A Song of Kyber and Beskar escrita por Gabi Biggargio


Capítulo 10
Capítulo IX - A grande ordem das coisas


Notas iniciais do capítulo

Voltei, meus queridos!

E esse, mais uma vez será adaptação de 2 contos da Tales, com algumas adições importantes hahahaha

Espero muito que gostem ♥



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Apesar de toda a poluição do planeta, Corellia era um planeta em que tudo era facilmente acessível. Se você tivesse dinheiro, é claro. Mas, sendo um planeta industrial, era muito simples encontrar qualquer coisa que precisasse. O trio havia traçado Corellia como destino para comprar combustível, mas acabaram precisando de uma nova nave. O que não foi muito difícil, é claro. Pontos legais e ilegais onde esse tipo de mercadoria podia ser comprada eram facilmente encontrados em quase qualquer esquina.

Logo após contactar o Conselho Jedi e contar sobre o ataque, Qui-Gon foi instruído a procurar um contrabandista em Coronet City. Aparentemente, o homem tinha a confiança de um dos mestres do Conselho e seria o responsável por garantir que o trio tivesse uma nova nave à disposição.

Para isso, Qui-Gon saiu cedo da estalagem na manhã seguinte, orientando Satine a cuidar de Obi-Wan e a chama-lo em seu comunicador se algo acontecesse. Pela primeira vez desde que deixara Mandalore, Satine se vira completamente indefesa. Era a primeira vez que ela não tinha dois Jedi fazendo a sua guarda. Muito pelo contrário: era ela quem fazia a guarda de um deles. Se algo acontecesse, ela teria apenas seu blaster e sua inexperiência para se defender.

Durante as horas em que esteve naquele quarto, Satine se sentiu apreensiva. Não só porque sua mente a havia convencido de que, a qualquer momento, caçadores de recompensas iriam derrubar a porta e matá-la. Mas porque, pouco após o sol nascer, Obi-Wan voltou a murmurar palavras incompreensíveis. Novamente, ele estava agitado e, ao contrário de Qui-Gon, ela não sabia fazer nenhum daqueles truques Jedi para fazê-lo voltar a dormir.

Enfim, após algumas horas, ele despertou.

Como Qui-Gon havia dito, o Padawan parecia desorientado. Ele olhou calado para Satine por longos segundos antes de dizer um “bom dia” meio atravessado, como se ainda não soubesse exatamente o que estava acontecendo ou onde estava.

— O que aconteceu com a minha perna? – ele perguntou, a fala ainda meio débil, olhando para o curativo ao redor da panturrilha.

— Você foi atingido por arpão – Satine lhe respondeu pausadamente, sentindo-se mal por precisar falar com ele como se estivesse conversando com uma criança. – Mas você vai ficar bem. Não se preocupe. Mestre Qui-Gon não deve demorar pra chegar.

Apesar da resposta clara e perfeitamente compreensível, Obi-Wan se mantinha com um olhar fixo no horizonte. Pela forma como a cabeça dele oscilava, nada nem ninguém precisava dizer para Satine que ele estava com tontura, mas ela tentou não se assustar com isso.

— Está com fome? – ela perguntou.

Ainda sem a plena coordenação de seus movimentos, Obi-Wan fez que sim com a cabeça, deixando Satine aliviada. Afinal, apesar dos pesares, ele conseguia compreender o que ela dizia.

Satine avançou até a mala de mestre Qui-Gon (o qual havia lhe dito, antes de sair, que, caso necessário, ela encontraria comida lá). De seu interior, Satine encontrou pacote de comida compactada. Provavelmente, mestre Qui-Gon havia recolhido dos destroços da nave antes de lhe atear fogo.

A Duquesa se voltou para Obi-Wan enquanto abria um dos pacotes. O cheiro era insuportavelmente forte, fazendo com que a jovem entendesse porque Qui-Gon havia preferido jantar as rãs em Alderaan do que comer aquilo. Mas o Padawan, atordoado como estava, pareceu não ligar para isso: ele colocou a mão no interior do pacote e retirou alguns pedaços de comida de seu interior, levando-os à boca e mastigando lentamente, quase como se não soubesse o que estava fazendo.

Quando Qui-Gon retornou algumas horas depois, Obi-Wan parecia bem melhor. “Ele está oscilando entre o normal e alguém em catatonia”, Satine contou ao Jedi. “Mas ainda não conseguiu se levantar da cama.”

E Qui-Gon não esperava que conseguisse. De qualquer forma, ele fez Obi-Wan se apoiar em seus ombros para que o rapaz pudesse adentrar a nova nave.

“Nova”, na verdade, era algo que aquela nave com certeza não era. Lembrava muito a primeira nave do trio, mas era um modelo muito mais antigo. Estofados das poltronas no cockpit estavam rasgados e havia um cheiro de mofo em seu interior que fez Satine espirrar repetidamente no momento em que entrou. Vendo as manchas de ferrugem na parte interna, Satine apenas esperou que aquela banheira velha não desmontasse enquanto estivessem no hiperespaço.

Quando a nave levantou vôo, a Duquesa a sentiu tremer e vibrar, fazendo o seu coração parar por alguns segundos. Havia um ruído constante no ar que ela interpretava como a morte certa. De qualquer forma, vivendo sua crítica ao máximo, Satine fez a única coisa que poderia fazer naquele momento de silêncio e solidão, perdida no interior de uma nave que vagava pela imensidão interminável e avassaladora do universo: chá.

Assim que chegou à cabine, com duas xícaras em sua mão, ela entendeu uma para o mestre Qui-Gon, que pilotava a nave e, naquele momento, parecia prestes a dormir enquanto observava os monitores piscando à sua volta.

— Obrigado, Satine – ele disse, tomando a xícara em suas mãos e se ajeitando na poltrona.

— Disponha, mestre – ela respondeu, bebendo um gole da própria xícara antes de se sentar na poltrona ao lado da dele, sentindo-se feliz por Qui-Gon voltar a chama-la pelo seu primeiro nome, algo que ele não fazia desde o acidente (o que, claramente, indicava o quão decepcionado ele estava com ela). – Frio, não?

— Uhum – Qui-Gon grunhiu em confirmação enquanto bebia seu primeiro gole também.

