Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 4
Capítulo IV - Nesse Mundo Em Que Vivo




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Encaro a criatura grudada na parede, e começo a me questionar por que diabos eu aceitei vir.

"Star, Usui são pequenos, mas perigosos." – Flann dá um passo adiante, levantando a adaga e ficando numa pose de combate – "Fique fora disso, e me avise se ver mais um." – Flann avança contra a pequena criatura, que endurece seu corpo gelatinoso formando garras e saltando para longe do golpe que Flann desfere contra ele.

Isso é ruim, ruim, ruim, ruim! Eu não estava esperando por nada disso! Talvez um rato falante, um sapo feio, qualquer coisa dos livros infantis da biblioteca, mas isso?! Começo a andar para trás, em direção à porta de entrada, enquanto observo Flann tentando atingir o... Usui. Ouço a tábua embaixo de mim quebrar e algo gelado agarrar minha perna. Olho para baixo, é mais uma dessas criaturas! Solto um berro – "FLANN‼ TEM MAIS UM EMBAIXO DE MIM!"

"BÉRCAN ÁQUILI!" – Flann grita, o que quer que signifique isso, e quando olho para vê-la, o Usui que ela estava tentando atacar está preso em correntes vermelhas, no chão, incapaz de se mexer, e Flann está correndo em minha direção. Ela levantar sua perna para o ar, movendo-a em um arco, e então desfere um poderoso chute no chão, rompendo as tábuas e atingindo o Usui que estava abaixo de nós.

A criatura larga a minha perna, e se esguia por debaixo das tábuas. Eu corro para fora da cabana, meu coração quase pulando pra fora da minha boca. Acabo tropeçando no desespero e caio no chão, do lado de fora. Respiração ofegante, ansiedade crescendo. Isso... isso é demais pra mim! Eu tenho que sair daqui, tenho que pedir ajuda‼ Me levanto, meus braços estão levemente ralados, e me viro pra cabana ao ouvir várias tábuas de madeira quebrando lá dentro. E então, como um borrão vermelho, um Usui vem voando na minha direção, com suas garras prontas pro golpe. Em minha defesa, levanto minhas mãos, palmas adiante. Um calor percorre meus braços, se concentrando bem nas minhas palmas. Um calor que senti só uma outra vez na vida. Adrenalina percorre todo o meu corpo, e então, uma explosão de luz imensa sai de minhas mãos. Vejo a criatura se desintegrar diante de meus olhos, e assim que as faíscas se esvaem, percebo Flann parada na porta da cabana, me olhando boquiaberta.

"Huh." – Ela dá um leve sorriso – "Essa é a faísca que você solta das mãos? Bom trabalho!"

Fico em silêncio, e encaro minhas mãos. Uma leve fumaça sai de minhas palmas, e percebo uma leve queimadura por ela toda. Eu fiz isso... de novo? Como? Foi o medo? A última vez que fiz isso, foi há dezesseis anos. Nas minas...

"Star? Você tá aí ainda, ou saiu tudo pela mão?" – A voz de Flann me tira do meu pequeno transe. Eu olho pra ela.

"Eu não sabia que ainda podia fazer isso." – Eu olho pras minhas mãos novamente – "Eu não sabia que podia fazer isso."

"Bom, funcionou de qualquer forma!" – Flann se vira e entra na cabana novamente. Eu a sigo.

A cabana está acabada por dentro. Quase tropeço em uma madeira quebrada, e percebo que todo o chão está destruído. Olho para o canto no fundo da cabana, e lá está um Usui preso por correntes vermelhas incandescentes. Por mais que fosse gelatinoso antes, dessa vez ele parece... duro. Incapaz de escapar das correntes. Flann caminha até sua adaga cravada na parede, agarrando meu colar junto. Ela o arremessa pra mim – "Obrigada" – Sussurro, segurando-o firmemente em minhas mãos. Guardo o colar em meu bolso e acompanho Flann até o pequeno acorrentado.

"Aqui está o seu culpado." – Flann aponta para o Usui.

"O que é essa coisa, e por que roubou o meu colar??"

"Não faço ideia do por que dele ter roubado o seu colar!" – Ela dá de ombros e enfia a mão no... bolso? Não sabia que o vestido dela tinha bolsos. Ela então puxa um pedaço de papel e um pincel – "Mas esse pestinha é uma ameaça que precisa ser eliminada." – Seu leve sorriso se esvai e ela se agacha.

