O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 56
∾ Caso seja esta a última chance de sermos como éramos antes.


Notas iniciais do capítulo

Feliz ano novo! E que 2022 seja um ano melhor e reserve grandes momentos para cada um de nós!

Esperam que tenham passado uma boa virada de ano e, bem, aqui estamos para mais um ano, esperando que nossos queridos consigam se ajeitar!



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Não sabia se queria estar ali, mas enquanto as luzes brilhavam em seus olhos que admiravam a figura feminina que dançava do outro lado do bar, Nirav tentava descobrir o que fazer a seguir. A música agitada embaralhava seus pensamentos, tornando-os mais caóticos do que já estavam. O amontoado de pessoas que o cercava era sufocante, atrapalhando os próximos movimentos que não conseguia executar. E lá no meio da bagunça, estava Juno. Dançava com as amigas, como sempre gostava de fazer, com os braços envoltos em Helena e um sorriso descontraído nos lábios. Era tão linda, com a longa saia de renda branca e a blusa larga de cor laranja. E também tão inalcançável. 

Sentia estar perto e longe demais. 

Ao seu redor, se ignorasse a presença que ofuscava o restante, reconhecia seus amigos festejando com copos de bebidas e sorrisos embriagados pela união de Theo e Hester que se aproximava. Era como uma despedida de solteiro, embora concordasse com as palavras de Helena mais cedo: que tipo de despedida de solteiro é feito em casal? 

Do lado de fora da bagunça, Nirav encostou no próprio carro e acendeu um cigarro para tentar recuperar um pouco do controle. Com um suspiro esfumaçado, desviou os olhos para o céu estrelado. Era uma noite bonita, com a lua cheia e sem nuvens para esconder o clima agradável. Sem querer, deu por si lembrando de uma noite como essa, de uma lua como essa, há sete anos atrás. 

Quantas coisas teriam sido evitadas se não tivesse ido ao maldito luau? Entretanto, no fundo, gostaria de estar lá naquele exato momento, saboreando os olhares disfarçados de Juno, tomando o corpo no seu e admirando seu belo sorriso. Era só o que precisava fazer agora, atravessar o bar e tomar a mão dela na sua. Mas o que aconteceria se fizesse isso? Não, ele não ousava sequer pensar no que poderia acontecer. Já bastava os olhares desconfiados de seus próprios amigos, repletos de uma expectativa tão tensa que parecia palpável. 

De qualquer forma, Juno não parecia interessada em sua presença. Assim como ele havia feito, ela parecia ignorar sua existência. De quando em quando, até recorria a alguns olhares furtivos sem delongas, só para checar se continuava torturando-o. De fato, era torturante, e ele como o fracassado que se sentia, concordava com a punição. 

Gostaria que as coisas fossem mais simples, pensou assoprando a fumaça para longe. Só que nada nunca era tão simples com Juno, essa era a verdade. E era aí que as coisas ficavam confusas. Por que tinha de ser tão complicado? Por que deveria ter tantas barreiras? Se fosse para ser, por que parecia tão errado? Em um piscar de olhos, revivia as palavras de Alice e August. Embora tão rudes, era impossível negar a verdade que traziam consigo. E se todo esse sentimento fosse apenas uma projeção? E se não fosse real? 

O medo da resposta o fazia hesitar. No entanto, quando olhava para Juno parecia impossível negar o que sentia. Era quase irresistível, como se não pudesse controlar. Então, sentia como se espreitasse um abismo ou encarasse o olho de um furacão. Por isso, era inevitável se questionar até onde isso era saudável. 

Quando, por fim, resolveu entrar em direção ao bar, teve seus pensamentos roubados para seu alívio. Enquanto arrumava a camisa social para dentro da calça marrom, Theo se aproximou com dois copos de refrigerante borbulhando. Um riso descontraído fugiu de seus lábios ao tomar o copo. 

— Não consigo beber — ele comentou com uma careta. — Sinto como se fosse vomitar a qualquer momento. 

— Está nervoso? — Nirav franziu o cenho, se debruçando no balcão. 

