Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 6
Capítulo VI - Último Uivo - Parte 2




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A noite cai, e me encontro sentada no banco da praça, encarando a mesa de banquete que está se enchendo cada vez mais, a cada pessoa que coloca um novo prato em cima dela. De potes cheios de ovos cozidos, à intestinos recheados, nesse festival da colheita há de tudo. É até reconfortante saber que tantos alimentos foram colhidos. Mas por mais que eu tente, não consigo parar de pensar no que vi mais cedo: Olhos escarlate. Momoka e Flann, ambas por um momento, mudaram a cor de seus olhos para escarlate. Como, e por quê? Estou observando a Momoka desde aquele momento, e seus olhos já voltaram a ter a cor de mel de antes. Será que tem a ver com a caçada aos monstros? Meus olhos vão mudar de cor se eu me tornar caçadora também? Eu gosto dos meus olhos roxos, não quero mudar pra vermelho! Mas parece que é temporário... De qualquer forma, eu acho que eu deveria perguntar pra Momoka.

Me levanto do banco, mas antes de ir até a barraca de flores, percebo uma pequena figura encapuzada se aproximando da mesa do banquete, passando de fininho por um grupo de pessoas conversando. Sua mão se estica pra pegar algo da mesa, um dos pães dentro da cesta que minha avó trouxe. Ele o agarra, parte no meio, e começa a comer. Não consigo segurar um pequeno riso ao ver ele esmigalhando o pão por completo e sujando toda a boca. Ele pega outro pão, e faz o mesmo.

Observar o garoto comer daquele jeito me traz uma memória. Uma das poucas vezes que minha avó me trazia para o festival. Me lembro do jeito que eu também ficava devorando os pães na mesa. Lembro da minha avó rindo das migalhas que ficavam na minha boca. Lembro desse mesmo ambiente festivo, cheio de tochas para iluminar nessa noite, da barraca de doces que ficava no lugar da barraca de flores, vendendo os doces mais saborosos da vila. Lembro de uma competição de dança, onde eu via moças bailando e tentava imitar. Lembro da minha avó me escondendo no meio da multidão assim que soldados de Demir chegavam. Lembro de querer sair da vila, explorar o mundo, sair combatendo o mal como uma heroína. Lembro de ouvir sons estranhos vindo da floresta, em direção à mina de cobre... Lembro de ir até lá...

Chacoalho a cabeça, isso não é uma boa lembrança, prefiro evitar. Volto a olhar o garoto, mas ele já sumiu de vista. Observo a praça, tentando encontrá-lo, mas nada. Onde será que ele foi?

"Star?" – Sully me chama, e me viro pra ele. Ele está segurando duas maçãs caramelizadas – "Tudo bem?" – Eu aceno com a cabeça. Ele abre um sorriso – "Peguei isso aqui pra você!"

"Maçã caramelizada...?" – Nego com a cabeça – "Pensei que soubesse que eu não gosto desse troço..."

Sully solta um leve riso – "Pega uma e prova, vai." – Ele me oferece uma das maçãs.

"Hããã..." – Pego a maçã e a encaro – "Se eu não comer, você come o resto?"

"Claro, só dá uma mordida. Confia em mim."

Com um suspiro e expectativa baixa, eu levo a maçã caramelizada até minha boca e mordo com cuidado. Pra minha surpresa, não fui recebida com uma camada dura e uma maçã mais dura ainda, mas sim uma textura macia, doce, e com gosto de... chocolate! Afasto o rosto da maçã e percebo que não é uma maçã, mas um bolo de chocolate com cobertura de morango, parecendo maçã!

"UAU!" -Não consigo segurar um sorriso – "Minha nossa, isso tá uma delícia!" – Eu continuo comendo o bolo-maçã, bem capaz de eu estar me lambuzando.

Sully solta uma risada – "Sabia que você ia adorar! Você nem acredita o que aquela barraca vende!"

"Que barraca?" – Começo a procurar a barraca – "Me mostra!"

Ele aponta pra uma barraca ao lado de um beco escuro. A barraca de madeira, cheia de outras maçãs-bolo, doces, e uns ursos de pelúcia, é bem chamativa. Nos aproximamos dela, e eu dou outra mordida nesse bolo delicioso. Quando chegamos perto, um velho barbado, magrelo e baixo aparece de trás da barraca.

"Ei! Eu conheço você!" – Digo, com o bolo na boca.

"Boa noite, queridos fregueses!" – Ele olha pra Sully e dá um sorriso, seus dentes podres à mostra – "Ah, veio pegar outra maçã do amor?"

"Não!" – Sully imediatamente diz – "Só quis mostrar pra Star outros dos seus produtos!"

"Sully, não acho uma boa ideia pegar nada daqui. Ele é o cara que estava vendendo cogumelos venenosos nos portões da vila!" – Digo, cutucando o Sully com o cotovelo.

"Sério? Oh, não, eu te envenenei?!" – Sully tenta pegar o bolo da minha mão, mas eu seguro firme.

"Prefiro morrer a você tirar esse bolo de mim." – Encaro Sully nos olhos.

O velho dá uma gargalhada – "HAHAHAH! Não se preocupe, tudo isso é um mal entendido! Quem a mocinha encontrou foi meu irmão gêmeo!"

"Irmão Gêmeo? Conta outra." – Digo, olhando pro velho, que dá um sorriso torto.