"Hã, o que é esse papel?" – Pergunto, e Flann molha o pincel na boca antes de encostá-lo no Usui, manchando o pincel de vermelho.

"Não tenho uma habilidade que me permite explodir meus oponentes, então tenho que usar métodos mais arcaicos." – Flann se levanta e começa a escrever algo no papel. Ao terminar, ela sussurra algo e deixa o papel cair lentamente até encostar no Usui. Assim que o papel o toca, a criatura berra como se estivesse agoniando, e ambos o papel e a criatura desaparecem como brasas ao vento.

Fico encarando as sobras cinzentas da criatura, que lentamente desaparecem. Me viro pra Flann. Respiro fundo e – "Ok, eu não aguento mais, o que são essas coisas?! Por que elas apareceram? Tem mais delas? E a barreira mágica na parede e nas portas? Por que ele desintegrou?!?!"

Flann coloca o dedo indicador sob meus lábios – "Shhhh..." – Ela abre um sorriso – "Você não frequenta muito a biblioteca da sua vila, né?" – Nego com a cabeça. Ela solta um leve suspiro – "Vou te explicar tudo desde o básico, tudo bem? Assim tudo fica mais fácil de você entender." – Ela tira o dedo indicador de minha boca e eu aceno com a cabeça.

"Mana é a fonte de energia de todas as criaturas, plantas, e objetos mágicos. É como sangue pra eles. Sem ela, a magia não existe. Apenas não-humanos tem habilidades desde o nascimento, mas alguns humanos têm capacidade de sentir, ou até manipular mana para cumprir algum objetivo. Nós chamamos esses humanos de magos." – Ela encosta o indicador no meio de meu peito – "Dentro de você, Star, corre mana também. Talvez algum dos seus pais tivesse afinidade com magia..." – Ao ouvir Flann dizer isso, desvio o olhar por um momento... – "O que importa é que você consegue fazer essas explosões por isso. Mas ainda é estranho você não sentir a presença dos Usui."

"Por que?" – Pergunto.

"Usui são feitos de energia negativa." – Flann solta um suspiro – "Toda criatura de mana acaba morrendo uma hora ou outra. Elas normalmente voltam ao ciclo, devolvendo sua energia ao mundo..., mas se elas forem corrompidas de alguma forma, acabam se tornando monstros. Assim como os Usui." – Ela abre um leve sorriso, e aponta com o dedão para seu peito – "Por isso eu faço parte dos Caçadores de Monstros! Nosso objetivo é eliminar essas criaturas. Elas aparecem em todo lugar que possui mana no ambiente, é como um controle de pragas! Hahahah!" – Flann dá uma leve gargalhada.

Ajudam a eliminar essas criaturas... Devo admitir, até que foi legal passar por essa adrenalina toda. E ainda ajudar a manter um lugar seguro... Isso me faz sentir bem. Talvez... talvez eu deva tentar. Se a Flann me ensinar a lidar com isso, eu posso fazer parte desse grupo dela. – "Flann." – Ela para a gargalhada e olha pra mim – "Lembra de ontem à noite, quando você..." – Engulo seco – "Disse que eu não merecia felicidade?"

O rosto de Flann se fecha – "Porque você não se sente completa ao ajudar os outros, sim."

"...eu pensei sobre isso. Em parte, você tem razão. Eu realmente não sinto felicidade ao ajudar os outros aqui. Não me sinto completa ajudando minha avó com os pães. Não me sinto completa ajudando o Sully a arrumar as cartas dele. Não me sinto completa ajudando em coisas mundanas. Mas..." – Dou um passo adiante – "Quando eu ajudei o Ted à..." – Acabo travando por um momento – "...à encontrar o Billy quando ele se perdeu na floresta, eu me senti empolgada. Feliz. Não só por estar ajudando alguém, mas por estar explorando um lugar que eu nunca tinha ido. Eu não fui pra floresta, nunca vi necessidade. Só depois de anos fazendo apenas o que achava 'necessário' eu percebi o quanto eu fui idiota por me fechar pro meu próprio mundo por causa de um medo ridículo." – Dou um outro passo adiante – "Também me senti completa quando ajudei a garotinha com a cesta. Doar algo de mim pra ajudar alguém que não conhecia... foi bom. E eu gostaria de fazer isso de novo." – Dou mais um passo adiante – "Ajudar você a caçar esse monstro foi assustador, mas tão mais empolgante que qualquer outro dia nessa vila! E saber que ajudei a eliminar uma ameaça para as pessoas ao meu redor..." – Olho diretamente nos olhos de Flann, que levanta as sobrancelhas – "Flann! Eu quero ajudar as pessoas! Acabar com o mal, assim como você faz! Ir pelo mundo, caçando monstros e mantendo a paz! Por favor, me leve com você! Eu quero ser uma Caçadora de Monstros‼"

