Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 112
Presentes


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo fresquinho saindo!
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799284/chapter/112

A manhã de segunda-feira foi caótica, na melhor das definições, com toda a minha família se arrumando para voltar para a Europa, Elena correndo atrás dos cachorros, Tuomas mal-humorado porque mal dormiu e já teve que se levantar e Liv, que só para variar, estava com fome.

Com uma fome bem específica.

— Mas, tiaaaaa, custa muito a gente ir no restaurante da Dottie só para se despedir das panquecas?

— Custa, Liv. Hoje não vai dar. Ou vai ser o café da manhã preparado por nós ou nada. – Tanya cortou a falação de Liv.

— Ela faz entrega? – Voltou a conversar comigo.

— Não sei, Olivia. Nunca pedi.

E a Loira Aguada da minha sobrinha deu um pulo do banquinho e saiu correndo pela casa, gritando o tio, perguntando em plenos pulmões se a Dottie fazia entregas.

— Por favor, que ele fale que não. – Minha mãe pediu ao meu lado.

— Está mais fácil prender ele no porta-malas junto com os cachorros do que ouvi-lo mentir para Liv. – Comentei.

Minha sobrinha do meio ainda gritava por Alex, correndo pela casa como se tudo estivesse pegando fogo, até que na porta para o quintal dos fundos, trombou com ele.

— Tio! Por favor, é questão de vida ou morte. – Ela começou toda esbaforida. – A Dottie faz entrega?

Alex, ainda meio assustado com a gritaria, teve que parar para pensar.

— Não, Liv, ela não faz. – Ele respondeu e do meu lado, minha mãe e Tanya deram glórias. – Mas se você quiser, podemos ir lá buscar. É só mandar uma mensagem para ela, que quando chegarmos lá, tudo estará pronto. – O alívio das mulheres ao meu lado saiu correndo pela janela.

— SIM!! MIL VEZES SIM!!! – Olivia pulava e gritava! – É por isso que te escolhi para ser o meu tio preferido.  

Rolei os olhos... essa era velha.

— Isso é mentira, Alex. A taurina aí só quer comer... e como você deu a ideia que ela precisava, resolveu te agradar. – Falei sem dó nem piedade.

— Também não é assim, tia. Não estou morta a fome.

Todos encaramos a garota, que começou a ficar vermelha.

— Talvez eu só esteja com fome. – Ela tentou ajeitar a frase, que ainda era uma mentira e diante do nosso olhar insistente, se corrigiu completamente. – Tá bom, eu estou com muita fome. Mas será que podemos ir logo? Por favor, eu tenho que alimentar essa coisa que está roncando aqui!

Todos se olharam querendo saber quem ia... Além da esfomeada. Sobrou pra quem?

— Nem acredito nisso! Vai me atrasar toda. – Falava raivosa, enquanto ia para o carro, Olivia ia até pulando do meu lado e Alex tentava esconder a risada. Quase na garagem, Elena trombou em nós, e depois saiu nos seguindo, falando pelos cotovelos que não sabia onde iríamos, mas queria ir também.

E tudo isso, toda essa bagunça, antes das sete da manhã. Sortudo era o Tuomas que tinha se jogado em uma das redes e estava dormindo novamente.

— Manda uma mensagem para Dottie e diz que estamos indo pegar as panquecas.

— Eu não tenho.... – Estava falando quando ele me entregou o celular. – Claro, você tem o número dela. Olha o sorriso! – Falei ao levantar o aparelho para que pudesse desbloquear a tela.

Eu nunca mexia no celular de Alex, essa era a segunda vez, e mesmo assim, não me sentia nada confortável ao ver o meu rosto estampando a tela de bloqueio e principal. Duas fotos diferentes, e uma eu nem sabia que ele tinha tirado...

Fiz o pedido rapidamente enquanto ele ia dirigindo como um louco no trânsito da manhã, desviando de ônibus escolares amarelos, mães levando os filhos e de indefesas senhorinhas e seus yorkshires que atravessavam a rua sem olhar e fora da faixa.

Dottie me respondeu em questão de segundos, pedindo quinze minutos para que tudo ficasse pronto.

— Pode tirar o pé do acelerador. Fica pronto em quinze minutos.

