Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 5
Capítulo V - Último Uivo - Parte 1




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"Star..." – Uma voz suave me chama em meu sono.

Abro lentamente os meus olhos. As memórias do sonho que tive vão se esvaindo. Por mais que eu tente segurar, eles se vão rapidamente. A única coisa que consigo manter na minha cabeça, é uma figura dourada se distanciando de mim. Por mais que eu tentasse alcançá-la, eu não conseguia. Fui tomada pelo desespero, antes de ser consumida por uma escuridão. Depois disso... tudo fica nebuloso.

"Star...? Tá acordada?" – A voz fica mais alta, e sinto alguém me balançando na cama.

Lentamente abro os olhos e tento ver quem está tentando me acordar. Minha visão borrada começa a se ajustar até que eu consiga identificar a pessoa.

"SULLY?!" – Tento me levantar da cama no susto, Sully se afasta, e eu agarro a coberta, me enrolando nela – "O que você tá fazendo aqui?!"

Sully dá uns passos pra trás, dando uma leve risada – "Sua vó pediu pra que eu viesse ver como você estava! Ela tá te chamando lá embaixo." – Ele dá uma olhada em mim, de cima pra baixo – "Você ainda tá com o pijama de ontem?"

"...não." – Me escondo ainda mais na coberta – "Minha vó tá bem?"

"Hã... ela tá sim, porque não estaria?"

"É que a gente se desentendeu ontem..."

"Sério? Vocês nunca discutem, quanto mais..." – Ele dá uma olhada no meu quarto, que continua uma bagunça desde ontem. Eu deveria ter ajeitado... – "Virar a casa de pernas pro ar."

"Ah, não, isso foi outra coisa." – Encaro as roupas que joguei no chão.

"Que coisa?" – Ele levanta a sobrancelha.

Ah, droga. Pensa rápido Star! Conto pro Sully sobre monstros assustadores, ou invento uma desculpa? – "Hã..." – Não sei se a Flann contou só pra mim que ela é caçadora, ou se contou pra outras pessoas. Não sei se o Sully sabe sobre mana e essas coisas. Rápido, Star, ele tá te olhando! – "GUAXINIM!"

"Onde?!" – Sully começa a olhar envolta de si.

"Não é isso! Um guaxinim que entrou ontem a noite, eu entrei em desespero tentando jogar ele pra fora!"

"Eita! Da onde será que ele veio?"

"...Sully, a gente vive praticamente do lado de uma floresta!"

"Não isso, é que eu nunca vi um guaxinim por aqui."

Ooops... As coisas que lia na biblioteca estão começando a afetar minha memória - "Deve ser por causa da quantidade de comida que temos ultimamente, hahah!"

"Comida de sobra é? Sua avó me contou que alguém acabou fazendo um pão gigante e quase estragou a fornada inteira." – Ele cruza os braços e abre um sorriso.

"Aquilo foi um acidente!"

Sully solta uma gargalhada – "Claro, claro!"

Solto a coberta e começo a empurrar Sully pra fora – "Sai, tenho que me vestir!" – Empurrando Sully, percebo que ele está vestido de terno e gravata borboleta. Ele tá até sem boina...

"Você já está vestida!"

"Não vou usar o pijama dois dias seguidos!"

"Tá bom, tá bom!" – Sully sai do meu quarto, e eu fecho a porta.

Solto um suspiro. Tenho que arrumar o meu quarto... fiquei tão pra baixo ontem que nem fiz nada depois que a minha avó se trancou no quarto dela. Respiro fundo, eu arrumo depois. Vou até meu guarda-roupa e o abro. O espaço onde estava o vestido está vazio, claro, quem foi a tonta que resolveu jogar um vestido em cima de uma criatura mágica? Vou pedir desculpas pra minha avó por ontem. Tiro o meu pijama, e pego uma blusa de frio e calças largas. Não está frio, mas não está exatamente quente... Melhor ter algo por baixo caso o clima mude. Pego uma camisa e me visto. Vou até a minha cama, me sento, e visto minhas botas. Me levanto e vou até a porta do meu quarto, abrindo-a e saindo pro corredor. Nada do Sully, deve ter descido. A porta do quarto da minha avó está aberta, então ela deve ter descido também... vou até as escadas, e começo a descer. Ouço a minha vó e o Sully conversando.