Flann me encara, com seus olhos arregalados por um momento. Seus lábios se contorcem, e finalmente, ela abre a boca – "HAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAH‼‼!" – Ela segura a própria barriga – "É SÉRIO??‼! HAHAHAHAHAHAHAH‼! CAÇADORA?! VOCÊ??? NÃO BRINCA‼! HAHAHAHAHAHAHAH‼‼"

Dou alguns passos pra trás, sinto meu rosto esquentando e meus olhos lacrimejarem. Que estupidez, óbvio que ela iria rir. Eu sou só uma fazendeira burra e egoísta, que não sabe nada sobre o mundo lá fora, e não aprecia o que tem na vida. Burra. Egoísta.

"Ai, ai... Star, admiro sua vontade de ajudar os outros, mas você realmente saiu correndo de medo assim que um Usui agarrou sua perna. Não é exatamente o tipo de reação que um caçador teria."

Desvio o olhar, olho pro chão, não posso chorar, não posso. Aguenta...

"...E ainda por cima é chorona." – Flann solta um suspiro e se aproxima, colocando a mão em meu ombro – "Seguinte. Vou ser franca com você, Star. Ser uma caçadora não é fácil. Você pode facilmente morrer. Não posso ficar tomando conta de você se eu te levar comigo. Vai por mim, é melhor você ficar aqui na vila e procurar algo que vai te deixar melhor, e quem sabe até resolver o que quer que seja que esteja passando."

...aceno lentamente com a cabeça. Ela está certa. O que eu estava pensando, pulando de cabeça nessa novidade que eu nem sabia que existia antes? Eu... realmente não sei mais o que fazer da minha vida. Por que eu não posso simplesmente viver minha vida tranquila? Nããão, eu preciso de aventura, preciso quebrar a rotina, preciso entrar de cabeça em algo que não conheço pra me sentir melhor porque não me sinto feliz com nada, porque EU SOU UMA INÚTIL QUE NÃO PRESTA PRA NADA.

"Alô? Star?" – Percebo que Flann está acenando a mão diante de meus olhos e eu mal percebi – "Seu cabelo começou a se levantar sozinho, o que foi isso?"

"Desculpe, minha cabeça ficou... cheia de coisas." – Enxugo meus olhos, e coloco as mãos em meu bolso. Acabo percebendo o colar aqui dentro, e eu o aperto com força. Como eu pude esquecer? Eu ainda tenho um objetivo claro, ao menos. Finalmente posso ter alguma resposta sobre minha família. – "Você tem razão, Flann. Eu preciso ir com calma, e dar um passo de cada vez. Preciso entregar o colar pra minha avó."

Ando em direção à saída da cabana, mas sinto uma pontada na perna. Olho pra baixo, e meu pijama está rasgado na altura do tornozelo, onde o Usui havia agarrado. Me agacho, e minha ansiedade sobe ao ver que tenho dois cortes na minha perna.

"FlaaaAAANNN‼" – Imediatamente olho pra ela – "O Usui machucou minha perna! Eu vou ter que arrancar ela?!"

Flann se aproxima de mim e se agacha, olhando o meu machucado. Ela solta uma leve risada – "Isso? Isso não é nada!"

"Nada?! Você disse que eles são feitos de energia negativa! E se acontecer algo com minha mana?"

"Aprendeu rápido, hein?" – Ela se levanta, e me oferece a mão – "O maior perigo dos Usui é sua capacidade de se infiltrar e corromper outros seres. Mas você não precisa se preocupar, eles são incapazes de corromper qualquer ser vivo que tenha mana correndo por suas veias. Ou seja... você só tem dois arranhões comuns na perna."

"Ah..." – Aceito a ajuda para me levantar – "...bom, isso não foi nada vergonhoso."

