Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 12
Capítulo XII - Próxima Parada: Auster




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Abro lentamente os meus olhos, tentando me agarrar ao sonho que eu acabei de ter, mas este rapidamente some. Eu me levanto, bocejo e me espreguiço. Percebo que Flann não está na cama dela. Coloco minhas botas, amarro o laço no cabelo, e saio do quarto, vendo que a estalagem está bem mais silenciosa e fedendo bem menos. Percebo que há algumas pessoas comendo, e se destacando no cenário, Flann está sentada em uma das mesas junto ao Ori e Doran, que pela primeira vez está sem o capuz, mostrando sua cabeça de rato branco, com grandes orelhas pra trás. Eu desço as escadas e vou até eles, ainda bocejando um pouco.

"Olha só quem acordou..." – Flann diz, se virando pra mim.

Só consigo lentamente concordar com a cabeça. Parece que eu me levantei, mas deixei a alma lá na cama. Eu não ficava tão cansada assim desde que minha avó me fez usar uma enxada pela primeira vez. Flann puxa uma cadeira pra eu me sentar, e eu o faço.

"Bom dia!" – Ori diz com a boca cheia de pão. Ele empurra um prato com pedaços de pão em minha direção. Eu sorrio em resposta.

"Bom dia..." – Digo, ainda meio mole. Pego um dos pedaços e começo a comer devagar.

"Então..." – Doran diz, após terminar um de seus pedaços de pão – "Alguém fez bastante barulho ontem à noite. Vocês ouviram?"

"Não começa..." – Ori responde.

"Crianças..." – Flann murmura – "No café da manhã não."

"Sim senhora..." – Ambos dizem. Flann tem dom de mãe e eu não sabia...?

"Star, você parece acabada." – Flann diz, e eu me viro pra ela. Acabo concordando com a cabeça – "Não quer repensar essa história de ser..." – Ela se inclina pra perto de minha orelha, cochichando – "...Caçadora?"

Quase me engasgo com o pão quando tento falar, e engulo forte, batendo a mão na mesa – "N-não!" – Bato a mão no meu peito tentando fazer o pão descer – "E-eu consigo!"

Flann dá uma leve risada e voltar a comer. Percebo que ela não está comendo pão, e sim frutinhas vermelhas em uma cumbuca. Volto a comer mais alguns pedaços de pão.

"Vocês têm que comer rápido pra não atrasar a carroça de vocês." – Flann diz.

"Verdade!" – Ori começa a comer mais pedaços de uma só vez. Doran continua com suas mordidinhas de rato.

"Huh?" – Inclino a cabeça – "Como assim? O velho carroceiro está com pressa pra ir?"

"Não, o velho carroceiro espera a gente." – Flann diz, e então olha pra Ori – "Acredito que vocês dois tenham algo a dizer pra Star."

Me viro pro Ori e Doran, que pararam de comer. Ori abaixa a cabeça, levantando só um pouco pra me olhar.

"A gente decidiu... ir embora." – Ori diz.

"Ir... embora?" – Pergunto.

"O Doran sabe um caminho mais rápido de chegar até Auster, mas..." – Ori coloca as duas mãos na mesa, afastando-se com a cadeira – "Só nós dois podemos passar."

"Que?! Por quê?!" – Pergunto, quase me levantando da cadeira.

"Por que os Cavaleiros de Ferro vão estar patrulhando o caminho." – Doran diz, numa voz série e monótona – "Não vamos ter muitas carcaças pra você se esconder."

Me sento novamente na cadeira, olhando pra baixo – "Oh..." – Digo, com um suspiro. Vamos nos separar por minha causa... sinto meu apetite sumir.

Sinto a mão de Flann em meu ombro, e eu me viro pra ela. Ela me olha com um leve sorriso, antes de voltar o seu olhar pros meninos – "Vocês vão cortar pela Floresta das Fadas?" – Flann pergunta, e Doran concorda com a cabeça.

"Espera, a gente vai por lá?" – Ori pergunta e se vira para Doran – "Você me disse que tinha irritado as fadas! Como que a gente vai passar por lá?"

Doran tosse – "Eu não irritei as fadas. Nós tivemos uma pequena discussão."

"Aham." – Ori diz, e se vira pra nós com um sorriso maroto no rosto – "Quando a gente fugiu ele caiu na lama—"

"Fui deixado para trás." – Doran corrige.

