando, do que correndo, disso tínhamos certeza, ainda mais depois de rever a corrida.

— Um último pedido. – Melissa disse ao se levantar da cadeira. – O que aconteceu nesse kartódromo, fica nesse kartódromo, tudo bem?

Todo mundo repassou a corrida de 15 voltas, e, tendo em vista as vergonhas e humilhações que contar o que essa corrida foi, iriam causar, todos concordamos. Afinal, deixa a vergonha em família mesmo. Que mal faz?

 

[1] Obrigada, tia.

[2] FIA – Federação Internacional De Automobilismo


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Notas finais do capítulo

E é isso! Espero que tenham gostado dessa maluquice!
Muito obrigada a você que leu!
Domigo tem mais um capítulo!
Até lá!
xoxo



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