"Claro que não." – Ela caminha em direção a porta, e eu a sigo. Os arranhados nem estão doendo... realmente deve ter sido só o susto.

Indo para a floresta, seguimos quietas em direção ao lago.

"Aí, Star. Se a oportunidade aparecer, e você ainda quiser, posso te levar comigo até a próxima cidade. Te dou dinheiro pra ida e vinda." – Flann abre um sorriso – "Mesmo dizendo aquilo, ainda acho que você precisa de uma mudança de cenário. Mas você vai ter que merecer, hein?"

Abro um sorriso de volta – "Obrigada, Flann. Mesmo."

[...]

Volto pra casa, e bato na porta, esperando por minha vó. Olho para o colar em minhas mãos, e o abro. Hora de confrontar minha avó. Disso ela não vai poder se esquivar.

Minha avó lentamente abre a porta, e abre um sorriso enrugado – "Querida! Voltou pra trocar seus pijamas?" – Oh. Verdade, ainda estou de pijama.

"Vó, preciso conversar com a senhora." – Adentro minha casa e cruzo os braços. Ouço minha avó fechar a porta, e me viro.

"O que foi, querida? Você parece preocupada. Aconteceu algo? Ah, já sei..." – Ela começa a balançar a cabeça levemente – "O Sully finalmente se confessou pra você e você rejeitou ele. Eu já tinha dito pra ele esquecer, ele é carinhoso, mas cabeça dura, não consegue entender que minha querida Star não é muito a fim de—"

"VÓ‼ Não é nada disso!" – Mostro a ela o colar que estava segurando em minhas mãos – "Eu encontrei isso na velha cabana perto do lago!"

O rosto de minha avó se fecha, suas sobrancelhas franzem e ela arqueia a boca – "Oh, Star..." – Ela balança a cabeça lentamente de um lado pro outro, e pega o colar de minha mão, o encarando por um momento – "Você achou um colar tão lindo! Por que não fica com ele?"

"Que? Não, vó, olha dentro do colar, tem um retrato aí dentro."

Minha avó olha pro colar, e começa a mexer nas bordas até finalmente, com um pequeno som, o colar se abre. Ela levanta as sobrancelhas – "Oh... Star, você não precisava fazer isso! Nunca fui retratada tão jovem!"

"Então... é você?"

"Quem mais seria?" – Ela vira o colar pra mim, e abre um grande sorriso – "A beleza é inegável, não é?"

Anos cruéis... Nossa, que errado, desculpa pensar nisso – "Vó... Eu encontrei isso na cabana abandonada. O que isso estava fazendo lá?"

"Ah, bem capaz do seu avô ter esquecido ele lá." – Minha avó começa a caminhar até as escadas.

"Meu... avô? Você nunca me falou dele."

"Não falei?" – Ela para, e então dá de ombros – "Você nunca perguntou dele." – Ela dá as costas e segue subindo. Eu vou logo atrás.

"Hã, então... como ele era?"

Minha avó segue em silêncio até seu quarto, e eu continuo a seguindo. Entro no quarto da minha avó junto com ela. Nunca vim muito aqui assim que deixei de ser criança. E ela ainda cuida das plantas, e tem bem mais do que eu me lembro. As cortinas continuam fechadas, me pergunto até como as plantas não morrem sem a luz constante do sol. O cheiro de ar parado continua, como se eu tivesse entrado num cômodo que não foi aberto há anos. Ah! Igual a cabana‼ Não, melhor eu não falar que o quarto dela cheira igual à uma casa abandonada. Minha avó pega um pequeno regador que está encima da bancada de plantas, e começa a regá-las.

"Vó...?" – Pergunto.

"Hm?" – Ela resmunga, sem se virar pra mim.

"E meu avô, como ele era?"

"Ah, ele era um homem bom." – E então ela fica em silêncio.

"...e?"

"Hm?"

"E o que mais? Qual era o nome dele? O que ele fazia? Vocês se davam bem? E como minha mãe ou meu pai eram? Você nunca disse nada sobre!"

Minha avó vira pra mim, com um leve sorriso no rosto – "Você nunca perguntou, querida."

