A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 9
Capítulo VIII - Uma queda em Corellia


Notas iniciais do capítulo

Back from the deads, here I am!

Olá, meus amores! Como vocês estão?

Aqui, deixo mais um capítulo para vocês ♥

Espero muito que gostem! Os leitores das Tales irão reconhecer essa passagem. Com muitas alterações, é claro, que vão ser importantes em um momento bem próximo na trama.



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O único som que se ouvia era o das águas turbulentas daquele caudaloso rio em Corellia. Águas que corriam a uma velocidade imensa, transformando a calma da madrugada em uma sinfonia fluída e assustadora, não sendo possível ouvir quase nenhum som ao redor.

Mestre Qui-Gon devia estar naquela posição há quase uma hora. Sentado com suas pernas cruzadas uma sobre a outra, com Obi-Wan deitado em seu colo e mantendo as duas mãos nas laterais da cabeça de seu Padawan, sem tocá-lo. Nos primeiros minutos daquela estranha meditação, o rapaz estava agitado: apesar de desacordado, ele urrava de dor toda vez que Satine tocava a sua panturrilha, tentando fazer um curativo, como Qui-Gon havia lhe ordenado furiosamente (sempre tão sereno, calmo e controlado, Satine jamais achou que o veria instável daquela forma). Mas, naquele momento, tantos minutos depois, Obi-Wan parecia apenas estar dormindo, se não fosse a grande mancha de sangue no tecido de suas vestes, ao redor do curativo que Satine havia confeccionado.

Desde que aquilo havia começado, Qui-Gon não emitira uma única palavra e Satine, lembrando-se de como ele estava enraivecido, não se atreveu a falar absolutamente nada. “Isso é culpa sua!”, Qui-Gon havia dito, apontando para Satine enquanto se posicionava no chão para ajudar seu Padawan. “Se ele morrer, é bom que saiba que você teve participação nisso!” Desde esse momento, Satine sentia seu peito esmagado pelo remorso. Talvez Qui-Gon tivesse sido excessivamente duro com ela, mas não estava errado: ela teve a oportunidade de evitar tudo aquilo e... não fez nada. E exatamente por isso, Satine sabia que não seria capaz de suportar o arrependimento se o pior viesse a acontecer.

Perdida em meio aos seus pensamentos mais catastróficos, ela foi pega de surpresa Qui-Gon se levantou (já muito mais calmo). Mas não foi isso que chamou sua atenção, mas o aspecto de Obi-Wan: terrivelmente pálido como somente os mortos ficam. Então, Qui-Gon não havia obtido êxito em seja lá o que estivesse fazendo. Havia falhado.

— Ele está morto? – ela perguntou, sentindo um nó em sua garganta.

— Não – Qui-Gon respondeu imediatamente enquanto, pela primeira vez desde que a nave deles havia caído, olhava para os próprios ferimentos no braço. – Ainda não. Eu o induzi a um estado quase vegetativo. Isso vai reduzir a frequência cardíaca dele e diminuir a velocidade de circulação do veneno. Se tudo der certo, amanhã os rins dele já vão ter eliminado o veneno e ele só vai acordar um pouco atordoado.

Aliviada (mas não calma), Satine se adiantou até Obi-Wan e tocou sua pele. Gelado. Tão gelado quanto sua pele estava pálida. Em todos os aspectos, parecia um cadáver.

— Me desculpe ter gritado com você, lady Kryze.

Satine se virou para encarar Qui-Gon, surpresa com as suas palavras.

— O quê?

— Eu não devia ter gritado você – ele repetiu. – Mas você deve reconhecer que suas atitudes levaram a isso – Qui-Gon apontou Obi-Wan. – Eu entendo o seu posicionamento pacifista. Na verdade, até admiro. Mas eu espero que, depois de tudo isso, você entenda que, quando trabalhamos em grupo, nossas escolhas refletem não só em nós, mas nos nossos companheiros também. Inclusive as nossas escolhas irresponsáveis.

Satine se levantou, ofendida.

