Varsenia escrita por Overture


Capítulo 2
Capítulo 1




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O carro estacionou ao lado de uma caminhonete antiga, que parecia estar ali apenas para compor o cenário. A mulher desligou o carro e encarou o filho, chegou a abrir a boca mas as palavras reconfortantes que buscava não lhe vieram no momento, então esboçou um meio sorriso e tocou seus cabelos, fazendo carinho também em seu rosto. O gesto tão incomum entre eles fora o bastante para que nenhum dos dois jamais esquecera do momento. Ela se virou disfarçando a lágrima nos olhos e abriu a porta. Caminhou em direção ao homem e cumprimento-o com seriedade. Ele apenas acenou com a cabeça. Ela abriu o porta-malas e pegou sozinha a bagagem pesada e a deixou sob a varanda fazendo barulho no assoalho. O menino contou até três, respirou fundo e desceu do carro, segurava firme a mochila que carregou no colo durante toda a viagem. Caminhou lentamente até a varanda da casa e olhou para sua mãe em silencio. Ela por sua vez apontou discretamente para o homem com a cabeça

— Prazer em conhecê-lo, senhor. – Se apressou a dizer enquanto estendia a mão para o então desconhecido. O homem com seus grandes olhos azuis o mediu da cabeça aos pés e ficou em silêncio. O jovem ficou tão encabulado que recolheu o braço e fitou o chão.

— Nos conhecemos a muito tempo garoto. Só perdemos o contato - Disse com rispidez demorando o olhar em sua mãe que se encolheu. O homem então apoiou as duas mãos nos joelhos e fitou o menino. 

— Eu fiquei sabendo que você andou aprontando em São Paulo e estou te avisando que aqui as coisas serão diferentes. Enquanto estiver sob o meu telhado vai seguir as minhas regras. Eu fui claro?

— Walter... – Disse a mulher dando um passo a frente, mas o homem fez sinal para que ela parasse.

— Eu fui claro?

— Sim, senhor. – Murmurou o garoto.

— Bom. - Disse se reerguendo - Seu quarto fica a direita subindo a escada. Pode subir com a mala. -  Disse de forma seca. O garoto apanhou a alça da bolsa e antes de dar o primeiro passo sentiu um tremor lhe percorrer todo o corpo. Um vento gelado soprou vindo da mata oculta atrás dele. Sentiu ali um impulso forte de voltar correndo para o carro.

—Você é surdo garoto? Mandei levar essa mala lá pra dentro. – Mandou o homem impaciente.

— C-Certo, desculpa. – Disse retornando a realidade. Sem demora pegou a mala pesada e com dificuldade a arrastou para dentro da casa.

O interior se mostrava com uma aparência ligeiramente melhor do que a parte de fora. Havia uma sala grande com diversos moveis de madeira. Dois sofás se prostravam diante de uma lareira ainda acesa, ao lado uma estante abarrotada de livros clássicos e empoeirados ajudavam a compor o ambiente. Se não estivesse tão chateado teria achado tudo bem aconchegante. O garoto colocou a mochila nos ombros e puxou a mala grande a pesada pelas escadas a cima. Foi uma tarefa difícil que lhe exigiu o dobro do esforço.

—-

— É, o garoto cresceu bastante desde a ultima vez. Como ficaram parecidos. – Disse Walter quebrando o silencio constrangedor em que estavam.

— Bem vindo ao meu mundo, Walter. – Retrucou a mulher com um sorriso irônico. – Ele tem os seus olhos.

— Não, ele tem os olhos do pai ... Eu vi quando um deles mudou de cor... Tinha quase me esquecido como era. – Disse o homem com pesar. Mônica apenas concordou com um aceno leve da cabeça. Os dois ficaram quietos por um momento. Era a primeira vez que se encontravam depois do funeral. 

— O quanto ele sabe sobre sí? – Perguntou Walter quebrando o silencio. A mulher fechou os olhos e respirou fundo, há dias temia responder a essa pergunta.

— Jamais contei qualquer coisa a ele Walter. O menino não sabe sobre quem é ou... Sobre o que vai acontecer. É pedir demais de mim que ...