"—quase foi pego pelos cães de guarda—"

"Valentemente lutei pela minha vida."

"—correu até cair no meio de uma tribo de fadas—"

"Usei minha bússola interna."

"—e fugiu depois de roubar uma fruta de mana."

"Precisei tomar medidas drásticas." – Doran "corrige", e se vira pro Ori – "E você nem me procurou." – Suas orelhas abaixam.

"Eu não sabia onde você estava!" – Ori protesta – "E mais, você me disse pra continuar correndo sem olhar pra trás!"

"Isso era se eu estivesse na frente! Você passou direto por mim quando eu caí!" – Doran reclama.

"Se eu parasse os cães iam nos alcançar!" – Ori retruca.

"Você é um bobão que deixas os outros pra trás!" – Doran dá um socor no ombro de Ori.

"Ai!" – Ori grita, e devolve outro soco no ombro de Doran – "Bobão é você!"

"Gente—" – Tento falar, mas logo sou interrompida por Flann se levantando da mesa. Ori e Doran imediatamente ficam com os braços juntos e com a postura reta virados para frente.

"Agora peçam desculpas." – Flann diz, com uma voz suave. Ambos grunhem em resposta – "Agora." – Ela diz, agora em um tom mais firme.

"Desculpa, Doran." – Ori diz, cabisbaixo – "Não quis te abandonar. Eu só estava com medo..." – Doran concorda com a cabeça em silêncio.

"E Doran?" – Flann diz.

"...desculpa te chamar de bobão, Ori." – Doran diz, também cabisbaixo.

"Viu? Não foi difícil." – Flann diz, juntando as mãos. Ela se vira em minha direção, e acena com a mão – "A conta, por favor!" – Ela diz alto. Olho pra quem ela está falando, e vejo que é o estalajadeiro.

O estalajadeiro sai de trás da bancada e caminha em nossa direção. Sinto um gelado na espinha com cada passo que ele dá pra perto de nós. Ele para bem na minha frente, e olha pra mesa.

"Trinta moedas de prata." – Ele diz, sua voz grossa ainda me dá calafrios.

"Ótimo." – Flann diz – "Vão andando, meninos." – Ori e Doran pegam mais um pedaço de pão e se retiram da mesa, logo saindo pela porta – "Bom..." – Flann volta a falar – "Minha amiga aqui vai pagar."

"QUE?!" – Grito e me viro pra Flann, que está com um sorriso e se afastando.

"Obrigada por sua gentileza, Star!" – Ela diz e dá as costas, acenando com a mão e caminhando até a porta.

"Flann, espera aí!" – Me levanto rápido e dou um passo em sua direção, mas logo sinto uma mão pesada em meu ombro. Eu paro de andar na hora.

"Trinta moedas de prata." – O estalajeiro diz com um tom ainda mais sério. Flann... por quê?!

[...]

Depois de pagar a conta que definitivamente não era minha, eu saio da estalagem. Olho pra dentro da minha bolsinha de moedas, contando... ainda tenho quinze. De cinquenta fui pra quinze em um dia... Olho pros lados e vejo Flann, Ori e Doran conversando. Guardo a bolsinha e me aproximo da Flann, que está de costas, e a cutuco. Ela se vira pra mim.

"Star!" – Ela diz sorrindo – "Obrigada por pagar a conta."

"Você me fez pagar a conta de vocês!" – Digo, indignada – "Isso não foi nada justo!"

"Precisávamos comer." – Ela dá de ombros.

"E você não podia pagar?!" – Pergunto, minha voz se eleva mais do que eu esperava.

"Starlight..." – Ela diz, suavemente, colocando a mão em meu ombro – "São duas crianças e uma garota que não recebeu nenhuma recompensa por ontem. O que você acha?"

Fico em silêncio por um momento, e acabo grunhindo – "...quase todo dinheiro foi embora e nem chegamos em Auster..." – Digo, olhando pra baixo.

"Se dinheiro for um problema a gente pode—" – Flann começa a falar, mas logo se vira pra trás. Ori parece ter puxado ela pelo vestido. Nós duas nos viramos pra Ori e Doran.

"A gente já vai indo, o Doran está com pressa." – Ori diz. Vejo que Doran já está andando pra longe sem nem se despedir.

"Oh. Se cuidem então." – Flann diz, e Ori acena com a cabeça.