— Se chegarmos lá mais cedo, podemos dar uma voltinha na orla enquanto esperamos... – Ele falou e pelo retrovisor piscou para Elena.

— É no calçadão, Elena, não na praia. – Expliquei para minha sobrinha.

— Tia... eu vou ver o mar de pertinho!! Isso que importa!

— Tem certeza de que ela é realmente a sua sobrinha, Katerina? – Alex perguntou debochando de mim. Liv, que estava contando os minutos para comer, deu uma risada, já a baixinha não entendeu a conotação da pergunta e ficou brava, dizendo que ela era sim, a minha sobrinha.

Chegamos no estacionamento de Venice Beach, e era até engraçado como sempre parávamos aqui. Olhei o relógio no pulso de Alex e concluí que ainda tínhamos uns minutinhos, assim, ele logo saiu me rebocando para andar pela orla, colocando Elena nos ombros, para que ela não saísse correndo em disparada na direção do mar. Ao meu lado, Liv olhava para a paisagem e para o relógio.

— Inventou a moda, agora tem que esperar o tempo passar. – Disse.

— Eu sei... mas eu não podia ir embora de Los Angeles sem comer as panquecas de novo. – Respondeu e depois enlaçou o braço no meu, dando um bocejo.

— Não dormiu bem?

— Pior que dormi, tia... acho que foi o cansaço do final de semana... não parei nem um minuto.

— Você dorme no voo.

— Se a Elena e o Tuomas deixarem, né? Mas, mudando de assunto, qual será o próximo evento que vamos todos juntos?

— Não sei. Agora eu realmente tenho que colocar a minha vida no escritório em dia. Creio que nem tão cedo.

— Mas a senhora ainda vai todos os meses em Londres, não?

— Sim. Na última sexta de cada mês estarei lá.

— Menos mal... vai ter que viajar para vistoriar algum porto? Será que podemos...

— Sim eu tenho que vistoriar os portos da Costa Oeste. Não, vocês não poderão ir. Quero fazer isso de forma rápida e precisa, sem distrações, para poder voltar logo... não se esqueça de que Vic está grávida!

— Não me esqueci da Tia Vic... só achei que ainda tínhamos tempo antes do bebê nascer...

— Ainda tem tempo, Olivia, só que tem muita coisa que precisa ser organizada antes que o bebê nasça... assim, não posso me dar o luxo de ficar viajando com o restante da família, enquanto Vic fica grudada aqui, sem poder viajar.

— Ah... então deixa para depois do aniversário de um ano...

— É o mais seguro de se planejar.

Alex ia mostrando a rebentação para Elena, mas ao mesmo tempo ia prestando atenção na minha conversa e, quando mencionei que teria que viajar, ele só me olhou de lado e levantou a sobrancelha. Vinha interrogatório por aí.

O tempo que Dottie nos deu se esgotou, estávamos a meio caminho do posto 10, que era até onde eu costumava correr. Voltamos devagar, minhas sobrinhas se despedindo da praia.

Entramos no restaurante, e ela logo veio nos receber, com vários embrulhos nas mãos.

— Então, as duas loirinhas já estão voltando para a Europa?

— Sim. – Liv respondeu.

— Fiz uma coisa especial para a viagem. – Disse Dottie piscando, até ela tinha adotado para minha família!

— Muito obrigada! – Liv agradeceu.

— Depois me manda um direct para dizer se gostou. E nesses aqui está o café da manhã de vocês. Cada um como respectivo nome!

Dottie não existia! Olha o que ela tinha feito.

A mãezona emprestada de todos se despediu de minhas sobrinhas com abraços bem calorosos, que Elena chamou de abraços quentinhos, e só pediu que todos voltassem novamente e, dessa vez, para ficar mais tempo.

Pagamos a conta e fomos para casa. Era hora do café da manhã e depois de levar todos no aeroporto.

Em casa, meus avós, pais, cunhada e irmão já tinham organizado tudo e assim que cruzamos a porta, vimos as malas já enfileiradas no corredor.

— Espero que você tenha agradecido ao seu tio por te levar para comprar as panquecas. – Ian falou com Olivia. – Creio que você já está um tanto grande demais para ficar pedindo as coisas como foi hoje.