"É verdade! Aquele meu irmão só se mete em confusões, tenta vender todo tipo de lixo que encontra! E ele encontra o lixo do lixo! Mas eu? Eu peguei o lado bom do papai, um confeiteiro nato! Meus doces são como nenhum outro!" – Ele estufa o peito e levanta o nariz.

Acabo soltando uma leve risada. Que bom que está explicado, eu jurava que ia passar mal do estômago – "É, isso deu pra perceber! Suas maçãs são deliciosas!" – Aponto pra mais uma maçã-bolo – "Hã... quanto custa?"

"Dez moedas de cobre!" – Ele estende a mão, esperando o dinheiro.

"Que?!" – Sully retruca – "Você me cobrou vinte por cada!"

O velho abre um sorriso enorme – "Você é loiro, mas não é uma loira linda que vai atrair mais clientela!" -Awn, ele me acha linda. Obrigada, velho da barba seca – "Ah!" – Ele exclama de repente – "Momoka!" – Viro para onde o velho desvia o olhar, e Momoka está vindo em nossa direção. Ela abre um sorriso, e levemente se curva, levantando um pouco o vestido, como uma princesa se apresentando.

"Olá, Kavi. Resolveu vender doces agora?" – Momoka pergunta.

"É o negócio da família! Não posso largar mão!" -Ele pega um dos ursinhos de pelúcia e oferece a Momoka – "Quer um pra te fazer companhia? Só quinze moedas de cobre!"

Momoka cruza os braços, ainda com um sorriso no rosto – "Meus clientes disseram que custa quarenta."

Kavi abre um sorriso enorme, como fez para mim – "Um rosto bonito abre muitas portas na vida!"

"E produtos de fonte duvidosa fecham os sacos de moedas de muitos clientes." – Ela aponta para as maçãs-bolo – "De que lixo você tirou isso? Foi junto dos ingredientes da 'Poção Curandeira?'"

"QUE?!" – Eu e Sully gritamos, quase ao mesmo tempo.

Oh, não. Me viro para o velho, Kavi – "Era você o tempo todo!?!" – Coloco a mão sobre minha barriga – "Eu... eu comi... O que eu comi?!"

Sully coloca as mãos na cabeça – "Não acredito que eu envenenei minha melhor amiga!" – Ele bate o punho em cima da barraca, olhando direto para Kavi – "O que eu dei pra ela?! Se ela morrer, a culpa é sua!"

O velho Kavi levanta calmamente as mãos, como se tentasse acalmar Sully – "Não se preocupe, rapaz! Aquilo é coisa do passado! Minha barraca está livre de qualquer coisa venenosa!" – Ele estufa o peito mais uma vez – "Sou um novo homem! Honesto e trabalhador!"

Nós três encaramos o velho, que dá um leve riso e puxa uma alavanca debaixo da barraca, e ela novamente começa a se dobrar e virar uma mala. Como... como diabos isso acontece? Não deveria tudo ficar amassado lá dentro? Logo em seguida, o velho pega a mala e corre para dentro de um dos becos, assoviando.

Momoka solta uma leve risada. Sully também, logo em seguida. Quando percebo, nós três estamos rindo da situação, afinal, comer comida envenenada de um velho da barraca de doce? Que ideia!

Alguém bate no lado da minha barriga, é o Sully, com seu cotovelo. Doeu. Olho pra ele, pronta pra dar um sermão, mas ele move seus olhos e sua cabeça em uma direção, me dizendo para olhar para lá. E quando finalmente faço isso, vejo três soldados com armaduras de prata conversando com um grupo de pessoas, carregando espadas em suas cinturas. A luz reflete em suas costas, e consigo ver claramente o símbolo de um lobo uivando, confirmando que estes são cavaleiros de Demir. Aceno a cabeça para Sully, que faz o mesmo, e ambos começamos a andar em direção à uma das ruas menos movimentadas.

"Onde vocês estão indo?" – Momoka pergunta.

Me viro para ela – "Uhh... o Sully quer falar algo pra mim, a sós!"

Momoka levanta uma sobrancelha, e abre um leve sorriso – "Então tá bom... boa sorte, Sully! Espero que ela diga sim!" – Ela acena, se despedindo ao ir de volta para barraca.

Pensei que Sully se irritaria, mas ele não diz nada. Ele... sempre fica sério quando temos que nos esconder dos cavaleiros.

[...]

"Eles já foram?" – Pergunto para o Sully, que está vigiando os soldados pela quina de uma casa.

"Não... eles estão conversando com a Momoka agora. Ah, espera... eles notaram o velho dos doces. Um deles foi pra lá." – Sully se vira pra mim – "Me diz... sua avó algum dia te explicou o porquê da gente se esconder desses soldados?"

"Não..." – Cruzo os braços – "Ela nunca disse nada se os soldados viessem de Aldea..., mas se fosse de Demir, as vezes até saímos do festival."

"Bom..." – Ele dá outra olhada pela quina – "Todo mundo tem medo do Rei de Ferro... Não culpo ela. Por que você não aproveita que você já ficou sabendo da sua adoção pra perguntar sobre isso? Quem sabe ela fica mais disposta a dizer mais algumas coisas?"

"...boa ideia. Mas..." – Solto um suspiro – "Esses últimos dias foram estranhos. Acho que tô meio perdida..."

"Hm..." – Sully volta a olhar pela quina, mas logo se vira para mim – "Não era você que estava querendo algo diferente?"

