Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 13
Capítulo XIII - Luta pelo Poder




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A carroça continua andando, a chuva continua caindo. O som da lama sendo arrastada pelas rodas da carroça é abafado pela chuva que parece ficar mais forte. Não sinto mais frio, acho que meu corpo se ajustou. Mas eu não aguento mais ficar assim... não tem nenhum lugar pra pararmos? Olho pra Flann, e ela está com os olhos fechados, parece estar meditando.

"HOOO!" – O velho carroceiro grita, fazendo a carroça parar. Olho adiante, e tomo um leve susto ao perceber uma figura alta, larga e encapuzada perto da carroça – "Boa tarde meu filho! Aceita uma carona?"

A figura se vira em minha direção, consigo ver o queixo de quem está encapuzado – "...parece que o senhor já tem bastante carga." – A figura diz, uma voz masculina pesada sai de dentro do capuz.

"Que isso meu filho, só pedir por um pouco de espaço!" – O velho carroceiro se vira pra nós – "Vocês podiam dar um espaço pro moção aqui?" – Ele diz.

Eu acabo concordando com a cabeça – "C-claro." – Digo baixinho e me sento ao lado da Flann.

A figura encapuzada caminha até a carroça e facilmente sobe, fazendo a carroça balançar um pouco. Assim que a figura se senta na nossa frente, consigo ver melhor seu rosto. É um homem jovem, com o rosto bem definido. Huh... até que é bonitinho.

"Boa tarde..." – O homem diz.

"Boa tarde..." – Eu e Flann respondemos, quase que mutuamente.

Ficamos uns minutos em silêncio. Vejo o homem encarando a estrada por onde já passamos. Ele é enorme, e mal cabe junto conosco. Suas mãos e pés também parecem imensos, e suas unhas são mais longas e grossas do que o comum. Acabo chegando mais perto de Flann, quase que por instinto.

"Poderia nos dizer seu nome?" – Flann pergunta.

"Ah, claro... onde estão meus modos?" – O homem diz, e logo tira o capuz, revelando um rosto com várias cicatrizes, sobrancelhas grossas, com um longo cabelo grisalho, quase completamente branco, amarrado em um rabo de cavalo bagunçado, parecido com o meu, só que bem mais volumoso. Ele abre um grande sorriso, cheio de dentes. Dentes afiados. – "Lobo."

"...Lobo?" – Pergunto, inclinando a cabeça – "Como o animal?"

"Sim." – Ele se vira pra mim, noto seus grandes olhos de cor amarela – "É coisa de família."

"Oh... todos na sua família são assim?" – Pergunto.

Lobo concorda com a cabeça – "Somos exímios caçadores, mas rejeitamos as armas. Preferimos algo mais... natural."

"Os Uivantes?" – Flann pergunta, chamando a atenção de Lobo – "Sua tribo geralmente não viaja tão longe."

Lobo dá uma risada – "Hah! Fez a lição de casa, pelo visto." – Ele se inclina pra frente, se curvando para ficar com a cabeça na altura do rosto de Flann – "Estou à trabalho. O Rei de Ferro anunciou uma pequena... busca. Parece que algo de seu interesse está na região, e eu com certeza irei encontrar primeiro."

"Alguma recompensa para tal... busca?" – Flann pergunta, seus braços agora cruzados.

"Mas é claro que sim! Uma moradia grande, bem na área nobre da grande cidade, Demir. Foi dito até mesmo que não será necessário pagar os impostos, como um status especial dentro do reino..." – Lobo diz, com o peito estufado e queixo levantado.

"...mas alguém dos Uivantes nunca iria querer a civilização." – Flann diz – "O que você ganha com isso?"

"Garota esperta." – Lobo diz, com um sorriso, consigo até mesmo sentir a malícia emanando de seu rosto – "Não desejo nada mais nada menos do que um favor do rei. É uma alternativa ao presente que ele ofereceu."

Flann respira fundo, relaxando a sua pose – "E você já tem ideia do que esse algo seja?"

"Se eu soubesse, não contaria." – Ele diz, rindo – "E se contasse..." – Ele leva o dedo indicador até o pescoço, cruzando-o. Sinto um arrepio percorrer minha espinha.

"Não é muito inteligente ameaçar sua companhia de viagem." – Flann diz.

Lobo a encara, vejo-o roçar os dentes. Ele se retrai, e parece se espreguiçar, até ouço alguns ossos estalando – "Tem razão... tem razão..." – Ele se inclina pra trás, e então, num piscar de olhos, se inclina novamente à frente com uma forte mordida, quase perto o bastante para nos pegar com os dentes.