Liv ficou vermelhinha... achei o sermão um tanto desnecessário, contudo, jamais tiraria a autoridade de Ian na frente dos próprios filhos.

Comemos quase em total tranquilidade, e, cedo demais, partimos para o aeroporto.

Fomos até devagar, dada a forma como Alex dirigia, e ainda chegamos com folga.

Ajudei com as malas e com a burocracia da alfândega, tudo para não ter que começar a me despedir de minha família e, com isso, pude adiar o choro que eu sabia que viria.

Mas não teve jeito... com o jato vistoriado, tudo certo na alfândega e com os passaportes, conseguiram liberar o voo para mais cedo. O que era ótimo para todos, tendo em vista que amanhã eles já teriam que voltar à rotina.

Assim, vieram as despedidas. As lágrimas. Os abraços apertados. Os pedidos para ficar ou para irmos, tanto fazia.

Agradeci a todos por terem vindo, por terem viajado meio mundo para ficarem comigo por quatro dias. A Ian foi um agradecimento especial, afinal, ele deixou que os filhos faltassem à escola para virem.

— De vez em quando não faz mal. Eles até merecem. – Olhou orgulhoso para os filhos.

— Então, deixe-os virem para as férias de verão... – Joguei verde. – Os três.

— Eles não vão abrir mão de irem na Fórmula 1. - Disse com muita certeza.

— Perguntar não ofende ninguém. – Dei a dica e depois abracei meu irmão mais velho. – Mais uma vez, obrigada por terem vindo.

— Deveríamos fazer mais isso. Às vezes é bom ter uma babá 24 horas para tomar conta de meus filhos. – Brincou com a minha cara.

— Só cumprindo o meu papel de tia...

— Sei que está, Kat! – Ele riu e me abraçou novamente. – Cuide-se. Nos vemos no final do mês. – Despediu-se e pegou Elena no colo de minha avó, já que ela chorava horrores.

Um por um foi dizendo adeus e subindo no avião. Liv ficou por último.

— Obrigada, tia! Por tudo o que a senhora fez! Deveria te agradecer mais vezes! E isso aqui. – Ela me entregou uma fotografia. – Eu vi na exposição da I Guerra Mundial que fomos na semana passada. Achei esse casal muito parecido com a senhora e o tio... não sei... parecem até que são as vidas passadas de vocês, e, por isso, resolvi te trazer... quem sabe isso não libera memórias de uma vida passada, hein? – Tentou brincar, mas seus olhinhos estavam sérios, olhando da foto, para mim.

— Viu isso em uma exposição?

— Sim... estava com a minha câmera... e consegui convencer um dos funcionários a tirar a foto de trás do vidro... bem, ele me explicou que pelos relatos históricos da época, essa foto foi tirada quando o soldado inglês, soldado não, Capitão, pediu a namorada francesa em casamento. Isso foi na região de Somme, na França, uma das mais devastadas durante o conflito. Cheguei a perguntar se ele sabia o que aconteceu com o casal... e ele me mostrou um diário, do Capitão, onde ele conta como conheceu a enfermeira e depois como ela morreu... eles não se casaram no fim... mas o Capitão, depois que a guerra acabou, estudou medicina e se dedicou a salvar vidas nas regiões de conflito, sendo que foi médico do Exército Britânico na II Guerra. A história dele termina em 1943, quando ele foi morto por conta de um bombardeio no hospital onde ele estava, coincidentemente ou não, na mesma cidade que a noiva dele, e, em um dos bolsos dele, tinha essa foto, que foi restaurada e da namorada dele, que não conseguiram restaurar.

Encarava a foto e tentava assimilar a triste história que ela havia me contado.

— Triste o destino dos dois, não?

— Sim... muito triste. – Confirmei, conseguindo olhá-la pela primeira vez.

— Bem, tia, eu só queria te mostrar a semelhança entre a senhora e o tio e esse casal fadado a ser Romeu e Julieta. Se a senhora quiser, eu tento conseguir cópias do diário dele.

Eu ia falar algo, mas Ian chamou pela filha e ela, desesperada como sempre, só deu um pulo e depois um abraço de urso!

— Tchau, tia! Até no final do mês! Muito obrigada de novo.