— E quem de nós sabe, não é? – Disse para interrompe-la. – Bom, é melhor pra todos que ele não saiba de nada. Assim ele pode levar uma vida normal. – Ao ouvir isso Monica respirou aliviada.

— Escuta, Walter... Pega leve com ele ta? Ele é um bom menino, não teve culpa do que rolou lá trás.

— É... Eu sei muito bem de quem é culpa. – pronunciou a frase com uma raiva velada. Monica o encarou captando a indireta e se segurou para não fazer uma cena.

— Independente de qualquer coisa aqui ele irá aprender a ter disciplina. Vai acordar cedo, dormir cedo e trabalhar comigo na roça até resolver a questão dos estudos. Aqui quase não tem ninguém da idade dele, então não teremos esse problema das más companhias não é? – Disse se impondo.

Monica a essa altura já quase se arrependera de deixar o filho nesse lugar, ela sabia que ele não merecia nada disso. Sentiu a culpa de toda a situação cair em seus ombros. Lidar com o ranzinza do Walter não seria nada fácil para o seu filho, mas ainda assim acreditava que ele estaria melhor aqui do que fugindo com ela pelo país. Quando a situação a deixava novamente emotiva ela sabia que estava na hora de partir.

— Bom acho que vou indo então. - Anunciou de depende.

— Mas já? Não esta cansada ou com fome? – Se esforçou Walter em ser gentil.

Mas Monica já havia alcançado o carro -  Cuide bem do seu neto. Volto assim que as coisas melhorarem pro meu lado. – Disse com a voz trêmula enquanto coloca a chave na ignição. Antes que desse a partida Walter a alcançou:

— Monica eu...Bom, faça uma boa viagem e cuide-se. - Disse se afastando.

A mulher deu um sorriso debochado e deu a partida, ela deu ré virou o carro com rapidez. Antes que deixasse a propriedade deu uma ultima olhada no retrovisor, onde avistou Adam correndo porta a fora. Ele parou no meio da grama e ficou assistindo-a ir embora sem ter tido a chance de se despedir.

—-

O quarto que Walter deixou pra ele era bem maior que o seu em São Paulo. Em parte ficou ligeiramente impressionado mas também aumentava a sensação de vazio que sentia. Ao abrir a mochila  colocou todos os objetos cuidadosamente na cama. Seu livro favorito, uma cartinha que Maria tinha escrito pra ele no seu último aniversário. Sua caneta tinteiro da sorte, um gameboy oldschool, a maldita pulseira de prata do Gregório e uma caixa preta. Ele separou cada um dos objetos deixando a caixa no meio. Era sempre um momento especial quando a abria, por isso só o fazia em raras ocasiões. Dentro haviam diversas fotos de seu pai. Uma em que ele o segurava de cavalinho nos ombros, outra dele e de sua mãe grávida abraçados e ainda uma dos dois juntos no dia do casamento. Entre as fotos havia também um ingresso do filme Piratas do Caribe que foram assistir juntos. O filme não era pra idade que Adam tinha na época, Mas seu pai deu um jeito de disfarçar e os dois entraram na sala. Não só o filme foi incrível como os hamburgers que comeram mais tarde no carro cantando as músicas de rock que os dois gostavam. Ele colocou com cuidado o ingresso de lado e apanhou um relógio já velho e gasto que não funcionava mais. Era possível ver o pai usando o mesmo relógio em algumas das fotos. No fundo da caixa havia um fino porta-retrato. A imagem era de os três juntos na praia onde Adam estava sentando ao lado de um formidável castelinho de areia. Sua mãe estava ao fundo totalmente encharcada de areia e sorria pra ele enquanto o pai colocava uma concha no topo da torre meio torta do castelo.

Ele colocou a foto com cuidado no criado mudo ao lado da cama e finalmente desatou a chorar. Não havia desfeito as malas nem tirado seu all star vermelho. Deitou assim mesmo ao lado dos pertences e deixou que as lágrimas lhe escorressem em silencio até que o sono o alcançasse.


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