Por alguns instantes, os dois permaneceram em silêncio. À frente deles, do outro lado da grossa camada de vidro, havia apenas o vazio. Segundo mestre Qui-Gon, um vazio que os direcionava para Takodana. “Um lugar polêmico”, dizia ele. “Vamos nos encontrar com centenas de contrabandistas e caçadores de recomepnsas, o que é um risco na sua situação, mas, como qualquer lugar infestado por esse tipo de gente, também é o melhor lugar para se esconder deles. Eles nunca vão imaginar que você está tão perto assim.” De fato, era uma lógica convincente. “Você ao menos conhece alguém lá?”, quis saber Satine. “Uma velha amiga. Uma rainha de piratas, mas que não vai me negar ajuda se eu pedir, não importando quanto seja o prêmio pela sua cabeça.”

A idéia não deixava Satine muito confiante, mas mestre Qui-Gon parecia ter certeza do que dizia. E, após meses fugindo com ele, a duquesa mandaloriana havia aprendido a confiar nos instintos do Jedi. Ele realmente tinha um bom tino para julgar a índole das pessoas.

E era exatamente por isso que ela se preocupava com a discussão que havia tido com ele, dois dias antes, quando Obi-Wan quase morrera envenenado.

— Sabe, eu não espero que entenda o que é ver o seu lar ser destruído pela guerra – ela começou, ser ter coragem de olhar para ele. – Na verdade, espero que jamais saiba. Mas, se você tivesse visto as coisas que eu vi, iria entender a minha posição em querer evitar conflitos a qualquer custo. Iria sentir o mesmo repúdio que eu sinto por toda essa violência e iria entender porque eu quero acreditar tanto que a diplomacia pode ser sempre a primeira e última solução a ser considerada.

Novamente, silêncio. Os dois beberam mais um gole de chá.

— Mas...? – disse Qui-Gon, crente de que a jovem duquesa tinha algo a mais a falar.

— Mas, ao mesmo tempo, eu entendo o que quis me dizer sobre valorizar a vida das pessoas e sobre eu ter responsabilidade sobre elas – continuou Satine. – Às vezes, situações de emergência podem surgir e, para defender quem mais precisa de ajuda, eu posso precisar quebrar com os meus valores. Porque a vida dessas pessoas é a minha responsabilidade... é o meu dever... é por isso que eu estou no trono. E essas pessoas não vão se importar com os meus valores pessoais quando estiverem à beira da morte. E, se eu negar auxílio, então eu fui negligente com o meu dever, mesmo que, para isso, eu precise agir contra o que eu acredito.

Satine praticamente vomitou essas palavras antes de, por fim, ter coragem para encarar Qui-Gon.

Ele olhava para ela. Por detrás de sua barba, havia um sorriso de quem estava satisfeito com aquilo. Mas não completamente.

— Posso te fazer uma pergunta, lady Kryze?

— Claro.

— Se um dragão kryt for devorar um bantha... sem qualquer contexto maior para pensar nas consequências... o que você faria? Isso é, é claro, se tivesse poder para impedir. Salvaria o bantha da morte certa? Ou deixaria que ele fosse devorado?

— Eu o salvaria! – Satine respondeu imediatamente, como se essa fosse a única opção possível.

Qui-Gon riu, deixando a duquesa levemente irritada. Era exatamente a resposta que ele esperava ouvir.

— Mas, se o dragão não comer o bantha, ele não vai morrer de fome?

Encurralada naquele dilema, Satine não sabia o que dizer.

— Por que você prefere que o dragão morra e não o bantha, Satine? – Qui-Gon aproveitou o silêncio da jovem. – Por que não deixar que a natureza siga o seu curso? Deixar o dragão tentar ter a chance de comer o bantha e deixar o bantha ter a chance de tentar fugir, sem interferir?

Novamente, ela se manteve em silêncio, sem uma resposta concreta ou minimamente convivente. Talvez, porque, por sua aparência, o dragão fosse um animal muito mais ameaçador que o bantha. Apenas por isso. Mas essa resposta, claramente, tinha um imenso juízo de valor por trás e Satine sabia que seria a resposta errada, embora não visse outra opção.

— Agora eu vou mudar a minha pergunta – disse o Jedi. – E se o dragão kryt fosse me comer? Ou comer Obi-Wan? Você nos salvaria?

— Claro! – ela respondeu novamente.

— Mas, de novo, o dragão não vai morrer de fome? – perguntou Qui-Gon. – Por que sacrificar a vida dele e não a nossa?

— Porque são vocês! – respondeu Satine. – Porque eu me importo com vocês!

Novamente, ela havia chego no ponto que Qui-Gon queria.

— Exatamente, Satine, exatamente! – ele parecia visivelmente satisfeito com o rumo daquela conversa. – Você se importa com a gente. Você sente afeição por nós e, por isso, nesse segundo caso, você mantém a sua resposta de nos salvar, mesmo que isso signifique a morte do dragão. E você fez essa escolha porque se afeiçoou a nós,  e mesmo sabendo que essa escolha trará prejuízos a outros envolvidos, você a faz conscientemente... não pelas suas consequências... mas apesar das suas conequências.

Satine entendia a metáfora, mas não conseguir ver para onde o Jedi a estava guiando.

— Nós, Jedi, somos treinados para controlar nossas emoções – Qui-Gon se explicou. – Para que possamos agir em situações como essas e tomar decisões sem interferir no equilíbrio da Força. Você pode não ser uma Jedi, mas é uma governante, e será sempre colocada em situações em que precisará agir de forma parecida. Uma decisão sua sempre irá beneficiar uns e prejudicar outros. Então, como agir quando você precisar tomar uma decisão? Como escolher quem deverá ser prejudicado? Lembre-se que, nesse caso, não há a opção de deixar a natureza seguir seu fluxo. Você é a duquesa de Mandalore e tomar decisões é seu dever.

Satine permaneceu calada. Novamente, não sabia como responder.

— Difícil, não é? – Qui-Gon sorriu para ela. – Talvez esse seja o maior dilema da política. Sempre dois lados estarão em choque, querendo que você escolha entre propostas opostas, cada lado com seus argumentos. E não necessariamente um deles está certo ou errado. São apenas visões diferentes sobre o mesmo fato, mas igualmente válidas. Qual delas é a melhor decisão a ser tomada? É impossível saber, tanto quanto é impossível saber como teria sido se você tivesse tomado a decisão oposta. Mas deixar que as suas emoções falem por você em um momento desses é o primeiro passo para o erro.

