Varsenia escrita por Overture


Capítulo 3
Capítulo 2




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O sol batia na janela do quarto trazendo consigo uma esquecida sensação de conforto.

A luz iluminava, desta vez, um cômodo limpo e organizado. Levou é claro um tempo para tirar o pó e lustrar todos os móveis, ou para que todas as roupas sujas jogadas pelo chão fossem lavadas e guardadas. Chão este que até o dia anterior encontrava-se com restos de pizzas de mais de uma semana e que agora brilhava limpo com a luz da manhã. Foi compreensivo para o garoto que ali lentamente despertava, sentir um pequeno estranhamento inicial, porém não pode deixar de sentir-se orgulhoso pelo bom trabalho de uma faxina bem-feita.

A percepção de uma boa noite de sono, que sob outras circunstancias despertaria uma sensação de bem estar e tranquilidade, serviu de gatilho para que Adam saltasse da cama assustado e vestisse o uniforme estrategicamente colocado na cadeira ao lado.

A breve então sensação de conforto transformou-se em raiva e desespero. Ele caminhou até a sala onde encontrou seu celular desligado e jogado no chão. Ao lado haviam duas garrafas vazias, de vinho, o mesmo vinho barato de sempre, e a outra sem rótulo algum. Não havia como dizer se elas eram novas ou se já estavam ali por alguns dias, Já que a sala, com seu cheiro característico de cigarro e gordura, fora o único local do pequeno apartamento que não fora limpo no dia anterior.

O garoto apanhou seu celular sem bateria e o colocou no bolso do casaco. A televisão estava ligada, mas a figura a sua frente roncava alto o bastante para abafar seu som. Ela dormia desajeitadamente no sofá, O menino respirou fundo, tendo certeza de que não seria fácil acorda-la.

— Mãe acorda, perdemos a hora. -Disse com a voz mais gentil que sua raiva permitia. Tentou novamente, desta vez chacoalhando seus ombros

Sem resposta, o garoto contornou a parede e foi até a pia da cozinha, suspirou ao ver que a mesma ja estava cheia de louça. Quando voltou espirrou agua no rosto de quem dormia.

— O que?! O que foi?! - Gritou a mulher de sobressalto. – Ah é você moleque... Eu já ia levantar, poxa!

— Desculpa mãe, é que fiquei preocupado por você...
— Tá. Tá bom. – Disse interrompendo-o.  

— Desculpa. - Fala o garoto sabendo que nada do que dissesse seria escutado.

A mulher senta-se no sofá com as pernas abertas e enxuga o rosto com a regata branca que vestia. Os cabelos claros encontravam-se totalmente desarrumados e suas olheiras denunciavam noites mal dormidas. O cobertor velho e surrado que usava estava parcialmente caído no chão, denunciando suas pernas brancas.

Constrangido o menino desvia o olhar para a tv que, depois de anos sem manutenção, só fazia funcionar dois canais. Neste momento, passava o jornal da manhã onde, numa reportagem longa  e sensacionalista, um fazendeiro reclamava de mais um ataque do chupa-cabra.

O assunto até lhe interessava, mas não havia tempo. Virou então os olhos e correu de volta ao quarto.

— Mãe, não vai dar pra fazer o café da manhã, tô atrasado pra aula. - fala o garoto voltando a sala com a mochila na mão - Se cuida tá? Vê se levanta rápido pra não se atrasar muito.

A mulher acena pra ele, visivelmente ainda sonolenta. O garoto corre para a porta e a bate sem querer na saída.

O corredor mal iluminado combinava com as paredes riscadas e descascadas. Ele, sempre que podia, descia as escadas do prédio o mais rápido que conseguia, em parte por morar no 5° e último andar e em parte por odiar qualquer tipo de interação com seus vizinhos.

Ao passar pela porta de entrada do prédio e dar seus primeiros passos na rua ele pode perceber o quanto estava atrasado. A manhã, normalmente fria e nublada, estava ensolarada e o calor já o começava a afetar. Ele correu sabendo que, muito provavelmente, já havia perdido a primeira aula.