Sabia que sua conduta não tinha sido a mais adequada e que colocara em risco a vida de um membro da equipe. Mas não ia admitir ser chamada de irresponsável. Sua postura pacifista era uma postura muito bem pensada, não uma atitude que ela tivera no calor do momento. Era um dogma. Um estilo de vida pelo qual ela desafiou toda Mandalore, indo contra uma cultura que havia devastado seu planeta natal. Era uma bandeira pela qual ela lutava e pela qual era perseguida.

— Mestre Qui-Gon, eu preciso protestar – ela começou.

— Você deve refletir – ele a interrompeu, falando de forma séria e incisiva, mas, apesar de tudo, calma.

— Você fala de irresponsabilidade como se soubesse o que é ter passado a vida em Mandalore – ela continuou ignorando o que ele havia acabado de dizer. – Se você tivesse o seu lar destruído pela beligerância do seu próprio povo, você entenderia a minha posição.

Qui-Gon se calou. Não por concordar, mas por estar velho e cansado demais para discutir ideais com jovens tomados pelas inabaláveis certezas de pouquíssima experiência de vida. Suas feições tortas e sua sobrancelha arqueada deixavam isso evidentemente claro, o que apena irritou Satine.

— E, até onde eu sei, são vocês que estão me protegendo, e não o contrário – ela concluiu.

Satine se arrependeu dessas palavras no momento em que as proferiu. Em um momento de raiva e descontrole, ela havia dito isso, mas, em seu fundo, ela esperava amargamente que tais palavras não revelassem a Qui-Gon (e, pior: a ela mesma) um egocentrismo escondido de sua personalidade.

— Diga isso a ele quando ele acordar – Qui-Gon apontou Obi-Wan novamente. – Diga a ele que a senhorita Duquesa de Mandolare não se importa com quantos soldados e seguranças morram ao seu redor desde que ela se mantenha viva e bem no seu palácio de cristal para gritar suas palavras de ordem. Diga.

Terrivelmente ofendida, Satine se calou.

— E ainda tem coragem de se dizer pacifista – o mestre Jedi continuou. – Menosprezando a vida das pessoas mais próximas a você.

Incapaz de argumentar, a jovem se manteve quieta enquanto Qui-Gon se afastava dos dois. Ele, no entanto, parou e se virou para ela.

— Um dia, você vai governar Mandalore – ele disse. – E, nesse dia, você vai precisar tomar decisões difíceis. As mais difíceis da sua vida. E você nunca vai conseguir tomar essas decisões com esse tipo de atitude. Como Duquesa, você terá a vida de todo o planeta nas suas mãos. Desprezá-las, mesmo em nome de um ideal justo, é o pior erro que um governante pode cometer. Impérios já caíram por muito menos.

Satine engoliu em seco, furiosa e ofendida, mas humilde o suficiente para reconhecer que ele tinha razão.

— Agora, eu vou voltar até os destroços da nossa nave para ver se algo ainda ficou inteiro depois da queda. Espero voltar antes do amanhecer. Abandone o seu ego por um instante e cuide dele, sim?

Sem dizer mais nada, Qui-Gon deu as costas novamente para Satine, deixando a jovem e Obi-Wan à beira daquele rio. Sentada ao lado do Padawan ferido, Satine observou o cavaleiro Jedi desaparecer na névoa.

 

Os disparos dos blasters e os plasmas dos sobres de luz acionados davam um tom multicolorido à névoa que envolvia Corellia. Correndo o mais rapidamente que podia sobre a grama (estava em uma floresta, uma planície, uma clareira? A névoa tornava impossível distinguir o ambiente), Satine Kryze mancava, sentindo dores em fisgadas em sua perna esquerda a cada passo, um resultado do violento impacto que havia sofrido quando a nave tocou o solo.

“Corra!”, ela se lembrava de ouvir o mestre Qui-Gon gritando, conforme os caçadores de recompensa se aproximavam. “Corra! Nós vamos te encontrar!”