"EU PERGUNTAVA! EU PERGUNTAVA SEMPRE, VÓ! E VOCÊ SEMPRE DESVIAVA DO ASSUNTO!" – Respiro fundo ao ver a sobrancelha de minha vó franzindo e seu sorriso sumindo – "Eu era pequena, achava que eu estava incomodando com as perguntas, então eu nunca mais perguntei! Mas não significava que eu não tinha perguntas! Não sei daonde eu vim, vó! Não sei nada sobre mim, minha família, ou do mundo em que eu vivo. Não sei nada!"

"Você não ia na biblioteca pra saber mais sobre o mundo?"

Cruzo os braços. É vó, eu ia na biblioteca ler livrinhos coloridos – "Sim, mas eu queria uma resposta sua. E você está fazendo de novo! Eu não tô interessada no mundo, eu posso sair e descobrir mais sobre ele eu mesma. Mas você é a única família que eu tenho, e a única que pode me falar alguma coisa sobre quem veio antes de mim." – Eu me sento na cama de minha avó – "Eu não sei nem o nome dos meus pais. Ou quem eles eram."

Após um momento de silêncio, minha avó se senta na cama ao meu lado, encarando o colar. Ela respira fundo – "...Seu avô era um bom homem. Gentil, carinhoso, e principalmente corajoso..." – Vejo seus lábios se contorcerem, e suas palavras saindo trêmulas. Ela olha pra mim – "Star, querida... eu já te contei sobre a história do lobo?"

"Sim, antes de eu dormir, e me dava pesadelos toda vez que contava."

Minha avó dá uma leve risada – "Que bom que se lembra!" – Ela olha para mim – "Você sabe porque eu contava aquela história?"

Ah... Deixa eu pensar. O Conto do Lobo Guardião, a história de um lobo filhote que foi salvo por uma família, e jurou protegê-la pelo resto de sua vida. Mas a criança adoeceu, o pai foi atrás de uma cura no inverno e nunca mais voltou. A criança acabou morrendo pouco tempo depois, e a mãe morreu junto, de tristeza. Mesmo depois da morte da família, o lobo continuou protegendo o lugar até morrer de fome. Me deu pesadelos por meses. – "Não tenho ideia porque a senhora me contava aquilo."

"Porque eu adorava ver você tremendo de medo! Hahahahahah!" – Ela dá uma gargalhada.

"QUE?!"

"É brincadeira, é brincadeira..." – Minha avó acalma a gargalhada em um pequeno sorriso, e coloca a mão sob a minha, soltando um longo suspiro – "O seu avô e eu morávamos naquela cabana. Foi logo depois que o rei de Aldea conquistou esse território, e fundou uma vila mercadora. Gostávamos da tranquilidade da floresta, do lago, da paz. Alguns meses se passaram, até que chegou o abençoado dia em que tivemos uma criança. Uma filha." – Meu coração começa a bater forte – "Cuidamos bem de Winona, fomos felizes por muitos meses, como uma família..." – Ela suspira mais uma vez, e aperta levemente a minha mão – "O inverno chegou, forte como nunca tinha sido antes. Havia tido uma imensa seca um tempo antes, então nosso estoque para o inverno rapidamente acabou. Seu avô foi buscar por comida na floresta."

"Ele não podia ter ido até a vila, pedir ajuda?"

"Ah, mas a vila não era farta e amigável como é hoje. E sendo a vila da colheita, o inverno não era hora de pedir por comida." – Ela balança levemente a cabeça – "Eu era jovem e tola. Estava tão preocupada com Winona, que nem pensei que os animais se escondem durante o inverno, e que seria tolice ir atrás deles." – Vejo minha avó engolir seco, seus olhos começam a lacrimejar – "Ele demorou semanas pra voltar. Foi o pior inverno de todos. Winona... não resistiu. Ela... morreu de fome. Não pude salvar a minha filha." – Oh...

"Vó..." – Seguro a mão dela, sinto ela tremer levemente.