"Ori!" – Digo, e me aproximo dele. Eu me abaixo e olho em seus olhos – "Você tem certeza de que não quer vir com a gente?"

"Eu gostaria, mas..." – Ori suspira – "Doran prefere só nós dois, e eu não posso abandonar ele de novo..." – Ele olha pra trás, na direção do Doran.

Eu o puxo pra um abraço forte – "...tudo bem. Se cuida tá?" – Suspiro e o solto. Ele acena com a cabeça.

Ori então se vira e corre até Doran, acenando a mão para nós enquanto corre. Por fim, ele o alcança, e ambos vão em direção à saída de Novak. Solto um longo suspiro.

"Eles vão ficar bem?" – Pergunto.

"Ori é pequeno, mas não é fraco. Doran é tão esperto quanto é arrogante. Eles vão se dar bem sim." – Flann responde – "Você está pronta?

"...acho que estou sim." – Digo, juntando as mãos.

Flann envolve seu braço em volta de meu pescoço e me puxa em uma direção – "Vamos, se nos apressarmos ainda posso te dar um presente." – Ela então me empurra de leve para andar em sua frente.

"P-presente?" – Pergunto, ainda andando na direção da entrada de Novak.

"Uhum." – Flann concorda – "Acho que você vai gostar. Mas vou te mostrar só depois que sairmos de Novak."

Meu coração começa a bater forte. O que ela quer me mostrar...?

[...]

Flann me leva até a carroça do velho carroceiro, e esperamos logo em cima dela. Olho pro amontoado de feno que Ori antes ficava e acabo abraçando meus joelhos. Sou só eu e Flann agora. Eu não deveria sentir falta de alguém que acabei de conhecer, mas... será que eu fiz algo errado? Algo que o afastou...? Será que foi eu tentar abraçar ele nua que fez ele ficar com vergonha de ficar perto de mim? Minha nossa, será que foi meu corpo? Tem algo de errado comigo?

"...Star?" – Flann me chama, e eu sinto que saí de um transe – "Tá tudo bem?"

"Huh? Ah!" – Solto uma risada nervosa – "Claro que eu tô bem!" – Digo soltando os joelhos e coçando a nuca – "Você está bem?"

Flann dá um leve sorriso – "Esqueceu a cabeça na cama? Você está estranha."

Solto mais uma risada nervosa, mas deixo escapar um desânimo – "Devo ter dormido mal..."

"Bom, espero que você esteja com energia o suficiente pra hoje..." – Flann diz, e então nos viramos ao ver que o velho carroceiro subiu e pegou as rédeas de sua égua – "Por que hoje vou te ensinar a lutar." – Ela diz, e então me viro pra ela, vendo que ela está me encarando com um sorriso suave. Meu coração bate mais rápido.

"Você vai me ensinar a lutar!? É sério mesmo!?" - Digo, me inclinando pra frente, tentando acreditar. Flann concorda com a cabeça – "E o que você vai me ensinar?! Eu vou aprender a usar aqueles papeizinhos?? E vou aprender a invocar aquela parede que nem você fez?? Ah! Os olhos escarlates! O que eles fazem??" – Começo a perguntar, não conseguindo segurar a empolgação. Sinto a carroça se mexendo, começamos a passar por dentro de Novak seguindo viagem.

Flann solta uma leve risada – "Se acalme, fazendeira. Já é incomum o bastante nada disso te assustar e você ainda fica animada pra aprender mais. Um passo de cada vez, ok?" – Ela diz, e eu concordo com a cabeça – "Vou responder suas perguntas da melhor forma que posso. Por onde quer começar?"

"Hmmmm..." – Começo a pensar. O que eu quero aprender primeiro? Ah! – "Você sabe como meu poder funciona?" – Pergunto, estendendo minha mão.

Flann fica em silêncio por um momento, franzindo levemente as sobrancelhas ao pegar a minha mão e observá-la – "...não tenho certeza. Ainda quero descobrir isso, mas pelo o que eu consegui ver, você consegue concentrar mana na palma das mãos—"

"E na sola dos pés!" – Adiciono.

"—E na sola dos pés, e dispará-la em uma explosão de energia quente." – Ela diz – "Aliás, você estava com um machucado na palma da sua mão ontem, mas já sumiu. Consegue me explicar o porquê?"

Puxo a minha mão e fico a encarando – "Eu tinha...? Eu lembro de ter doído na hora, mas não lembro de nenhum machucado."