"AAAHH!" – Com o susto, me agarro em Flann.

Lobo se inclina pra trás novamente, dessa vez numa grande gargalhada – "HAHAHAHAHAHAH‼‼" – Ele ri alto, com um relâmpago, seguido de um forte trovão ecoando pelo céu. Ele se levanta, e percebo o quão alto ele é – "Até mais, companheiras de caça! Que o melhor caçador vença!" – Lobo então salta para trás bem alto, com uma cambalhota ele cai no chão e já começa a correr pra floresta.

A carroça para – "Tá tudo bem aí atrás? Esse maluco já deu no pé?!" – O velho carroceiro pergunta.

Demoro para retornar a mim, e me afastar de Flann. Percebo que esse tempo inteiro ela se manteve firme e quieta. Sinto meu coração pulsando forte em meu peito. Um medo... primal.

"...sim, vovô. Ele já foi." – Flann responde.

"Que cara doido! A gente oferece carona, e ele dá uma dessas! Eu, hein!" – O velho carroceiro resmunga e faz a carroça seguir viagem.

Fico encarando a floresta para onde o tal de Lobo foi. Ele sumiu, rápido como o vento, e bem quieto para seu tamanho. Ainda sinto... medo. Sinto algo em minha mão. É a mão de Flann. Ela não está olhando pra mim, mas ela está... segurando a minha mão. Todo o medo que eu sentia foi embora, e agora eu só consigo sentir vergonha. Muita vergonha. A viagem continua, a chuva finalmente para, e nós seguimos quietas... de mãos dadas.

Nada de novo acontece. Eu e Flann ficamos em silêncio na maior parte, e com o entardecer, nós paramos ao lado da estrada. O velho carroceiro ajeitou suas coisas para fazer uma pequena barraca com sua carroça, e ainda possuía uma outra de reserva para nós. Eu e Flann montamos a barraca, ela refazendo tudo o que eu fiz de errado, e então nos deitamos de costas uma para a outra. Sinto meu coração batendo forte... ela estava segurando minha mão antes, e agora, de costas? Não entendo... acabo deixando os meus pensamentos confusos de lado e finalmente consigo dormir.

[...]

Um longo, doloroso e alto som agudo me acorda, com meu coração quase saltando da boca. Demoro alguns segundos pra sequer me lembrar onde estou.

"Demorou pra acordar, hein?" – Ouço a voz de Flann, e vejo que ela desmontou a barraca comigo dentro, e agora está de pé ao meu lado.

"Flann...?" – Olho pra ela, e vejo que seus dedos estão próximos a sua boca. O barulho que ouvi foi o seu assovio – "Por que me acordou?"

"Por quê?" – Flann dá uma leve risada. Ela parece mais... animada? – "Seu treinamento começa agora."

"M-meu treinamento?! Mas já?!" – Pergunto, me levantando.

"Sim." – Flann aponta para o velho carroceiro – "O velhote está alimentando o cavalo e preparando a carroça. Temos tempo." – Flann dá as costas e começa a andar em direção a uma espécie de boneco de madeira que não percebi até então – "Esse é o Tom!" – Flann dá um tapa na cabeça de madeira com um rosto mal desenhado do 'Tom'.

Me aproximo – "Tom...?" – Digo, analisando o boneco. Seu corpo é feito de tocos de madeira amarrados por cordas feitas de grama.

"Ele vai ser um oponente a sua altura, eu espero." – Ela diz, e eu a encaro friamente.

"Um boneco de madeira, é?" – Digo, bufando – "Não sou tão novata assim."

"Eu te vi brigando, Star. Você é pior que uma criança." – Ela diz e aponta pra mim – "Você tem físico forte, isso dá pra notar, mas não tem técnica nenhuma. Parece uma criança balançando os braços e pernas, guarda completamente aberta, até mesmo um Usui te pegou desprevenida, e eles são um dos monstros mais fracos."

"Não precisa humilhar também..." – Respondo e encaro Tom, o boneco.

Flann dá uma leve risada – "Bata nele. Com força, como se estivesse se defendendo."

"Você quer que eu bata na madeira?!"

"As criaturas que você vai enfrentar tem pele mais dura do que o próprio aço. Você tem um longo caminho pela frente, Star." – Flann responde.