Ela mal tivera tempo de ver quem ou quantos eram seus perseguidores. Que dois deles vestiam armaduras mandalorianas, isso era uma certeza. Um tradoshano, um geonosiano e um rodiano. E pelo menos mais dois humanos. Mas, com certeza, havia outros que ela ainda não tinha visto. E, pessoalmente, nem queria ver. Apenas queria sair com vida e em segurança daquele lugar.

Satine só parou de correr quando não mais conseguia ouvir sinal algum de luta, apenas o som de um rio próximo e passos ao redor dela, perdidos na névoa. Passos que se distanciavam, passos que se aproximavam. Ela não sabia dizer exatamente de qual direção vinham.

Por fim, uma silhueta se formou em meio à névoa.

Mestre Qui-Gon? – ela chamou. – Obi-Wan?

Mas não houve resposta.

Uma segunda silhueta se formou ao lado da primeira. E uma terceira. Uma quarta. Uma quinta! Satine percebeu tarde demais que estava cercada. À sua frente, um homem vestindo uma armadura mandaloriana e, em suas mãos, um sabre de luz.

Dou minha palavra que será rápido e o mais indolor possível, Duquesa.

O mandaloriano disse a última palavra com ironia, acionando o sabre de luz logo em seguida, revelando uma lâmina verde. O que teria acontecido ao mestre Qui-Gon?

Assustada, Satine recuou. O mandaloriano deu um passo em sua direção.

Do cinto, ela retirou o blaster que Dookan havia lhe dado. Apontou para seu oponente. Mas ele riu. Sabia que ela não usaria a arma. Sua inexperiência era evidente na forma como ela segurava o blaster. O braço curvado, a mão tremendo. Uma única prática de tiro, com certeza, não era o suficiente para que que ela conseguisse transmitir uma sensação de ameaça aos seus perseguidores.

Me desculpe, duquesa, mas você não me convence – disse o mandaloriano.

Isso se ele realmente era um mandaloriano e não um caçador de recompensas qualquer com uma armadura que não lhe pertencia.

Por fim, o mandalorino brandiu o sabre. A lâmina descreveu um arco no ar, quase atingindo Satine. A jovem tropeçou para trás. Caída ao chão, ela tinha seu caçador na mira da arma, mas não tinha coragem de atirar. Por uma segunda vez, o mandaloriano brandiu o sabre de luz, pronto para matá-la.

Em meio à névoa, um clarão azul avançou em direção ao grupo. Os caçadores de recompensa recuaram no momento em que Obi-Wan se colocou entre Satine e seu algoz, empurrando-o com a Força e, assim, afastando-se de Satine.

Atirem pra matar! – Satine ouviu alguém gritar.

Disparos vermelhos vieram em direção aos dois. O sabre de luz de Obi-Wan parecia dançar ao redor dele e de Satine, bloqueando e desviando os tiros. Em algum momento, Satine ouviu um dos caçadores soltar um grito de dor. O geonosiano avançou, voando em direção a Obi-Wan e atirando contra ele. Quando pousou em frente ao Jedi, a reação desse foi imediata: o plasma azulado do sabre destruiu a arma antes de, por fim, perfurar o peito do grande inseto.

O queixo de Satine caiu. Assassinato não era o método Jedi e aquilo a deixou perplexa. Já vira Obi-Wan agindo antes. Se bem se lembrava, ele havia cortado as pernas daquele caçador de recompensas rodiano na mina de beskar. Mas não conseguia imaginá-lo matando alguém.

Mas, havia um recém-chegado: desarmado e com um longo corte no braço, mestre Qui-Gon se inseria no combate à altura da visão de Satine. Em uma mão, segurava uma pistola, a qual ele mirava e atirava contra os perseguidores da Duquesa. A outra mão, o mestre Jedi utilizava para atingir seus oponentes com a Força, desarmando-os, empurrando-os ou os derrubando. Mesmo sem seu sabre de luz, Qui-Gon era uma arma letal.