— Adoraria estar nervoso — os dedos dele tamborilavam sem parar na madeira. — Estou à beira de um colapso. 

Não era o único desesperado naquela noite, pelo menos. Com um riso incrédulo, encarou-o. 

— Está nervoso por que vai se casar? 

— Não, imagina! — debochou com desdém. — É óbvio que é porque vou me casar. O que achou que fosse? 

— Mas você já está praticamente casado todos esses anos. Vocês moram juntos! Qual a diferença? 

Theo exalou com pressão, perdendo um pouco as estribeiras por conta do nervosismo. Nirav achou interessante ver o amigo tão nervoso com algo que sempre pareceu tão sólido. 

— É a responsabilidade de tornar real. Agora, parece que todos esperam muito mais de nós do que esperavam quando só dividíamos um teto. — Nirav coçou a barba, em dúvida, e Theo prosseguiu. — Mesmo Hester parece esperar mais de mim agora que vamos oficializar. E eu não sei o que ela espera de mim. 

— Com todo respeito, mas é idiotice o que está me dizendo. Realmente acha que Hester vai mesmo cobrar algo de você depois de todo esse tempo juntos? Ela nunca fez isso antes, não tem motivo para fazer agora. 

— Eu só tenho medo. 

Nirav hesitou. É, eu também só tenho medo. E olhou em direção a Juno, que desapareceu do seu campo de vista. 

—  Entendo que esteja nervoso e, sim, a responsabilidade é grande, mas você dá conta. Não é nada do que já não estivessem fazendo por todos esses anos. — comentou, retirando os olhos do salão. — Vão continuar dormindo juntos, acordando ao lado do outro, dividindo o mesmo banheiro e discutindo sobre as mesmas coisas. Vocês só estão dando um nome ao que sentem e isso não vai interferir em nada. 

Theo arqueou as sobrancelhas, então deu risada ao menear a cabeça. 

— Olha só pra mim, recebendo conselho de um cara solteiro! 

Nirav se divertiu com a situação. Parando para pensar nisso, entretanto, notou que Alice não estava presente. 

— E que sequer pensa em se casar — brincou, abrindo um sorriso. — Você vai se sair bem, Theo. Não se preocupe. 

— Bem, melhor do que você, com certeza vou. 

— Nossa! O que está querendo dizer? 

— Qual é, Nirav. Olhe só para você, como se ainda fosse aquele moleque de vinte anos, sem saber o que fazer! — ele estalou os lábios, decepcionado. — Ficar aí, parado, apenas contemplando o que pode ser se tomar uma atitude ou não, não é o mesmo que agir. 

— Não sei do que está falando. — Nirav fungou, desviando o olhar do amigo para o copo de refrigerante. 

— É claro que sabe. — arqueou o cenho, acenando para mulher que reaparecia no salão. — Juno. — Nirav fez esforço para não a seguir com o olhar. — Ela está esperando por você, por que continua evitando ela? 

Nirav o encarou como se seus olhos pudessem revelar a verdade que não tinha coragem de dizer. 

— Eu ainda não contei pra ninguém e... 

— Todo mundo sabe, Nirav! Uau, que surpresa! — ele revirou os olhos, irritado. — Não preciso que me conte todos os detalhes da sua vida para saber o que está acontecendo, eu sou seu melhor amigo e eu te conheço. — sua voz suavizou-se com um suspiro. — Sei que terminou para tentar fazer as coisas certas, mas... 

— Só estou tentando não piorar as coisas com Alice. 

Theo grunhiu. 

— Está vendo ela em algum lugar? Porque eu não! Ela pode estar magoada, sim, com razão. Um término de namoro não é qualquer coisa, mas sejamos sinceros, Nirav... A verdade é que Alice caiu de paraquedas nessa situação, se não fosse com ela, seria outra. Acontece. 

— Espere aí — Nirav apontou-lhe um dedo. — Não era você que ficou me cobrando responsabilidade com Alice para agora vir com papo de “acontece”? 