"Seu avô voltou dias depois. Nunca... nunca vou esquecer o rosto dele quando descobriu que Winona havia partido. Lamentamos por anos. Faz tanto... tempo... e ainda dói. Algumas cicatrizes nunca se curam." – Ela levanta um sorriso fraco – "Eu consegui seguir em frente, a dor é profunda mas não pode nos segurar. Mas o seu avô... ele perdeu a cabeça. Continuou cuidando do berço de nossa falecida filha, lavando suas roupas, todos os dias, como se ela ainda estivesse lá. Hah... me senti como uma péssima mãe, por não ter ficado como ele." – Seu sorriso se esvai – "Perto do final do inverno, uma grande tempestade de neve engoliu Theresa, e então alguém bateu à nossa porta. Quando abrimos, era uma bela moça de cabelos azuis, encapuzada por um manto de inverno. Seus olhos brilhavam como ouro, e ela estava claramente apavorada. Oferecemos abrigo, mas ela negou, e levantou o manto. Ela estava carregando um bebê. Um lindo bebê de cabelos dourados. Ela nos entregou o bebê, e desapareceu na tempestade." – Minha avó olha diretamente em meus olhos, e lágrimas começam a cair de seus olhos – "Esse bebê era você, Starlight."

Meu coração pula uma batida – "Eu... eu fui deixada?" – Meus olhos começam a lacrimejar – "Você... não é a minha avó de verdade?"

Minha vó concorda com a cabeça – "Cuidei de você como minha filha desde aquele dia. O seu avô... não aceitou tanto. Ele ignorou sua existência, e continuou a rotina como se Winona ainda estivesse lá..." – Ela acaricia o colar com seu polegar – "Temi pelo pior, e me mudei para a fazenda de um velho amigo. Essa que estamos agora."

"...e meu avô?"

Ela fica em silêncio por um momento – "Faleceu meses depois. Não sei a causa. Tive que enterrar o corpo do homem que amei." – Ela fecha o colar. – "Mas acho que ele finalmente pôde reencontrar nossa filha. Agora... eu só aguardo a minha vez."

Abraço a minha avó com força. Lágrimas começam a cair, e eu começo a soluçar – "Por favor, não diga isso! A gente pode não ter ligação de sangue, mas você ainda é minha avó! Se eu soubesse que ia ser tão doloroso pra você, eu teria evitado perguntar! Me desculpa, vó...! Me desculpa...! Eu não sabia...!"

Ela dá leves tapas em minhas costas – "Ora, ora, minha querida... Todo mundo merece saber a verdade, uma hora ou outra. E... botar tudo isso pra fora, fez bem pro meu velho coração." – Ela dá um beijo em minha testa – "Fiquei preocupada que você tivesse o mesmo destino que seu avô, querida. Perdida, sem propósito, seguindo uma única rotina cegamente. Desde o que você ficou presa na mina, você nunca mais tentou fazer nada de diferente na sua vida. Seguindo a mesma rotina, traçando o mesmo caminho. Ver minha querida Star tão jovem e já presa num ciclo..."

A mina. Chacoalho a cabeça, não quero pensar nisso agora – "Por isso a senhora me contava a história do lobo...?"

Ela acena com a cabeça. Ficamos em silêncio por um bom tempo, abraçadas.

"Vó..."

"Sim, querida?"

"Eu... quero sair da vila. Faz algum tempo que eu ando pensando nisso, e eu não tenho certeza se eu deveria. Não quero deixar a senhora sozinha, não quero deixar os amigos que eu tenho aqui. Mas..." – Meus olhos voltam a lacrimejar – "Eu não sinto que meu lugar é aqui. Eu não sinto emoções fortes, ou um propósito! Eu não me sinto... feliz. É estranho, né? É egoísmo. Eu tenho você, meus amigos, ajudo quem eu posso ajudar, mas ainda não me sinto bem com nada disso. Eu deveria ser mais grata pelo que tenho..."

"Oh, Star..."

"E... E eu não sinto que eu mereço ser feliz, porque há um tempinho atrás eu contei pra Flann que eu não me sentia satisfeita e ela me disse que eu não merecia ser feliz, porque eu não ficava contente em ajudar você e meus amigos aqui na vila..."

"Ora essa! Não sei quem essa tal de Flã é, mas ela não tem o menor direito de dizer quem merece ou não merece felicidade! Principalmente minha netinha!" – Minha avó se levanta rápido da cama com um pulinho – "Star, minha querida, você é jovem e sempre teve um desejo imenso de conhecer o mundo! Não deixe seus medos, ou ninguém, dizer que você não pode conseguir o que quer! Se sair é o que você quer, você tem minha benção‼"

Abro um sorriso e lágrimas começam a sair – "Vó..."

"Agora vamos chutar a bunda dessa tal de Flã!" – Ela pega o chinelo do pé e o levanta correndo em direção à porta.