"É, mas isso não incluía envenenar o cachorro de uma criança!" – Sinto um pesar no peito – "Se a gente não tivesse ido lá..."

"Ei, para com isso. Não tinha como saber que aquilo ia acontecer." – Sully volta a vigiar os soldados – "Não dá pra se culpar por algo que você não teve como prever, ou que não pode fazer nada pra ajudar..."

Enquanto Sully fala, percebo o mesmo garoto Carna encapuzado de antes, correndo em direção à um beco. Ele olha para os lados antes de entrar, e então desaparece no escuro. Parecia assustado. Logo depois, um humano e um Satyr também seguem dentro desse beco. Isso não me cheira bem... Começo a andar em direção ao beco.

"Star?" – Sully me chama, mas eu continuo – "Onde você está indo?"

Me viro pro Sully, colocando o dedo indicador frente à boca – "Shhh! Vem comigo." – E sigo em direção ao beco. Sully me segue.

Nos aproximamos escondidos, e eu olho pela quina do beco. O beco continua em uma passagem pela direita, e consigo ver mais ou menos o que está acontecendo. Tento me aproximar um pouco mais, adentrando o beco, e olhando pela quina da passagem. Vejo o humano e o Satyr se aproximando do garoto Carna, que parece desesperado procurando por uma saída. O garoto se vira para os dois, e levanta as mãos.

"Calma!" – Ele diz – "Isso é por causa dos pães? Me deem um ou dois dias, e eu pago por eles!"

O humano dá uma risada – "Não, não... não estamos aqui pra isso." – O humano leva a sua mão até sua bolsa, da onde ele tira uma coleira de metal, e começa a balançar na direção do garoto – "Seu mestre disse que você é valioso, e nos daria uma recompensa generosa por te trazer de volta..., tá na hora de ir pra casa, Ori."

Não imaginei que um ser de pele cinzenta poderia ficar pálido, mas lá estava o Carna, com uma expressão de desespero no rosto. O garoto, Ori, imediatamente tenta fugir, mas o Satyr o empurra contra a parede. Não vou deixar isso acontecer. Vou para o resgate, mas alguém segura o meu braço. Sully. Viro para ele, puxando meu braço, mas ele não me larga – "O que você tá fazendo?!" – Digo, tentando segurar minha voz.

"Você tá querendo bancar a heroína?! Olha o tamanho daquele Satyr! Deixa que eu vou chamar os soldados que estão aqui, e você fica de olho pra caso eles fujam!" – Sully responde, também cochichando.

Puxo meu braço com mais força, Sully finalmente o solta. Eu encaro Sully por um momento. Sully tem seus defeitos, e eu tolero por ser sua amiga. Mas... ser covarde definitivamente é algo que não consigo respeitar. Estendo minha mão, fazendo faíscas saírem de sua palma – "Eu não tenho esse poder pra ficar só olhando! Se eu posso usá-lo pra fazer alguma coisa..." – Fecho a minha mão e dou as costas pro Sully – "...então eu vou usar." – E vou ao resgate.

Meu coração bate forte, vejo o humano tentando colocar a coleira de metal no Ori, que chora mas não consegue gritar pois o Satyr está com a mão em sua garganta. Eu encho o peito e grito – "EI‼" - Os dois viram sua atenção pra mim, e acabo dando um passo pra trás.

"Sai daqui garota. Isso não é da sua conta." – O Satyr diz, com sua voz grossa e rouca, e volta sua atenção para o garoto. O humano faz o mesmo.

Respiro fundo, e começo a correr na direção dos dois. Vai ser uma má ideia, mas vai ser melhor do que não fazer nada. Corro o mais rápido que eu posso, e jogo todo o peso do meu corpo em uma ombrada no Satyr, que o empurra o suficiente pra se desequilibrar e largar o garoto. O humano me agarra por trás, mas logo me solta com um grito de dor. Ori o chutou, e começou a correr. Aproveito essa oportunidade pra fugir também e começo a correr, mas sou agarrada novamente. Dou uma cotovelada bem dada no cara que me segurou, mas infelizmente é o Satyr, e seu abdômen é muito mais duro que meu cotovelo. Ele me joga pra trás no beco sem saída, e eu caio no chão com tudo. Minhas costas doem bastante, mas não posso deixar isso me distrair. Olho para frente, o Satyr estrala o seu pescoço, se abaixa e começa a correr, preparando uma investida com sua cabeça na minha direção. Estendo minhas mãos adiante, me concentro o máximo que posso, preciso que uma explosão grande aconteça, não só aquelas faísquinhas! O Satyr se aproxima cada vez mais, é agora ou nunca, por favor que saia um grande feixe de luz! Minhas mãos esquentam como se pegassem fogo, mas não doem como se queimassem. Com um grande estouro, uma explosão ocorre e o Satyr sai voando na direção contrária.

"Isso!" – Grito de alegria, enquanto o humano me encara assustado.

Me levanto o mais rápido que posso, e o Satyr começa a se levantar. Minha explosão não o nocauteou, e ele geme de dor.

"Sua vadia..." – O Satyr diz, irritado. Que grosso. – "Agora você mexeu comigo." – Ele bufa, e abaixa a cabeça, se preparando para mais uma investida.