Enfim, tudo começava a se esclarecer. Mas algumas peças ainda não se encaixavam...

— Então, você está dizendo que eu deveria ter mesmo deixado o caçador de recompensar atirar no Obi-Wan em Corellia? – ela parecia confusa, sem entender o que estava acontecendo e começando a se sentir enfurecida por ter chego a essa conclusão depois de Qui-Gon ter gritado com ela em Corelia sobre o quanto ela havia sido irresponsável. – Que eu deveria deixar a situação ocorrer de forma natural, sem interferir?

— Pela Força, não – Qui-Gon recuou, mas não estava frustrado por Satine ter chegado àquela conclusão. Muito pelo contário: mais uma vez, esse parecia ter sido o objetivo dele. – Veja bem... Os caçadores de recompensas não iam morrer de forma se não matassem Obi-Wan, não?

Mais calma, Satine riu. A explicação parecia tão óbvia...

— Com você falando dessa forma, parece uma decisão fácil – disse Satine. – Mas, no calor do momento, eu acho que jamais conseguiria construir um raciocínio desses em tão pouco tempo a ponto de tomar a melhor decisão

— Mas você precisa – disse Qui-Gon, assumindo um tom sério. – Você é uma governante, Satine. E acredite em mim, ser um governante é um trabalho mil vezes mais perigoso que ser um Jedi. Você vai precisar tomar decisões importantes de um momento para o outro e, nas suas mãos, milhões de vidas estarão em jogo. Vidas como as do bantha, que você não conhece pessoalmente, mas que você tem o dever de honrar e proteger. E, assim como você fez em Corelia, seus ideais pessoais e seus sentimentos podem interferir negativamente na sua decisão. Por sorte, eu estava lá para reverter isso, mas quem estará com você se isso acontecer de novo? Seu erro quase custou a vida de Obi-Wan. No futuro, seu erro pode custar a vida de milhões de pessoas. E nenhum dos familiares e amigos delas irão se importar com as suas convicções pessoais quando exigirem a sua cabeça. Seu pacifismo é muito bonito e louvável, mas você precisa refletir a partir de qual momento defendê-lo passar a ser mais danoso que abandoná-lo.

O choque estava estampado em cada traço no rosto de Satine. Aquilo tudo com certeza seria motivo para longas reflexões em um futuro próximo. Afinal, ela nunca havia parado para encarar seu cargo daquela forma.

— Afinal, nós, Jedi, somos pacifistas, tentamos todas as vias existentes para resolver um conflito da forma mais harmoniosa possível – continuou o homem. – Mas, infelizmente, nem sempre isso é possível. E é por esse motivo que, às vezes, nós precisamos nos defender – imediatamente, ele segurou seu sabre de luz, exibindo-o para a jovem.

O gesto transportou Satine para muito dias antes, quando ela conhecera Qui-Gon e Obi-Wan. Lembrava-se muito bem do mestre Jedi ter feito a distinção entre ser pacifista e ser pacificador e se lembrava muito bem que, poucos dias depois, ela havia ironizado essa distinção. Mas, finalmente, ela compreendia o que ele queria dizer.

Vendo a ansiedade nos olhos de Satine, Qui-Gon sorriu para ela e, gentilmente, disse:

— Chega por hoje. Você já tem muito o que pensar. Agora vá dormir. Está tarde, você deve estar exausta e eu posso guiar a nave sozinho até Takodana.

Satine, imediatamente, se levantou.

Ela olhou para Qui-Gon por alguns instantes. Havia um sentimento esquisito por aquele homem. Um sentimento que ela nutria por pouquíssimas pessoas. Um sentimento que ela já nutria por ele há algum tempo, mas que, após toda essa explanação, potencializava-se infinitamente: admiração.

— Obrigada, mestre – ela disse, por fim. – Em todos os anos em que estudei política em Sundari, ninguém nunca me deu uma lição tão valiosa como essa.

— Você não precisa agradecer – Qui-Gon sorriu, apertando a mão dela com gentileza. – Boa noite, Satine.

Ainda desnorteada, a jovem se dirigiu à saída do cockpit. Quase no corredor, ela parou e se virou para o Jedi uma última vez, chamando-o pelo nome.

Imediatamente, ele se virou, olhando- para ela.

— Sim?

— O que você teria feito? – Satine perguntou. – No meu lugar?

Qui-Gon respondeu quase que imediatamente.

— Jovem e inexperiente como você, talvez eu tivesse hesitado. Hoje, eu teria atirado sem pensar duas vezes.

— Mas não é só porque matando os caçadores de recompensa você não estaria interferindo no equilíbrio, não é? – Satine quase conseguia prever a resposta. – Tem mais coisa.

Qui-Gon sorriu, desviando o olhar.

Touché.

— Meu primeiro motivo para atirar seria por ser Obi-Wan quem estava em risco de morte – o Jedi respondeu. – E que se dane o equilíbrio. Obi-Wan é um filho pra mim e eu mataria mil caçadores de recompensa para salvar a vida dele, se fosse necessário.

— Mas isso não vai contra toda essa racionalidade dos Jedi que você acabou de me ensinar? – ela perguntou. – Nutrir sentimentos pelos outros e deixar que eles controlem suas decisões por você?

Após um rápido instante de silêncio, Qui-Gon respondeu:

— Vai. Mas quem disse que eu sou um Jedi perfeito?

 

Ao entrar na cabine de Obi-Wan (maldita nave nova com cabines separadas), Satine viu Obi-Wan deitado sobre a cama, encarando a parede. Naquele momento, ele tinha um sono tranquilo, felizmente. Após o envenenamento, ele alternava períodos de um sono mais leves e outros mais agitados, assim como períodos de perfeita lucidez e de pura confusão quando estava acordado. Mestre Qui-Gon dizia que era temporário, que (provavelmente) ele estaria completamente recuperado assim que pousassem em Takodana. Mas, naquele momento, Satine se sentia mais feliz e mais calma por vê-lo bem.

Diante de tudo o que Qui-Gon havia lhe dito, Satine se sentia mais culpada ainda pelo que havia acontecido a ele. Ela deixou que sua soberba e sua arrogância quanto aos seus próprios ideias falassem mais alto e, assim, pusera a vida do Padawan em risco por uma decisão irrepsonsável. Ele, a quem ela realmente nutria milhões de formas de afeto. Podia não aceitar que os sentimentos que tinha por ele eram o que realmente eram, mas sabia que, de qualquer forma, eram sentimentos bons.