"Você acha mesmo que ela vai gostar?" – Minha avó pergunta.

"É claro que vai! Você fez com todo cuidado!" – Sully responde.

Desço as escadas e percebo que as vozes vieram da sala de estar. Caminho até lá, e vejo Sully e minha avó se virando rapidamente para mim, minha vó imediatamente colocando as mãos para trás.

"Querida! Finalmente acordou!" – Minha avó diz – "Pensei que ia ficar o dia todo dormindo de novo!" – Ela solta uma leve risada.

Um pesar cai sob meu coração. Dou um passo adiante – "Vovó, bom dia... eu... quero pedir desculpas."

"Pelo o que?"

"Por ontem. Eu estraguei o vestido..." – Encaro o chão.

"Ah, Star, esqueça aquilo! Passado é passado!" – Ela balança a mão na minha frente – "Era só um vestido!"

"...mas você parecia bem chateada quando aconteceu..."

"Foi só o susto! Eu que peço desculpas, querida!" – Ela dá uma cotovelada em Sully – "Não tá na hora de vocês irem passear não?"

"Como é?" – Pergunto.

"Ah!" – Sully dá um passo adiante e começa a andar até a porta de entrada – "A sua vó sugeriu que fossemos dar um passeio pra fora da vila."

"...como é??" – Pergunto de novo.

"É, querida!" – Minha vó diz – "Vai fazer bem você dar uma volta por aí! Você mesma disse que tem vontade de sair! Não se preocupa não!" – Ela abre um grande sorriso.

"Você... tem certeza?" – Dou um passo adiante.

Minha avó dá um passo pra trás – "Mas é claro! Agora xô, xô! Tenho coisa pra fazer!"

Resolvo obedecer, e acompanho Sully pra fora de casa.

Fecho a porta, e caminho com o Sully colina abaixo. Minha avó me expulsando assim de casa não é algo que acontece todo dia. Será que ela ainda tá brava e só não quis me magoar...?

"Sully... Minha avó pareceu estranha pra você?"

"Estranha? Não... por quê?"

"Eu pensei que ela estaria mais chateada com o vestido, mas ela disse que estava tudo bem. Eu não entendo, ela amava aquele vestido..."

"O que aconteceu com ele?"

"Hã..." – Pensa rápido – "O guaxinim acabou rasgando ele..."

"Sério?"

"Sim..." – Começo a olhar pra baixo – "Estranho né? Talvez eu deva ter derramado algo nele, hahahah!"

"Mas você nunca—" – Sully para por um momento – "Ei, olha! É o Matthias!"

Olho para frente e vejo um ser baixo, peludo e barrigudo, como um grande roedor bigodudo com pernas bem fininhas, estufado em uma roupa de carteiro e uma bolsa cheia, correndo em nossa direção, segurando seu chapéu para que não caia.

"Oi Matthias!" – Sully diz, levantando a mão, mas Matthias corre direto por nós sem parar – "Matthias?! Tá com pressa, cara?"

Matthias imediatamente para sua corrida com um pulo, e se vira para nós – "Sully!" – Ele diz, e vem andando desengonçado até a gente – "Boa tarde, meu bom amigo!" – Ele agarra a mão de Sully e começa a chacoalhar – "É muito bom te ver!"

"Igualmente, Matthias!" – Sully solta uma leve risada, e Matthias finalmente solta sua mão – "O que você tá fazendo entregando cartas? Hoje é dia de folga!"

"Ah, talvez pra você, meu bom amigo humano!" – Matthias levanta o chapéu, olhando para mim – "Eu não recebo esse privilégio! Natevans tem que trabalhar até os bigodes caírem! Sabe como é, nossos salários são diferentes!"

