Heaven & Hell escrita por Nightmare


Capítulo 7
Chapter 6. Dreamyard


Notas iniciais do capítulo

Bem vindos novamente o/

Espero que gostem do capítulo. Vejo vocês nas notas finais~



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Caroline fitou o visor do aparelho por alguns segundos antes de, finalmente, atender a ligação de seu XTransceiver. Soltou um suspiro desapontado ao fazê-lo, percebendo que quem a ligava não era a amiga desaparecida.

— Juniper? — a jovem de cabelos negros indagou, sem nem ao menos esforçar-se para esconder o desalento em sua voz.

Em qualquer outra situação, animaria-se de imediato com as informações que a Professora poderia trazer. No momento, porém, a preocupação tomava conta de seus pensamentos.

— Olá, Caroline. — a mulher de peculiares cabelos roxos pareceu perceber o desapontamento da menina, logo desmanchando seu sorriso. Entretanto, optou por não fazer perguntas. — Tenho algumas informações sobre a cidade de Striaton, estava esperando que chegassem para passá-las a vocês.

Juniper fez uma pausa, aguardando por qualquer sinal de interesse, animação ou curiosidade que pudesse ter despertado na jovem mas, quando isso não ocorreu, limpou a garganta e prosseguiu:

— Há um Ginásio ilegal nesta cidade, localizado no subsolo de um hotel. Vocês podem se inscrever

para batalhar contra o líder e conseguir outras informações no Mercado Negro. — a mulher afirmou, recebendo como resposta um aceno de cabeça da garota de cabelos negros. Após mexer em alguns papéis, continuou: E vocês chegaram à tempo de participar do Contest, que ocorrerá dentro de três semanas. A localização do evento, porém, ainda não é conhecida.

Uma certa animação percorreu o corpo da menina com a notícia, embora ela não transparecesse. A garota não possuía interesse em participar de Contests, onde o objetivo era demonstrar a beleza dos pokémons, mesmo que apreciasse tal iniciativa. Por outro lado, a ideia de ter uma batalha contra um líder de ginásio experiente lhe fez abrir um leve sorriso.

Ao sair de casa, Caroline abominava a ideia de forçar os monstrinhos a se ferir. Ela era incapaz de compreender o objetivo dessas lutas e as enxergava como formas de manifestação do egoísmo humano: o mesmo egoísmo que levara ao início da guerra que resultou na separação das duas raças.

Agora, porém, após assistir e participar de algumas batalhas, percebia que esses combates amistosos são prazerosos tanto para treinador quanto para pokémon. Além disso, fortalecem a relação entre ambos. Caso Leroy e Fire concordassem, ela certamente gostaria de passar pelo ginásio de Striaton. Algumas perguntas, porém, ainda cruzavam sua mente.

— Nós não tivemos muito tempo ou espaço para treinar ultimamente. — comentou Caroline. — Não acho que estejamos prontas para derrotar um líder experiente.

— Sim, eu sei. — um sorriso brilhante se abriu no rosto da mais velha, como se aquela situação já fosse esperada. — É por isso que fiz pesquisas e enviei alguns de meus aliados à Striaton algum tempo atrás. Eles fizeram um reconhecimento da cidade e acharam o lugar perfeito para treinos. — Juniper, que estava até então apoiada sobre uma mesa, pareceu levantar, indo até uma bancada próxima para verificar alguns papéis. — O local é conhecido como Dreamyard. Costumava ser um antigo centro de pesquisas pokémon mas, após a guerra, a área foi fechada e abandonada por completo. Está em ruínas, mas fornece o espaço e segurança necessários a seus companheiros.

— Tem certeza de que é seguro? — indagou Caroline, arqueando uma das sobrancelhas. Estava ansiosa para começar seus treinos, mas não o faria sem estar certa de sua segurança.

— Absoluta. — afirmou a Professora, ajeitando seus óculos. — Meus pesquisadores acamparam nessas ruínas por exatos dezesseis dias e, durante o período, não foram abordados por uma alma sequer.  

— Tudo bem, obrigada. — a jovem abriu um leve sorriso, tentando esconder a ansiedade que sentia para visitar o Dreamyard, sem sucesso. — Você já informou as outras?

— Bem, já falei com Sam, mas não consigo contatar Amy. — sua expressão foi tomada por dúvida, como se não entendesse porque a outra não respondia. — Será que vocês poderiam falar com ela?

— Claro. — respondeu a menina de cabelos negros, sem muito pensar.

Caroline não queria falar sobre o desaparecimento da terceira jovem tão cedo, para não deixar a Professora também preocupada. Caso Amy não retornasse nas próximas horas, no entanto, o faria sem hesitar. Além disso, a reação de Juniper mostrava que Sam também julgara ser melhor não entrar no assunto.

Após despedir-se e encerrar a chamada, voltou a tentar contatar a amiga perdida. Jamais pensara que poderia sentir tamanha preocupação por alguém que mal conhecia. Talvez isso ocorresse por finalmente ter encontrado pessoas com quem podia se relacionar, que possuíam os mesmos objetivos e ideais que ela.

E, saber que o tempo era o único fator capaz de lhe trazer respostas sobre Amy, apenas a irritava ainda mais. Caroline nunca gostara de sentar e esperar, ela preferia fazer. Não ter o poder de mudança em suas mãos a enlouquecia.

A garota se deitou sobre a cama, soltando um longo suspiro. Deparou-se, então, com sua mochila de viagem preta semi-aberta ao seu lado, o que a fez lembrar de seus pokémons. Estes com certeza gostariam de ser libertados novamente. A menina estendeu as mãos preguiçosamente, apanhando os dispositivos esféricos e pressionando seus botões centrais. Dois feixes de luz branca foram emitidos, logo revelando o Buizel e o Ponyta.

Firestarter, como sempre, apenas aproximou-se da treinadora, permitindo que ela o acariciasse. Leroy, embora um pouco mais familiar com o ambiente, movimentava-se rapidamente pelo espaço, buscando coisas novas. Não demorou muito para que encontrasse o controle da televisão.

— Wow, essa caixa é ainda maior que a outra! — a lontrinha vibrou, jogando-se na cama ao apertar o botão de ligar.

Após poucos segundos, a tela se acendeu, revelando algum desenho infantil. Como era o nome dele mesmo? Rob Concha Calça Redonda? A menina não fez muito esforço para recordar-se.