Praticamente todos os caçadores de recompensa estavam ao chão, mortos ou gravemente feridos. Apenas o mandaloriano com o sabre de luz estava em pé, separado de Satine pelos dois Jedi. Apesar da máscara, seus gestos gritavam que ele estava com medo: ele segurava o sabre de luz com insegurança e suas pernas estavam agitadas enquanto ele, lentamente, recuava. Mas esse momento foi rápido: quando passos metálicos se tornaram audíveis, ele riu. O auxílio havia chegado.

Saindo da névoa, um droide IG surgiu. A espinha de Satine congelou quando, ao vê-lo, ela se lembrou da  capacidade de destruição desse modelo, na noite em que fora atacada dentro de seu próprio quarto. Por alguns instantes, o droide observou a situação e, então, apontou seus blasters para frente, mirando os Jedi e a duquesa.

Se proteja! – Obi-Wan gritou para Satine.

A duquesa se jogou ao chão, colocando-se atrás do corpo do geonosiano morto e o usando como escudo. O mandaloriano avançou contra Obi-Wan, os dois iniciando um violento duelo com os sabres de luz. O droide-assassino, por outro lado, avançou contra Qui-Gon, ambos mirando tiros um no outro enquanto o mestre Jedi recuava em zigue-zague, buscando por algo que pudesse usar como barricada.

O mandaloriano era muito ágil e sabia manejar o sabre de luz quase tão bem quanto Obi-Wan. Mas o peso da armadura era uma vantagem para o jovem Jedi que, claramente, tinha o domínio da situação: em poucos segundos de combate, Obi-Wan atingiu o jetpack nas costas de seu adversário. O artefato explodiu, jogando o caçador de recompensas para frente, mas não a ponto de feri-lo gravemente: em instante, ele estava em pé novamente, o sabre de luz em uma mão, uma pistola na outra, mirando o Jedi.

Não, terminariam aquela luta da forma como começaram.

Obi-Wan agitou o braço para o lado e a pistola do mandaloriano voou de sua mão, caindo sobre a grama. Novamente, eles se atacaram, Sabres de luz se chocavam no ar e, com o tempo, a inexperiência do caçador de recompensas fez com que ele demonstrasse, pela segunda vez, medo: seus gestos era mecânicos demais, incapaz de lutar com naturalidade. Apesar de saber manusear o sabre, aquela arma não lhe era familiar.

Não durou muito. Foi um duelo rápido.

Ao bloquear o sabre de luz de seu adversário acima de sua cabeça, Obi-Wan girou sobre seus calcanhares, posicionando-se ao lado dele e transpassando seu peito a lâmina de seu próprio sabre. Enquanto o mandaloriano caia, o jovem jedi tomou dele o sabre de seu mestre.

Mestre! – ele gritou, quando jogou a arma pelo ar em direção a Qui-Gon.

O mestre Jedi abandonou a pistola em sua mão e pulou, agarrando seu sabre de luz em plena queda enquanto seu corpo descrevia um arco gracioso no ar. Qui-Gon pousou sobre a grama como um gato, quase sem fazer barulho algum, no momento em que a lâmina verde de seu sabre cortou o ar em movimentos rápidos. No instante seguinte, o droide-assassino caiu ao chão, dividido em três pedaços incandescentes.

E, então, houve silêncio. Por um instante, Satine respirou aliviada. Estava bem, estava em segurança e nenhum dos Jedi estava morto.

Mas essa calmaria durou pouco.

Reunindo os últimos suspiros de vida em uma respiração ruidosa e muito dolorosa, o mandaloriano, caído ao chão, ergueu o seu braço, apontando o bracelete em seu punho para as costas de Obi-Wan, diretamente para o seu coração. A reação imediata de Satine foi apontar a própria pistola para o caçador de recompensas, da forma como Obi-Wan havia lhe ensinado em Corellia. “Respire”, ela dizia para si mesma, tentando se acalmar. Mas o seu dedo não se moveu no gatilho.

Por um lado, tudo o que ela sempre defendera poderia ruir com apenas um simples movimento. Mas não era nem isso que tanto a incomodava: com a cabeça do mandaloriano na mira de sua arma, disparar significaria matar um ser vivo. E ela nunca havia feito isso. Sua mão tremeu, ela hesitou. E não atirou.