Acabo grunhindo, mas é verdade. Preciso começar a treinar agora se quiser chegar no nível em que Flann está. Olho na direção de Tom e começo a me concentrar. Tento me lembrar do momento em que aquele... devorador de sóis tentou acabar comigo. Pego impulso e desfiro um forte soco contra o corpo de Tom... e começo a gritar logo em seguida, da dor imensa que começo a sentir.

"Péssimo. Você pegou impulso pra esse soco, seu inimigo já teria te derrubado." – Flann comenta enquanto gemo de dor – "E sua postura está completamente vulnerável. Abra mais as pernas, flexione os joelhos. Você quer estar sempre preparada para se mover em qualquer direção." – Flann caminha até Tom, arrancando um galho de dentro dele. Ela então se aproxima, e começa a bater com o galho na parte de trás de minhas pernas – "Joelhos flexionados." – Ela faz o mesmo com meus braços – "Braços sempre preparados para proteger seu rosto."

"Assim?" – Tento posicionar como ela quer.

"Sim. Tente novamente." – Ela aponta pro Tom com o graveto.

Eu novamente tento desferir um forte soco em Tom, dói ainda mais do que antes, eu tento segurar a dor dessa vez.

"Está fazendo de novo." – Flann diz.

"O que?"

"Usando todo o seu corpo para dar o golpe."

"Eu não estou—"

"Você não usa todo o peso do seu corpo para dar um golpe a menos que tenha certeza de que vai acertar. E acredite, você não vai acertar nada assim."

"Tá, mas o que eu faço então?"

"Hm..." – Ela cruza os braços, balançando o graveto em uma das mãos – "Você não é um caso perdido, mas vai precisar começar do básico..."

"...como assim?"

"Pensei que ao menos pudesse se defender, visto que você evitou a morte tantas vezes." – Ela diz, e então se aproxima – "Mas... não foi o caso. Você agiu por impulso, por instinto. Fez o que podia para se proteger, como um animal encurralado. E ainda mais..." – Ela aponta para minhas mãos – "Você dependeu muito disso."

"Disso?" – Olho pras minhas mãos.

"Seu poder. Você nem sabe como funciona, e mesmo assim usa pra salvar a própria pele."

"M-mas eu sei como funciona! Eu solto faíscas..." – Abro as minhas mãos e faço com que saiam faíscas.

"Você solta explosões, em intensidades diferentes. E você nem sabe controlar isso." – Ela diz.

"E-eu sei sim!" – Digo, e Flann me encara. Respiro fundo – "Tá bom... eu não sei, mas eu estou aprendendo!"

"Não tem problema você aprender." – Ela diz – "O problema é você depender. Agora, vamos de volta ao seu treino. Você precisa aprender a se defender sozinha, antes de qualquer coisa."

"Mas eu sei me—"

"Não, você não sabe." – Ela me interrompe – "Vamos do básico." – Ela gira o graveto em sua mão, parece até mesmo que ele flutua e gira sozinho – "Segunda lição, reflexos. A base de sua sobrevivência será sua velocidade." – Ela fica em uma postura de combate, similar a aquela de quando batalhou contra os monstros – "Não foque em se defender dos meus golpes, foque em não ser atingida."
Ela avança em minha direção com um único salto para frente, e eu em resposta tento me mover rapidamente para trás. Ela estica seu braço com o graveto e consegue dar uma estocada em minha barriga.

"Atingida. Tente de novo." – Ela se afasta, segundos antes de dar uma investida na minha direção novamente.

"E-espera!" – Digo na esperança dela parar, mas ela continua. Ela balança o graveto para me golpear, como se fosse uma espada, e dessa vez eu consigo me esquivar.

"De novo!" – Ela levanta o graveto rapidamente e o desce num golpe certeiro na minha cabeça. Dói. Muito.

Me agacho e coloco a mão na cabeça, massageando – "Ai-ai-ai-ai..." – Levanto a cabeça olhando pra ela – "Precisava bater tão forte?!"

"Penalidade por receber o golpe. Agora levante-se, vamos de novo." – Ela diz, sem esboçar nenhuma piedade. Agora entendi o que ela quis dizer com professora rígida...

[...]

Depois de ser treinada pela Flann por horas, e ter meu corpo golpeado por todos os lados, vejo Flann caminhando de volta para a carroça. O velho carroceiro está se espreguiçando, depois de ter dormido esse tempo todo. Ele bem que podia ter interrompido o treinamento...
Acompanho Flann de volta para a carroça, nós subimos e o velho carroceiro volta a guiar o cavalo. Seguimos viagem. Sinto meu estômago roncar...