"Hã..." – Sully olha pra mim, com a boca torta – "Tá tudo bem? Se quiser eu posso conversar com nosso chefe sobre isso. Racismo é inaceitável nas leis do—"

"HAH!" – Matthias dá um pulo e abre sua boca enorme em um sorriso – "Eu estou apenas brincando, senhor certinho! Só quero o dinheiro extra!" – Ele dá uma gargalhada, e então olha pra mim – "Você é a moça que mora naquela casa ali?" – Ele aponta pra minha casa na colina.

"Sou sim!"

"Então isso é pra você!" – Ele vasculha a bolsa de cartas e puxa de lá uma única carta, e me entrega – "Bom, eu tenho que ir correndo!" – Ele rapidamente parte em disparada em direção à vila – "Tenha uma boa tarde, senhora Maya!"

Maya? – "Espera! Eu não sou..." – Ele já está muito longe para ouvir. Encaro o envelope, que está apenas escrito [Para Maya Tauno, De L.]L? Quem é L? Levanto o envelope contra o sol, e começo a enxergar algumas letras dentro da carta.

"Star?!" – Sully toma a carta de mim.

"Hey!"

"Você não pode ficar tentando olhar dentro da carta dos outros assim!"

"Não é carta dos outros, é da minha avó!"

"Não torna menos errado!"

"Me dá isso aqui!" – Tento tomar a carta de Sully, mas ele rapidamente se afasta – "Sully!"

"Se você quer saber o que tem dentro, pergunta pra ela!"

"Não é fácil assim!" – Avanço no Sully tentando pegar a carta, mas ele se esquiva novamente – "Ela não me conta nada!"

"E o colar??"

Congelo, lembrando de ontem, e engulo seco. Fico em silêncio por um momento – "...Só me fez saber que eu sou adotada."

"Espera, como é que é?" – Sully abaixa a guarda e eu rapidamente tomo a carta dele.

Respiro fundo – "Minha avó me contou que eu não sou neta dela. Minha mãe me deixou na frente da casa dela quando eu era bebê. Foi uma surpresa pra mim, também. Bom... melhor eu ir entregar isso." – Me viro e começo a subir a colina. Sully está certo. É melhor eu perguntar pra minha avó.

Sully não me segue, acho que ele decidiu esperar. Subo até a minha casa e bato na porta da frente. Ouço alguns passos na madeira, e a porta se abrindo lentamente. Minha avó está com seus óculos de leitura, e ela os ajeita.

"Star! Mas já voltou do passeio, minha querida?"

"Não... eu vim entregar isso pra senhora." – Eu a entrego a carta.

"Ah!" – Ela pega a carta – "Muito obrigada! Você não tentou espiar, né?" – Ela solta um leve riso.

Solto um leve riso nervoso – "Hã, vó? Quem é—" – Antes que eu possa terminar de falar, minha avó fecha a porta na minha cara. Uou. Ela podia só dizer que não queria contar.

Me viro e desço a colina, Sully estava me esperando.

"E aí?" – Ele pergunta, e começamos a andar em direção à vila.

"Ela fechou a porta na minha cara, não consegui perguntar."

"Nossa."

"Tudo bem, não é como se fosse a primeira vez que ela evita falar sobre algo. Afinal, demorou vinte e quatro anos pra ela me contar sobre eu ser adotada!" – Abro um leve sorriso, mas sinto um peso no peito.

Sully dá uma leve tossida – "E... como assim, você é adotada?"

Dou de ombros – "Quando finalmente achei o colar e perguntei sobre ele, minha avó acabou, finalmente, me contando um pouco sobre onde eu vim. É até engraçado... Todos esses anos, e ela sempre me fez chamar ela de 'avó'... quando eu perguntava sobre mãe ou pai, ela sempre mudava de assunto, ou só ignorava. Talvez ela tivesse medo de que eu quisesse ir atrás deles..."

"Faz sentido, você é curiosa!" – Sully solta um leve sorriso – "...você quer?"

"...o que?"

"Ir atrás deles! Se você me der um nome completo, eu posso encaminhar cartas pra outras vilas, cidades, alguém deve saber onde eles estão!"