"Regeneração acelerada..." – Ela diz, baixinho.

"Hm?" – Inclino a cabeça.

"Se lembra na caverna, quando você foi atingida pelo inugami?" – Flann diz, e eu aceno com a cabeça – "Não só o ferimento começou a se fechar quase que de imediato, mas você também não sofreu nenhuma corrupção. Parece que sua mana impulsionou o seu corpo a se reconstruir e expulsar a energia negativa."

"Foi... isso o que aconteceu?" – Encaro minhas mãos. Lembro de ter estranhado o grande rasgo na minha blusa quando voltei pra casa, mas eu realmente tinha sido atingida por aquele monstro...?

"A meu ver, sim." – Ela continua – "O que me intriga é que os únicos capazes de fazer isso tão os Fajra e os Oannes."

"...que são?" – Inclino a cabeça. Os nomes não me são estranhos, mas eu também não me lembro muito bem o que são.

Flann solta uma leve risada – "Fajra são o povo do fogo, vivem perto de vulcões e são conhecidos por sua pele vermelha. Já os Oannes são as sereias."

"Oannes...? Lembro de ter lido sobre eles em um dos livros lá na vila... é verdade que eles controlam água?" – Pergunto.

Flann concorda com a cabeça – "Cada espécie não-humana controla um tipo de elemento. Isso é devido ao seu mana, que tem uma composição única desde que nascem. Fajra controlam o fogo, Oannes a água, Satyrs são conhecidos por controlar a terra... A lista é grande. Há algumas espécies que não possuem mana, porém. Assim como aquele seu amigo, o Porcius."

"Ah, o Frederick! Então nem toda espécie tem acesso a mana?" – Coloco a mão no queixo. Flann nega com a cabeça – "E não tem como ter acesso à mana de outra maneira?"

"...sempre tem. É aí que os humanos entram. Alguns nascem sem capacidade de ter acesso ao mana, mas aqueles que possuem, podem gastar anos de sua vida aperfeiçoando-a até que se assemelhe a algum elemento da natureza." – Flann explica – "Você parece ser uma dessas humanas, mas..." – Ela pega um punhado de palha e oferece à mim. Eu hesitantemente pego e seguro em minha mão – "Use suas fagulhas nisso."

Eu encaro a palha em minha mão e me concentro. Lentamente uma fumaça começa a sair e a palha começa a esquentar, até pegar fogo. Eu imediatamente jogo o punhado de palha fora, na estrada, e fico olhando pra ver se o fogo não se espalha. Felizmente ele apaga rápido.

"Sua mana queimaMana, em sua forma básica e original, não queima. Pode-se dizer até que é fria. Mas a sua consegue atear fogo em palha seca." – Flann explica.

"Bom... Eu sempre usei isso pra acender o fogão de casa. Talvez aquele cara estranho tivesse certo!" – Digo.

"Que cara estranho?" – Flann pergunta.

"Aquele que jogou uma onda de gelo em mim! Quando enfrentamos o bakun—"

Flann imediatamente coloca a mão em minha boca. Fico assustada com o quão rápido ela se moveu até mim. Ela se aproxima – "Não aqui. Não com ele ouvindo." – Ela sussurra, e aponta para o velho carroceiro, que está assoviando.

"...qual o problema?" – Tiro a mão dela de minha boca e sussurro de volta.

"O trabalho de caçadores não é pra qualquer cidadão ouvir. Se a população comum descobrir que há monstros tão perto e principalmente em abundância, entrariam em desespero. É melhor deixar estar." – Ela diz, depois se afastando. Lentamente concordo com a cabeça.

"Aquele homem estranho mencionou que eu havia o poder do fogo. O que ele quis dizer?" – Pergunto.

"Talvez ele tenha entendido errado." – Flann coça a nuca – "Eu explico pra você o que aconteceu lá mais tarde." – Concordo com a cabeça.

Começo a observar o cenário. As planícies abertas com um grande gramado, a visão de outras vilas e cidades ao longe, as montanhas que se estendem até o horizonte. Me reclino pra trás, encarando o céu, e o sol. Abro um sorriso suave.

"Como você consegue?" – Flann pergunta, e eu volto a olhar pra ela.

"Como consigo o quê?" – Pergunto.

"Olhar diretamente pro sol. Não machuca seus olhos?" – Ela inclina a cabeça.