Sutilmente, ela se abaixou ao lado dele e beijou sua bochecha.

— Me desculpe, Obi-Wan – ela sussurrou.

Imediatamente, ela se deitou com ele, abraçando-o pelas costas com um braço e acariciando seus cabelos com a outra mão. Um momento que ela queria que durasse para sempre. Sem Jedi, sem Mandalore, sem caçadores de recompensas. Apenas ela e ele, perdidos naquela cabine no meio do espaço, com mestre Qui-Gon em algum lugar da nave obviamente sabendo o que se passava lá dentro, mas respeitando aquele momento sem interferir, deixando a Força seguir o seu curso e sabendo muito bem que, quando acordasse, Obi-Wan, atordoado como estava, provavelmente não se lembraria de nada daquilo.

Como governante, Satine teria que tomar decisões importantes. Decisões que mudariam vidas e destinos. Decisões as quais ela seria a maior (quando não, a única) responsável. Decisões que poderiam mudar a história de pessoas que ela amava e de pessoas que ela não conhecia. Decisões que poderiam mudar para sempre a sua terra natal.

Mas, naquela noite, ela escolhia Obi-Wan.

 

—Se você ficar parado, talvez em consiga fazer esse curativo – Satine parecia irritada enquanto enrolava bandagens ao redor da panturrilha ferida de Obi-Wan.

— Ainda está muito feio? – ele perguntou, curioso, tentando ficar o mais imóvel possível, deitado na cama da nave que os levava para Takodana.

Mas a verdade era que ele não queria ficar imóvel: Satine tinha um charme especial quando estava nervosa.

— Não – ela respondeu, um pouco mais calma. – Aparentemente, só um pouco inflamado ainda. Na verdade, acho que você teve muita sorte disso não ter infeccionado nem nada. Poderia ter sido bem mais grave... Você acha que já consegue andar?

— Acho – ele respondeu. – Quero dizer, está doendo bem menos do que estava dois dias atrás.

— Bem, podemos fazer um teste quando pousarmos em Takodana – sugeriu Satine. – Mas vá com calma! Não quero ver você se esborrachar no chão igual da outra vez porque não aguentou o seu próprio peso. Se não conseguir andar ainda, eu e mestre Qui-Gon podemos te ajudar.

Após um rápido instante de silêncio, Satine terminou de fazer o curativo e olhou para ele. Um olhar rápido, seguido de um sorriso discreto de Obi-Wan. Encabulada, Satine virou o rosto, voltando a olhar para a sua perna e amaldiçoando mentalmente a si mesma por ter terminado de fazer o curativo tão rápido.

— Eu vou ver se mestre Qui-Gon precisa da minha ajuda – ela disse, levantando-se sem olhar para ele.

Mas, antes que ela pudesse se afastar e sair da cabine, Obi-Wan a segurou pela mão. Mas aquele não era um toque comum. Obi-Wan já a tocara algumas vezes, oferecendo a mão para ela subisse em uma nave, por exemplo. Mas aquele toque era diferente. Havia algo nele que não havia nos outros. Algo que nem mesmo Obi-Wan sabia o que era, mas suspeitava ser afeto.

Encabulada e parcialmente congelada pelo nervosismo, Satine olhou para ele.

— Obrigado – disse o Padawan.

Havia verdade nos olhos dele. Depois de tudo o que havia acontecido, ele realmente se sentia grato por Satine estar com ele. Gostava da companhia dela. E, ao contrário do que ela já havia deixado claro pensar em seus milhares de pedidos de desculpas pelo que havia acontecido, ele não a culpava pelo seu ferimento.

— Disponha – ela respondeu, formalmente.

Por fim, Obi-Wan soltou a mão da duquesa. A pele dela tatuada na sua provocando uma sensação de formigamento estranha ao mesmo tempo em que seu coração acelerava e ele pedia à Força para que Satine não percebesse tudo isso.

Após alguns rápidos instantes que mais pareceram séculos, a jovem deu as costas à Obi-Wan e se dirigiu para fora da cabine, iniciando seu caminho em direção ao cockpit enquanto metade sua estava grata por deixar aquele lugar, mas a outra metade queria voltar. Ainda deitado, Obi-Wan continuava seu coração bater fortemente contra seu peito. Uma sensação estranha a qual ele estava pouco familiarizado. Um misto de ansiedade e animação tão viciante que ele queria experimentar mais, mas que, ao mesmo tempo, sabia ser proibida para um Jedi. Não podia. Mas queria. E queria mais. E, por mais que tentasse encontrar diversos outros nomes para defini-la, ele sabia que apenas um nome era suficiente pra definir aquele sentimento.

 

— Obi-Wan! – a voz estrondosa de Qui-Gon ecoou pelo cockpit quando ele percebeu a chegada do Padawan. Assustada, Satine se virou para olhar tão velozmente que parecia ter sido avisada da chegada de um uma besta zillo ao local, não do rapaz. – Fico feliz em ver que já consegue andar. Como está?

— Bem melhor – ele disse, embora a verdade fosse que ainda se sentia um pouco zonzo e ainda estivesse mancando, sentindo fisgadas bem dolorosas na panturrilha a cada passo. Mas isso não era algo que precisava ser compartilhado, por hora. – Estamos chegando em Takodana?

— Sim – confirmou Qui-Gon, enchendo uma xícara com um líquido escuro e quente. – Já consegui contato com Maz Kanata. Ela me passou as coordenadas de uma pista de pouso abandonada e vai estar lá pra nos receber. Disse que vai ser mais seguro pousarmos lá, para não sermos vistos. E ela vai nos deixar dormir nos quartos da parte privada dela do castelo, longe dos quartos que ela aluga pros caçadores de recompensas. Mas, infelizmente, vamos ter um tempo limitado de alguns poucos dias. Cinco no máximo. Mas acho que é o suficiente para conseguirmos nos recuperar depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias, não acha?

— Acho, mestre.

Por fim, após muita dor (que ele evitava ao máximo não transparecer em suas feições), Obi-Wan conseguiu se sentar em uma das poltronas vazias no cockpit, deixando escapar um suspiro de alívio. Durante todo o tempo, Satine evitou contato visual.

Nesse momento, com Ob-Wan já acomodado, Qui-Gon estendeu a xícara para seu aprendiz.