Obi-Wan, cuidado! – gritou Qui-Gon ao perceber a hesitação de Satine.

O mestre Jedi agitou o braço para baixo, mas já era tarde demais.

A Força desviou o braço do mandaloriano para baixo e, no momento em que o pequeno arpão foi disparado do bracelete, ele não perfurou o coração do Padawan. Atravessou sua panturrilha, espirrando sangue sobre a grama. O grito de dor, apesar de alto, não fora o suficiente para abafar o som do pescoço do mandaloriano se partindo, logo após Qui-Gon fechar as mãos e torcer o punho, à distância.

Qui-Gon e Satine correram até ele, abaixando-se ao seu lado. O mestre Jedi, imediatamente, rasgou o pedaço inferior da calça de seu Padawan para poder observar o ferimento. Sobre a pele, além do sangue, havia algumas marcas de um viscoso líquido roxo.

Mas o que...

É veneno – anunciou Satine, os olhos arregalados e a pele pálida de medo. – Alguns mandalorianos costumam passar veneno nas lâminas de suas armas brancas.

Mas não era preciso que Satine tivesse dito aquilo para que percebessem que algo estava errado. Em poucos instantes, os olhos de Obi-Wan reviraram nas órbitas e ele começou a tremer. Todo o seu corpo se contorcia e a saliva espumava em sua boca.

Me ajude a tirar ele daqui! – aquela fora a primeira vez que Satine vira Qui-Gon, o sempre tão calmo e sereno mestre Jedi, gritar. – Rápido! – ele agarrou as pernas de Obi-Wan e Satine, paralelamente, agarrou os braços para que pudessem carrega-lo. – Me ajude a levar ele até o rio!

Não era um caminho longo. Apenas alguns metros à frente, às águas se tornaram visíveis. Ao lado de uma grande pedra, os dois pousaram o corpo de Obi-Wan.

Ele vai morrer? – Satine perguntou, sua voz falhando.

Isso é culpa sua! – Qui-Gon apontou para Satine, sentando-se ao chão e posicionando a cabeça de seu Padawan em seu colo. – Se ele morrer, saiba que você teve participação nisso! Você teve a oportunidade de agir e não agiu! Agora, faça um curativo nessa perna!

Satine não ousou questionar.

 

Ainda estava escuro, mas Satine sabia que, em breve, amanheceria. Durante o tempo que ficara ali, após a névoa ter baixado um pouco, ela conseguiu reunir alguns gravetos e montar uma fogueira. Não fora a noite mais agradável de sua vida, mas o calor do fogo lhe trouxe um pouco de conforto. Mas o verdadeiro conforto veio paulatinamente com o avançar da noite: aos poucos, a pele de Obi-Wan recuperava cor e calor e ela sabia que ele estava melhorando.

Satine tinha completa consciência de que Qui-Gon havia sido excessivamente duro com ela. Mas, ao mesmo tempo, sabia que ele estava certo. Ela podia ter evitado essa situação. Ela tinha poder para isso. Pacifismo era um ideal que ela queria lutar com a sua vida para defender, mas deixar de se defender (ou defender outras pessoas) era apenas idiotice. Irresponsabilidade, como o mestre Jedi havia dito.

E ela sabia que se sentiria terrivelmente culpada se o pior acontecesse. Por isso, ver que ele estava bem e respirando era um alívio muito grande.

Quando uma fina linha luminosa surgiu no horizonte, a névoa já havia praticamente se dissipado. O sol nascia vagarosamente e, com a luz, Satine podia ver o estrago do combate: quase cem metros à frente, os corpos dos caçadores de recompensas estavam caídos. A cena era horrível de ser vista, mas Satine sabia que era graças àquilo que ela teria mais um dia pela frente.

— Mestre...?

A voz de Obi-Wan ecoou fraca e Satine, imediatamente, virou-se para olhá-lo.

Atordoado, como Qui-Gon havia dito. Os movimentos de seus braços eram irregulares e sem controle, quase como os de um recém-nascido, e seu olhar estava perdido no céu, como se não conseguisse fixar as pupilas. Pupilas essas que estavam terrivelmente contraídas, apesar da pouca luz da noite.