— E desde quando o que está fazendo é ter responsabilidade? Esse é o problema, você não está tendo responsabilidade nenhuma! — ele cruzou os braços. — Se você terminou por um motivo, por que diabos está escondendo esse motivo agora? Não faz sentindo nenhum! Você não vai poder fugir a vida toda por medo de magoar a Alice, você já fez isso, sinto muito! Além de tudo, não é só ela que está envolvida na questão, não é mesmo? Você prometeu que iria fazer o certo. Não só por Alice. Por Juno também. 

Sem saber o que responder, Nirav apenas respirou fundo, dando-se por vencido ao olhar para baixo. Tomando com deixa, Theo prosseguiu: 

— Olha, talvez eu nunca entenda o que há entre vocês dois. Não sei se isso está fadado ao fracasso ou qualquer outra coisa. Talvez vocês dois estejam só projetando o passado e se enganando para compensar o que perderam, mas... 

Mais uma vez a mesma conversa. Irritado, Nirav se levantou para sair daquele beco sem saída, porém, Theo segurou seu ombro, ainda insistindo. 

— Continuar se escondendo, manter o que está sentindo em segredo, não é o jeito certo de fazer as coisas. É continuar repetindo os mesmos erros de antes. É andar em círculos. 

Nirav não pretendia dar a ele uma resposta. Não estava afim de discutir, não com o casamento de Theo tão perto para ferrar tudo com uma briga boba. Portanto, com polidas desculpas, apenas retirou a mão dele de seu ombro. Ao se afastar do olhar pesado de seu amigo, reparou em Hester se aproximando enquanto balbuciava alguma coisa em tom irritado sobre Lou. 

— Ela bebeu demais, aí já viu... 

Ele retornou, se intrometendo no assunto. 

— O que houve? 

— Ah, você não sabe? — Hester franziu o cenho, cruzando os braços. 

— Hester, por favor... — Theo pediu com cuidado. 

— Me poupe, Theo, vai dizer que ele não sabia o que podia acontecer? Até parece. Os dois sabiam. 

Não importava, entretanto, Nirav já não prestava mais atenção no que era dito. Sua atenção se voltou para Helena, que revirava os olhos em sua direção. 

— Por favor, me lembra por que não devemos agredir nossos amiguinhos? Mesmo quando eles bebem demais e falam o que não deve? — ela comentou com escárnio, se virando para trás e encontrando a namorada. — Você também não ajudou muito, não é? 

— Eu não... 

Ignorando a discussão que se formava, seus olhos foram atraídos para a mulher que abandonava o recinto. Do outro lado, Lou esfregava o rosto e, em seguida, abanava as mãos. Sem entender, tudo o que restava fazer era o que havia evitado a noite toda: seguir Juno. 

Encontrou-a ainda na calçada, com o celular em mãos trêmulas. Os cabelos, um pouco bagunçados, estavam seguros atrás das orelhas, embora algumas mechas insistiam em cair em seu rosto. Ela fungou o nariz e mordeu os lábios, parecendo tão vulnerável quanto a garota que era sete anos atrás. 

De repente, ela ergueu o rosto, notando sua presença ali pela primeira vez. Um sorriso torto marcou seus lábios e, esperando a sua casual indiferença estúpida, resolveu partir. 

— Juno. — Nirav chamou, então. 

E Juno parou, demorando um instante para se virar de volta, respirando fundo. 

— Nirav. 

— Já está indo embora? — ela apenas anuiu com simplicidade, fungando o nariz. — O que houve? 

Olhando para cima, como se tentasse conter algumas lágrimas ou se irritasse com suas perguntas óbvias, Juno suspirou e deu de ombros. Mesmo assim, ele insistiu: 

— Vamos, me diz, o que houve? 

— O que você acha? 

Estendeu as mãos, se fazendo de desentendido. Por que continuavam brincando de adivinhas? 

— Louise bebeu demais e, sem querer... quero pensar que foi sem querer... insinuou que eu acabei com seu relacionamento — a voz veio dolorida e ressentida, tão baixa quanto um sussurro. 