— Não é uma caixa, é uma televisão. — o Ponyta shiny bufou, revirando os olhos e gargalhando levemente. Logo depois, tornou sua atenção para Caroline, surpreendendo-se por não ouvi-la rir. Rapidamente, percebeu que algo a incomodava.

— Algo errado, Care? — indagou Firestarter, arqueando uma das sobrancelhas.

— Quando nos separamos na Rota, não conseguimos mais encontrar Amy. — a jovem de cabelos negros fez uma pausa, suspirando. — E não conseguimos falar com ela ainda.

— Ela deve estar bem. Só um pouco perdida, talvez. — respondeu o pokémon, com um sorriso reconfortante em seu rosto.

No fundo, porém, o cavalo branco não tinha tanta certeza de suas palavras. Quando foram atacados na floresta, poderiam ter se machucado muito, mas tiveram sorte. E, diferente de Caroline, que contava com a ajuda dele e de Leroy, Amy tinha apenas Kairi.

— Espero que sim. — suspirou novamente a menina, acomodando-se contra o travesseiro.

— Ela está bem, vamos assistir ao programa desta coisa amarela. — sugeriu o Buizel, logo após soltando uma breve risada ao ver Rob Concha cair sobre um recife de corais. E, dessa vez, Caroline juntou-se a ele.

Mais alguns minutos de programas infantis se passaram. A garota de cabelos negros finalmente começava a se distrair e perceber o quanto era sortuda por ter seus pokémons ao seu lado. E, naquele momento, não se arrependia de ter arriscado tudo o que tinha para sair em jornada. Afinal, se não o tivesse feito, jamais conheceria Leroy, tampouco teria a chance de experienciar uma batalha real. Esquecera-se da terrível ameaça e demonstração de poder do governo ao assassinar um homem e seu parceiro, já não mais lembrava-se dos riscos que corria toda vez que saía pela porta. Pelo menos, assim era enquanto descansava no quarto com seus amigos.

A calmaria, porém, foi interrompida por um apito agudo. Reconhecendo o som do XTransceiver, Caroline levou o relógio à frente do rosto, desapontando-se novamente ao ver que não era Amy.

— Oi, Sam. — ela tentou sorrir, mas logo arqueou uma sobrancelha ao ver a expressão da outra. — O que houve? — indagou. A preocupação invadiu-a novamente.

— Amy chegou no hotel. — informou a Sam, deixando Caroline ainda mais confusa. Aquilo não deveria ser algo bom? — Kairi está muito ferida. Venha pro quarto 506, é onde estamos.— pediu, respondendo a pergunta que estava na mente da outra e desligando em seguida.

Por alguns segundos, a menina de cabelos negros apenas encarou a tela do dispositivo, sem expressão alguma. Ainda estava processando as informações que recebera segundos atrás. E, então, lembrou-se de que precisava ajudar a amiga e sua pokémon.

Caroline levantou-se apressadamente, surpreendendo ambos os seus pokémons. A menina lhes deu uma breve explicação, retornando-os às suas respectivas pokébolas e guardando-os em sua mochila. Em meio à correria, deixou a televisão ligada, lembrando-se apenas de trancar o quarto para que ninguém entrasse ali. Desceu as escadas apressadamente até o quinto andar, encontrando o quarto citado por Sam sem muitas dificuldades. Não demorou mais do que alguns segundos até que a menina de cabelos brancos abrisse a porta, com a expressão preocupada ainda estampada em seu rosto.

Ao entrar, Caroline deparou-se com a chacal azul deitada sobre a cama. Seu corpo estava coberto por cortes, arranhões e hematomas de diferentes tamanhos. A Riolu respirava com dificuldade e mantinha seus olhos fechados, movimentando suas orelhas ao ouvir a porta se fechar. Ao seu lado, estava a garota de cabelos castanhos bagunçados e embolados, assemelhando-se a um verdadeiro ninho. Em seus braços sujos de lama, havia diversos cortes avermelhados. Considerando o estado da menina em comparação com suas roupas limpas, era possível dizer que as mesmas haviam sido trocadas - provavelmente, para que conseguisse andar pela cidade sem chamar atenção.

— O que… Aconteceu? — perguntou Caroline, com os olhos azul-marinho arregalados e a voz quase inaudível. Ao aproximar-se da cama, notou um vulto azul correr para trás das pernas de Amy.

— Está tudo bem, Iki. — suspirou a garota com um olhar cansado, fazendo o pokémon assentir.

— Amy e Kairi foram atacadas por um bando grande na floresta. Kairi ficou muito ferida. — explicou Sam, aproximando-se da chacal e da amiga. — Parece que esse Totodile salvou-as e as guiou até a saída da rota. A PokéDex de Amy ficou sem bateria, então ela não conseguia olhar o mapa.

Naquele momento, Caroline percebeu o quão sortuda havia sido por nenhum de seus pokémons - ou ela própria - terem saído feridos da batalha. Sentiu novamente os medos e preocupações invadindo-a ao notar que a amiga não compartilhara da mesma sorte, questionando a segurança de sua jornada e seu futuro. Seria aquilo, realmente, o melhor a se fazer? Não estava mais segura em lugar algum: nas cidades, corria o risco de ser descoberta por outras pessoas e, nas florestas, até mesmo as criaturas que defendia a queriam morta. Aquele sentimento terrível que tentava afastar desde que saíra de casa, voltava para assombrá-la sempre que as coisas pareciam melhorar.

Caroline tentou reprimir as emoções para concentrar-se no que realmente era urgente: ajudar Kairi. Vasculhou sua mochila em busca de uma poção, estendendo-a em direção à Riolu. Com o consentimento de Amy, ela borrifou o líquido cuidadosamente sobre os ferimentos da pokémon, que grunhiu ao tentar reprimir a dor.

Em seguida, Kahira entregou um rolo de ataduras para Sam. A garota de cabelos negros não havia percebido a presença da Salandit até então mas, como essa era irmã da chacal, provavelmente estava muito preocupada.

Por fim, todos os machucados da Riolu haviam sido tratados e grande parte de seus braços e pernas era coberta por faixas. Com as poções fazendo efeito, Kairi agora parecia ligeiramente melhor; talvez um pouco de descanso fosse o suficiente para que estivesse completamente sarada. Logo após, Sam e Caroline se ofereceram para ajudar a terceira garota a cuidar dos cortes que haviam sido abertos ao longo de seu corpo.