— Ei! – ela disse, segurando os braços dele com carinho e pousando em sua barriga, novamente notando o quão gelado ele estava. – Fique calmo. Mestre Qui-Gon já deve estar vindo. Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.

Obi-Wan olhou para ela, levantando o pescoço para se aproximar. Pela forma como contraia os músculos do rosto, ele, com certeza, só via um borrão, sem conseguir identificar quem falava com ele.

— Quem é... você? – ele disse, soltando o pescoço e deitando novamente na grama, incapaz de sustentar o peso da própria cabeça.

— Sou eu – ela respondeu. – Satine. Você está seguro.

— Satine...?

Realmente, ele estava atordoado demais. Sua cabeça pendeu ligeiramente para o lado e ele fechou os olhos. Mas estava agitado, braços e pernas fazendo curtos movimentos e a cabeça girando de um lado para o outro. Ao mesmo tempo, ele murmurava coisas que Satine mal conseguia entender, mas por vezes conseguindo identificar palavras como “mestre”, “templo” ou “sabre”. Mas, apesar de Obi-Wan não fazer idéia de quem ela era naquele momento, Satine achava que nunca mais poderia se sentir tão aliviada na vida: ele estava vivo e, dentro dos limites do possível, bem. O remorso que sentiria se a situação fosse outra seria indescritível.

Percebendo que Obi-Wan não estava completamente mal e que ainda era incapaz de sair andando sozinho por Corellia, Satine se levantou, adiantando-se para os corpos dos caçadores de recompensas. Em seu caminho, ela olhou para trás algumas vezes, para se certificar de que o Padawan continuava no seu lugar.

Enfim, ela encontrou o corpo que procurava.

O soldado mandaloriano que quase matar Obi-Wan estava caído sobre a grama, seu pescoço torcido de tal forma que era impossível que estivesse vivo. Satine se abaixou e ajeitou a posição da cabeça, sentindo sua espinha gelar ao ouvir as vértebras deslocadas do pescoço dele se atritando entre si com o movimento. Por fim, com a cabeça na posição certa, a mulher retirou o capacete.

Definitivamente, ela reconhecia aquele rosto. Não conseguia se lembrar exatamente quem era, mas sabia já tê-lo visto antes. Dentro do palácio. O que apenas fez Satine se lembrar das palavras de mestre Qui-Gon na noite em que fora atacada dentro de seu quarto, quando o Jedi sugeriu que alguém de dentro do palácio estava passando informações para os caçadores de recompensas.

Passos na grama se tornaram audíveis.

Assustada, a Duquesa se levantou, pensando estar sendo atacada novamente. Por fim, em meio à névoa, Satine viu a silhueta de Qui-Gon surgir, carregando um peso absurdo em bagagens. Imediatamente, ela se adiantou para ajuda-lo e os dois depositaram todas as malas ao lado de Obi-Wan.

— Duquesa, vou pedir que escolha um de seus vestidos que você menos goste – orientou Qui-Gon, abrindo a mala dela. – Vou vestir três dos mortos com as nossas roupas e queimar a nossa nave – o Jedi explicou. – Se tivermos sorte, isso vai fazer com que os caçadores de recompensas pensem que morremos na queda. Depois, vamos esconder os outros corpos e tentar encontrar um lugar para descansar.

O plano era genial.

Imediatamente, Satine entregou um de seus vestidos para Qui-Gon. Novamente, ele orientou que ela ficasse perto de Obi-Wan enquanto ele fazia três viagens até a nave, levando um cadáver em cada uma delas. Durante todo o tempo, Satine arrastou os corpos restantes até o rio, deixando que a correnteza se desfizesse deles.

Minutos após os primeiros raios de sol surgirem na forma de uma pequena linha no horizonte embaçado pela névoa, Satine conseguiu identificar uma intensa fonte de luz, indicando que a nave estava em chamas. Pelo visto passariam mais tempo em Corellia do que haviam planejado.