— Por que sempre tem que ser a Lou? — estalou os lábios, irritados. 

— Ah não, dessa vez tinha Sarah como apoio! — ela deu um sorriso irônico e incomodado. — Bem, já respondi sua pergunta, se não se importa... 

Com delicadeza, ele tomou seu braço já antecipando seus movimentos. Ela o encarou surpresa. 

— Se não se importa, eu gostaria de levar você até em casa — sugeriu com um sorriso mínimo. — Posso levar você? 

Notou o olhar passar de seu rosto para sua mão e, de novo, seu rosto. Por fim, ela deu de ombros e aceitou a carona. 

Como esperava, no início o silêncio reinou entre os dois. Um silêncio incômodo e invasivo, que Nirav ansiava por quebrar, apesar de não saber como. Havia estado todos esses últimos dias evitando o confronto de tais conflitos e agora parecia um amontoado de problemas sem solução. E quando olhava para a mulher ao seu lado, conseguia sentir a culpa de tê-la deixado sozinha e sem respostas. 

Quis se aproximar, tocar em sua pele e pedir desculpas, mas não sabia bem como fazê-lo sem parecer apelativo. Sem fazê-la se lembrar das atitudes de Nicholas. Sem agir como ele. Embora não fosse como Nicholas, era fácil tomar atitudes tão estúpidas quanto. Por isso, como um primeiro passo, ligou o som do carro em alguma rádio aleatória. Nada de bom tocava, apenas a trilha sonora de algum filme antigo qualquer. Em pouco tempo, porém, como se não resistisse, ela começou a cantarolar baixinho. 

— Desculpe por ter desaparecido esses dias — murmurou sob a melodia velha da música. — Eu não estava evitando você, eu só estava fugindo do confronto. Eu queria ter te ligado e... 

— Não somos mais adolescentes pra ficar esperando pela ligação do dia seguinte, não se preocupe — algo em sua voz denunciou uma mentira. — E eu já fiz o mesmo com você, não é? Por sete anos. O que são alguns dias? 

Ele comprimiu os lábios com o comentário irônico, escondendo-os atrás da barba aparada. Olhando pelo retrovisor, reparou que Juno mantinha os olhos na janela. Com um suspiro, trocou de marcha e virou uma curva diferente que, inicialmente, ela não pareceu notar. 

— Espere — ajeitou-se no banco do passageiro, apontando para a janela. — Esse não é o caminho para casa. 

— Eu sei — sorriu. — Tive uma ideia. 

Juno franziu o cenho. 

— Devo me preocupar? Olha, não tente se inspirar no meu avô, isso não vai dar certo! 

Ele deu risada, divertindo-a. E, por um instante, quando ela riu de volta com aquele belo e exagerado sorriso, sentiu que tudo iria ficar bem. 

— É isso o que pensa de mim? 

— Penso muitas coisas de você — ela arqueou uma sobrancelha. — Mas isso não é uma delas. Por enquanto. 

— Oh, tudo bem então. Eu mereço. 

Por fim, o carro tomou um caminho mais íngreme até chegar em um ponto mais alto da cidade. Ali, o vento soprava mais forte, bagunçando as roupas e os cabelos, obrigava a ambos a estarem mais perto. E dali conseguiam ver a lua tão grande como era há sete anos atrás, quando uma fogueira queimava numa noite de verão enquanto um violão soava ao fundo e dois jovens conversavam sem se dar conta do tempo e dos erros. 

Era como se uma vida inteira tivesse passado desde a última vez que estivera ali. Mesmo agora, conseguia ver os fantasmas dançando diante de seus olhos. Quase os invejava. Quase. Pois quando olhava para o lado, não era um fantasma da sua memória que via, ali estava Juno. 

Sentados no capô do carro, eles admiraram a vista de Florencia juntos. 

— Nunca pensei que voltaria aqui — um sorriso desenhava seus lábios e seus olhos admiravam todos os lados, cheios de lembranças. 

— Eu nunca voltei. — respondeu, roçando os dedos no antebraço dela apenas para senti-la ali, de verdade. — Desde aquela noite. 