Abracei de volta a minha sobrinha mais velha e depois que ela desfez o abraço, ainda teve tempo de abraçar Alex e agradecer, para, então, subir correndo a escada do jato.

Acenamos adeus para eles e a porta foi fechada. Tivemos que sair do hangar e fomos ver o avião taxiar e decolar da sala de desembarque.

Alex e eu agora tínhamos uma tarefa para cumprir, levar três carros sendo que só éramos dois.

— Duas viagens... – Murmurei. – Levamos o BMW e o Jipão... depois você me traz aqui e eu pego meu Porsche e daqui vou para o escritório.

Ele concordou com a minha ideia e rapidamente conseguimos chegar em casa, deixar um carro para depois voltarmos para pegar o último, Alex, aproveitando que estávamos finalmente sozinhos, começou com um interrogatório daqueles, porém, na hora que iria perguntar sobre a foto, o telefone dele tocou, e como era o produtor executivo do filme, ele não poderia ignorar a chamada, que durou por todo o caminho.

Quando desci do carro, depois de lhe dar um beijo, ele ainda conversava com o produtor e a única certeza que tinha, era a de que as gravações foram antecipadas, e a mini férias de Alex que duraria uma semana, terminava hoje, pois amanhã ele iria para o Novo México.

— Até daqui a pouco! Te amo, Rainha do Gelo! – Ele murmurou depois de colocar o celular no mudo.

— Te amo mais, Surfista. Até de noite!

—----------------------------------

Meu dia no escritório se resumiu em marcar a viagem para o Chile e os portos da Costa Oeste da América e resolver os problemas da quinta e da sexta que foram lindamente negligenciados por mim.

Porém, sempre que eu tinha um tempo para respirar, minha mente vagava para a foto que Liv tinha me dado. E, assim, eu acabava por tirá-la de dentro da gaveta e olhar para o casal que se beijava na frente de uma fonte parcialmente destruída.

Se essa foto fosse uma pintura, eu poderia nomeá-la como “Amor em tempos de guerra”, fazendo grande alusão a Gabriel Garcia Marquez e seu livro “Amor em Tempos de Cólera”. Contudo, não era... era de verdade. E, internamente, eu também sabia que tudo isso tinha acontecido, pois eu vi... ou melhor, vivi.

Afinal, no exato instante que Liv me mostrou a foto, minha memória foi desbloqueada e eu revivi mais uma vida... mas um final infeliz da Katerina e do Alexander no passado.

Eu só não esperava que tivesse algum registro de nós dois há mais de 100 anos.

— Isso só pode se loucura! – Repetia sem parar, contudo, a prova estava ali. Bem na minha frente.

Joguei a foto na gaveta novamente e resolvi me dedicar plenamente ao trabalho. O que fiz com maestria até as 17:00 horas.

Poderia ter ficado até mais tarde, mas Alex estava de partida novamente e eu queria aproveitar a companhia dele um pouco, ainda mais nessa noite em que não teríamos visitas.

Saí junto com todos os funcionários e, mesmo que tenha pegado trânsito, ainda, cheguei em casa antes da 18:00.

Desci do carro, peguei minhas bolsas e fui andando rápido para a porta principal, não podia perder tempo algum. Meus cachorros me encontraram no meio do caminho e, agora que não tinham mais Elena ou Olivia para agradarem, resolveram lembrar de mim.

— Interesseiros. – Falei na direção dos três. 

Subi os degraus da entrada e notei que, estranhamente, a porta estava fechada só no trinco, então bastou que eu encostasse o ombro e ela se abriu.

— Hei! Alex! – Gritei da porta, anunciando a minha chegada.

Ele não me respondeu. Deveria ou estar estudando o script do filme, ou na academia.

Tirei os sapatos, fui até meu escritório para deixar as bolsas e quando abri a porta, eis que vi, em cima da mesa, um pequeno embrulho.

— Mas... – Curiosa, logo que tive as mãos livres, peguei a caixinha. – Isso é para mim? – Perguntei alto.

— Claro que é! – A voz de meu noivo soou bem perto de meu ouvido e eu dei um pulo. Só não caí no chão, ou deixei que o embrulho caísse, porque ele me segurou, envolvendo a minha cintura e ainda conseguiu pegar a caixinha antes mesmo que ela chegasse na altura da mesa. – E boa noite para você! – Me deu um beijo na bochecha. – Chegou cedo.