Já me preparo em seguida, ambas as mãos adiante, esse Satyr vai tomar mais uma explosão pra aprender a não sair por aí colocando colares em crianças! Ele se aproxima cada vez mais rápido, e concentro minhas forças em mais uma explosão! Um feixe de luz sai de minhas palmas, em um grande estouro!

Satyr atravessou a explosão como se não fosse nada. Em uma única investida, sua cabeça atinge meu estômago. Sinto todo o meu estômago se fechar, e minha respiração parar. Sou empurrada até a parede, sendo pressionada entre o crânio do Satyr e o concreto gelado. Minha cabeça acerta a parede com tudo. Sinto a comida voltar, e minha visão começa a ficar turva. O Satyr se afasta depois dessa investida, e eu caio no chão. A dor vem lenta, aos poucos, mas é imensa. Não consigo me mexer.

"Isso é pra você aprender." – O Satyr coloca seu pé, um casco duro e gelado, sobre minha cabeça – "Aquele garoto valia mais de cinquenta moedas de ouro! Uma fortuna!"

"Tekoa!" – O humano grita – "Não precisa matar ela, né?! Melhor a gente sair daqui, o garoto não deve estar longe!"

Satyr bufa, e aproxima o rosto de mim – "Esse foi seu dia de sorte." – Minha visão fica ainda mais turva – "Da próxima vez que for meter o nariz onde não foi chamada, saiba que o próximo pode não ser tão piedoso."

Minha visão começa a escurecer. Mal consigo ver o Satyr e o humano se distanciando. Consigo ver um borrão vermelho se movendo rapidamente entre os dois. Silêncio. Alguém está chegando perto... - "Star?!" – Esse alguém me chama. Mas não acho que vou conseguir ficar acordada...

[...]

Eu estava dormindo tão bem, mas as vozes ao meu redor não me deixam em paz. Uma voz de uma idosa, e de um rapaz. Eles estão falando algo, mas eu não consigo entender tudo...

"Ainda não acredito que você deixou ela sozinha!" – A idosa diz – "Você a conhece! Sabe que ela nunca iria dar as costas pra uma situação daquelas!"

"Desculpa, senhora Maya! Eu... eu pensei que chamar os soldados era a melhor opção!" – O rapaz responde.

"Isso só iria piorar tudo, meu filho!" – A senhora Maya responde – "Arrastasse ela pra outro canto, mesmo que se esperneasse!"

"Me diga, senhora Maya. Por que esconder a Starlight dos soldados?" – Uma nova voz feminina, bem próxima de mim, calma e controlada, se manifesta.

"Isso é assunto de família, Flã. Não tem por que ficar contando pros outros." – A senhora Maya retruca.

"Só achei curioso... Sully disse que se escondiam desde pequenos." – A voz feminina diz.

A senhora Maya grunhe. Conheço esse grunhido. É da minha avó. Eu amo minha avó. – "Não deu uma dentro hoje, hein, Sully?" – Minha avó reclama.

"Eu estava em pânico! Desculpa!" – Sully grita.

Eu tento me levantar, e consigo empurrar algumas palavras pra fora – "Gente... vocês podem baixar a bola, por favor...?" – Abro os olhos, e vejo que estou no meu quarto, deitada em minha cama.

Silêncio. De repente, minha avó grita – "ELA ACORDOU!" – E corre pra me abraçar, um abraço bem apertado. Minha cabeça e barriga ainda doem – "Como você tá se sentindo? Como está sua cabeça?" - Ela coloca a mão na minha nuca, e não consigo evitar um gritinho de dor – "Ai, mas aqueles desgraçados tiveram o que merecem, sua amiga Flã cuidou deles!"

Flann? Olho ao meu redor, e tomo um susto ao ver ela sentada na cama onde estou deitada, me olhando com um sorriso – "Bom dia, dorminhoca. Se meteu em encrenca?" – Sinto meu rosto esquentar, nossa... como a Flann é bonita. Acabo soltando um riso nervoso. Que vergonha.

"Star, minha querida, eu sei que você quer ajudar os outros, mas se machucar desse jeito... já é demais né?" – Minha avó diz, enquanto aperta minhas bochechas.

"Ai, ai! Desculpa!" – Reclamo, segurando as mãos da minha avó – "Eles queriam botar uma coleira naquele garoto!"

"Coleira?" – Sully pergunta, e eu concordo com a cabeça.

"Era um garoto Carna, não era? Não tem muitos por aí. Já se deve imaginar o porquê." – Flann explica – "Dos poucos que se encontra, a maioria se torna escravo de gente rica e sem caráter. Aqueles dois que estavam atrás do garoto provavelmente queriam uma recompensa ao retorná-lo ao seu dono. Encontrei uma coleira de metal na bolsa de um deles, com o nome 'Ori' nela."

"Dono? Pessoas não tem dono!" – Digo.

"Ficaria surpresa com o tanto de gente que não considera os Carna como 'pessoas'." – Flann solta um suspiro.

"Ah, mas essa gente aí!" – Minha avó diz – "Tem mais é que ir a mer—"

"OPA, senhora Maya! Que tal a gente ir fazer um chá pra Star?" – Sully a interrompe antes que possa xingar aqueles que tratam os Carna desse jeito.

Minha avó grunhe, mas acaba concordando com a cabeça. Ambos saem do meu quarto, com minha avó mandando beijos pra mim. A porta se fecha, e acabo soltando um leve riso. Não sei por que Sully a interrompeu, também acho que esse tipo de gente deveria ir a merda.