Acabo soltando uma leve risada – "Sully... eu não tenho sobrenome, como vou saber o dos meus pais? Você é um fofo, e eu adoro isso em você. Muito obrigada, mas eu não estou querendo ir numa busca pelos meus pais." – Sinto um peso no meu peito – "Eles me deixaram por um motivo. É melhor assim."

"Tem certeza?"

Aceno com a cabeça e Sully olha adiante. Ele dá um sorriso e dá um tapa nas minhas costas – "Vamos procurar a Momoka antes de irmos passear! Ela estava querendo te ver."

"Que? Por quê?"

"Não sei, parece que ela tá curiosa sobre o que você e a Flann andaram fazendo."

[...]

Sully e eu caminhamos até a vila, e minha nossa, quanta gente. Antes já tinha bastante gente, mas agora que o festival chegou... uou. É difícil até de caminhar! E não tem só humanos, percebi que vieram outras raças também! Os homens Satyr, com seus grandes chifres encaracolados, e barbicha longa... só não entendo por que não vejo as mulheres... ah! Ali está uma, agarrada no braço de seu parceiro. Há também Porcius, que honestamente são os que mais dificultam a caminhada, e Natevans, que me fazem ficar atenta pra não esbarrar em nenhum deles, é muito ofensivo... hm... dou uma outra olhada, e infelizmente não vejo nenhuma outra raça diferente. Uma pena, os livros da biblioteca ilustram tantas outras... é até decepcionante. Será que nos outros festivais vieram mais pessoas? No meio de toda essa multidão, percebo um garotinho diferente, que eu nunca vi. Sua pele é escura, cinza, e ele possui dois chifres negros como carvão, e seu cabelo curto é grisalho, o que é estranho pra uma criança. Fico encarando-o, e quando ele está prestes a se virar em minha direção, ele veste um capuz que esconde seu rosto. Posso não ter visto de perto, mas ele parece muito com uma raça dada como a mais isolada do mundo, os Carna.

"STAAAAR‼ CARTEEEEIRO‼" – A voz grossa de Frederick quebra meu foco igual uma cajadada na cabeça, e eu olho em sua direção. Sully também parece ter sido pego desprevenido – "TEM ALGUMA CARTA PRA MIIIIIM?!?!" – Frederick grita de sua barraca de sanduíches, acenando a mão para nós.

"Foi mal Frederick‼" – Sully coloca ambas as mãos ao lado da boca, em um cone – "Eu tô de folga hoje! Pede pro Matthias se ele passar por aqui!"

"Por que vocês estão gritando...?" - Comento, baixinho.

"PODE DEIXAR‼" – Frederick grita, e Sully e eu acenamos pra nos despedir, antes de continuar andando – "EI‼" – Nós nos viramos para Frederick – "NÃO SE ESQUEÇAM DE ME CHAMAR PRO CASÓRIO, HEIN??‼"

Sinto meu rosto ficar quente e minhas pernas ficarem bambas – "FREDERICK‼" – Grito de volta, e o Porcius começa a gargalhar, expondo seus dentes enormes.

Agarro a mão de Sully e o puxo adiante, dentro da multidão, em direção à praça. Ugh, aquele Frederick! Não posso ser amiga de um menino que já é namoro? Só minha avó me entende mesmo...

Chegamos na praça, perto da fonte, que está toda decorada com flores. A mesa do festival está com os pratos postos, com uma grande bandeja no centro. Me viro pro Sully, que me encara com um sorriso torto – "...que foi?"

"Nada!" – Ele imediatamente se solta da minha mão – "A Momoka deve estar por aqui..." – Ele começa a olhar ao redor, e eu também. Sorte que a praça não fica tão cheia quanto as ruas, o pessoal prefere fazer compras à tarde... - "Lá está ela!" – Me viro pro Sully, e então pra onde ele está apontando.

Momoka está vestida de maneira fabulosa como sempre, dessa vez com um vestido rosa decorado com flores, e ajeitando as flores em sua barraca... Ela gosta mesmo de flores, hein. Percebo que o Dr. Sanela está a ajudando. Eu e Sully corremos até lá, e eu começo a acenar. Momoka logo me vê e abre um grande sorriso, acenando de volta.