— A duquesa fez chá – ele anunciou.

— Obrigado – ele agradeceu ao aceitar a xícara.

— Infelizmente, não temos açúcar na nave – ela disse, encabulada. – Mas acho que está bom mesmo assim.

No fundo, Satine estava furiosa consigo mesma. Nunca em sua vida alguém lhe deixara naquele estado, tímida, retraída e quase sem palavras, incapaz de olhar nos olhos das pessoas. Quem raios aquele simples Padawan pensava que era para deixá-la como uma adolescente imatura e sonhadora?

— Está muito bom, mesmo assim – ele disse. – Obrigado.

— Disponha – ela disse.

“Disponha”? Por favor, quem fala essa palavra nos dias de hoje?

Estava tão irritada consigo mesmo que temia que os dois Jedi conseguissem sentir sua inquietação na Força.

Antes que que esse tipo de pensamento pudesse dominá-la, a nave em que estavam saiu do hyperespaço e, pela imensa janela de vidro do cockpit, os três se viram diante de um imenso planeta florestal com inúmeros oceanos.

— Pronto! – anunciou Qui-Gon, sorrindo. – Já esteve em Takodana antes, duquesa?

— Nunca – Satine respondeu.

— Então, seja bem vinda – disse o Jedi. – Particularmente, acho que é um dos planetas mais bonitos que já estive. E você vai adorar a Maz. A pessoa mais hospitaleira de toda a galáxia.

Satine olhou maravilhada para a superfície de Takodana conforme a nave se aproximava. Mesmo à noite, a luz de suas luas deixava o ambiente claro o suficiente pra que se fosse possível ver o reflexo da nave sobre um dos lagos do planeta e para que fosse possível ver o contorno dos pinheiros nas margens.

Mas mesmo as exuberantes paisagens de Takodana não conseguiam chamar a atenção de Obi-Wan. Naquele momento, ele tinha olhos apenas para Satine. A jovem o havia enfeitiçado e, preso em um mundo sem pensamentos enquanto a admirava, Obi-Wan volto a sentir seu coração acelerado e a sentir os fios de cabelo em sua nuca de eriçarem. Sua mão ainda formigava, sem esquecer do toque de Satine...

Conforme a nave perdia altitude, Obi-Wan reconheceu a pequena criatura laranja na pista de pouso, acompanhada por um droid. Maz Kanata acenava alegremente para eles quando tocaram o solo.

— Qui-Gon Jinn  - ela disse alegremente quando o Jedi saiu da nave. – É um prazer imenso rever você depois de tanto tempo.

— Igualmente, Maz – ele respondeu, abaixando-se para abraçá-la. – Eu queria que minhas missões me trouxessem pra esse lado da galáxia com mais frequência. Não hesitaria em passar aqui pra tomar um drink com você.

Após descer da nave, Obi-Wan estendeu a mão para Satine. Como sempre fazia. Mas, naquele momento, os dois sabiam que ele não fazia aquilo apenas por educação. Ele era um viciado em abstinência e a pele de Satine era a sua droga. Precisava daquela sensação. Ele queria mais daquilo e, voluntariamente, evitava pensar nas consequências. Sabia o quanto aquele tipo de sentimento podia ser destrutivo para um Jedi, mas ele não conseguia evitar. Ele queria mais daquilo. Ele precisava de mais. A todo instante. Sentia-se terrivelmente culpado e sentia como se estivesse traindo a Ordem que o criara e o educara, mas queria muito mais daquele sentimento tão polêmico e... bom.

Satine permaneceu imóvel por alguns instantes, como se pensasse se deveria ou não prosseguir com aquilo.

Desde antes de Obi-Wan ser ferido, ela já sabia que sentia algo por ele. A culpa que sentia após os eventos em Corellia apenas traziam esses sentimentos de volta. Ela evitava que a palavra “amor” tomasse conta de sua mente, mas era quase inevitável. E, depois daquele rápido momento na cabine, ela sabia que Obi-Wan também sentia algo por ele. Ele, claramente, não estava conseguindo evitar de demonstrar aquilo e ela sabia muito bem aonde tudo aquilo poderia levá-los se ela encorajasse esse tipo de atitude. Talvez, recusar a mão dele para descer da nave fosse a atitude mais sensata. Mas não... Ela também queria aquilo... Ansiava desesperadamente por aquilo...

Sem pensar mais uma vez no assunto, ela segurou a sua mão enquanto descia da nave.

— Acredito que ainda não conhece a Duquesa de Mandalore? – perguntou Qui-Gon, virando-se para os dois.

E, nesse momento, Qui-Gon viu.

Não os dois de mãos dadas enquanto Satine descia da nave. Mas o brilho nos olhos deles. Um brilho que misturava paixão e luxúria. E Obi-Wan soube que seu mestre havia percebido isso: rapidamente, ele soltou a mão de Satine, fingindo que não era nada demais. Mas já era tarde demais. Qui-Gon era mais velho e muito mais inteligente do que ele.

— Não pessoalmente – respondeu Maz, adiantando-se até ela. – Mas já ouvi muito falar de você. Seja muito bem vinda à Takodana, milady.

— Obrigada – respondeu Satine cordialmente, acompanhando Maz e o droid até um speeder.

Lado a lado com seu mestre, Obi-Wan evitou olhá-lo. Ambos sabiam exatamente o que havia acontecido ali e ambos não queriam mencionar o assunto, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, teriam que fazê-lo.

“Maldita juventude”, pensou Qui-Gon.

 

Assim que adentrou o castelo de Maz Kanata por uma porta aos fundos, longe do imenso hall que funcionava como um bar para viajantes, Qui-Gon sentiu uma paz quase indescritível. Uma paz que não sentia nem mesmo no Templo Jedi em Coruscant, onde, teoricamente, deveria haver o mais perfeito equilíbrio. Sabia da história do castelo e sabia o quanto o local significava para os Jedi (o que o deixava muito curioso quanto ao fato de o Conselho nunca ter tentado reclamar a propriedade para si). Talvez, o Templo Jedi fosse politicamente caótico demais para que qualquer um pudesse se sentir plenamente bem lá.

— Eu sei o que está pensando – disse Maz, dirigindo-se para Qui-Gon. – E fique tranquilo. Já preparei uma almofada pra você nas catacumbas. Pode meditar lá o quanto quiser.

— E você ainda duvida de mim quando digo que você é a minha pessoa favorita na galáxia – respondeu o Jedi.