"Star..." – Flann me chama, e eu me viro pra ela – "Por que a sua vó te esconde dos soldados?"

"Eu... não sei, mesmo. Isso foi desde pequena." – Abraço minhas pernas – "Quando eu perguntava, ela só dizia que eram 'homens malvados', e eu acreditava. Ela nunca me explicou nada." – Olho pra Flann – "Acredita que eu fiquei sabendo ontem que eu sou adotada? Por vinte e quatro anos, minha avó nunca me disse nada."

"Adotada?"

"É! Pelo o que a minha avó me disse, minha mãe me abandonou com ela durante um inverno. Ela não sabe nada sobre minha mãe, apenas que havia cabelos azuis."

"Espera... cabelos azuis?"

"Sim... por que?"

"Hm. Não é nada. Me diz, sua avó sabe dos seus poderes?"

"Claro que sabe! Todo mundo no vilarejo sabe!" – Olho para minhas mãos –"Ela me disse pra não ficar usando a toa por aí pra que eu não dependesse deles, ou ficasse dando inveja pra outras pessoas..."

"E você acreditou nisso?"

Aceno com a cabeça.

"Sua avó é bem misteriosa. Isso não te incomoda?"

Solto um leve riso – "Com certeza. Mas não acho que eu deveria ficar pressionando ela a me contar. Fiz isso ontem, antes de você vir queimar aquele Usui, e ela chorou tanto quando me contou que eu era adotada... Não quero ver ela daquele jeito de novo, mesmo que eu tenha que viver na ignorância."

"...Ignorância é uma benção." – Flann suspira – "Mas é a benção dos tolos. Minha dica é que você vá atrás da verdade. Não importa o que custe." – Ela me encara com seus lindos olhos verdes – "Seja justa com você mesma. Você não merece viver na mentira."

A encaro por um momento. Viver na mentira, buscar a verdade? Do que raios ela está falando? Eu sou eu, Starlight. Fazendeira de vinte e quatro anos, que por acaso é adotada. Solto faíscas pelas mãos e gosto de comer pão no café da manhã. Não tem mais nada pra descobrir... não é?

Alguém bate na porta, e sem esperar, a abre. Eu e Flann olhamos para porta, e Momoka entra rapidamente, ofegante e sem sua cartola. É a primeira vez que a vejo desse jeito. Ela nos encara por um momento – "Flann!" – Momoka diz – "Temos um problema!"

A expressão de Flann, calma e serena, logo se fecha. Ela fica muito mais séria, e logo se levanta.

"Qual o problema?!" – Pegunto à Momoka, enquanto Flann caminha em sua direção.

"Desculpa, amiga..." – Momoka diz – "Mas isso é assunto privado."

Assunto privado...? Deve ser algo relacionado aos caçadores. Respiro fundo, se é pra buscar a verdade então vamos colocar a verdade em jogo! – "Eu sei que vocês são caçadoras de monstros!"

Momoka para e me encara na hora. Ela fecha a cara, primeira vez que vejo Momoka tão séria. Ela se vira pra Flann – "Você CONTOU pra ela?"

Flann dá de ombros – "É... não pensei que ela fosse dizer isso na sua cara." – Ela então solta um leve riso – "Mas você resolve isso rapidinho."

"Você não tem ideia do quanto isso me irrita. Eu não sou sua garantia pra ficar de brincadeira!" – Momoka se vira pra mim, se aproximando, e abrindo um sorriso – "Starlight, querida, me ouça bem." – Em um piscar de olhos, seus olhos mudam de cor, passam da cor de mel para um vermelho escarlate – "O que você ouviu da Flann... não passou de uma brincadeira sem graça. Ela costuma fazer esse tipo de coisa." – Quando Momoka diz isso, todo o meu quarto fica escuro. É como se nada mais estivesse ali, a não ser ela. Até os pequenos sons que estou acostumada a ouvir, como o piar dos pássaros ou o chiar do bule na cozinha, tudo sumiu. Só existe... a Momoka – "Por favor, desconsidere o que ela disse... e volte a dormir." – Sua voz ficou mais suave do que nunca. E eu sinto um pesar, um cansaço...

Quando Momoka para de falar, em mais um piscar de olhos, seus olhos voltam ao normal. Ela sorri mais uma vez – "Entendeu, Star?"

Eu aceno com a cabeça, e acabo bocejando. Momoka e Flann se viram – "Espera!" – Eu digo – "Vocês ainda não me disseram qual o problema!"

Momoka se vira, sorrindo – "Star... isso é assunto entre eu e Flann."

"É sobre vocês serem caçadoras?" – Chacoalho a cabeça e me levanto da cama.

Momoka e Flann me encaram, com olhos arregalados. Eu... disse algo errado? Olho pra baixo, não estou pelada, estou com a roupas de antes... volto a olhar pras duas e Momoka cochicha algo com Flann. Flann responde cochichando, e Momoka então dá um soco em seu ombro – "Você fez o que?!" – Flann dá um gritinho de dor.

"Calma! Vamos avaliar a situação..." – Flann diz, acariciando seu ombro – "Star... você se lembra da Momoka te mandar ir dormir?"

"Claro que lembro." – Digo – "Mal acabou de acontecer!"

Momoka coloca as mãos na cabeça, grunhindo.