— Boa noite. – Falei assim que retomei o fôlego. – E vim mais cedo para poder aproveitar a sua companhia.

— Isso é muito bom. – Alex comentou enlaçando a minha cintura agora com os dois braços, já que tinha me entregado a caixinha. – Pois vamos jantar fora hoje.

Não gostei tanto assim da ideia, queria poder ficar ao lado dele sem ter uma multidão por perto, contudo, não era esse o seu pensamento.

— Não vai abrir?

— Ainda estou curiosa com o motivo de você estar me dando presente.

— Presentes. – Ele me corrigiu.

— No plural?

— Sim... Esse é só o começo. Vamos, abra.

— Qual o motivo? – Tornei a perguntar, tirando a fita que envolvia a caixinha de joia.

— Fico assustado que você ainda não saiba.

— Não, não sei... nada vem à minha mente... poderia fazer o favor de me esclarecer...

Alex riu na minha orelha.

— Não, vou te deixar curiosa... quem sabe assim, você descobre. – E depois, apoiou o queixo no meu ombro, olhando para o embrulho em minhas mãos e para meu rosto, como se quisesse gravar a minha reação.

Tirei a fita e abri a caixinha de veludo branco. E lá dentro tinha um belo par de brincos, que combinavam perfeitamente com o meu anel de noivado.

— São... lindos. Alex, obrigada! – Virei-me na sua direção e dei-lhe um beijo. – Agora será que pode me explicar o motivo de me dar um presente como esse?

— Poderia dizer que você merece...

— Mas tem outro motivo...

Outra vez o sorriso.

— Eu não gosto de charadas assim. – Murmurei enquanto ele me guiava para fora do escritório e em direção à escada que levava ao segundo andar.

— Você vai gostar. Prometo. – Foi a resposta que ele me deu.

— Seria bom, ao menos, uma dica para onde vamos!

— Um restaurante. Temos que comemorar.

— O que?! – Tornei a perguntar, dessa vez quase desesperada.

— Mais cedo ou mais tarde, você vai descobrir. – Ele me garantiu. – E, para te ajudar, escolha uma roupa tipo o vestido que você usou no aniversário da minha mãe...

Estava quase explodindo de nervoso com tanto mistério, e, enquanto ele foi tomar banho, eu fui separar uma roupa que fosse elegante o suficiente para o restaurante que eu não sabia qual era, para que pudéssemos comemorar não sei o que.

Eu disse, detesto charadas e essa vai me consumir aos poucos!

—------------------------------------

Alex esperou pacientemente até que eu me arrumasse e depois fez questão de pegar a minha mão até que entrássemos na garagem.

— E então, já descobriu o motivo da nossa comemoração? – Ele me perguntou assim que entrou no carro, depois de ter fechado a porta para mim.

— Não. – Falei um tanto frustrada.

Alex simplesmente tirou o carro da garagem e depois pegou a minha mão esquerda, apoiando nossas mãos no câmbio do carro, enquanto dirigia com uma única mão.

— Assim temos um problema. – Disse brincalhão. – Mas creio que vou gostar de ver a sua reação quando finalmente fizer a associação.

— Alex, sinceramente, eu não gosto de charadas, e não estou conseguindo ligar nenhuma das poucas informações que você está me dando a algo útil.

Ele, bem-humorado devido a meu lapso com o tema de nossa conversa só sabia sorrir.

— Não está me ajudando. – Murmurei e resolvi prestar atenção nas ruas. A única coisa que notei de diferente, foi que todos os restaurantes estavam lotados.

Estávamos indo mais ou menos para o centro de Los Angeles, quase o caminho que eu fazia todos os dias. Achei isso ainda mais estranho e decidi por perguntar:

— Tem algum restaurante excepcional, pouco conhecido, perto de onde eu trabalho e você nunca me disse?

— Não. Esse é outro nível.

— O nível que você só vai em ocasiões especiais?

Ele, soltando a minha mão, balançou a dele, como que me dizendo que era mais ou menos verdade. Creio que poderia tirar mais informações agora.