— Ela ficará bem. — exclamou Sam, sorrindo reconfortantemente para Amy.

— É, minha irmã pode ser mais fraca do que eu, mas também é dura na queda. — riu a Salandit.

— Cala a boca. — resmungou Kairi com a voz ainda fraca. Embora tentasse esboçar uma expressão irritada, não conseguia esconder um pequeno sorriso que se formava no canto de seu rosto.

— Obrigada, gente. — sorriu a menina de cabelos castanhos. Após tomar um banho, Amy parecia renovada. — Eu não quero nem saber o que teria acontecido conosco sem a ajuda de vocês. E, claro, a ajuda de Iki.

O Totodile sorriu, genuinamente feliz pela rápida recuperação da menina e sua pokémon.

— Er, Amy. — chamou Caroline por fim, fazendo com que a outra se virasse. — Quem é esse? — apontou o indicador para o jacaré azulado.

— Ah, esse é Iki. — apresentou, chamando o monstrinho para deitar-se em seu colo. — Ele apareceu quando estávamos sendo atacadas por quatro pokémons voadores. Ele nos salvou usando Protect e, com um poderoso Blizzard, congelou os selvagens. — ela sorriu orgulhosa para o pequenino.

— Então ele faz parte do seu time agora? — sorriu Sam, virando-se para a amiga de cabelos castanhos.

— Sim. — Amy sorriu alegremente. — Iki é mudo, mas sabe desenhar para se comunicar. Quando eu estava prestes a sair da rota, ele usou um graveto para riscar a terra e pediu que eu o levasse comigo.

O pokémon sorriu para a nova treinadora uma última vez, adormecendo em seus braços logo depois. As garotas conversaram um pouco mais antes de concordarem em retornar a seus quartos para descansar, pedindo que Amy avisasse caso precisasse de algo.

Quando todos os problemas haviam sido resolvidos e as duas outras deixaram seu quarto, Amy sentiu o cansaço invadi-la. Deitou-se na cama ao lado da já adormecida Kairi, agradecendo a Arceus por ela ainda estar viva.

 

***

 

Uma mistura de conversas, gritos de vendedores que anunciavam seus produtos, comandos feitos por treinadores: todos esses sons contribuíam para o grande barulho dentro do estabelecimento. O Mercado Negro de Striaton era muito semelhante ao de Accumula, embora um pouco mais amplo e sofisticado. Apresentava ainda mais guichês e barracas, em sua maioria armados em metal, onde estavam dispostos os mais variados produtos. Na extremidade leste do estabelecimento, estava localizado um campo de batalhas sutilmente mais preparado do que o da cidade anterior. Embora já houvessem passado tempo o suficiente em um daqueles enormes mercados subterrâneos, a mágica e beleza do local ainda as encantava. Durante todos os seus anos de vida, jamais haviam imaginado a existência de um mundo longínquo, embora tão perto de seu alcance, onde quebrar as regras era sinônimo de alegria. Onde ambas as raças, que se tornaram inimigas devido às circunstâncias, podiam coexistir em harmonia novamente. Um lugar longe de todos os sentimentos ruins, das críticas e do egoísmo. Um pedaço do céu em meio ao inferno.

Após conseguirem o tão esperado descanso, dormindo durante o fim da tarde e início da madrugada, as três jovens finalmente sentiam-se renovadas. Haviam se reunido no quinto andar do hotel, às quatro da manhã em ponto, para que pudessem fazer uma visita ao mercado ilegal da cidade e reabastecer. Afinal, após os acontecimentos na rota, haviam utilizado grande parte dos artigos de recuperação que possuíam.

Embora o local não fosse tão próximo de sua hospedaria como anteriormente, apenas tiveram de seguir as coordenadas enviadas por Juniper e se dirigir até os arredores de Striaton, logo ao lado do citado “Dreamyard”, onde certamente passariam após finalizarem suas compras.

— Acordar cedo assim deveria ser ilegal. — bocejou o Buizel, caminhando preguiçosamente atrás do grupo. Os outros pokémons libertos também aparentavam sono, o que era compreensível.

— Tudo o que estamos fazendo é ilegal. — respondeu Fire com os olhos cansados, porém, esforçando-se para ficar atento.

O Ponyta entendia que, com a proibição da convivência entre pokémons e humanos, não era possível frequentar lugares como o Mercado Negro enquanto o movimento nas ruas fosse alto. Por isso, tinham sempre de fazê-lo de madrugada, cedo da manhã ou tarde da noite, para evitar serem seguidos e levantar suspeitas.

Enquanto Caroline, acompanhada das outras duas amigas, dirigia-se à uma barraca específica, podia ouvir um som agudo que se repetia frequentemente. Ela não demorou muito para perceber que este era emitido por um celular. Mais especificamente, o de Sam, a julgar pela luz vermelha que piscava no bolso de trás da garota toda vez que o som se repetia.

— Acho que seu celular está tocando. — informou a menina de cabelos negros, arqueando uma das sobrancelhas. Por que a outra nem ao menos checava seu aparelho?

— Ah, são só mensagens da operadora. — a jovem de incomuns cabelos brancos deu de ombros, relatando aquilo no tom mais normal possível, em uma tentativa de esconder a mentira.

Sam sabia quem estava lhe mandando aquelas mensagens. Ou melhor, não sabia, mas tinha medo de tentar descobrir. Apenas tinha certeza de que era o mesmo número que lhe enviara a peculiar mensagem de texto no dia anterior. Desde a primeira, muitas outras haviam chegado, dentre as quais “why wont u answer me”, “ur silence is slowly killing me”, “serio po fala cmg pls :(“, e até mesmo algumas envolvendo seu próprio nome, como “watcha doin Sammie”. Em um contexto normal, a garota acharia a situação engraçada. Porém, desde que aceitara a proposta de Juniper, tinha de estar sempre alerta e tudo a deixava tensa.

A cada segundo, ficava mais assustada: como haviam descoberto seu número? Seria um agente do governo, tentando fazê-la confessar sobre estar abrigando pokémons? Talvez Caroline e Amy pudessem ajudá-la, caso lhes contasse. A garota sacudiu a cabeça em um movimento brusco, tentando ignorar a situação por hora, e ativou o modo “mudo” do celular. Ela descobriria o que fazer posteriormente.