"Nós acabamos nem tomando café da manhã..." – Digo.

"Acontece. Que essa seja sua segunda lição, de que pode passar um dia inteiro sem comer." – Flann diz, olhando para o horizonte.

Me encolho na carroça, abraçando meus joelhos. Um dia todo sem comer...

Passamos alguns minutos em silêncio, até que Flann me cutuca com seu ombro. Me viro, e ela ainda está olhando o horizonte, mas sua mão oferece metade de um pão.

"Guardei para depois, caso precisássemos. Está amanhecido, então não espere um gosto bom." – Ela diz.

Eu pego o pedaço de pão – "...obrigada." – Eu sorrio, antes de começar a comer.

"...ainda dói?" – Ela pergunta.

"Hm?"

"Os golpes que te dei." – Ela se vira pra mim.

"Ah..." – Engulo o pedaço que estou comendo – "Não muito. Eu não esperava que você fosse bater tão forte..."

Flann solta uma leve risada – "Eu peguei leve."

"Leve?!" – Pergunto, indignada.

Flann concorda com a cabeça, seu sorriso diminui – "Meu treinamento foi muito mais árduo." – Ela se vira para mim, ajeitando as pernas e se apoiando com o braço – "Meu 'graveto' era de ferro."

Quase me engasgo com o último pedaço do pão – "De ferro?! Quem é o louco que te treinava?"

"Meu..." – Ela desvia o olhar – "Meu mestre, era bem mais rígido que eu. Para ele, erros significavam mortes, fossem a sua ou a de outras pessoas." – Ela volta a sorrir, olhando para o horizonte – "Até mesmo em coisas simples como arrumar o cabelo."

"Arrumar o cabelo?" – Digo, segurando no meu rabo de cavalo.

Ela concorda com a cabeça – "O ideal seria manter curto, ou até mesmo raspar a cabeça por completo. Felizmente meu mestre reconheceu o valor da minha cabeleira ruiva!" – Ela solta uma leve risada, enquanto mexe no próprio cabelo, amarrado em um curto rabo de cavalo. Sinto minhas bochechas ficando quentes. Flann é uma garota muito bonita... - "Aliás, seu cabelo é muito longo, mesmo preso num rabo de cavalo. É melhor cortá-lo mais curto se não quiser ter problemas mais tarde."

"Cortar meu cabelo?" – Solto uma risada nervosa – "Nunca! Fugi todos os meus anos da tesoura da minha avó e não vou parar agora!"

"Ah, é?" – Ela sorri e começa a se aproximar de mim – "Imagine que você está a sós, comigo..." – Ela chega mais perto. Eu me afasto um pouco, meu coração começa a bater forte.

"F-Flann?" – Digo, forçando as palavras pra fora. Sinto meu rosto ficando muito mais quente.

"...estamos tendo um bom momento, juntas..." – Ela aproxima seu rosto do meu. Consigo até sentir sua respiração, a boca dela está... tão perto da minha! – "...você completamente focada em mim..." – Ela me encara com seus olhos, e eu encaro de volta. Tão de repente, ela vai me beij—

Em um instante, sinto meu cabelo sendo puxado e minha cabeça indo para trás com força. Grito de dor, e coloco as mãos na nuca, bem onde doeu mais. Vejo Flann se afastando, com um sorriso.

"Pra quê isso?!" – Digo, indignada.

"Você baixou sua guarda, de novo." – Ela arqueia as sobrancelhas, como se estivesse decepcionada – "Quantas vezes até você aprender?"

"Isso não é justo!" - Respondo – "Pensei que você ia me dar um beij—" – Rapidamente levo minhas mãos até minha boca. Não acredito que quase falei isso. Vejo Flann arregalando os olhos, surpresa. Eu desvio o olhar e me encolho – "E-eu vou aprender, tá bom? Só me dá um tempo..."

"...Star, eu—"

"OOOOOOOOOOOOOOOO!" – O velho carroceiro interrompe Flann, com uma parada repentina da carroça. Eu e Flann nos seguramos para não perder o equilíbrio – "Parece que vamos ter que fazer um desvio!" – Ele diz.

"Por que...?" – Me levanto na carroça para tentar ver adiante, e suspiro surpresa ao ver uma enorme ravina cortando o caminho, se estendendo desde a floresta ao sul até mais longe, no campo ao norte.