"Vó, não!" – Solto uma risada enquanto corro atrás dela, a agarrando em um abraço – "Não precisa. A senhora já me ajudou muito com o que disse... Obrigada."

"De nada, querida." – Ela dá um tapinha no meu braço – "Tem certeza que não quer que eu dessa o sarrafo nessa Flã?"

"Talvez depois." – Abro um sorriso.

[...]

Passei o resto do dia com a minha avó, ajudando-a a fazer mais pães, o dobro, para o festival amanhã. Perdi a noção do tempo, fiquei muito concentrada tentando entender o quanto de farinha eu tenho que colocar na massa pra que ela não fique quebradiça, nem mole. Ainda não acredito que quase perdemos uma fornada inteira porque eu coloquei fermento de mais e virou uma bola caótica de massa. Tipo um Usui, só que sem as tendências assassinas.

Chegando no final da tarde, termino de lavar as mãos, e minha avó se aproxima de mim segurando algo. Ela oferece uma bolsa pra mim, com um sorriso no rosto.

"Aqui, Star. Quero que fique com isso." – Eu pego a bolsa, e a olho confusa – "Essa bolsa me acompanhou muito quando eu viajava mundo afora com seu avô. Torço pra que, quando você sair da vila, você a leve contigo, e que te ajude tanto quanto me ajudou." – Ela sorri ainda mais.

"Vó..." – Eu olho pra bolsa com cuidado. É uma bolsa de couro, comum, não muito espaçosa, do tipo que fica ao lado do corpo, com a alça cruzada. Ela é firme, com ganchinhos no meio pra abrir e fechá-la. Abro um grande sorriso – "Muito obrigada, eu nem sei o que dizer..."

"Me mande cartas das suas viagens e tá tudo certo!" – Ela dá as costas e caminha até a sala de estar. Eu e acompanho.

Minha avó se senta numa cadeira de balanço, e eu fico parada na porta do corredor, a observando. Solto um leve suspiro. Fico feliz dela me apoiar tanto. Esses momentos de apreciação são raros entre nós, é muito bom poder dizer que eu a amo de todo coração. Porém nosso momento de paz se interrompe, quando alguém bate à porta.

"Deve ser o Sully, querida. Vai lá atender, depois eu quero contar pra você sobre a vez que você se pendurou numa árvore e ficou gritando por ajuda!" – Minha avó diz, com um sorrisão no rosto.

Eu reviro os olhos com uma risada, e vou até a porta de entrada. Abro a porta, e dou um passo pra trás ao ver que é – "Flann! O que está fazendo aqui?"

"Flã????" – Minha avó grita da sala, e vem em passos rápidos. Ela se enfia entre eu e a Flann – "Então foi você que falou pra minha neta que ela não pode ser feliz? Pois eu vou te dizer umas poucas e boas!"

"Vó, vó, por favor, não precisa!" – Me enfio entre ela e a Flann, e me viro para Flann – "Então, o que faz aqui?"

"Eu... vim pedir desculpas." – Minha avó imediatamente para de tentar se enfiar na minha frente – "Fiquei pensando no que você disse mais cedo. E vi que fui injusta com você. Você é uma garota legal, Star. Não ia me sentir bem se te deixasse magoada." – Ela desvia o olhar – "Posso... falar com você em particular?"

Me viro pra minha avó, que acena com a cabeça, e eu saio de casa, fechando a porta atrás de mim – "O que foi?"

Flann dá uma leve olhada por cima do meu ombro, e se aproxima, bem perto do meu rosto. Ela leva sua boca até minha orelha, e sussurra – "Não entre em pânico. Um Usui seguiu você. Deve estar atrás do colar."

Sinto meu coração parar por um momento. Um Usui, aqui em casa? Sinto minhas mãos tremerem, e Flann agarra meus ombros.

"Faça o seu melhor pra não parecer apavorada. Me convide para entrar. Vou procurar pela sua casa." – Ela continua sussurrando. Eu apenas aceno levemente com a cabeça.

Respiro fundo, e faço o possível pra não deixar claro que estou quase perdendo a cabeça – "Tudo bem..." – Me viro, e abro a porta – "Vó! Tudo bem a Flann entrar?"

"E eu vou dizer 'não'??" – Ela grita da sala. – "Entra aí, fica à vontade!"

Flann e eu entramos, e eu fecho a porta. Flann rapidamente caminha pelo corredor até as escadas.