Mestre Qui-Gon apareceu alguns minutos depois.

— Como ele está? – perguntou Qui-Gon, ajoelhando-se ao lado de Obi-Wan e tocando a sua testa.

— Confuso – respondeu Satine. – Não fala nada com nada e está perguntando por você o tempo inteiro.

Obi-Wan continuava agitado, movendo a cabeça de um lado para o outro e com seus braços e pernas balançando sem coordenação enquanto murmurava sons incompreensíveis. Qui-Gon, com o coração partido por ver seu tão amado Padawan nessa situação, levou a sua mão até o rosto dele, envolvendo toda a sua face com seus dedos. O Jedi murmurou algumas palavras e, em instantes, Obi-Wan voltou a se acalmar, novamente como se estivesse apenas dormindo.

— O que vamos fazer? – Satine perguntou, por fim.

Qui-Gon, no entanto, não respondeu imediatamente. Ele se levantou e, com esforço, conseguiu levantar Obi-Wan, carregando-o em seus braços.

— Consegue levar as bagagens, lady Kryze? – ele perguntou.

Claramente, ele não esperava um “não” como resposta.

— Claro.

— Ótimo – disse o mestre Jedi. – Antes de colocar fogo na nave, eu pesquisei nossa localização no navegador e ele indicou a existência de um povoado quatro quilómetros ao sul, seguindo o rio. Deve haver alguma estalagem por lá. Não é a opção mais segura, mas com certeza é melhor do que ficarmos expostos à céu aberto.

 

Durante uma parte do caminho, Satine tentou se lembrar quem era o homem cujo corpo ela vira instantes antes. Quando e onde no palácio era já o havia encontrado? Mas, conforme os minutos se passavam e cada músculo de seu corpo começava a gritar de dor pelo excesso de bagagens que carregava, a Duquesa de Mandalore desviou os seus pensamentos dessa questão para uma única coisa: desejar com todas as suas forças que seus braços não gangrenassem até que chegassem ao pequeno povoado o qual Qui-Gon havia mencionado.

Ver as silhuetas das casas, acordando para mais um dia, trouxe paz para Satine. Para a sorte deles, a dona da única estalagem local (um estabelecimento pequeno chamado Cometa Flamejante), uma Twi’lek de pele alaranjada, não perguntou absolutamente nada ao ver Qui-Gon adentrar o local carregando um Obi-Wan ferido e que murmurava coisas sem sentido. Obviamente, uma das vantagens de um lugar pequeno como aquele. A desvantagem, no entanto, era o fato de que, em breve, todo o povoado saberia que dois Jedi e uma jovem haviam chegado em circunstâncias completamente extraordinárias, o que, claramente, faria com que a estadia dos três em Corellia fosse o mais rápida possível.

E, apesar de o quarto que conseguiram alugar não chegasse nem aos pés do luxo e do conforto do quarto dela no palácio em Sundari, Satine nunca se sentiu tão grata na vida por ter onde sentar. O quarto era pequeno: uma única cama, um sofá, um tapete e um banheiro absurdamente limitado. Em resumo, apertado demais para uma pessoa sequer, mas o suficiente para descansarem (nem que por apenas algumas horas) e planejarem os próximos passos.

Satine depositou as bagagens no chão, logo após entrar e, mesmo sentindo os braços formigarem conforme a circulação sanguínea se reestabelecia por eles, ela avançou rapidamente para ajudar mestre Qui-Gon a colocar Obi-Wan deitado de bruços na cama. O Jedi, então, rasgou a calça do aprendiz na altura do joelho para, finalmente, poder observar com cuidado a extensão do ferimento em sua panturrilha.

— Está muito feio? – questionou Satine, sem coragem de olhar.

— Já vi piores – assumiu Qui-Gon, olhando a ferida por diversos ângulos. ­– Mas, pelos locais dos ferimentos de entrada e de saída, eu arriscaria dizer que o arpão deve ter raspado no osso. Consegue molhar algum pedaço de tecido no banheiro, Duquesa? Acho que pode ter alguma coisa ainda dentro do músculo e vou precisar tirar.