"Hm... não. Eu nunca tive problemas pra olhar pro sol. O que é estranho, porque uma vez o Sully levantou uma lanterna bem na minha cara no escuro e eu não consegui enxergar mais nada de tanto brilho!" – Solto uma leve risada, mas logo vejo que Flann não está rindo e engulo seco – "Foi uma situação engraçada..." – Desvio o olhar.

"Tome mais cuidado. Encarar o sol pode deixar você cega." – Ela diz, e eu olho pra ela. Vejo que ela está observando o cenário também.

Sinto um leve incomodo assim que sinto o brilho do sol diminuir. Olho pra cima, o céu se fechou rapidamente. Nuvens negras, chuva está por vir. Ouço um trovão forte, e então, com uma gota atrás da outra, começa a chover.

"Droga..." – Digo – "Eu não trouxe nenhum guarda-chuva...!" – Me encolho toda na carroça.

"Eita!" – O velho carroceiro grita – "Minha palha vai ficar toda molhada!" – Ele reclama – "Diacho de chuva! E pior que já tamo longe demais pra voltar!"

"Flaaaaaaann! Você não tem algum talismã que faça parar de chover?" – Pergunto, tentando me encolher toda.

"Meus talismãs não funcionam assim! E outra, se eu pegasse algum, ficaria ensopado e inútil." – Flann responde, também se encolhendo pra dentro do vestido.

"Espera! Acho que consigo fazer algo..." – Digo, e fecho os olhos. Começo a me concentrar, forçando cada músculo do meu corpo.

"...Star?" – Flann pergunta. Eu continuo tentando me concentrar e forçar os músculos – "Star, o que você tá tentando fazer?" – Ignoro e continuo – "Starlight, isso realmente tá ficando estranho."

"R-relaxa, eu fiz isso q-quando estava dentro do b-buffagru..." – Me esforço pra dizer enquanto continuo tentando repetir aquele processo.

Lentamente começo a sentir meu corpo esquentar. Aos poucos, também começo a sentir ele se secar. Minhas roupas começam a ficar quentinhas, como se eu acabasse de tirar elas do varal – "Ah... bem melhor." – Solto um longo suspiro.

"Acho bom você repensar esse seu 'melhor'." – Flann diz.

"Como assim?" – Lentamente abro os olhos e percebo que estou soltando vapor! Ou melhor, as gotas de chuva estão imediatamente evaporando na minha pele! – "AAAAAAAAAAAAAAAHH‼‼"

"HOOOOOOOOO!" – O velho carroceiro grita, e a carroça para – "O que aconteceu aí atrás?"

Percebo que meu corpo para de esquentar e volto a ficar molhada e gelada. Fico em silêncio, com as bochechas levemente quentes.

"Não foi nada, senhor!" – Flann diz, e o velho carroceiro tosse. A carroça volta a andar – "Certo... tenta não fazer isso de novo, ok?" – Ela diz.

"Desculpa... eu pensei que ia conseguir me manter seca durante a viagem..." – Digo, me encolhendo de novo.

"Não estava falando disso, estava falando de gritar do nada." – Flann explica – "Não pensei que conseguisse emitir calor dessa forma."

"Ah, isso? Eu descobri que conseguia fazer quando estava dentro da carcaça do buffagru." – Digo, acenando com a mão.

"Hmm..." – Ela coloca a mão sobre o queixo – "Explosão de mana, consegue atear fogo, emite calor..." – Ela olha diretamente pra mim – "Starlight, tem certeza de que um de seus pais não era um Fajra?"

Levanto ambas as mãos e começo a negar – "N-não!" – Abaixo lentamente as mãos – "Na verdade... eu não conheci nenhum dos meus pais. Então não tenho certeza..." – Acabo abaixando a cabeça.

"É uma possibilidade. Mas..." – Ela se inclina pro lado – "Suas orelhas são bem humanas. Em casos de raças mistas, no mínimo as orelhas quebram o padrão."

"Hã?" – Levanto e inclino a cabeça – "E-eu tenho certeza de que sou humana, tá?!"

Flann solta uma risada – "Tá bom, tá bom, não se preocupa com isso não. Não importa muito quem você é, ou de onde você veio. O que importa é o que você faz." – Ela acena com a cabeça.