"Ô Flã, vem cá um cadinho, quero conversar contigo!" – Minha avó grita da sala, e Flann para no primeiro degrau. Ela olha pra mim, e eu apenas dou de ombros. O que eu posso fazer? Flann revira os olhos e caminha até a cozinha, fazendo um sinal com a mão pra que eu suba as escadas.

Rapidamente corro escada acima, e começo a procurar pelo Usui. Espera! Flann disse que ele estava atrás do colar. Corro pro quarto de minha avó, abrindo a porta com tudo. Uma mancha vermelha voa em minha direção, e eu me agacho o mais rápido que posso. Ouço algo batendo na madeira, e olho para trás. O Usui havia pulado em minha direção, e agora grudou na porta do meu quarto. Sua forma gelatinosa começa a endurecer e se mover em minha direção. Sem pânico, Star! Lembre-se do que a Flann disse. Não posso fugir! Fecho os meus punhos com força e desfiro um soco contra o Usui com tudo o que eu tenho. A porta de meu quarto se abre com o impacto, e o Usui cai no meio do chão, se contorcendo, se é que geleias se contorcem. Ouço minha avó e Flann subindo as escadas, e o Usui começa a se rastejar rapidamente em minha direção. Eu imediatamente desfiro um chute e ele voa no meu guarda-roupa. Ele entra no meu guarda-roupa e eu corro até ele, abrindo a porta e jogando as roupas fora procurando por ele.

"Starlight!" – Minha avó grita – "O que está acontecendo??"

"Vó, acho melhor você não ficar aqui agora!" – O danado corre pra dentro das minhas gavetas e eu começo a arrancá-las. Droga, como ele é rápido!

"O que você está fazendo?!" – Minha avó continua gritando.

"Star! Na partição do meio!" – Flann grita, e eu imediatamente abro a parte do meio do guarda-roupas, ignorando as gavetas.

O danado se esguia pra dentro do meu vestido amarelo, e eu agarro o vestido e o jogo no meio do meu quarto. Me viro, e Flann já está em cima do Usui preso, com um papel em mãos. Ela morde o próprio dedo, arrancando parte da pele, e escreve algo no papel, o colocando diretamente sobre o vestido. O Usui dentro começa a queimar, e ateia meu vestido em chamas.

"STARLIGHT‼!" – Minha avó grita como nunca gritou antes, e empurra Flann, tentando abafar o fogo com seus pés.

Fogo. O fogo! O vestido! Droga! Começo a ajudar minha avó a abafar o fogo, mas ela já se ajoelha no chão e agarra meu vestido, agora parcialmente queimado.

Todos ficamos em silêncio por um momento – "Era pra você usar esse vestido amanhã..." – Minha vó diz, sua voz está trêmula.

"Vó... me desculpa..." – Me aproximo dela com minha mão, mas ela se levanta de repente e se vira pra porta. – "Vó...?"

"Senhora Maya... eu sinto muito. Havia um—" – Flann começa a falar, mas minha avó a interrompe.

"Espero que já tenha terminado o que veio fazer aqui, Caçadora." - ...como minha avó sabe disso?

"...sim. Eu já estou de saída."

"Você sabe onde está a porta." – Minha avó solta um suspiro e caminha até seu quarto.

"Vovó, espera!" – Ela não me ouve, e fecha a porta de seu quarto. Ouço um barulho de trancar.

O silêncio toma conta do ambiente. Flann vai até a porta de meu quarto – "Melhor eu ir. Me perdoe pela bagunça. Até amanhã, Star." – Ela some no corredor. Alguns momentos depois, ouço a porta de entrada se fechar.

Fico sozinha em meu quarto, iluminado pelo pôr-do-sol. Vou até a minha porta. Eu gostaria de perguntar pra minha avó sobre o que ela sabe sobre os Caçadores, mas não é uma boa hora. Eu estraguei tudo de novo. Só queria pedir desculpas... Fecho a minha porta e observo a bagunça que fiz no meu quarto. Caminho até minha mesa de desenho, e me sento. Puxo uma folha da gaveta, e pego um lápis. Começo a desenhar um Usui. O colar. O rosto de Flann, e minha avó sorrindo. Perco a noção do tempo, o sol já se foi. Minha avó não me chama para jantar. Melhor eu só... ir dormir.

 


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