— Vou deduzir que estava esperando por mim. 

— Talvez eu estivesse mesmo. 

Juno inclinou a cabeça em sua direção, exibindo um olhar zombeteiro. Neles, encontrou o usual brilho que tanto gostava. 

— Ainda não acredito que aceitou dançar comigo. 

— Se eu soubesse que você era problema... 

— É, eu sou uma bagunça — com um suspiro, ela desviou o olhar para o horizonte escurecido. 

Desesperado pela distância que tornava a se formar entre eles, Nirav tocou Juno. Primeiro, o ombro desnudo e depois o rosto, afastando uma mecha que escondia seu rosto, fazendo com que ela tornasse a olhá-la. E, sem resistir, beijou seus lábios sem mais delongas. 

Um beijo desesperado, tão acelerado quanto atrapalhado, como se ansiasse por algo a mais, por muito mais. Aos poucos, o fôlego de ambos se tornou ofegante. Um breve suspiro fugiu da boca entreaberta de Juno e Nirav não se conteve. Avançou com a boca para o pescoço, apenas para escutar mais de seus suspiros prazerosos. Quando as mãos dela tocaram seus cabelos, notou que estavam levemente trêmulas, aparentava estar nervosa. Interrompeu os beijos um momento, para admirá-la, com o rosto avermelhado realçando as sardas que salpicavam a ponte de seu nariz e suas bochechas. Ela pareceu evitar seu olhar, mas retribuiu o beijo que veio em seguida. 

Logo, suas mãos encontraram a barra de sua saia, de onde puxou a blusa até conseguir arrancá-la, deixando-a apenas com o sutiã que marcava a alva pele de vermelho com a pressão. Depois, a ajudou a desabotoar a própria blusa, até revelar seu tronco nu, coberto apenas por poucos pelos em seu abdômen. Apenas ao deitá-la no capô de seu carro, pareceram se lembrar aonde estavam. 

— O que estamos fazendo? E se aparecer alguém? — Juno murmurou contra seu rosto. 

Em seu semblante, a feição de uma menina levada que estava prestes a cometer uma travessura. O sorriso malicioso e nervoso do desejo misturado com a incerteza. Os olhares furtivos e atentos de quem faz algo escondido. As mãos agitadas e trêmulas preparando-se para a diabrura. Estava linda e tentadora, vulnerável e provocadora. Era tão perfeita quanto poderia ser. 

Ele se envolveu nos abraços de suas coxas quentes. Um abraço tão gostoso, de onde não queria mais sair. 

— Não se preocupe, não tem ninguém. Só nós dois. 

Ao proferir tais palavras, algo pareceu mudar e passou despercebido por Nirav. Avançou para morder seu queixo, beijar seu pescoço e o colo de seus seios, porém, quando tentou beijá-la nos lábios outra vez, Juno virou o rosto e sua boca encontrou apenas a sua bochecha direita. Sem entender, a olhou por um momento, procurando alguma resposta no semblante que, agora, parecia indiferente e distante. Não só isso, também magoado. Com um suspiro desanimado, encostou o rosto no dela, tentando encontrar um pouco do calor anterior. Sentiu a textura macia de sua pele, o cheiro de seu perfume, e por mais tentador que pudesse, Nirav não insistiu. Somente quando Juno tentou se levantar, protestou pela primeira vez: 

— Fica — suplicou, com o rosto afogado em seus cabelos, mas ela levantou mesmo assim, fugindo de seu toque. — Fica mais um pouco, por favor. 

Juno respirou fundo, ajeitando os cabelos atrás das orelhas. Sem se preocupar com a seminudez, ela tomou um bom tempo olhando para o horizonte, mantendo-se de costas a Nirav. 

— É isso o que somos agora? — perguntou de repente, sem ter coragem de encará-lo. 

— Juno... 

— Seja honesto comigo, Nirav — quando se virou para fitá-lo, seus olhos estavam avermelhados por um pranto contido. — Consegue imaginar uma vida ao meu lado? 