— Tem que fazer reserva?

— Sempre é bom, mas hoje é essencial.

— Tem muito tempo que você reservou? – Tentei a sorte.

— Desde novembro.

— NOVEMBRO?! Que restaurante é esse?

— Não é só pelo restaurante. É a data... – E aqui ele parou e olhou para mim.

— A data? – Eu sei, deveria estar parecendo uma tapada, uma lerda, mas eu simplesmente não conseguia ligar a data a nada. Eu tinha escrito a data de hoje em inúmeros relatórios, e-mails, contratos, memorandos, avisos... e nada veio à minha mente. - Hoje é 14 de fevereiro de 2022 e só. – Comentei mais alto.

— Sim. 14/02/2022. – Ele confirmou sorrindo.

Resolvi deixar de lado esse assunto e coloquei na minha cabeça que iria aproveitar a noite e meu noivo.

Alex manobrava o carro nas ruas lotadas e logo entrou em um estacionamento coberto. Desceu, deu a volta no carro, abriu a porta para que saísse, me guiando com a mão em minha lombar até os elevadores.

Pela hora, achei o estacionamento lotado demais, assim como o elevador que nos levou até o lobby, onde Alex fez o nosso check in no restaurante que eu ainda não via onde era.

Deram-nos as boas-vindas e uma informação curiosa.

— Pegue o primeiro elevador até o 54º andar, desçam e peguem o outro elevador até o 71º.

Como havia outros casais ao nosso lado, me resignei a conter a minha surpresa somente para mim. Mas um restaurante no 71º andar de um prédio em Los Angeles é algo incrível.

Fizemos o longo caminho no elevador, os demais casais conversando em clima de romance, o que começou a me irritar por dentro.

No 71º descemos, o nome do restaurante se mostrou “71Above[1]” e eu não estava preparada para a vista que tive assim que pisamos no lounge.

Los Angeles se espalhava, completamente iluminada, aos nossos pés.

Fomos conduzidos ao bar, onde ficamos por menos de 15 minutos, e eu até me permiti tomar um drink sem álcool, só para apreciar a vista.

— Seu silêncio não está ajudando muito... – Alex comentou do meu lado.

— Estou embasbacada com a vista. E esta é a segunda vez que você consegue tirar uma reação dessas de mim. É simplesmente maravilhosa. – Apontei para a cidade.

— Fico feliz que tenha gostado dessa, assim acho que vai gostar da que teremos lá dentro.

Ia virar a minha cabeça para trás, como uma criança curiosa para ver se a vista seria ainda mais bela do que daqui, contudo, a hostess nos chamou e nos levou para nossa mesa.

O espaço era lindo e, não sei se por exigência de Alex, ou por sorte, conseguimos uma mesa com vista para a cidade, apesar de que o andar tinha uma visão 360º.

Agradecemos, sentamos e logo a garçonete que nos atenderia veio com o menu, sendo super atenciosa, nos dando dicas dos pratos e os devidos acompanhamentos. Com as nossas escolhas feitas, logo o sommelier nos apresentou a carta de vinhos, nos indicando as melhores combinações com os pratos que havíamos pedido. Por fim, antes de deixar a nossa mesa, falou:

— Tenham um ótimo jantar de Dia dos Namorados.

 Polidamente abri um sorriso, para agradecer a atenção, mas por dentro eu estava mortificada.

Eu havia simplesmente esquecido que hoje era o Dia dos Namorados! Havia escrito a data praticamente da hora em que cheguei no escritório até a hora em fui embora e não me atinei para o seu significado.

Hoje, 14 de fevereiro, comemora-se o Dia de São Valentim e, em grande parte do mundo, também o Dia dos Namorados.

E este era o primeiro Dia dos Namorados que eu comemorava ao lado de Alex.

O atencioso sommelier pediu licença e nos deixou à sós, e foi então que eu olhei para Alex.

Ele sorria de orelha a orelha, se divertindo às minhas custas, ou melhor, com a minha falta de atenção.

— Você realmente não se lembrou desse dia ou está fazendo isso de charme? – Questionou.

— Eu não me lembrei. – Murmurei toda sem graça.