"Star! Sullyzinho!" – Ela nos chama – "Vieram apoiar meu amado negócio? O Dr. Sanela está fazendo uma excelente propaganda!" – Momoka levanta os braços em um arco, descrevendo um letreiro – "Floricultura Akemi! Fragrâncias da Vida!" – Ela nos encara com um sorriso – "Que tal??"

"Eu compraria!" – Digo.

"Gastaria meu salário inteiro só na sua barraca!" – Sully apoia.

"Vou lembrar disso da próxima vez que vir vocês dois cheios de dinheiro!" – Ela solta uma leve risada.

"Hahah, infelizmente eu estou sem nada nos bolsos!" – Nego com as mãos – "O Sully disse que você queria me ver?" – Digo, negando com as mãos.

"Ah, sim! O Dr. Sanela também quer--" – Momoka dá uma olhada logo adiante, e uma acena levemente com a mão – "Só um minuto, Star." – Ela acena com a cabeça em minha direção e se agacha.

Quando percebo para o que Momoka está olhando, sinto um peso no meu peito. É Ted, carregando um buquê de flores, com os olhos fundos e tomados por olheiras, sua expressão vazia. Ele está usando roupas elegantes, como se fosse o pequeno mordomo de alguém. Ted entrega o buquê para Momoka, que lhe dá um leve cafuné.

"Obrigada, querido." – Ela diz, com uma voz suave – "Aqui, vá comprar algo na feira." – Ela pega um pequeno saco de moedas e entrega ao Ted, que sai andando, e não correndo alegre como faria se recebesse dinheiro pra qualquer coisa...

Tomo um leve susto com a mão do Dr. Sanela em meu ombro. Ele ajusta os óculos em seu rosto, franzindo as sobrancelhas – "Eu tenho que conversar com vocês dois." – Me viro para ele, vejo que Sully faz o mesmo.

"O que foi, Doutor?" – Sully pergunta.

Ele limpa a garganta, e torce um pouco a boca – "Já conversei com os Roi, os pais do Ted, sobre a situação do Billy. A condição dele está... severa demais. Já não se mexe, não se alimenta... Você deu a medicação a ele, não deu, Star?"

Concordo imediatamente com a cabeça – "Claro que eu dei!"

"Então não há mais nada a fazer. Tentei entrar em contato com a cidade vizinha, pedindo suprimentos, mas... O que quer que Billy tenha ingerido, o tal do 'sangue'..." – Sinto um peso no meu peito, meu coração começa a bater mais rápido. – "...causou graves danos internos. O corroeu por dentro. Sua condição é irreversível." – Dou um passo pra trás. Não, não... se for o que eu acho que é... - "Pensei que deveriam saber e... já que se importaram tanto com o Billy, poderiam se despedir dele. Sinto muito."

Minha respiração fica ofegante. Não pode ser! Estava tão óbvio! Por que não pensei nisso ontem?!

Uma mão toca em meu ombro, e eu me viro imediatamente. É o Sully – "Star? O que foi?"

"E-eu preciso encontrar a Flann! Momoka!" – Me viro para ela, que dá um pequeno pulo – "Onde a Flann está?!"

"Ela foi pra fora da vila, já estava de partida para Vihaan. Se a carroça não tiver chegado, acho que você pode alcançar ela!" - Momoka aponta em direção aos portões da vila.

Saio em disparada, correndo o mais rápido que posso, em direção à entrada do vilarejo. Tenho que ser rápida, não pode ser tarde demais! Flann deve saber como tirar um Usui do corpo de alguém! Ela tem que saber! A quantidade de pessoas na rua aumenta quanto mais próxima chego da entrada, e faço o possível para desviar delas.

"Staaaar!" – Ouço a voz de Sully atrás de mim, eu paro e me viro, me deparando com ele se espremendo pra passar entre dois Porcius. Ele para em minha frente, ofegante – "Star! O que deu em você?" - Ele me encara, franzindo as sobrancelhas.