Sem entender, ele coçou os cabelos. 

— Quando pensa no seu futuro, consegue me ver inserida? Quando pensa em uma vida a dois, sou eu que você vê ao seu lado? Você consegue se imaginar vivendo uma vida junto comigo? Consegue se ver segurando minha mão, dormindo ao meu lado, assumindo esse relacionamento? 

— O que isso significa? Por que isso agora? 

Ela fungou o nariz, passando a língua sobre os lábios trêmulos. 

— Porque eu sinto que não somos nada além de amantes que vivem em segredo! — declarou. — Às vezes, parece que nosso sentimento só existe assim, escondido no escuro, longe do olhar de todo mundo. Que tipo de sentimento é esse que só vive escondido? 

Nirav suspirou, um pouco impaciente. Reconhecia aquelas palavras bem demais para não se irritar com elas. Era como se estivesse escutando seu pai, ou Theo, ou Alice. Não Juno. 

— Talvez pense isso porque nossa relação começou de um erro. 

Conseguiu ver com clareza as lágrimas se formando nos olhos expressivos dela. E, para sua surpresa, ela concordou. 

— Meu erro, minha culpa, minhas consequências. — concluiu, esfregando o rosto depois de pegar a blusa jogada e vesti-la. 

— Eu não disse isso! — corrigiu-a, levantando-se em sua direção. — Só estou dizendo que se esse relacionamento começou tão errado, então talvez... — eles se encararam por um instante, cheios de expectativas. — Talvez nunca venha a dar certo. 

Não eram suas palavras. Escutou a voz de seu pai através de sua boca e a voz em sua mente pertencia a Alice. Eram as palavras que sempre temeu dizer, porém, não havia mais volta depois de ditas. 

— Se é nisso que acredita, o que está fazendo aqui comigo? — em sua frente, Juno lutava contra a vontade de chorar. Odiava-se por isso, era como ver o mundo inteiro se estilhaçar diante de seus olhos. — É por isso que tem me tratado com tanta indiferença, não é? É por isso que você não consegue nem falar comigo na frente dos nossos amigos! Você não quer assumir um potencial risco, não é? 

É estranho quando as pessoas escancaram os medos que você mesmo não tem coragem de assumir. É como um tapa na cara silencioso, ainda que ardido, e deixa uma marca bem profunda na pele, apesar de ser invisível aos olhos. Naquele momento, cada palavra de Juno soou como um tapa em seu rosto, que acertou em cheio em seu âmago. E mesmo assim, não conseguia assumir a verdade que era jogada em sua face. Afinal, era disso que tinha medo não era? Quando saboreou a resposta no fundo de sua garganta, odiou cada parte do seu ser. E odiou-se mais quando só teve coragem de abrir a boca para ser ainda mais covarde: 

— Eu estava tentando não ferir Alice, você sabe bem disso. 

Juno se irritou, esfregando o rosto que balançava de um lado para o outro. 

— Isso não tem nada a ver com a Alice! — vociferou com toda raiva guardada dentro de si. — Se estivesse tão preocupado em feri-la, não teria feito sexo comigo assim que terminou seu relacionamento com ela! 

Nirav suspirou, recolhendo a própria camisa para vestir novamente. Sentia-se patético numa discussão como aquela, mas Juno insistiu: 

— Seja honesto comigo! — ela se aproximou de novo. — Eu preciso saber o que nós somos, porque eu não aguento mais me esconder ou esconder o que eu sinto. Parece que nós continuamos a ser amantes, traindo alguém, precisando viver escondidos. Mas nós não somos e eu não sei o motivo de... 

— Porque a minha está uma bagunça! — interrompeu-a com a voz alterada. — É isso o que quer saber? A porra da minha vida está uma bagunça e eu não sei o que fazer! Eu não sei se o que temos é certo, eu não sei se o que fiz com Alice é certo. E eu não tenho todas as respostas! Não tenho, Juno, eu estou tentando entender, mas eu estou perdido, como se eu estivesse num caos generalizado desde... desde... 