Sam finalmente saiu de seus devaneios ao ouvir a voz da menina de cabelos negros, percebendo que chegara ao local onde diversos tipos de medicamentos eram vendidos.

— Eu gostaria de quatro poções e um antídoto, por favor. — Caroline pediu ao vendedor, esboçando um sorriso.

Ao receber os produtos do vendedor, a menina procurou por sua carteira. Retirou o dinheiro cuidadosamente, engolindo em seco ao perceber que não lhe restava muito mais. Quando saiu de casa, havia trazido uma quantia considerável, mas esquecera-se de que já estava fora por quase duas semanas e tivera altos gastos com comida e hotéis. A garota entregou o pagamento ao vendedor, apanhando os frascos e guardando-os cuidadosamente em sua mochila. Em seguida, retirou-se para que as outras duas também pudessem fazer seus pedidos.

Caroline recontou as poucas notas que ainda possuía para se organizar melhor. Soltou um suspiro tenso ao contar pela segunda vez: lhe restavam 60 dólares, apenas.

— O que houve? — perguntou o cavalo de crina azulada, aproximando-se da treinadora ao perceber sua expressão aflita.

— Não nos resta muito. — exclamou a garota, mostrando-lhe a carteira antes de guardá-la.

— Nem a nós. — informou Sam, que acabara de finalizar suas compras. — Não conseguiremos comprar mais mantimentos com isso.

— Digo o mesmo. — suspirou a terceira garota, acariciando o topo da cabeça do Totodile adormecido em seu colo. — Acho que só há um modo de conseguirmos mais. — com as expressões curiosas das outras, Amy continuou: — Temos que trabalhar.

— Trabalhar? — indagou Caroline, de certa forma incrédula.

A menina de cabelos negros jamais havia trabalhado em toda a sua vida. Além disso, desde que aceitara seguir essa nova vida, tornara-se praticamente nômade: vagava de cidade em cidade. Como poderia conseguir um emprego fixo em condições como aquelas?

— Bem, não um trabalho de verdade. — esclareceu Amy, dando de ombros. — Vocês têm um talento ou algo do tipo? Podemos usufruir dessas habilidades para conseguir um dinheiro. — percebendo que as outras pareciam extremamente confusas, soltou um leve riso antes de continuar. — Como músicos de rua! Esperam receber trocados para comer e sobreviver em geral. Podíamos fazer algo do gênero.

Sam e Caroline se entreolharam, começando a compreender o que a amiga queria dizer. Aquela parecia realmente ser a melhor forma de conseguir dinheiro. Ainda não tinham certeza se obteriam o suficiente desse modo, porém, ainda teriam o dinheiro que receberiam caso derrotassem os líderes de ginásio - uma quantia bem justa, pelo que lhes haviam dito.

— Eu sei desenhar. — informou a garota de incomuns cabelos brancos, respondendo a pergunta feita por Amy segundos antes. — Talvez consiga algum dinheiro vendendo porta-retratos de pessoas e paisagens, ou até mesmo pokémons. Posso anunciá-los aqui mesmo no Mercado Negro.

— Ótimo! — sorriu a garota de cabelos castanhos, batendo palmas em alegria e comemoração. Estava feliz por sua ideia ser aceita. — E você, Caroline?

— Eu… Não sei. — a garota fitou o chão com seus olhos azul-marinho, como se procurasse por respostas. Ela não possuía nenhum dom ou talento especial, como poderia ganhar dinheiro?

— Care. — chamou o cavalo de crinas flamejantes ao seu lado, com um sorriso brilhante em seu rosto. — Nós podemos correr.

Sem ao menos tentar esconder sua felicidade, a garota de cabelos negros sorriu, com um novo brilho em seus olhos. Memórias de anos atrás voltaram à sua mente: sua mãe montada em sua Rapidash, atravessando a linha de chegada à frente de qualquer outro corredor, vencendo com destreza e mérito. As pessoas na arquibancada, inclusive a pequena menina, cujos olhos azul-marinho eram semi-cobertos por sua franja negra. Ela se lembrou também de três semanas depois do evento, quando Firestarter nasceu, e de sua mãe ensinando-a a montar os cavalos. Podia ouvir novamente o riso alegre do Ponyta shiny ao percorrer a pista pela primeira vez, sentir a felicidade que invadira os dois, a emoção e a adrenalina. Sua jornada poderia lhe dar uma chance de se tornar uma famosa corredora, assim como sua mãe.

— Sim, podemos correr. — afirmou a garota por fim, virando-se para as outras duas em seguida. — Eu e Fire costumávamos treinar na pista amadora que havia em nossa fazenda. Posso procurar me informar sobre as próximas corridas que venham a acontecer; deve ter uma aqui em Striaton. — exclamou, acariciando o focinho do Ponyta, como se o agradecesse pela ideia.

— Perfeito! — Amy vibrou, animando-se. — E eu tenho esse hobby desde criança… — continuou, puxando uma câmera profissional da bolsa transversal que carregava consigo. — Costumava tirar muitas fotos para passar o tempo e aprendi alguns truques. Posso vender fotografias de paisagens online e vir para o Mercado Negro quando não estiver treinando, assim poderei também fazer imagens de pokémons e outros treinadores. — explicou, alegrando-se ao ver o sorriso das duas.

As três se entreolharam por um momento, rindo logo em seguida. A cada passo que davam, pareciam deparar-se com um novo problema. Porém, até agora, haviam conseguido resolvê-los antes mesmo que estes se tornassem algo maior. Não seria qualquer obstáculo que as pararia.

— Acho que devíamos ir logo para esse tal de Dreamyard, já que acabamos por aqui. É melhor começarmos a treinar o quanto antes. — sugeriu Sam, tomando a frente e sendo seguida pelas outras duas jovens.

As três não muito disseram antes de retornar seus pokémons - afinal, logo os libertariam novamente. Kahira e Leroy nem ao menos resmungaram ao serem sugados para dentro das esferas, como costumavam fazer antes. Parecia, inclusive, que ambos começavam a ver suas novas casas temporárias como um espaço onde podiam descansar e recuperar suas energias. Iki, recém capturado, também não aparentava incômodo ou receio ao ser envolto pela luz vermelha do dispositivo. Na verdade, ele parecia estar surpreendentemente acostumado com aquilo.