Não importa quem eu sou, o que importa é o que eu faço... As palavras de Flann ecoam na minha cabeça. Eu concordo com isso. Não posso ficar buscando meu lugar no mundo a partir de quem eu sou. Eu preciso fazer meu lugar no mundo a partir das minhas ações. E é isso que eu vou fazer. Posso não ser a garota mais inteligente, mas sei que sou esforçada.

"Flann!" – Digo, levemente mais alto do que eu queria. Ela me olha com uma expressão surpresa – "Qual a primeira coisa que preciso saber pra aprender a ser que nem você?!" – Pergunto, me inclinando pra frente.

"S-ser como eu?" – Flann se inclina pra trás, e percebo que seu rosto ficou levemente corado – "Por que você iria querer ser como eu?"

Sinto meu rosto ficar quente e um nó começa a se formar em minha garganta, mas eu engulo forte – "...p-porque você é esperta, ágil, e é muito boa com as palavras!" – Vejo que Flann começa a corar mais – "E-eu adoraria ser que nem você!"

Flann abaixa a cabeça, juntando as mãos. É a primeira vez que vejo ela desse jeito... - "É... é isso o que você pensa de mim...?" – Ela diz, com uma voz trêmula.

Respiro fundo – "Sim! Eu acho você incrível, Flann! Me... me ensine a ser como você, por favor!"

Vejo Flann lentamente se encolhendo, juntando as mãos uma manga dentro da outra. Ela continua olhando pra baixo – "Se... se é assim..." – Ela diz, com uma voz suave.

Em um piscar de olhos, Flann puxa algo de dentro de sua manga, apontando bem pra perto de meu rosto. Foi tão rápido que não consegui ver até estar entre meus olhos. É uma adaga. Olho pra Flann, e ela está me encarando com os olhos escarlate, com uma expressão fria e penetrante. Só de encará-la eu sinto um arrepio na espinha, meu corpo fica pesado.

"Lição número um, Starlight: Se quiser sequer chegar perto de começar a ser como eu, nunca mais abaixe sua guarda. Nunca." – Ela diz, num tom monótono. Ela afasta sua adaga de meu rosto e junta novamente as mãos dentro das mangas. Ela pisca, seus olhos voltando a ficar verdes, e então ela abre um sorriso – "Sou uma professora rigorosa. Seu treinamento não vai ser nenhum um pouco fácil."

"Q..." – Abro a boca pra falar, mas meu coração está batendo tão forte e minha respiração está tão pesada que mal consigo empurrar as palavras. Com muito esforço, enfim consigo – "QUE IDEIA FOI ESSA?!?!"

Flann arregala os olhos – "Foi a sua... primeira lição. Eu disse."

"Você podia ter avisado antes de puxar uma adaga pro meu rosto!" – Exclamo.

"Certo, Star, que tipo de inimigo avisa quando vai dar um ataque surpresa?" – Ela pergunta.

"Você não é minha inimiga!" – Reclamo – "Você é minha amiga! Eu nunca esperaria que você me atacasse!"

"Esse..." – Ela respira fundo, franzindo as sobrancelhas – "Esse é o ponto, Starlight... Você não abaixa a guarda porque nenhum inimigo vai te atingir pelas costas. Só seus amigos."

"Isso é—" – Engulo minhas palavras. Ela até que fez sentido. Droga, me sinto uma boba por ter gritado – "...isso é verdade. Mas pelo menos só faça isso quando a gente realmente for parar pra você me treinar, tá bom? Não quero ficar pensando que você vai me dar um golpe pelas costas..."

Flann dá uma leve risada – "Starlight. Como você consegue confiar tão fácil em mim? Nos conhecemos há pouco tempo."

"...você pareceu legal." – Desvio o olhar – "E eu não vi motivo pra não confiar em você. Você é até misteriosa as vezes, mas... em momento algum você mentiu pra mim. E isso é o suficiente pra que eu confie em você, Flann."

Flann fica em silêncio. Olho pra ela, e ela está me encarando com uma expressão... estranha. Meio... triste? Ela dá alguns piscares de olhos e chacoalha levemente a cabeça.

"Vou precisar te ensinar muita coisa. Vamos só... esperar essa chuva acabar, tudo bem?" – Ela diz.

Eu concordo com a cabeça. A carroça que nos leva segue pela chuva, sem nenhum sinal de que ela vai parar. Espero que Ori e Doran estejam bem.

...

Espero que minha avó esteja bem.  

 

 


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