Agora, como eu pude me esquecer desse dia eu não sabia explicar! E olha que Milena e até mesmo Amanda haviam comentado sobre terem que comprar presentes para seus namorados.

Eu até tinha aproveitado o lembrete das duas e saído para comprar o de Alex... Só tinha me esquecido de entregá-lo. Porque a avoada aqui não se lembrou que justo hoje, era o dia para fazer esse tipo de surpresa!

— Desculpe-me. – Continuei sem graça. – Eu sei que deveria...

E aqui Alex me calou, quando pegou a minha mão e começou a dizer:

— Você não deveria nada. Cedo ou tarde, ou você descobriria, ou contariam. Não nego, foi divertido te ver toda curiosa e até frustrada consigo mesma por não saber do que eu falava. Mas ver a sua cara de espanto quando o sommelier nos desejou um Feliz Dia dos Namorados, não teve preço.

Eu podia sentir meu rosto queimando de vergonha.

— Agora eu sei o motivo dos presentes. E saiba que, mesmo que não fosse um dia especial, eu adorei os dois. E não pense você que me esqueci completamente da data... seu presente está comprado, e bem escondido lá em casa.

Alex se recostou na cadeira, agora seus olhos brilhavam, me avisando que ele viria com uma resposta e tanto:

— E a senhorita, para que eu pague por ter te deixado no escuro, vai me fazer procurá-lo?

Encarei séria os olhos dele e, por fim, respondi:

— Não. Até poderia, mas não irei fazer isso. Não é dia para joguinho assim. – Ia continuar, mas o sommelier veio trazer o nosso vinho e a água. Esperamos pacientes que ele terminasse de explicar sobre o vinho que tinha em mãos, desde a fabricação até o envasamento da bebida, e, depois de nos servir a primeira taça, nos deixou novamente.

— Se não vai fazer isso, vai... - Alex continuou a conversa.

— Entregar o presente. – Cortei a brincadeira de meu noivo. – Mas não pense você que isso vai ficar barato, porque não vai.

— Você já me ameaçou de tantas coisas, Kat, que eu duvido que um dia irá pagá-las.

— Aguarde e verá. – Disse fatalista.

Alex deu de ombros e logo chegou mais perto da mesa, trazendo o assunto principal à tona:

— Então, a Senhorita Esquecida do Dia dos Namorados, comprou o que mesmo de presente?

Eu, que estava levando a taça de vinho à boca, parei o ato no meio e olhei para ele.

— Mas é uma cara de pau sem tamanho! – Comentei.

— Tentando descobrir o que vou ganhar. - Foi a réplica dele.

— Vai ficar curioso até que cheguemos em casa.

— Uma dica. – Pediu.

— Engraçado como o mundo dá voltas, não? – Comecei a filosofar. – Há menos de uma hora atrás era eu quem fazia esse questionamento e você, o dono da verdade, me deixou no escuro... agora veja como os papéis se inverteram.

— Acho que dessa vez você pagou na hora, hein? – Ele riu.

— A sua curiosidade foi minha maior aliada.

— Você é ainda mais curiosa do que eu. – Alex jogou essa na mesa.

— Nunca neguei que estava realmente curiosa para saber o que tanto você escondia... e, por mais que eu não goste de surpresas, essa aqui foi muito boa. Contudo, você abusou do seu direito de me deixar curiosa, agora, só me resta tentar fazer o mesmo.

— Como você gosta muito de doces, acho que podemos pular o jantar, ir direto para a sobremesa e, depois, para casa.

— Nem pensar! Não almocei hoje e trabalhei por três dias. Preciso e quero esse jantar! – Clamei.

— E que novidade, ela está com fome! – Alex debochou.

— Sempre. Assim como você. Temos isso em comum, Surfista.

— Não estou com fome. – Ele negou de primeira.

— Mentiroso. – Cantarolei. – Você está mentindo...

— Não pode saber disso!

— Lembra no nosso primeiro encontro, no restaurante italiano, que eu te disse que sabia ler muito bem as pessoas... e que eu ainda não era fluente em você?

— Mas é claro!

— Uma atualização dessa conversa. Agora, sou fluente em você! Sei quando está mentindo, falando a verdade, quando está com fome ou precisando de um tempo à sós. E, agora, você mentiu.