No geral lhe agradava ser um dos poucos alunos a morar relativamente perto do colégio. O fato de poder usar essa desculpa para explicar o porquê de ir sempre a pé fazia com que os outros não questionassem do porque ele não ter carro ou se não tinha dinheiro para ir de ônibus.

O colégio Amélia Mascena ocupava todo um quarteirão. Duas Árvores se colocavam uma de cada lado da entrada principal, complementando um muro de tijolos bem cuidado. Ao lado o muro dava lugar a uma grade de ferro que mostrava um pátio com uma enorme fonte no centro. Sua frequência era conhecida como uma das melhores da pequena cidade, já que era constituída, em sua maioria, por alunos ricos, bonitos e metidos.

 Ao longe, o garoto pode perceber que a entrada convencional estava fechada, obrigando-o a dar a volta no quarteirão e entrar pelo portão da secretaria o que, inevitavelmente, o faria relatar seu atraso. Suspirou e respirou fundo antes de acionar o interfone. Instantes depois a porta se abriu lentamente.

—Meu querido, o que houve? - Disse uma senhora sentada atrás da mesa. Suas feições entregavam-lhe a idade avançada, porém seu espirito animado e um novo corte de cabelo as tornavam menos evidentes.

— Eu perdi a hora senhora Lu. Desculpa.

— Ah coitadinho... - Disse em tom tristonho - Preciso verificar seus dados. É Adam...?

— Lewis, Senhora Lu.

— Adam Lewis... vejamos... Ah certo, aqui está. Que bom! você não teve nenhum registro de atraso durante todo o ano! – Disse entusiasmada mostrando o caderno ao menino. Mas o que lhe chamou mesmo a atenção foi o nome ao lado, Alan Ferraz que tinha tantos registros quanto era possível ter. Ela então fechou o grande caderno preto de ocorrências e o guardou de volta na estante.

— A senhora não vai anotar a de hoje? - Disse o garoto arrependendo-se imediatamente de tê-lo perguntado.

Ela então olhou para a direita como se quisesse ter certeza de que a mesa ao lado estava desocupada - Cortesia minha. Não quero estragar sua página de ocorrências impecavelmente branca. Mas não se atrase de novo, está bem? Ela disse piscando-lhe um olho enquanto passava o cartão para a liberação da catraca.

Adam agradeceu com seu melhor sorriso e seguiu em frente para o interior da escola. Os longos corredores abrigavam várias salas de aula. Haviam conjuntos de pequenos armários azuis pregados nas paredes. Os armários americanos ainda eram novidade no colégio, houve tanto alvoroço que foi necessário realizar um sorteio entre os alunos. Adam até que deu sorte de ficar com um que fosse perto da sala, porém Gregório torceu o tornozelo no dia seguinte e exigiu da direção um armário com a distância apropriada, ameaçando chamar o pai caso o mesmo não acontecesse. Adam é claro não teve muito o que fazer a não ser ficar aborrecido, ainda mais depois de sua recuperação milagrosa poucas horas depois.

Enquanto percorria o longo corredor para chegar no novo armário estranhou o silêncio, não havia alunos ou professores circulando nos arredores. Assim que abriu a porta apoiou as duas mãos sobre a beirada e abaixou a cabeça. Lembrou a pouco que na pressa havia esquecido sua bombinha de asma, Precisou ficar alguns segundos parado contendo sua crise de ansiedade, respirando fundo para não entrar em pânico. Isso sempre acontecia depois que corria demais. Parcialmente recuperado, seguiu para sua sala. Ao abrir a porta a professora fez uma pausa em sua fala. Todos os alunos o olharam com curiosidade, o que, definitivamente, não o fez se sentir melhor.

— Chegou cedo, Lewis! – Disse Humberto.

— Classe, sem piadas por favor. – Pediu a professora – Adam, vá se sentar e tente acompanhar o restante da aula.

Adam sentou-se no único assento livre que para seu azar ficava no fundo. Durante toda aula foi distraído com piadas e risadas as suas custas.