Após guardarem as esferas bicolores em suas mochilas novamente, onde estariam em segurança, as jovens seguiram juntas até a saída de pedra do grande mercado. O processo de saída era mais simples do que o de entrada: era necessário apenas apertar um botão vermelho sobre um painel.

As escadas que levariam de volta à superfície eram ligeiramente mais longas do que as do estabelecimento ilegal em Accumula. Refizeram o caminho pelo qual passaram para chegar até se depararem com uma porta de madeira, a qual abriram lentamente. Olharam para os lados ao adentrarem o casebre, certificando-se de que não haveria ninguém as observando. Os processos de segurança tornavam-se cada vez mais normais às meninas, já que precisavam estar sempre atentas.

Ao sair, Caroline virou-se para trás uma última vez, observando a humilde casinha escondida por mata alta. Ela não conseguiu evitar o sorriso que iluminou seu rosto ao pensar em quão inteligentes e dedicados seriam aqueles que construíram todos aqueles estabelecimentos. Os locais cautelosamente escolhidos, a divulgação sigilosa do estabelecimento, a construção dos túneis e mesmo do espaço subterrâneo, o seguro procedimento de entrada que permitia apenas a entrada daqueles que possuíam pokémons. Era incrível ter a certeza de que, mesmo em um mundo tão caótico, ainda havia pessoas dedicadas que se opunham à opressão e lutavam para permanecer ao lado de seus fiéis companheiros.

Aquele fora um dos motivos que fizeram Caroline aceitar a proposta de Juniper. E ela não voltaria atrás tão facilmente.

Após não muito andar, o grupo se deparou com uma enorme parede de pedra que aparentava não ter fim. Era alta e forte, embora possuísse algumas rachaduras e até mesmo buracos. As garotas seguiram até um grande arco de mesmo material, também em condições não muito boas.

— … Nossa. — Amy foi a primeira a murmurar algo, enquanto as outras continuavam boquiabertas e sem palavras.

O local era enorme e, mesmo que parte dele fosse aberta e vulnerável a ações exteriores, havia ainda uma grande parte coberta que traria mais segurança. A construção se assemelhava muito à uma espécie de castelo antigo, que fora há séculos parcialmente demolido e seus destroços sofriam com o intemperismo até os dias atuais. Havia uma grande quantidade de pilastras brancas espalhadas pelo amplo espaço, muito similares àquelas utilizadas em construções importantes de antigos impérios. Pouco mais acima, algumas plataformas de cimento estavam grudadas às paredes rochosas - muitas delas destruídas, tendo à mostra partes de materiais que antes lhes conferiam sustentação, como vigas e arames enferrujados. A construção abandonada lembrava muito um labirinto, já que possuía diversas paredes formando o que aparentavam, um dia, terem sido corredores. Era impossível enxergar o que havia atrás das mesmas, a menos que realmente se aproximasse: isso certamente ajudava a esconder pokémons. Talvez, por isso, houvesse sido escolhido como um local de treinamento.

Mas porque era chamado de “Dreamyard”? As ruínas podiam facilmente ser confundidas com um grande quintal de um palácio antigo, mas não havia nada de majestoso e fantasioso sobre o local. Salvo talvez pelo fato de que, ali, o contato com pokémons era possível. Teria aquele nome sido criado especialmente por treinadores atuais, como uma alusão ao eterno sonho de um dia, talvez, poder recuperar o antigo mundo no qual viviam?

— Acho melhor termos cuidado. — sugeriu Caroline ao ver a amiga de cabelos castanhos saltitar animadamente para dentro do local. — Não sabemos se isso está realmente vazio…

— Juniper disse que era seguro. — a garota deu de ombros, o sorriso ainda brincando em seu rosto. — E talvez possamos achar até…

— Não diga a palavra com “p”. — repreendeu Sam, antes que a outra pudesse continuar. Não gostava de ser tão paranóica e protetora, porém, excesso de cuidado jamais era demais em tempos como aquele. Não queria, por descuido, ver sua vida e liberdade irem por água abaixo.

Não de novo.

Memórias de sua infância voltaram à sua mente. O odor de morte ainda a assombrava, o gosto de sangue, o cheiro de queimado…

Sam sacudiu a cabeça antes que as outras pudessem perceber seu comportamento alterado. A menina não costumava guardar segredos, mas também não gostaria de revelar seu passado - isso significaria revivê-lo. Respirou fundo antes de dar seu primeiro passo, os olhos analisando cautelosamente tudo à sua volta.

Demorou-lhes alguns segundos para que pudessem observar cuidadosamente cada um dos enormes corredores, constatando que eles realmente lhes forneciam espaço, materiais e camuflagem o suficiente para treinarem. Identificaram até mesmo locais onde poderiam se esconder, caso sentissem a presença de mais alguém pela área. O trio parou no que deveria ser o último “quarto” daquela construção destruída, analisando os arredores. Era espaçoso e apresentava quatro pilastras. As quatro paredes ali, diferente de muitas outras pelas quais passaram anteriormente, não possuíam qualquer tipo de buraco que pudesse comprometer seu esconderijo. Parecia perfeito, assim como Juniper lhes havia informado.

— Parece seguro. — suspirou Caroline, olhando mais uma vez ao redor para certificar-se do que havia dito.

— De fato. — concordou Sam, agora menos tensa.

— Então, o que estamos esperando? — sorriu a terceira jovem, lançando suas duas pokébolas ao ar.

Quando o intenso brilho branco que emanava dos dispositivos cessou, pôde-se ver Kairi e Iki logo à frente. A Riolu demonstrou certa curiosidade quanto ao local diferente onde estavam, embora não fizesse menção alguma de explorá-lo ou perguntar qualquer coisa. Sua aura lhe dizia que aquele terreno baldio era seguro; aquela era toda a informação necessária.

Já o jacaré azulado correu em direção à sua treinadora assim que a viu. Abraçou suas pernas com um sorriso genuinamente feliz estampado em seu rosto.

— Fire e Leroy, saiam também! — exclamou a menina de cabelos negros, apertando o botão central de suas duas pokébolas simultaneamente.