— Eu nunca duvidei – Maz rebateu, fingindo soberba e arrancando uma risada de seu hóspede. – Venham. Vou mostrar os quartos de vocês.

Eles subiram as escadas e, lembrando-se de todo o seu sofrimento com as bagagens em Corellia, Satine se sentiu muito aliviada por essas estarem sob a responsabilidade de um droide. Não ter que levar nada para o andar de cima além do seu corpo e do seu cansaço era quase um prêmio de consolação.

O amor de Maz por arte era visível a cada passo. Nos corredores do castelo, havia dezenas de quadros pendurados por todos os lados, além de inúmeras esculturas que, com certeza, ela não tinha permissão legal para possuir. Nada menos do que o esperado de uma rainha de piratas.

— Quem vai ficar nesse? – perguntou Maz, abrindo a primeira porta, alguns metros à frente do último degrau da escada.

— Fique você, Obi-Wan – orientou Qui-Gon. – Se precisar de alguma ajuda, pode me chamar.

— Obrigado, mestre – o rapaz respondeu, ainda incapaz de encarar o homem nos olhos. – Muito obrigado pela hospitalidade, Maz.

— Não precisa agradecer, querido – a pequena criatura laranja respondeu. – Sabe o quanto eu gosto de receber visitas e você e seu mestre são sempre uma das melhores! Quando terminar de se arrumar, venha até a sala de jantar. Vou ser uma bebida pra vocês. Lembra onde fica, querido?

— Obrigado, Maz – ele respondeu. – Em me lembro, sim. Estarei lá.

Lentamente, o aprendiz mancou para dentro do seu quarto e fechou a porta.

— Ainda bem que ele ficou nesse quarto – Maz se dirigiu a Satine. – Estou reservando um dos melhores do castelo para você, Duquesa.

— Por favor, senhora Kanata, eu não quero ser um incômodo – Satine respondeu, encabulada.

— Nenhuma visita nunca é um incômodo – a mulher respondeu. – E os únicos que me chamam de “senhora Kanata” são meus droides. Você não é um droide, é?

— Não – Satine sorriu.

“Hospitaleira”, Qui-Gon sussurrou quando Satine olhou para ele.

 

O sabre de Qui-Gon destruiu os dois blasters do homem simultaneamente. Mais um rápido movimento e o homem estava caído ao chão, com um profundo e doloroso ferimento cauterizado em seu joelho. “Não... Por favor”, Qui-Gon ouviu ele suplicar quando ergueu seu sabre de luz acima de sua cabeça, pronto para desferir o golpe que colocaria fim à todo aquele conflito em Dantooine.

Mas ele não o fez. Movido por uma moralidade que não era sua, o Jedi, recuou o gesto e desativou seu sabre ao mesmo tempo em que via um sorriso de satisfação no rosto daquele que teria sido sua vítima.

No instante seguinte, dezenas de imagens se projetaram diante de seus olhos. Ele conseguia se ver levando o homem preso até Coruscant. Conseguia ver os mestres do Conselho Jedi lhe parabenizando pelo feito. Conseguia ver os aliados de seu adversário se reorganizado, mesmo sem seu líder. Conseguia ver Dantooine cada vez mais destruída pela guerra enquanto os mestres do Conselho nada faziam para modificar aquela realidade. E conseguia ver aquele homem tão perigoso fugindo mais uma vez, de forma que todo o seu trabalho tinha sido inútil até então.

“Teria sido melhor deixá-lo vivo?”, milhares de vozes o questionavam.

“Não”, Qui-Gon respondeu.

“Então porque pensar isso te traz paz?”

“Porque teria agradado o Conselho?”

Houve um longo período de silêncio no qual Qui-Gon acreditou ter sido abandonado pelos espíritos dos Jedi que o circundavam. Como se aquela resposta tão medíocre o tivesse tornado indigno de suas presenças. Mas ele não era indigno. Era apenas um homem em dúvida.

“E desde quando Qui-Gon Jinn se preocupa em agradar o Conselho?”

Imediatamente, Qui-Gon abriu os olhos. A última frase não fora proferida pelas centenas de vozes que vinha ouvindo nos últimos minutos, mas por uma voz conhecida. Uma voz feminina fisicamente próxima a ele.

Assustado, ele se virou. Ali, nas catacumbas do castelo de Katodona, ao redor dos túmulos de dezenas de Jedi, Qui-Gon se viu na companhia de Maz Kanata. A mulher o olhava com respeito e admiração.

— Você é o melhor Jedi que eu já conheci, Qui-Gon – ela respondeu. – E eu tenho certa propriedade pra falar isso, eu tenho mais de novecentos anos de vida e já conheci centenas de Jedi. Se o seu julgamento não for o mais adequado, de quem vai ser?

— Aparentemente, do mestre Yoda e do mestre Windu – Qui-Gon respondeu.

Irritada com a resposta, Maz cuspiu no chão.

— Para o inferno com eles dois e a com soberba deles – ela resmungou. – Já houve um tempo em que os Jedi eram respeitados na galáxia por resolverem conflitos e trazerem a paz. Mas, muitas vezes, a paz precisa ser conquistada. Nos últimos séculos, os Jedi foram se esquecendo disso aos poucos, passando a venerar cada vez mais aquele Código medíocre e obsoleto de vocês. Sem ofensas – ela adicionou, quase que instantaneamente.

— Não ofendeu – Qui-Gon riu.

Imediatamente, Maz se sentou ao seu lado, no chão frio de pedra das catacumbas.

— Eu me lembro dos Jedi na Alta República – ela comentou, olhando pensativa para o túmulo mais próximo. – Se algum dia os Jedi foram guardiões da paz, com certeza foi naquela época. Quando os Jedi ainda eram uma ordem religiosa, não fantoches de um chanceler, precisando pedir permissão da República até para usarem o banheiro – nesse momento, ela se voltou para Qui-Gon. – Você não deve se sentir um Jedi menos competente por ser questionado pelo Conselho, meu amigo. É justamente isso que te faz grande! E a sua teimosia em desrespeitar o Conselho ainda vai ser decisiva para o futuro da galáxia.

Qui-Gon sorriu encabulado para ela.

— Obrigado pelas palavras, Maz – ele respondeu. – Mas me parece que está me dizendo isso apenas para me fazer sentir melhor. Porque é minha amiga.