O sino tocou cerca de dez minutos depois. A professora, parecendo aliviada, recolheu seu material e saiu da sala. Na ausência de autoridades o comportamento de alguns alunos se assemelhava a de certos animais.

—Quer um mapa pra você voltar pro seu canto, veadinho? – indagou Raphael.

Adam o ignorou. De novo. Raphael estava sempre caçoando dele quando tinha a chance.

— Que isso?! Vão tratar mal nosso convidado? Não é todo dia que o nerd da sala vem sentar com a gente.- Disse Gregório, um menino de cabelos loiros e ondulados que se levantou e debruçou-se sobre a carteira de Adam deixando os dois cara a cara. O movimento brusco fez com que todo seu material escolar caisse no chão. No pulso do rapaz cintilava uma pulseira de ouro que mostrava de forma sutil a discrepância social que havia entre os dois.  

—Hora, mas se não é uma aberração – Disse sorrindo e apontando para Adam - Um olho de cada cor!

— Caramba, muito louco! – Disse Humberto animado. Raphael e Gregório o encararam - Quer dizer, muito esquisito isso ai. - Corrigiu Humberto rapidamente.

Adam cerrou os punhos e olhou pra baixo. Gregório, Raphael e Humberto caçoavam dele desde que ele entrou no colégio. Já estava cansado deles a muito tempo. Sempre pensava em diversas formas de retruca-los, mas a coragem sempre lhe faltava no tempo.

— O nome é heterocromia. E tem que ser bem detalhista pra perceber. Que foi Gregório? Ta apaixonado pelo menino? - Disse Maria, uma garota de cabelos rosa e traços orientais que estava recostada na porta. Maria era do último ano, mas sempre passava na sala pra dar um tchauzinho a Adam quando tinha a chance.

Gregório sorriu e se afastou, dando a impressão de que voltaria a se sentar, porém em um rápido movimento agarrou o colarinho da camiseta de Adam e ameaçou dar-lhe um soco, parando apenas no último instante. Adam, por reflexo disse um abafado "não" para seu agressor enquanto tentava proteger o rosto com as mãos.

Maria enfurecida entrou na sala pronta pra tomar a primeira atitude que lhe viesse a mente, mas as outras meninas a impediram. Aquela não era a briga a dela.

Humberto, Raphael e Gregório riram da reação de Adam. Alguns alunos que observaram a cena seguiram o exemplo.

— Parece que essa é a única coisa de ‘hétero’ que você tem afinal. – Disse Gregório com um sorriso triunfante. Adam cerrou o punho e olhou fixamente para o inimigo, porém antes que pudesse tomar qualquer atitude, um rapaz negro com cabelo Black Power entrou na sala, chamando a atenção de todos.

— Este é o 2°B certo? – Perguntou o homem ao notar a expressão de confusão de alguns alunos. Sua voz era grossa, contrastando com sua aparência juvenil. Uma aluna na primeira fileira confirmou sua dúvida. Maria se esgueirou pra fora antes que fosse notada.

— Ah perfeito. – Disse para si mesmo. – Bom dia Turma! Vejo que vocês parecem um pouco confusos... Meu nome é Bernardo e eu vou substituir a professora Fernanda enquanto ela estiver de licença maternidade. – Humberto foi o único aluno que se mostrou surpreso com a notícia. - Bom, eu queria muito discutir com vocês sobre alguns assuntos, trouxe até umas atividades... Porém a professora deixou uma prova sobre iluminismo agendada para hoje e.... – O professor foi interrompido por um coro de alunos que lamentavam a notícia. – Ah vamos, não está tão difícil assim. Vocês terão o tempo de duas aulas pra terminar. Vamos, rápido! Arrumem as carteiras e deixem apenas uma caneta preta para as respostas.


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Notas finais do capítulo

Oi Gente, caso tenha ficado confuso isso acontece antes do que foi relatado no capítulo anterior. Vamos entender o que motivou esse encontro do Adam com o avô ja já.



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