— Wow. — suspirou o Buizel, olhando ao seu redor. Impressionou-se com a grandiosidade do espaço onde estava; nunca havia visto nada parecido. — Que incrível! — sorriu, logo correndo para analisar cada pilastra derrubada.

— Onde estamos? — indagou o cavalo de crina flamejante após uma leve risada. Ele admirava o local tanto quanto a lontra caramelo, embora fosse mais calmo.

— Chamam esse lugar de Dreamyard. — respondeu Caroline, acariciando o focinho do pokémon. — Pensamos em vir aqui para treinar um pouco. Precisaremos disso para enfrentar Ginásios e nos defender de possíveis ameaças.

Sam observou as outras criaturinhas libertas por alguns segundos antes de levar as mãos à mochila, apanhando uma esfera bicolor. Lançou o dispositivo ao ar, o qual abriu em meio caminho, emanando um feixe de luz que logo tomou a forma da Salandit.

— Pode aparecer também, Omen. — Sam sorriu por cima de seu ombro, observando a silhueta azulada de seu Shuppet surgir.

— Aqui tem bastante espaço para uma luta. — observou a reptiliana negra, com um sorriso já formando em seu rosto.

— Você nunca se cansa disso não? — a Riolu revirou os olhos, de certa forma aborrecida quanto ao comportamento da irmã. Embarcar em uma viagem tão perigosa requeria um pouco mais de sensatez e maturidade.

— Talvez diga isso por saber que não consegue me vencer. — desafiou a Salandit, irritando ainda mais a chacal azul.

— Você quer uma batalha? Eu vou te dar uma batalha. — Kairi semicerrou os olhos, transparecendo sua raiva. Começou a avançar em direção à irmã, mas foi interrompida por sua treinadora.

— Não queremos que vocês se machuquem à toa. Especialmente você, Kairi. Você precisa repousar até que seu corpo esteja completamente curado. — repreendeu Amy, separando as duas. — O tipo de treinamento que vamos fazer é individual.

— Tá, também serve. — Kahira bufou, porém logo animou-se novamente. — Preciso mesmo testar uns novos combos com meu bastão. — sorriu, estendendo o objeto de madeira e colocando-se em posição de ataque.

— Mas… O que devemos fazer, exatamente? — indagou a garota de cabelos negros, os olhos azul-marinho expressando confusão.

Caroline jamais havia feito qualquer coisa do tipo. O mais próximo que chegara de treinar era quando percorria a pista de obstáculos com Fire, mas isso não envolvia a execução de qualquer tipo de ataque.

— Não sei muito sobre o assunto também. — Sam deu de ombros, fitando o chão. O universo em que vivia agora era extremamente novo para ela; antes de aceitar seguir aquele caminho, nem ao menos havia batalhado.

— Nós podemos ajudar. — disse o robusto cavalo, referindo-se a ele e os outros pokémons. — Ninguém conhece nossas forças e fraquezas melhor do que nós mesmos.

— Uhm… — Sam ficou pensativa, sorrindo em seguida. — Podemos tentar.

As três se organizaram rapidamente no amplo espaço, mantendo uma distância segura entre si para que pudessem treinar. Não muito mais conversaram após, cada uma tentando concentrar-se no que fazer.

Caroline decidiu analisar em sua PokéDex os golpes conhecidos por seus pokémons mais uma vez. Ao ser apontado para cada uma das criaturinhas, o dispositivo prontamente listou seus movimentos, bem como uma breve descrição de cada um. Em seguida, a menina suspirou, pensativa. Obviamente, treinar ataques diretos seria importante para que sua força aumentasse, mas precisaria de estratégias também. Aquele seria seu momento de experimentar e utilizar sua imaginação ao máximo para criar formas de defesa, mesmo que nunca houvesse treinado pokémons em toda sua vida.

— Leroy. — a garota chamou, por fim, após seu longo silêncio. — Nunca tive a chance de ver o que você consegue fazer. — abriu um sorriso. Estava animada para assistir aos ataques do Buizel. Porém, tinha algo diferente em mente. — Você viveu em uma floresta por muito tempo, provavelmente teve de batalhar algumas vezes.

— Sim, foi desse modo que eu e Kahira nos conhecemos. — informou a lontra caramelo, ajeitando a gravata borboleta preta em seu pescoço. Estava ansioso para começar o treino.

— Você usava alguma técnica para se defender? — indagou, ansiosa para ouvir a resposta

— Bem, eu às vezes usava o Water Gun contra o chão para desviar. — o pokémon desviou seu olhar, fitando a grama verde do local e colocando uma de suas mãos sob o queixo, pensativo. Não demorou muito para que um brilho tomasse conta de seus olhos negros, fazendo-os parecer diamanntes. — Ou também assim.

Sem hesitar, o Buizel se lançou ao chão, criando um certo estranhamento na menina. Não lhe deu a chance de perguntar o que iria fazer, pois logo começou a girar rapidamente de barriga para cima, empurrando sua cauda contra o chão para ganhar impulso. Em seguida, disparou um jato de água que, para acompanhar o movimento, era forçado a formar uma espiral ao redor da lontra. Daquela forma, conseguia criar uma espécie de fluxo de água veloz à sua volta, que parecia ter força o suficiente para destruir objetos que tentassem ultrapassá-lo.

— Incrível. — murmurou o Ponyta shiny, incrédulo e genuinamente impressionado, enquanto Leroy cessava o movimento e levantava, levemente tonto após tanto girar.

— Você acha? — um certo orgulho invadiu o pokémon, fazendo-o sentir-se poderoso.

— Sim, isso foi realmente muito bom! — afirmou Caroline, com uma nova ideia em sua mente. — Se podemos fazer isso com água… Por que não com fogo? — um brilhante sorriso brincou em seu rosto, enquanto desviava seu olhar para Firestarter.

— Posso tentar. — o cavalo de crinas azuis sorriu, determinado. Seus olhos adquiriram um novo brilho e ele estufou o peito, concentrando a maior quantidade de oxigênio que conseguira, pronto para começar seu treino.

Sam estava junto a seus dois únicos companheiros, de frente para a parede oposta àquela onde Caroline realizava seu treino. A menina de peculiares cabelos brancos instruía Kahira em seus ataques com uso do bastão, enquanto Omen praticava seu Night Shade, tentando destruir pequenas rochas a sua volta.