"E... não sente nenhuma vontade de dormir?" – Flann pergunta.

"Não!" – Digo – "Por que?!"

Momoka revira os olhos – "Isso é culpa sua... Por que você foi contar pra ela?!"

"Ela ia descobrir uma hora ou outra..." – Flann sorri e dá uma piscadinha pra mim. Acabo ficando envergonhada... Flann então cochicha algo pra Momoka.

"Tá..." – Momoka suspira – "Tudo bem. Que seja. Quer saber o que houve?" – Momoka aponta o dedo pra mim – "Cavaram a cova onde estava o Billy enquanto Ted estava lá. Quem fez isso, levou ambos pras minas! Vim chamar a Flann porque ouvi que uma fera estava por perto quando aconteceu."

Meu corpo fica paralisado. Billy... morto? Ted foi sequestrado...? Se eu não tivesse ido na cabana... eu... eu.... Dou um suspiro profundo e chacoalho a cabeça, olhando pra ambas - "Eu vou ajudar a procurar por eles!"

"Negativo." – Flann cruza os braços e levanta seu tom de voz – "Você vai ficar aqui. Sei que você quer ajudar, Star. Mas o que quer que tenha pegado o Ted, é trabalho pra nós, Caçadores."

"Mas—"

"Nada de 'mas'." – Flann me interrompe – "Vamos, Momoka. Onde fica a entrada das minas?"

"Dando a volta nas montanhas." – Momoka diz, e ambas saem de meu quarto, correndo.

Acabo caindo sentada na cama, sem forças pra ficar de pé. Então... Billy morreu. Morreu... por minha culpa. Se eu não tivesse ido na cabana... se eu não tivesse sido estúpida e ido atrás de me aventurar... É como aconteceu nas minas de novo... é como aquele maldito dia nas minas...

Engulo seco e me forço a levantar. Não é hora de me lamentar. Ted está em apuros, e eu sei que posso ajudar! Flann e Momoka vão ter que dar a volta na montanha pra entrar nas minas, mas eu conheço um atalho. Corro pra fora do quarto e desço as escadas, esbarrando em Sully que estava carregando algo.

"Ei!" – Ele grita, mas eu continuo correndo – "Aonde você vai?!"

Saio pela porta da frente, me esqueço até de fechar. A escuridão da noite engole toda a floresta ao redor da minha casa, mas eu conheço o caminho. Uma trilha que explorei anos atrás, naquele dia. Corro pela trilha, tomando cuidado com os galhos no chão, que vão crescendo em quantidade quanto mais me aproximo da entrada da mina. Meu peito começa a fechar, quanto mais perto eu chego. Mas não vou parar... não vou. Tenho que ajudar o Ted!

Finalmente chego em frente à antiga entrada da mina, agora trancada por um desabamento. Mineradores costumavam passar em frente à minha casa, todo dia, vindo pra cá. Eu era apenas uma criança curiosa, que queria explorar meu vilarejo. Os mineradores haviam terminado seu turno... era uma noite, como essa. Eu ouvi algo vindo de dentro das minas... e corri pra cá... entrei na escuridão, tentei encontrar a fonte do som.... Outro barulho, mais forte, veio do fundo da mina, o que fez ela estremecer toda. A entrada acabou desabando, eu fiquei presa. Não sei por quanto tempo fiquei no escuro. Mas sei que não havia luz. Eu fiquei chorando, encostada nas pedras, implorando pra ser salva.... Foi só depois de muita choradeira, que eu tentei tirar as pedras do caminho. Tolice, pra uma criança. Meus dedos ficaram sangrando de tanto que tentei retirar as pedras do caminho. Fiquei frustrada, me encolhi... e então... faíscas saíram de minha mão. As mesmas que soltei quando estava brincando no meu quarto..., mas foi a primeira vez que as vi tão brilhantes... como se fossem pequenos raios de sol. Fiquei encarando aquela luz, a única luz que eu tinha. Eu me levantei, e encarei a parede de pedras que prendia lá dentro. Com toda a minha vontade de sair de lá de dentro, eu disparei minha primeira explosão.

E agora, apontando minha mão para as rochas, e com toda a minha vontade de salvar o Ted, vou voltar lá dentro, não importa o quão escuro esteja. Me concentro, minhas mãos esquentam, e disparo uma grande explosão que empurra todas as pedras pra dentro, liberando uma passagem. Mordo a costura das mangas da minha blusa, e as arranco. Pego dois galhos que estão no chão, e amarro tudo em uma tocha malfeita. Com alguns estalos de faísca, consigo acender. Respiro fundo, e adentro as minas.

[...]

Corro pelos túneis, apenas a luz da tocha me permite enxergar em meio ao escuro. Meu coração palpita forte quando vejo a saída sumir na escuridão. Olho adiante e vejo que o caminho se divide... e agora? Levanto a tocha, iluminando o caminho a frente, e vejo as vigas de madeira que impedem o túnel de desabar. Me pergunto por que não funcionou daquela vez... levanto a tocha em direção ao caminho da direita. Não há vigas, e o túnel está bem diferente, o chão e as paredes estão tortas, esburacadas, e há várias pedras soltas no caminho. Decido seguir adiante. Me dá calafrios só de pensar se esse túnel da direita desabar.