"Eu preciso encontrar a Flann!" – Dou as costas e continuo andando. Sully agarra meu pulso – "O que foi?!"

"Você me diga o que foi! Saiu correndo sem dizer o que houve!" – Ele me solta – "O que a Flann tem a ver com isso??"

"Ela pode ajudar!" – Continuo andando. Sully vem logo atrás.

"Como?!"

"Ela... ela pode ajudar. Eu sei que pode."

"Um médico não conseguiu ajudar! O que a Flann vai conseguir fazer?"

"Eu não sei!" – Chegamos na entrada da vila. Duas muralhas de madeira se encontram em um portão principal, com um amontoado de pessoas entrando. Como que cabe tanta gente nessa vilazinha? – "Só sei que ela pode ajudar."

"Tá..." – Ele coloca as mãos na cintura – "Eu iria adorar se você me explicasse o que aconteceu."

"...outra hora, tudo bem...?" – Começo a procurar a Flann pela multidão. Percebo que não há nenhuma carroça por perto, então no pior dos casos, pode ser tarde demais... Droga, é assim que acaba? O Billy morre corrompido por uma criatura que eu nem entendo, e não posso fazer nada pra reverter isso...? Não! Não pode ser assim! Deve haver algum livro na biblioteca que explique--

"Star?" – Sully me chama – "Como a Flann se parece?"

"Ruiva, tipo, bem ruiva mesmo. Cabelos vermelhos igual um tomate. Olhos verdes... e usa um vestido vermelho, florido." – Realmente, parando pra pensar, Flann é um tomate ambulante.

"...aquela ali é ela?" – Sully pergunta, eu me viro pra ele, e ele está apontando para uma barraca, com a Flann claramente discutindo com o dono da barraca.

"É ela!" – Começo a correr em direção a Flann.

Vou me aproximando, e a cada passo a voz de Flann começa a se destacar mais e mais – "--e eu estou te dizendo, você NÃO pode vender isso‼" – Ela aponta para algo no balcão.

"Você não pode me dizer o que não vender, mocinha!" – A voz do vendedor, rouca e cansada, combina perfeitamente quando eu vejo um velho acabado, muito magro, com a barba seca e quebradiça, e dentes avantajados e quebrados, apontando o dedo torto para Flann – "Meus produtos são PERFEITAMENTE seguros!"

"SEGUROS?!" – Flann grita, e agarra um pequeno cogumelo branco exposto na barraca, balançando-o na frente do velho – "Esse é um dos cogumelos mais venenosos de toda Hesperia‼ Não faço ideia de como conseguiu isso! E isso aqui?!" – Ela deixa cair o cogumelo no balcão e agarra um frasco com um líquido verde brilhante e algumas palavras escritas que não consigo ler de longe – "Poção Curandeira?"

"Cura todo tipo de ferimento!" – O velho tenta agarrar o frasco de Flann, mas ela se afasta – "Ei‼"

"Não existem poções curandeiras!" – Ela tira a rolha do frasco, aproximando o nariz. Ela imediatamente afasta o frasco do rosto – "Ugh! Essa não chega nem perto..." – Ela coloca a rolha novamente no frasco.

O velho agarra o frasco – "Não preciso ficar aqui ouvindo isso!" – Ele puxa um pedaço de madeira da barraca, e a barraca inteira começa a virar, se dobrar, e diminuir em uma... mala. A barraca virou uma mala. Como que a barraca virou uma mala?!

"Isso! Vai embora!" – Flann começa a fazer um gesto com a mão para afastar o velho – "Vai pra bem longe‼"

O velho vendedor, agora com suas pernas de vareta reveladas, começa a mancar rumo à estrada de terra para longe da vila. Carregando a sua... mala. Barraca. Mala...?

"Essa é sua amiga?" – Sully me cutuca com o cotovelo, e eu me desprendo da confusão que é a barraca-mala.

Flann se vira para nós, e arregala os olhos – "Star!" – Ela se aproxima – "E você deve ser o... Sully, não é?" – Ela solta um leve sorriso.