— Vocês estão indo muito bem. — parabenizou Sam, impressionada. Ambos os pokémons pareciam se esforçar ao máximo e obedeciam plenamente seus comandos. — Omen, tente agora concentrar-se em objetos maiores, como aquelas… — antes que pudesse completar sua frase, foi interrompida por uma música familiar: o toque de seu telefone.

A jovem de cabelos brancos levou sua mão ao bolso traseiro da calça, retirando de lá seu celular. Franziu ao fitar a tela, reconhecendo de imediato o número ali estampado: era o mesmo que estava lhe enviando as peculiares mensagens de texto desde o dia anterior. Ela ignorou a chamada, colocando o aparelho no mesmo lugar onde estava. Mas, poucos segundos depois, pôde ouvir o som irritante novamente. Clicou em “ignorar chamada” mais uma vez.

— Você não vai atender? — a reptiliana arqueou uma das sobrancelhas, pausando seu treino por um momento e correndo as mãos por seu moicano violeta, ajeitando-o.

— Não é ninguém importante. — bufou a garota, visivelmente irritada. Começava a achar que era apenas uma criança lhe passando um trote e rezou para que ela parasse em breve. Mas não foi bem isso que aconteceu.

O celular continuou a tocar. Não importava quantas vezes Sam recusasse a chamada, sempre ligavam de novo. Pensou em desligar o aparelho para se concentrar em seu treinamento, porém a raiva a impedia de agir com sensatez. Impulsivamente, a menina pressionou o botão verde na tela do celular, atendendo a chamada.

— O que diabos você quer?! — gritou a garota, enfurecida. Mas, para sua surpresa, não era um agente do governo do outro lado da linha, nem uma criança qualquer passando trotes.

— … Sam? — a familiar voz masculina transparecia confusão. Por que a garota estava com tanta raiva?

— J-Josh? — gaguejou, arrependendo-se do que havia feito. Jamais esperaria que, em meio a tantas chamadas daquele número desconhecido, o amigo poderia ligar. — Desculpe, achei que fosse outra pessoa e… Deixa pra lá. O que houve?

— Ah. Uh. — a confusão ainda estava presente na voz do rapaz, mas ele decidiu ignorar aquilo no momento. — Enfim, onde você está?

— Treinando no Dreamyard. — Sam deu de ombros. Para que ele queria saber? E duvidaria que o moreno conhecesse o local, de qualquer modo.

— Ah, então já estão em Striaton. Estou indo aí, imagino que você precise de ajuda com seu treino. — exclamou o rapaz, serenamente, o que causou certa surpresa em Sam: então ele sabia onde o Dreamyard ficava? Talvez aquele fosse, de fato, um local de treino comum para outros treinadores.

— Espera, o que te faz pensar que eu preciso de… — a jovem finalmente pareceu se dar conta das palavras do amigo e estava prestes a responder, irritada. Porém, antes de terminar sua frase, pôde ouvir o som da ligação sendo finalizada, e bufou.

Alheia à confusão, Amy continuava a treinar seus pokémons individualmente no centro da área. Devido à condição atual de Kairi, pediu que a Riolu treinasse sua aura, algo que não exigiria muito de seu físico mas trabalharia bem sua mente. Apesar da chacal preferir trabalhar suas habilidades de combate, ainda sentia-se cansada e acabou por concordar com a treinadora. Assim, sentou-se em um canto e fechou os olhos, permitindo que os órgãos alongados na parte traseira de sua cabeça se elevassem, sentindo as vibrações do ambiente enquanto seu corpo adquiria uma aura azulada.

Enquanto isso, a garota de cabelos castanhos optou por fazer um treino diferente com seu Totodile, que ajudaria os dois a se conhecerem melhor. O pequenino era incapaz de falar - provavelmente por um motivo relacionado à cicatriz em seu pescoço - e, por isso, sentia dificuldades ao se comunicar com a nova treinadora. Tentando minimizar essa barreira, Amy decidiu que o ensinaria a escrever, algo pelo qual o jacaré azulado pareceu se interessar de imediato. Até então, sua principal maneira de transbordar seus pensamentos era através de desenhos confusos que fazia na terra e a única palavra que conhecia era seu próprio nome. Agora, ele tinha um bloco de notas e uma caneta que lhe foram dados por sua treinadora. Ainda levaria tempo para que ele aprendesse uma quantidade suficiente de palavras para se comunicar com clareza, mas Iki estava disposto e animado para tentar. 

Quase uma hora de treino se passou, até que as três jovens decidiram que seria melhor parar um pouco para que seus pokémons pudessem descansar - afinal, não queriam sobrecarregá-los. O propósito de estarem praticando era justamente para que ficassem mais aptos a se defender, não mais vulneráveis.

As garotas se reuniram no centro do espaço que adotaram como “área de treino”, retirando de suas mochilas garrafas de água e tigelas, onde colocaram ração e pokéblocos para seus pokémons.

— Como foi o treino de vocês? — indagou Amy animada, abrindo um pacote de biscoitos de aveia.

— Melhor do que o esperado. — Confessou a garota de cabelos brancos. De fato, não havia tido muitos problemas.

— Sim. — concordou Caroline. — Conseguimos praticar algumas táticas de defesa. — deu de ombros.

— E nós, de ataque. — informou a jovem de cabelos castanhos, degustando seus biscoitos.

A conversa continuou por mais alguns minutos. O céu estava azul, iluminado pelo astro dourado que trazia uma temperatura agradável. Deveria ser em torno de meio dia: ainda dispunham de tempo suficiente para treinarem. E, mais tarde, poderiam até mesmo conhecer a cidade e, mais importante, exercer seus novos “trabalhos” pela primeira vez.

O dia estava sendo ótimo. As garotas puderam passar mais tempo do que o comum com seus pokémons ao ar livre, sem ter de se preocupar demais com pessoas observando-as - embora nunca estivessem completamente desatentas. Era quase como se houvessem voltado no tempo por algumas horas, experimentando a vida de treinadores antes da guerra: treinando com seus amigos, livres de qualquer medo. As ruínas conhecidas como Dreamyard, antes criticadas por sua aparência drástica, eram agora vistas pelas meninas como o castelo que já fora algum dia.