Continuo correndo, não sei o quão perto ou longe estou, mas eu continuo correndo. Em um passo, acabo escorregando e caio com tudo no chão, deixo a tocha cair. Olho pra onde pisei, e vejo um líquido vermelho. Sangue? Sinto uma fraqueza no corpo. Me levanto, e agarro a tocha. Vejo que há mais sangue adiante... Quanto mais caminho, mais sangue aparece, no chão, nas paredes, escorrendo cada vez mais... observo o sangue no chão... aquilo são, pegadas? Não são de uma pessoa, parece mais a de um... urso...? Continuo caminhando, e chego a mais uma divisão. O sangue segue pelo túnel da esquerda, cheio de vigas quebradas... parece ter muito mais sangue do que o caminho por onde vim. O túnel adiante ainda tem uma trilha de sangue, mas é melhor do que aquelas poças. Continuo adiante, mas ao passar pela entrada da esquerda, ouço um pequeno grunhido, o que me faz paralisar na hora. E então, ouço passos... passos pesados, molhados pelas poças que eu tinha visto antes.

Me viro lentamente para trás, e vejo sair do outro túnel a cabeça de uma fera enorme. Sua boca semiaberta, mostrando os dentes afiados e manchados por sangue, com a saliva avermelhada pingando no chão. Seu rosto é peludo e machucado, parecendo um lobo velho. A fera possui dois grandes chifres que só se vê em cervos. Seus olhos são completamente brancos, como duas luzes no escuro, e me encaram como se enxergassem através da minha alma. A fera dá mais alguns passos, revelando seu corpo peludo, enorme, também manchado de com feridas nos lados, o que explica o sangue nas paredes. A fera lentamente dá um passo adiante, e eu sigo com um passo pra trás, me afastando. De repente, ela mexe suas patas como se preparasse pra correr. Sem pensar duas vezes, eu corro na direção oposta. Corro com todas as minhas forças, meu coração batendo forte e minha respiração ofegante, e a fera se aproximando atrás de mim, correndo, me caçando. Ouço batidas nas paredes, a fera é grande demais pra não raspar seu corpo nas paredes ao correr pelo túnel, mas ela força seu caminho mesmo assim. Ouço seus passos pesados chegando cada vez mais perto, e mais perto, e mais perto. Vejo mais a frente duas luzes, como os olhos da fera. Não acredito... mais uma? Então é assim que acaba? Sou devorada por dois monstros no túnel que mais odiei na vida.

"STARLIGHT!" – Ouço a voz de Flann vindo da direção das duas luzes – "SE ABAIXA‼"

Quase que no mesmo momento, acabo escorregando no sangue no chão, e caio de cara em toda aquela nojeira. Tento me levantar, e então uma explosão de luz acontece em cima de mim. Olho, tentando entender o que houve, e descubro que a criatura que estava me perseguindo agora está em chamas.

"STAR‼" – A voz de Momoka ecoa no túnel, e eu olho em direção as duas luzes novamente.

Me levanto, e então sou empurrada com força pra frente, em direção as luzes. Uma pontada, seguida de uma sensação de queimar percorre minhas costas. Quando caio no chão, longe de onde eu estava, a queimação se transforma numa dor intensa. Não consigo me mexer, tentar me levantar só piora minha dor. Olho pra cima e vejo Flann e Momoka se aproximando. Momoka logo agarra minha mão e tenta me ajudar a levantar, mas eu grito de dor.

"Flann...!" – Momoka a chama, e eu tento olhar pra ela.

Flann está empunhando duas adagas, encarando de frente a criatura em chamas, que se contorce e bate nas paredes, fazendo todo o túnel estremecer. A criatura se afasta de Flann, deixando rastros de fogo e sangue pelo túnel, Flann a segue ainda segurando as adagas, como se esperasse o momento certo para atacar.

"FLANN!" – Momoka grita, e Flann se vira para nós, seus olhos vermelhos como antes – "Star foi ferida!"

Flann se aproxima, e levanta a adaga – "Então temos que eliminá-la."

Momoka levanta e a faz abaixar adaga – "Espera!" – Momoka aponta para mim – "Olha! A ferida dela... está se curando."

Agora que ela disse, percebo que a dor que eu sentia nas costas já se passou a um bom tempo. Consigo me levantar com pouco esforço.

"...ela é... imune?" – Flann pergunta. Me viro pras duas, e vejo Momoka dando de ombros. Percebo que Momoka está segurando uma besta.

"Imune...?" – Pergunto – "Imune a o que?"

Flann dá as costas, bufando – "Sem tempo pra explicar. Momoka, vamos." – Momoka concorda com a cabeça e ambas começam a ir atrás da criatura.

"Espera!" – Grito – "Vocês encontraram o Ted?"

Elas não respondem, e continuam a correr. Olho ao meu redor, e vejo que a tocha que deixei cair ainda está acesa. A pego novamente, e olho pelo caminho de onde Flann e Momoka vieram. Que criatura era aquela? Imune... a o que? Flann... queria me matar? E o mais importante, aonde está o Ted? Começo a andar, elas devem ter perdido alguma coisa no caminho. Ted tem que estar por aqui, Momoka disse que ele foi levado pra cá.

Sigo pelo túnel escuro, iluminando meu caminho com a tocha. Nenhum sinal do Ted. Um tremor acontece de repente, e sinto meu coração quase saltar pra fora. Ouço os gritos da criatura ecoarem pelos túneis. Será que elas estão lutando contra a criatura? Faz sentido, elas são caçadoras de monstros afinal. É melhor eu encontrar o Ted logo pra sairmos daqui... Começo a aumentar o passo, quase correndo pelo túnel. Vejo então uma passagem à esquerda, e paro pra investigar. Levanto a tocha para ver o que há dentro da passagem.