"Isso é um problema." – Ouço Flann dizendo.

O velho carroceiro coça a nuca – "Como é que eu vou passar por essa vala?"

Flann desce da carroça e começa a andar.

"Flann?" – Pergunto, mas ela continua. Eu desço da carroça e começo a segui-la, nós duas caminhando em direção a ravina – "Flann, espera!"

Ela para de andar – "Star, pare. Isso é perigoso demais para você."

"Você já disse isso antes!" – Digo, dando um passo adiante, ficando ao lado dela. Ela está encarando a ravina – "Como vou aprender e melhorar se você fica dizendo que é muito difícil pra mim?! Você viu o que eu sei fazer, eu te ajudei contra o—" – Olho para trás, e vejo que o velho carroceiro está longe – "—o devorador de sóis." – Continuo, cochichando.

"Isso é diferente, Star. Eu sei o que fez essa ravina." – Ela cruza os braços – "Essa criatura não deveria estar tão ativa. Algo de muito errado está acontecendo." – Ela relaxa a postura e começa a caminhar em direção à floresta.

"Flann?" – Ela para, se virando para mim – "Você vai caçar essa coisa?"

Ela fica em silêncio. Depois de alguns segundos, ela caminha até mim – "Auster não fica longe daqui. E você não vai parar quieta, mesmo que eu peça. Vamos seguir caminho e avisar o povo da cidade de que há um monstro por perto."

Eu concordo com a cabeça – "Mas, e o velho carroceiro? Ele vai ficar bem?"

"Tenho certeza de que sim. Não estou sentindo nenhuma energia negativa por perto." – Flann diz – "E eu acredito que ele saiba se cuidar. Avise a ele que vamos embora." – Ela se vira para a ravina, e com um salto, ela cai lá embaixo graciosamente.

Eu a observo por uns segundos antes de caminhar de volta até o velho carroceiro, que está acariciando Cordélia, sua égua.

"Senhor?" – Eu digo, e ele se vira para mim – "Eu e Flann vamos continuar caminho, tudo bem?"

"Claro!" – Ele diz, tirando suas botas – "Agora é um ótimo momento pra Cordélia descansar."

Sorrio e concordo com a cabeça. Me despeço do senhor e volto para a ponta da ravina. Eu começo a descer, com cuidado, e no final quase tropeço. Olho de um lado para o outro, procurando por Flann.

"Aqui em cima." – Ouço a voz dela, e olho para cima, do outro lado da ravina. Ela se abaixa na ponta e estende sua mão – "Vem, eu te seguro."

Eu tento pular mas não alcanço a mão de Flann.

"Vamos lá, Star. Você consegue fazer melhor do que isso." – Ela diz, com aquele sorriso.

"Essa ravina é bem alta..." – Digo, enquanto dobro os joelhos e tento novamente saltar. Falho novamente.

"Você não quer que eu te carregue, quer?" – Ela diz, e eu sinto o deboche em sua voz.

Solto um suspiro de irritação. Eu dobro os joelhos e me concentro. Eu salto. E com um kabum, vou muito mais rápido do que eu esperava. Minha cabeça bate direto na cabeça de Flann, e eu começo a cair de novo. Flann me segura pelo braço, e eu tento me recompor. Minha cabeça dói bastante.

"Ai..." – Reclamo de dor.

"Você... ugh, você não precisava fazer tanto esforço." – Flann diz, enquanto me puxa. Eu finalmente subo para o outro lado da ravina.

"Eu não pensei que eu fosse saltar tão alto assim..." – Digo, passando a mão na minha cabeça, e fico olhando pros meus pés – "A-ah!" – Percebo que minhas botas estão soltando fumaça, e imediatamente me abaixo para tirar as duas – "Minhas botas!" – Eu as viro, e noto que a sola de ambas está destruída, como se tivessem derretido – "S-será que...?" – Levanto o meu próprio pé e noto uma vermelhidão na sola – "Aconteceu de novo!"

"Hm?" – Flann cruza os braços. Eu mostro a situação dos meus pés e da bota e ela levanta as sobrancelhas – "...ah."

"Eu consegui fazer de novo!" – Digo, pulando no lugar.

Flann toma a bota de minha mão, e fica encarando a sola – "Hm..." – Ela aproxima os dedos e arranca um pedaço da parte derretida – "Condução de calor imediata. Esquentou ao ponto de derreter, mas não continuou quente." – Ela joga minha bota na ravina.