Os pokémons das três também aproveitavam o tempo livre que tinham para conversar entre si, visto que eram raros os momentos em que podiam ficar juntos e compartilhar momentos com calma. Chegaram até mesmo a discutir estratégias.

— Treinamos algumas técnicas de defesa. — O Ponyta afirmou, deitando-se no chão para degustar seu almoço.

— E eu, meus combos com o bastão. Vocês precisam ver o que eu consigo fazer agora. — gabou-se a Salandit.

— Claro. — a Riolu revirou os olhos e, embora quisesse rir por dentro, nem ao menos esboçava um sorriso. Ela era capaz de esconder muito bem suas emoções.

— Você estava bem preguiçosa hoje, né Kairi? — o Buizel brincou, engolindo um pokébloco em uma só mordida. — Só ficou dormindo sentada.

— É o que?! — rosnou a chacal, fitando o outro. — Eu estava treinando a minha aura, seu tanso!

— Claro. — o Buizel riu. — Depois de ensinar uns truques para o pônei... — a lontrinha apontou para seu companheiro de time, que apenas bufou em resposta, antes de continuar: — … Fiquei entediado e resolvi ver os outros treinando. Você nem sequer abria os olhos. Dava até pra ver uma babinha escorrendo da sua boca. — ele gargalhou de leve.

Em um movimento rápido, a Riolu saltou do chão, agarrando o Buizel por sua gravata borboleta. Ergueu-o habilidosamente, pressionando-o contra uma das paredes de pedra do local.

— Como é? — Kairi apertou o peito do pokémon apenas com a força de seu antebraço, dificultando sua respiração. Seu controle de raiva nunca fora dos melhores, mas ela não o achava inapropriado no momento.

— E eu que quero sempre batalhar. — Kahira revirou os olhos, ignorando os dois e continuando a comer normalmente.

— Gente, vamos tentar não nos matarmos, por fa… Uh? — ao levantar-se para interromper a briga infantil, Firestarter acabou deparando-se com uma cena curiosa, fazendo-o arquear uma de suas sobrancelhas.

Próximo à sua treinadora, estava uma criatura que nunca antes vira: lembrava muito algum tipo de felino, embora fosse difícil dizer com certeza de longe. Analisou a situação por mais alguns segundos, assim como os outros pokémons, intrigado com o que ocorria. Não demorou muito para perceber que o gatuno tentava furtar a mochila de Caroline, enquanto esta conversava com as outras meninas.

Impulsivamente, o corcel correu o mais rápido que podia em direção ao bichano, empinando ao colocar-se em sua frente. Agilmente, empurrou-o contra o chão com suas patas dianteiras, ficando acima do felino para imobilizá-lo. Pequenas labaredas azuis eram exaladas de suas narinas, ajudando-o a intimidar seu inimigo.

— Fire?! — a menina de cabelos negros virou-se bruscamente, assustada com o comportamento do cavalo. Até que pôde finalmente ver a criaturinha presa entre as duas fortes patas dianteiras do Ponyta.

Tratava-se definitivamente de um pokémon, embora Caroline não o conhecesse. Ele se assemelhava a um gatinho de longos pelos creme, especialmente mais compridos na ponta de sua cauda e cotovelos. Possuía dois finos tufos de pelo em sua testa, entre os quais havia uma espécie de moeda dourada. Suas orelhas eram pontudas e negras, e seus olhos verdes transbordavam aflição.

— Fire, solte-o! — repreendeu a menina. O cavalo costumava ser protetor, mas não compreendia por que ele atacaria outro de sua espécie de forma tão violenta; ainda mais agora, que tinham como objetivo formar uma equipe.

— Mas ele estava tentando roubar a sua mochila! — o Ponyta shiny explicou-se. No momento em que se distraiu, o felino aproveitou para fugir, agilmente escalando as paredes de pedra.

— Ele devia estar apenas com fome ou algo do tipo. — a jovem suspirou. — Agradeço por estar sempre atento, Fire. Mas tente não assustar outros pokémons dessa maneira. — pediu, tocando o focinho do cavalo e observando-o assentir.

— Então há outros pokémons vivendo nos arredores. — exclamou Amy alegre. — Talvez possamos conhecer mais alguém que queira seguir conosco. — virou-se para o jacarezinho azul agarrado em sua perna, acariciando o topo de sua cabeça.

— Acho que já podemos voltar a treinar. — sugeriu Sam, deixando a situação de lado. Gostaria de trabalhar mais algumas coisas com Kahira e Omen antes de retornar à cidade.

— É uma boa ideia. — concordou Caroline, levantando-se. Tentaria pensar em novas técnicas de defesa para ensinar aos seus dois pokémons e, no dia seguinte, se concentraria em ataque.

— Esperem. — murmurou a Riolu, em um tom baixo.

De trás dos cabelos negros da chacal surgiram dois apêndices e logo todo seu corpo fora envolto por um brilho azul. Aquela cena seria considerada peculiar e confusa para as outras duas garotas. No entanto, não para Amy, que já a presenciara tantas vezes. Kairi estava usando sua aura.

— Tem mais alguém aqui. — sussurrou a pokémon, colocando-se em posição de ataque.

As três jovens, tensas, tornaram-se imediatamente imóveis. Não esperavam que fossem ter companhia. O suspense pairou no ar por mais alguns segundos, até que a voz da chacal azul pudesse ser ouvida novamente:

— Hm? — arqueou uma das sobrancelhas, surpresa. — Não é só uma pessoa… Há pokémons também.

Antes mesmo que tivessem tempo o suficiente para raciocinar, as garotas se viraram para o buraco em uma das quatro paredes, pelo qual passaram para chegar onde estavam. Andando em sua direção estava um garoto de cabelos castanhos e olhos de um intenso azul-piscina. Ao seu lado estava o enorme dragão, de quase dois metros de altura. Sobre a cabeça do rapaz, repousava um morcego lilás de enormes orelhas.

Não era um garoto qualquer.

— Josh. — a menina de cabelos brancos suspirou em alívio. Havia se esquecido completamente de que o amigo se oferecera para ajudar em seu treinamento. — Finalmente você chegou. — abriu um sorriso para o moreno, que o retribuiu.


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Notas finais do capítulo

Estou pensando em criar uma playlist com as "soundtracks" de momentos da história... Vocês acham que seria interessante?

https://www.deviantart.com/heavenhellpkm

Até sexta~



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