"Olá...?" – Uma voz fraca vem de dentro da passagem. Eu reconheço essa voz...

Entro na passagem – "Ted...?" – Continuo andando.

"Star...? Cadê você...?" – Ted continua chamando, e eu vou seguindo da onde vem a voz. A passagem é escura e molhada, diferente do resto da mina. Depois de alguns passos, vejo Ted, encolhido em um canto da passagem. Ele está sujo e com manchas vermelhas nos braços e pernas. Corro até ele.

"Ted!" – Deixo a tocha cair, e seguro o Ted pelos ombros – "Você está bem? O que aconteceu?!"

"Star...?" – Os olhos de Ted me encaram, estão cheios de lágrimas e seu rosto está bem sujo – "Eu... eu vim aqui procurar o Billy..."

"Ted... quem te trouxe pra cá? Quem cavou a cova do Billy e trouxe você pra cá?" – Pergunto.

"...que...?" – Ted diz, enquanto o ajudo a se levantar – "Ninguém me trouxe pra cá... eu vim atrás do Billy..."

Que...? Ted deve estar confuso. Momoka disse claramente que alguém trouxe os dois pra cá – "Vem, vou te levar pra casa." – Pego o Ted e o carrego no colo.

"...não..." – Ele murmura – "Eu tenho que achar o Billy..."

Começo a caminhar de volta para o túnel principal. Um rugido ecoa de trás de mim, e eu olho para trás. Meu coração para, e eu fico paralisada. Iluminada pela luz da tocha, a fera caminha em nossa direção, rosnando. Eu imediatamente começo a correr pelo túnel. Vejo uma luz no fim, e a fera permanece atrás, batendo nas paredes e fazendo com que pedras caiam do teto do túnel. Conheço esse tremor. A luz no fim se aproxima, estamos quase na saída, mas o túnel está prestes a desabar. Pedras começam a bloquear a luz pouco a pouco. Corro e corro com todas as minhas forças pra alcançar a saída. Atravesso a chuva de pedras e então... luz! Luz do dia! Olho pra trás, e um último tremor desaba a saída, prendendo a fera dentro do túnel. Acabou... acabou...

"Billy..." – Ted murmura, antes de desmaiar. Pobre garoto...

"...me perdoe." – Sussurro.

[...]

Caminho com o Ted no meu colo, voltando para a vila. Nunca andei por esse canto, mas a trilha é familiar. Espero que a entrada da vila não esteja longe..., mas deve estar, afinal, atravessei uma montanha em linha reta. Dar a volta vai ser mais demorado...

No meio do caminho vejo um grupo de mineradores vindo em nossa direção. Eles estão carregando tochas e suas picaretas... Eles nos veem e começam a correr até nós.

"Graças à Deus, vocês estão bem!" – Um dos mineradores diz.

"Estavam procurando pela gente?" – Pergunto.

"Íamos invadir as minas e matar a criatura!" – Outro minerador diz – "Ficamos apavorados quando descobrimos que uma criança foi levada!"

"Garota, você está manchada de sangue!" – Um minerador barbado diz – "Você está bem?" – Aceno com a cabeça – "O que houve com a criatura?"

"Morta." – A voz de Flann me pega desprevenida ao vir repentinamente de trás de mim. Olho para trás, ela e Momoka estão cheias de poeira, com Momoka carregando algo escuro. Achei que era a besta de antes, mas meu coração para quando percebo na verdade é o corpo de Billy. Olho para Flann novamente, seus olhos estão com aquela cor escarlate. – "A criatura deve ter vindo se alimentar do corpo do cão, e o garoto acabou sendo pego também." – Flann guarda as adagas que estava carregando – "Por sorte, conseguimos lidar com a criatura. As minas poderão voltar à ativa amanhã de manhã. Vocês podem ir pra casa tranquilos."

Olho de volta para os mineradores, todos com cara de bobo, com um olhar vazio. Em seguida, alguns chacoalham a cabeça, colocam a mão na testa, ou só parecem meio perdidos mesmo. Num sonoro "Tudo bem...", eles dão as costas e voltam pelo caminho de onde vieram. Flann e Momoka se aproximam de mim, e acabo encarando o corpo de Billy nos braços de Momoka.

"...ele está...?" – Digo, olhando para o corpo de Billy. Momoka lentamente concorda com a cabeça – "Oh, não..."

"Nós vamos devolvê-lo ao seu lugar..." – Momoka diz, e começa a andar.

"Você deveria levar o Ted pra casa, antes que ele acorde. Espero que ele se lembre de tudo isso como um sonho." – Flann diz, e começa a caminhar – "E... Star? Se ainda quiser, saiba que está mais do que bem vinda pra me acompanhar pra próxima cidade. Você foi estúpida ao se arriscar assim... mas você salvou a vida desse garoto." – Ela continua andando. Encaro as duas se afastando. Ajeito Ted em meu colo, e as sigo em direção à vila.

Dou um último suspiro de alívio. Hora de ir pra casa...

 


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Notas finais do capítulo

A vida nunca fica fácil. Tentando equilibrar o criativo com o produtivo. Desculpe.



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