"Te conheço?" – Sully cruza os braços.

Flann dá uma leve risada – "Não, mas Momoka me contou que a Star tem um amigo carteiro caidinho por ela."

"Espera, o que?" – Me viro para o Sully, que ficou vermelho como um tomate. O Sully tem uma queda por mim? Ah, Sully...

"I-isso não é verdade!" – Sully reclama – "D-de qualquer forma, viemos aqui porque a Star queria falar contigo por algum motivo!"

"Comigo?" – Flann pergunta.

"Sim!" – Digo – "O Billy está doente, e acho que você pode ajudar!" – Dou um passo à frente.

"...o Dr. Sanela não conversou com vocês?"

"É, mas...!" – Me aproximo de Flann, cochichando em seu ouvido – "O Billy lambeu algo de dentro da cabana..."

O rosto de Flann imediatamente se fecha, ela franze as sobrancelhas – "E você acha que é aquilo?" – Ela cochicha.

"Dr. Sanela disse que o destruiu por dentro... faz sentido, não faz?" – Continuo cochichando.

"Certo..." – Flann responde – "Deixa isso comigo. Um Usui dentro de uma criatura é muito mais poderoso."

"Então... vocês vão me contar o que tá acontecendo ou eu vou ter que esperar uma carta?" – Sully pergunta, parece irritado.

Me viro pra ele, faço o melhor pra dar um sorriso sincero - "A Flann pode ajudar!" – Digo ao Sully.

"Vamos até a casa dos Roi." – Ela diz. – "Quero ver de perto a condição do Billy."

"Não sabia que você era médica..." – Sully encara Flann, que começa a andar vila adentro – "Como sabe que vai conseguir ajudar?"

"Uma garota tem seus segredos..." – Flann dá de ombros, eu e Sully a seguimos.

[...]

Nós três andamos pelas ruas da vila até a casa do Ted. Paramos frente a porta, e Flann logo bate nela. Silêncio. Flann nos olha e dá de ombros, antes de bater novamente. Silêncio. Sully dá um chega pra lá na Flann, e ele mesmo bate na porta. Silêncio. Haha.

"Acho que eles não estão em casa..." – Flann comenta. Eu concordo com a cabeça.

"A gente pode tentar outra hora." – Sully diz, mas Flann logo apoia a orelha na porta – "Opa, opa! O que tá fazendo?"

"Eu vou abrir, ué." – Ela puxa de seu cabelo, um grampo, que ela enfia na fechadura da porta e começa a mexer.

"Flann!" – Retruco – "Tem certeza que é uma boa ideia invadir a casa dos outros?"

"Star..." – Ela diz, sorrindo e me encarando – "Você confia em mim?" – Ela continua mexendo na fechadura.

"Eu—" – Engulo as palavras. Mal conheço Flann. Não sei nada sobre ela, além de gostar de cogumelos e ser uma Caçadora de Monstros. Não sei quem ela é. Mas até então, ela só me ajudou. Só quis o bem, caçando aqueles Usui. E se ela acha que pode ajudar, não vou duvidar de seus meios – "Sim."

Sully agarra o braço de Flann – "Não acredito que a Star virou amiga de uma criminosa!"

"Olha essa boca, garoto..." – Flann facilmente se solta, e encara Sully – "Se não eu te mostro o que é crime de verdade."

"Já chega!" – Eu grito, ambos olham para mim – "A gente não tem tempo pra ficar discutindo! O Billy precisa de ajuda!" – Caminho até a porta da casa do Ted, apontando minha mão para a maçaneta, e começo a focar minha energia na palma da mão. Sinto muito, senhor e senhora Roi, deixa que eu compro uma maçaneta nova com minhas economias!

A porta se abre levemente antes que eu possa fazer algo. O rosto velho e cansado do pai do Ted aparece pela fresta, pior do que qualquer outro dia. Ele sempre esteve cansado de tanto trabalhar nos campos, mas essas olheiras... ele nos encara por um momento - "O que vocês querem...?" – Ele diz, com uma voz arrastada.