"Ei!" – Reclamo.

"...você ia vestir ainda?" – Ela pergunta.

"N-não, foi impulso." – Acabo jogando o outro pé da bota na ravina também.

"Você é cheia de surpresas, Star." – Ela solta uma risada – "Vamos, eu compro um par de botas novos pra você quando chegarmos."

Começamos a andar, e eu caminho ao seu lado – "Mas, e se acontecer de novo? E as botas derreterem?"

Flann sorri – "Você não vai ter esse problema. Conheço alguém em Auster que fornece meus... equipamentos. Acredito que ele consiga fazer algo pra você."

"Uma bota que não derrete?" – Pergunto, e ela concorda com a cabeça – "Poxa... obrigada. Pensei que você ia me fazer andar descalça ou algo do tipo."

"E quem disse que eu não vou?" – Ela diz, e eu sinto um arrepio.

"Droga..." – Abaixo a cabeça.

[...]

Caminhando um pouco mais, percebo que a floresta começa a abraçar a estrada. A terra molhada começa a juntar entre meus dedos, e eu tomo cuidado para não escorregar por bobeira. O céu ainda está nublado, embora a chuva tenha parado. Seguimos caminhando em silêncio por vários minutos, e em minhas tentativas de iniciar uma conversa, Flann retruca dizendo que precisa prestar a atenção no ambiente.

Fico imaginando como é Auster. Me lembro da minha vó me dizendo que é uma cidade grande, bem maior que Theresa. Que é uma cidade cheia de todo tipo de gente diferente, até de raças que eu nunca vi. Também me disse que se eu fosse andar por lá, que eu deveria ficar nas ruas principais e não nos becos, como de costume... O que é estranho.

Depois de tanto caminhar, finalmente consigo ver uma grande muralha de pedra, com o grande portão de madeira aberto.

"Lá está." – Flann diz – "Auster, a cidade de tantas maravilhas."

"...é assim que a cidade se chama?"

"Não, eu inventei agora. Vamos, melhor encontrar o meu colega e te dar um par de sapatos antes de você se machucar." – Flann diz e continua andando.

Caminhamos até os portões da cidade, e dois guardas com armaduras de ferro estão do lado de fora, com grandes lanças apontadas para cima. Eu encaro a armadura de um deles, que possui um símbolo estranho, como se fosse uma espécie de leão com um rosto humano e asas... Noto que o guarda está me encarando com cara feia e imediatamente desvio o olhar e continuo adentrando a cidade. Passando pelo portão, vejo que a estrada de terra se torna uma estrada de pedras ao adentrar a cidade, e do lado de dentro das muralhas, um grande corredor de casas altas e feitas com pedra se estende até uma fonte ao longe, com uma pequena estátua de algo que não consigo entender. Várias pessoas estão caminhando por lá, e até então parecem todos humanos. Flann toca em meu braço e me chama com a cabeça para segui-la, e eu o faço. Caminhamos por entre as casas, pelos becos, e sinto uma certa culpa. Minha avó disse para não fazer tal coisa, mas... Flann está comigo, e ela sabe o que está fazendo, então deve estar tudo bem... né?

Flann me guia até outra rua dessa cidade, onde há algumas pessoas, com roupas em melhores condições que as minhas, conversando. Ela finalmente para de andar quando chegamos em frente a uma casa, uma loja, eu acho. A porta de madeira com um símbolo de duas ferramentas cruzadas em um 'X' parece velha.

"Espere aqui, eu já volto. Não saia andando, tá bom?" – Ela diz.

"Eu não posso entrar?" – Pergunto.

"Ainda não. Fique calma, eu volto pra te buscar." – Ela diz, e então entra pela porta, me deixando ali.

Olho para os lados e então me encosto na parede ao lado da porta. Me sento no chão, abraçando meus joelhos. Espero que a Flann não demore. Olho pros meus próprios pés descalços. Então eu consigo usar meu poder em meus pés para saltar... O que mais consigo fazer? Será que consigo soltar pela boca? Começo a baforar com a boca aberta, tentando soltar algo. Ah... parece que não.

Ouço passos metálicos e levanto a cabeça, e vejo três homens de armadura de ferro se aproximando. Meu coração sai pela boca quando vejo o símbolo de Demir em seu peito.

"Com licença. Gostaríamos de fazer algumas perguntas para você, senhorita." – Um deles diz, com uma voz grossa.

Droga... por que justo agora?!

 

 


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