Satine não respondeu, mas se adiantou imediatamente até a sua mala e pegando todos os lenços que havia trazido consigo, levando-os ao banheiro. Enquanto ainda os molhava, ela ouviu o gemido de dor de Obi-Wan e, novamente, voltou a ser assolada pela culpa.

— Aqui – ela disse, aproximando-se para entregar os lenços umedecidos para Qui-Gon, mas ainda virando o rosto para não ver a ferida.

Sem retirar os olhos da perna de seu Padawan, Qui-Gon agarrou os lenços. Um a um, Satine viu os pedaços de pano, confeccionados no mais caro linho de Mandalore, sendo jogados ao chão, manchados de sangue. Por último, ela viu uma ponta de metal cair sobre todos eles.

Qui-Gon havia terminado.

O mestre Jedi rasgou um pedaço da barra da própria blusa e enrolou na perna de Obi-Wan. Ansiosa, Satine se aproximou e constatou que Obi-Wan suava tanto a ponto de encharcar o travesseiro. O procedimento, com certeza, não devia ter sido nada tranquilo para ele, mesmo estando nocauteado pela meditação de Qui-Gon.

— Ele vai ficar bem? – quis saber Satine.

— Vai – Qui-Gon confirmou, levantando-se e olhando para as mãos sujas de sangue. – Agora, eu vou pedir para que fique aqui com ele. Preciso me limpar e contactar o Conselho Jedi para contar o que houve.

Sem esperar pela resposta de Satine e sem nem mesmo olhar para ela, Qui-Gon adentrou o banheiro e fechou a porta. Apesar de o Jedi não ter dito mais nada a ela sobre seu envolvimento naquela situação, era evidente que ele ainda estava furioso com Satine, o que apenas a fazia se sentir ainda mais culpada. Poucos instantes depois, ela ouviu o chuveiro sendo ligado.

Sentindo um forte aperto no peito e se responsabilizando pelo que havia acontecido com Obi-Wan, Satine se voltou para ele. Sua pele ainda estava suada e, em seu rosto, ela ainda via expressões de dor. Tremendo de frio, a Duquesa ouvia os dentes do Padawan batendo um contra o outro.

Sem pensar duas vezes, ela estendeu uma coberta sobre e se sentou ao seu lado no colchão. Quase como se estivesse tentando acalmar uma criança, Satine acariciava seus cabelos e falava em um tom de voz baixo frases como “Se acalme”, “Está tudo bem” ou “Eu estou aqui”. Pouco a pouco, ela viu Obi-Wan se acalmar: antes que o som da água caindo do chuveiro cessasse, ele já não mais tremia ou suava e não mais havia expressões de dor em seu rosto.

Ali, observando-o naquele estado indefeso e vulnerável, um pensamento voltou a assolar a mente de Satine. Sua reação imediata foi recuar, deixando de o tocar, quase como se ele tivesse alguma doença contagiosa. Em um primeiro momento, Satine tentou se convencer de que estava apenas se sentindo culpada. Afinal, havia um envolvimento seu muito claro naquele ferimento.

“Você não está se sentindo culpada por ser ele”, ela dizia para si mesma. “Se sentiria culpada se fosse qualquer pessoa.”

No fundo, ela sabia que isso era uma verdade. Mas uma verdade que de nada se encaixava naquela situação. Havia um outro motivo para que a culpa que sentisse a machucasse tanto. Ela sabia o que era, mas não queria admitir. Não podia admitir...

O fato era que, apesar do pouco tempo de convivência, o rapaz já lhe era uma pessoa muito querida. Um amigo a quem ela tinha uma imensa estima. Mais do que o normal...

Lentamente, Satine se abaixou e depositou um beijou na cabeça dele. Antes de se levantar, ela ainda sentiu, novamente, o cheiro do shampoo mentolado do Padawan, o que, por um momento, a acalmou. Como se nada daquilo tivesse acontecido e ela ainda estivesse deitada na cama dele, na nave pousada em Alderaan.


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