"Senhor Roi!" – Coloco as mãos atrás de mim – "Queríamos ver o Billy! Eu trouxe uma amiga, ela pode ajudar!"

Flann dá um passo, se aproximando - "Se eu puder dar uma olhada no Billy, acho que posso descobrir o que te causa mal."

Sully se junta a nós – "E se ela precisar de alguma coisa, peço pros meus colegas no correio darem prioridade às entregas!"

O pai do Ted desvia o olhar por um momento, apertando o meio dos olhos – "Eu... agradeço a boa vontade. Mas o Billy faleceu hoje de manhã..." – Não... "Estamos de luto. Teodore... está muito pior que nós dois. Se puder tentar animá-lo, Star, ficaremos gratos. Ele não queria ficar em casa..."

Não... não... não...

"Oh... sinto muito ouvir isso, senhor Roi..." – Diz Sully – "Pode deixar que nós vamos fazer o possível pro Ted não ficar deprimido..."

É minha culpa. O sangue, a cabana.... O Usui... eu não deveria ter inventado de ir lá... se eu não tivesse ido... O Billy não estaria...

"Se me permite, senhor Roi, eu poderia tomar um pouco de seu tempo?" – Flann diz.

"Me desculpe... quem é você?" – O pai do Ted pergunta.

"Sou Flann Aebba, uma viajante que veio para o festival buscando algumas... especiarias. Eu vim do vilarejo de Amporn, lá temos o costume de compartilhar as dores da perda, mesmo de animais. Consideramos todos parte de uma grande família."

"Eu... agradeço, mas acho que meu filho precisa mais do apoio—"

"Nenhuma dor é menor que a do próximo, senhor Roi. Acredite em mim, toda dor é importante o bastante para se compartilhar." – Flann diz, sorrindo, e com uma voz suave. Percebo que seus olhos mudaram, não mais verdes, mas agora vermelhos. Um vermelho escarlate... um vermelho sangue.

O pai de Ted fica em silêncio por um momento. Ele então abre a porta, e dá espaço para que Flann entre. Ela entra, e o pai de Roi se vira para nós – "Vocês são bem vindos, se quiserem."

Flann apoia sua mão no ombro do pai de Ted – "Acho melhor que ambos vão para dar apoio ao Teodore. Podemos até conversar com ele, quando voltarem." – Flann me encara com um olhar fixo, sorrindo levemente. Encaro seus olhos escarlate, e acabo concordando com a cabeça.

O pai de Ted fecha a porta, deixando Sully e eu do lado de fora.

"Você está bem, Star?" – Sully pergunta. Eu só aceno com a cabeça – "Então... vamos falar com o Ted?"

Concordo com a cabeça. Sully segura minha mão, e começa a me guiar em direção à praça, onde estão Momoka e o Dr. Sanela. Flann veio de Amporn? Nunca ouvi falar desse vilarejo... deve ser de bem longe. E aquilo de compartilhar dores... Ela não pareceu do tipo empático, que se importa com a dor do outro. Pelo menos comigo... ela não pareceu se importar, quando disse que eu não merecia ser feliz. Será que... eu não mereço mesmo? Ela riu quando eu quis me tornar Caçadora. Ela disse aquilo quando comecei a chorar no lago...

Percebo que chegamos na praça, a mesa está com alguns pratos cobertos, o sol já está se pondo... Nossa. O dia passou muito mais rápido. Eu que dormi demais? Olho para a barraca de flores da Momoka, e a vejo observando a multidão de gente. O Dr. Sanela se aproxima dela, com um sorriso no rosto e uma única flor na mão. Momoka se levanta, e abre um leve sorriso, mas... com a luz do pôr-do-sol, consigo ver por um instante, que os olhos de Momoka também estão diferentes. Ela encara o Dr. Sanela com olhos escarlates. Iguais aos de Flann.

 


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Notas finais do capítulo

Essa minha história está pegando pouquíssima view, e eu adoraria ter um feedback de quem estiver lendo conforme os capítulos são postados. Ajudaria bastante.



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