— Mas é claro que sim! – a mulher rebateu, como se isso fosse óbvio. – Mas eu sinto isso, também. A Força me diz que você ainda tem um papel a desempenhar na grande ordem das coisas, meu amigo. Suas ações vão ecoar por gerações. Guarde minhas palavras.

— Uma responsabilidade muito grande, não acha? – Qui-Gon questionou. – E a Força te diz se isso vai ser bom ou ruim?

Dessa vez, foi Maz quem riu. Quase como se ela fosse uma grande e sábia mestra Jedi e Qui-Gon, apenas um aprendiz.

— E por que precisa ser um dos dois? – ela perguntou, por fim. – Por que não pode apenas... ser?

Qui-Gon tinha uma resposta preparada na ponta da língua. Obviamente, para se desmerecer e questionar suas ações, tal qual ditava a sua tendência em ser auto-depreciativo. Mas ele não o fez. Maz o olhava com ternura e, mais uma vez, o Jedi soube que ela lhe havia sido uma mestra.

— Equilíbrio, meu amigo – ela disse. – Equilíbrio! Mas hoje, não é noite disso. Hoje é uma noite para os meus hóspedes beberem até estarem completamente desequilibrados e não conseguirem mais andar – Maz se levantou e lhe estendeu a mão, já falando de forma muito mais animada. – Venha comigo, sim?

Qui-Gon aceitou a mão de Maz imediatamente, pondo-se em pé.

Talvez, ela estivesse certa. Era muito possível que ele estivesse se torturando com base na visão de pessoas que estavam longe de estarem certas. Afinal, soberba era uma característica que muitos Jedi atribuíam aos mestres do Conselho (mas apenas Qui-Gon tinha coragem para falar isso abertamente e, principalmente, diretamente para eles).

Juntos, o Jedi e sua anfitriã caminharam para fora das catacumbas, deixando o ambiente escuro frio e com cheiro de mofo enquanto subiam uma apertada escada em caracol no castelo. Quando mais degraus subiam, mais intensa se tornava a música que era tocada no grande hall, onde piratas e caçadores de recompensas confraternizavam sem nem imaginar que a Duquesa Satine Kryze estava a apenas alguns metros de distância deles.

— O que sabe sobre um caçador de recompensas chamado Hoovar? – Qui-Gon questionou.

Imediatamente, os olhos de Maz se arregalaram e ela parou de andar, olhando para ele.

— Onde ouviu falar dele? – a mulher questionou.

— Eu tive um encontro com ele em Mandalore – respondeu o Jedi. – Aparentemente, ele e sua Guilda foram contratados para eliminar a Duquesa.

Maz parecia em choque ao ouvir isso.

— O homem é um fantasma – ela respondeu. – Pelo que sei, já fugiu de diversas prisões e tem funcionários e espiões pela galáxia inteira. E ele tem um modus operandi muito peculiar. Gosta de chegar com antecedência nos locais onde vai agir, estuda o inimigo com riqueza de detalhes e, só então, age. E, quando ele termina, costuma deixar um rastro de destruição por onde passa. Por incrível que pareça, é um dos clientes mais pontuais que eu tenho. Nunca atrasou um pagamento e sempre deixa gorjetas maravilhosas pros meus funcionários.

— Por acaso é seu amigo?

— Sabe muito bem que eu separo a minha vida pessoal da minha vida profissional – Maz o repreendeu. – Eu jamais teria uma amizade com o tipo de pessoa que ele é, mas não nego que o admiro como cliente. De qualquer forma, eu sugiro ter cuidado com ele. Pelo que sei, Hoovar é do tipo vingativo e sádico. Pode ter certeza que ele está preparando uma morte lenta e dolorosa para a Duquesa e, com certeza, está preparando um destino bem semelhante pra você e Obi-Wan. Ele não sabe os nomes de vocês, sabe?

— Infelizmente, sabe – Qui-Gon respondeu.

Maz pareceu não gostar da resposta.

— Bem, nesse caso, eu sugiro que se mantenham longe dele o máximo de tempo possível – ela emendou. – Ele vai procurar vocês e, cedo ou tarde, vai achar. É melhor estarem preparados para esse momento, porque ele vai chegar. Na verdade, já chegou não é? O que você me contou... sobre o acidente em Corellia... tem muito a cara dele. Tem idéia de como ele pode ter rastreado vocês?

— Não consigo nem imaginar – Qui-Gon respondeu. – Foi o próprio Conselho Jedi quem nos enviou a nave que estávamos usando e o próprio mestre Windu me garantiu que ela foi inspecionada mais de uma vez.

— Como eu disse, o homem é um fantasma – disse Maz quando, finalmente, chegaram a um grande arco de pedra que separava o corredor em que estava de uma sala circular. – Você se lembra de quando o rei de Sullust foi encontrado morto dentro do palácio? Corre o boato no submundo de que isso foi obra da Guilda e de que foi o próprio Hoovar quem o matou – a mulher indicou o arco de pedra com a mão. – Depois de você, meu amigo.

Qui-Gon avançou, passando pela tapeçaria que pendia pelo arco da porta. Na sala, o Jedi encontrou váriso sofás dispostos ao redor de uma mesa de pedra, tudo em frente a uma lareira acesa.  Satine era a única pessoa sentada, enquanto um droide colocava uma série de bebidas sobre a mesa. A música que tocava no bar, andares abaixo, ainda chegava aos ouvidos dele com tamanha intensidade a ponto de ser confundida com uma música ambiente.

— Gostou dos seus aposentos, Duquesa? – perguntou Maz, tão alegremente que mal parecia estar conversando sobre um assassino cruel e perigoso apenas poucos segundos antes.

— Não poderia ter ficado mais satisfeita – a jovem respondeu. – Muito obrigada pela hospitalidade, Maz. Não sei como poderei te agradecer.

— Os amigos do mestre Qui-Gon serão sempre bem-vindos na minha casa – ela respondeu e, então, virou-se para o Jedi. – Sente-se, homem! Eu já volto.

Mas, antes mesmo que Qui-Gon pudesse obedecê-la, Obi-Wan juntou-se a eles na sala. Juntos, mestre e Padawan se sentaram lado a lado. Mas Satine respirou fundo quando o rapaz passou por ela. O cheiro do shampoo mentolado dele, mais concentrado do que nunca, era exatamente o que ela esperava sentir. Qui-Gon, claramente, esperava por qualquer manifestação do tipo, não se surpreendendo quando percebeu Satine acompanhando Obi-Wan com o olhar até que ele estivesse sentado.