— Desde que eu voltei. 

Ficou feliz por ter sido interrompido, embora o arrependimento de tudo o que disse começasse a esmagar sua alma. Olhar para ela era difícil. Seu rosto marcado pelo pranto era uma pintura cheia de mágoa. E o brilho que tanto gostava começava a se tornar opaco dentre tantas lágrimas. 

— Eu sei que a culpa é minha, Nirav. Eu baguncei a sua vida inteira outra vez. E eu prometi que jamais faria isso com você. — com a voz embargada, ela esfregou os próprios cabelos. — É só o que eu sei fazer, aparentemente, desde que nos conhecemos. 

— É o que todo mundo tenta me avisar — confessou. — E eu não quero acreditar nisso, mas... 

— Mas é o que você acredita! — ela o interrompeu outra vez. — Afinal, quem te garante que não estou te enganando de novo? Quem te garante que eu não vou destruir sua vida outra vez? Quem te garante que tudo isso não é uma mentira? Eu não sou confiável, não é? Eu fiz uma vez, posso fazer de novo! Como confiar no sentimento de alguém como eu? 

Ao ser incapaz de controlar as lágrimas, Juno tentou partir. E vê-la partindo o fez reviver a mesma dor de perdê-la da primeira vez. E se antes não sabia, por mais óbvio que fosse, agora via o erro que estava cometendo. A certeza o acertou com força o suficiente para desestabilizar suas estruturas e deixar seu coração paralisado por uns poucos segundos até doer fisicamente. Não podia perdê-la de novo. 

Correu até ela, com a dor no peito ricocheteando por todo seu corpo. 

— Juno, por favor! — implorou, segurando-a pelo braço, tentando manter cada parte de si unida a ela naquele único aperto. — Eu não vou mentir e dizer que não me sinto inseguro, mas... 

Para o seu desespero completo, ela se desfez do seu toque. 

— Por isso que tentei me manter afastada de você! Foi por esse exato momento em que estamos agora que eu tentei me manter longe! Eu tive receio de te contar a verdade, porque até isso parecia tão conveniente. Eu quis manter a distância porque sempre tive medo de que as pessoas continuassem a ver em mim uma mulher traiçoeira, que usou você e que continua te usando. Mas eu não sou essa mulher, eu não sou! Eu prometi a mim mesma que se isso significasse prejudicar você, então eu não me aproximaria mais, por mais que me doesse. Eu não consegui, não é? Nós não conseguimos resistir quando se trata de nós dois. E eu pensei que isso pudesse significar algo a mais, mas parece que eu estava enganada. 

A cada segundo percebia que estava perdendo-a. E junto dela, cada parte sua começava desmoronar até não sobrar mais nada.  

— Eu traí meu namorado, sim, eu admito! E não foi por estar carente, me sentindo sozinha, nem mesmo por ele ser abusivo. Eu estava perdidamente apaixonada por você. E, sim, eu sei que eu deveria ter feito melhor, ter pensado direito, ter sido mais justa. E eu me arrependo por tudo isso. Por ter traído vocês, por ter quebrado a confiança de todo mundo, por ter feito uma bagunça tremenda. Eu me arrependo por não ter ficado por você. Mas sabe uma coisa? Eu não me arrependo de ter me apaixonado por você. 

A pior parte, no entanto, era a sensação de culpa. Havia cometido o pior erro de sua vida e conseguia sentir o gosto amargo das decisões erradas que o levou até aquele exato instante. Talvez, tivesse cometido um erro irreversível, sabia que a havia perdido e, talvez, jamais a recuperasse. 

Juno o deixou, como merecia estar, sozinho. E sozinho, ele chorou. Quando a silhueta dela desapareceu no horizonte, Nirav chorou. 


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Notas finais do capítulo

Confesso que dei uma chorada depois de escrever esse capítulo. :(

Eles se gostam, realmente se amam, mas continuam comprando a versão de terceiros sobre o que sentem, baseando a relação no que outras pessoas imaginam. Agora, a questão é: será que tem volta?



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