— Ainda insisto que não tem como você saber.

— Para começar da parte mais fácil, você está sempre com fome. Simplesmente nunca recusa uma boa refeição. E, quando está com fome, fica um tanto falante demais e gosta de me provocar com coisas bobas. Como agora, insistindo na história de que não está com fome.

— E?

— E tem uma característica bem pessoal em você que me diz que está mentindo. Assim como quando você vai aprontar algo comigo, quando você mente, você tem um tique. Um sinal. É fácil de perceber.

— Que tique?

— Não adianta tentar me interrogar agora, você não vai arrancar essa informação de mim. E, caso você viesse a saber, pararia, ou, no mínimo, monitoraria seu comportamento. Aí não teria graça.

— Eu vou achar um tique em você! – Ele prometeu.

— Fique à vontade. Sei que devo ter, mas não faço ideia do que é!

 - E não vou te contar.

Foi a minha vez de abrir um sorriso e Alex, já me conhecendo, até se afastou da mesa, mas eu o chamei de volta.

— Agora quer ficar sabendo de um outro segredinho que eu já sei sobre você?

E meu noivo ficou um tanto desconfiado com a minha fala, contudo, a curiosidade o venceu e balançando a cabeça, me pediu para continuar.

— Você tem a língua solta. Mais cedo ou mais tarde, você vai me contar o que é...

Claro que ninguém gosta de umas verdades assim, mas foi ótimo ver a expressão de Alex ao escutar que ele era um fofoqueiro.

— Você veio preparada para tudo hoje, hein? – Ele brincou a pegar a minha mão.

— Muito pelo contrário. Não vim preparada para nada, nem sabia para onde vinha ou o motivo da comemoração. Você que vem me dando dicas demais. Assim, só junto as peças.

— Vou fingir que acredito nisso.

Dei um mínimo sorriso.

— Acredite em mim... isso é verdade.

Com pouco nosso jantar chegou e nossa atenção se voltou a eles. O primeiro prato era a entrada e estava maravilhoso, ainda mais com o vinho que veio combinando.

Uma hora depois, saí do 71Above, ainda mais extasiada do que entrei. O lugar era perfeito, com certeza, um que entrou na minha lista de favoritos. Todavia, a parte mais importante fora que, depois de anos tendo um namorado e sem comemorar a data, finalmente descobri o significado de se ter um dia para os namorados.

Não é pelos presentes. Não é pelo jantar em um local especial. Era simplesmente para nos mostrar que o mais importante é ter a companhia daquela pessoa que nos é tão especial. Tão amada.

Assim, sai do restaurante, ainda mais apaixonada pelo amor da minha vida.

Estávamos no corredor, esperando que o elevador chegasse, Alex me abraçava por trás e eu apoiava minha cabeça em seu ombro. Íamos contando os andares, apostando quantos casais sairiam da caixinha de metal, no mesmo clima de romance que os casais que subiram conosco até o último andar, estavam.

O elevador chegou, Alex não desfez o abraço nem enquanto descíamos, nem quando já estávamos no estacionamento.

E, pela primeira vez desde que nos conhecemos, ficamos em silêncio por um longo tempo, somente aproveitando a companhia do outro. Peguei a mão direita dele que estava apoiada no câmbio e segurei com a minha mão direita, enquanto, depois de me virar de lado, acariciava seu rosto com a mão livre.

Chegamos em casa, prontos para aproveitarmos o restante da noite. Minha intenção era buscar logo o presente dele, porém, Alex me impediu.

— Amanhã você me entrega.

— Amanhã não será mais Dia dos Namorados. – Argumentei.

— E desde quando você precisa de uma data especial para me presentear com algo? – Ele perguntou e me roubou um beijo.

E essa era a mais pura das verdades.

Com um sorriso nos lábios, respondi:

— Nunca, Amor da Minha Vida.

E essa foi a primeira de muitas declarações que trocamos nessa noite. Uma mais verdadeira que a outra.

 

[1] Para quem quiser, aqui o site do restaurante e várias imagens da vista do 71Above: https://www.71above.com/


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, é isso!
Espero que tenham gostado!
Muito obrigada a você que leu até aqui.
Até a próxima!
xoxo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Presos Por Um Olhar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.