— Pelo que ouvi, você está tentando instaurar um governo pacifista em Mandalore – questionou Maz, retornando à sala e se sentando ao lado de Satine.

— Estou, sim – a jovem confirmou. – Mas é mais difícil do que parece.

— Eu consigo imaginar – Maz parecia se solidarizar com ela enquanto servia bebidas. – Sem ofensas, mas os mandalorianos são muito teimosos. Suas idéias devem estar sendo encaradas como muito radicais e você deve estar enfrentando uma oposição difícil de lidar.

— É por isso que estou aqui, não é? – respondeu Satine. – Mas acredite se quiser, eu achei que a oposição ia ser maior... numericamente falando, claro... mas os poucos que estão se opondo estão conseguindo fazer bastante barulho.

— Eu detesto usar as palavras “certo” e “errado” – começou Maz. – Acho que certo e errado são dois conceitos que variam demais de lugar para lugar e de tempos e tempos. Existe o certo e o errado para cada situação e cada situação é uma diferente da outra. E as vezes, as pessoas não estão preparadas para perceberam que suas crenças já não mais certas para de novos tempos. Sejam essas pessoas nossos subordinados – Maz olhou para Satine – ou sejam nossos superiores.

Imediatamente, a mulher olhou para Qui-Gon. Um olhar rápido e certeiro que apenas o Jedi e seu Padawan conseguiram ver e apenas os dois entenderam. Maz, mais uma vez, retornava à conversa que ela e Qui-Gon tiveram nas catacumbas e, mais uma vez, ela deixava claro o seu ponto. Ela sorriu em solidariedade para Qui-Gon e no rosto do Jedi havia as feições mais claras de gratidão que alguém poderia fazer.

Satine foi a primeira pessoa a quem Maz entregou um copo, fazendo o mesmo para Qui-Gon e Obi-Wan após, antes de se apossar de um para si mesma.

— Eu achei que seria muito hipócrita servir algo de Mandalore pra você, Duquesa – disse a dona do castelo. – Mas, se preferir, posso buscar.

— De forma alguma – Satine lhe respondeu. – Eu fico grata por qualquer coisa que possa me oferecer.

— Nesse caso, saúde! – Qui-Gon interrompeu o diálogo antes que ele se transformasse em mais uma bajulação da realeza.

Todos ergueram seus copos e beberam. Seja lá o que fosse, a bebida era deliciosa, mas, para quem já havia sobrevivido ao rum de Serenno, quase não mexia com o cérebro.

— Gosta de dançar, Duquesa?

Imediatamente, os olhos de todos se voltaram de Maz para Satine, que não fora rápida o suficiente para parar de bater os pés seguindo o ritmo da música que vinha do bar.

Encabulada, ela demorou um pouco para responder.

— Gosto... – Satine assumiu. – Fazia parte das aulas de etiqueta da Corte. Mas já fazem anos que eu não danço.

— Obi-Wan dança bem – Qui-Gon emendou.

Quase que imediatamente, o aprendiz encarou o homem, tentando não deixar evidente em seu rosto o quanto se sentia traído pelo fato da informação ter sido divulgada daquela forma.

“Se você achou que eu não vi vocês dois saindo da nave, agora você tem certeza de que eu vi”, Obi-Wan ouviu a voz de seu mestre ecoar em sua mente.

— Seja um bom servo e mate a saudade da sua Duquesa, querido – rebateu Maz, com o único objetivo de deixar o rapaz ainda mais constrangido.

“O que você está querendo provar com isso, mestre?”, Obi-Wan rebateu, com raiva. “Qual a necessidade disso?”

— Eu... eu acho... acho que não consigo – o aprendiz gaguejou, finalmente desviando o olhar de Qui-Gon para Maz, mas sendo totalmente sincero em sua afirmação. – Minha perna ainda dói bastante – então, ele se virou para Satine. – Me desculpe, Duquesa.

— Não... eu... – Satine também parecia nervosa, incapaz de dizer a Maz que, apesar de gostar, ela não fazia a menor questão de dançar aquela noite. – Eu entendo...

— Mas eu consigo – Qui-Gon se levantou e caminhou até Satine, estendendo-lhe a mão. – Me acompanha, Duquesa?

Satine congelou, olhando de Obi-Wan para Maz e, dela, para Qui-Gon.

“Nós ainda vamos ter uma conversa sobre o que aconteceu na nave, Obi-Wan”, a voz de Qui-Gon voltou a ecoar na cabeça dele. “Disso você pode ter certeza.”

Diante dessa situação, Obi-Wan preferiu se calar.

Por fim, após um longo momento de silêncio, Satine aceitou a mão de Qui-Gon. Maz, animada, já estava em pé, afastando a mesa de centro para abrir espaço para que os dois pudessem se movimentar livremente.

A música que vinha do bar era animada. Qui-Gon parecia mais confortável com a situação e, no começo, Satine estava evidentemente constrangida, realizando movimentos duros demais para alguém que havia passado por aulas de etiqueta da Corte Mandaloriana. Mas aquela música estava longe de ser uma das que ela havia dançado nas aulas de etiqueta. Era uma música de piratas.

Mas Qui-Gon rapidamente desmontou o muro de timidez que Satine havia construído ao redor de si: em poucos minutos, ela o acompanhava alegremente, deixando que ele a conduzissem em movimentos rápidos e rebolados enquanto os dois riam.

Apesar de todo o constrangimento inicial, Satine percebeu o quanto precisava daquilo. Tirar seus pensamentos de Mandalore, por um único instante que fosse, já lhe trazia paz. Mas, ao mesmo tempo, ela se sentia culpada, pois sabia que os problemas estavam lá, apenas tomando uma dimensão cada vez maior e sem que ela tivesse controle algum sobre a situação. Mas, naquela noite, ela se permitiria esquecer dos problemas.

Pelo menos, um pouquinho.


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Notas finais do capítulo

Pessoalmente, eu AMEI escrever essas interações do Qui-Gon com a Maz. Apesar das minhas MUITAS críticas a nova trilogia de filmes, a Maz é uma das minhas personagens favoritas desses filmes e eu não conseguiria excluir ela dessa narrativa ♥

Contem o que acharam, amores ♥

Beijinhos!



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