O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 54
∾ Você não pode escolher o que fica, mas pode decidir seguir em frente.


Notas iniciais do capítulo

Fala, galerinha! Como vamos?
Gostaria de fazer um aviso prévio aqui.

Então, pode ser que eu atrase mais algumas vezes nos próximos capítulos por motivos sérios. Minha mãe está com alguns problemas de saúde e sendo filho único, eu sou a única pessoa a prestar assistência nesses momentos e é o mínimo que posso fazer né, sejamos sinceros. Então, por conta de ir e vir do hospital, talvez eu não tenha muito tempo de produzir todos os capítulos a tempo e postar.

MESMO ASSIM, gostaria de avisar que a história prossegue e que ela já está se encaminhando para o seu desfecho. Não tenho certeza, pois afinal rumos podem ser alterados, personagens podem fazer besteira etc, etc, etc. Porém, nas minhas contas, faltam menos de 10 capítulos para o grande desfecho e aí podemos partir para as conclusões finais. Não estou dando certeza, claro, mas só estou dizendo pois é garantido que vamos chegar ao fim juntos!



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Juno olhou para a tela do celular. E outra vez. Já havia perdido a conta de quantas vezes o fizera. E todas as vezes se mostraram inúteis. Não havia ligações perdidas, nem mensagens ou qualquer notificação que lhe desse um sinal de Nirav. Já não era mais uma adolescente desesperada por migalhas de atenção, na eterna esperança de uma ligação. Mas ali estava. Com os dedos ansiosos desbloqueando o padrão da senha inúmeras vezes e seus olhos vidrados a encarar a tela estática. E quando não havia nada, a frustração era um embrulho no estômago e um gosto azedo na boca.

Impaciente, tanto consigo mesma quanto com o resto do mundo, ela desligou o celular. Não só apenas para abafar a ansiedade corrosiva de continuar olhando e procurando, mas para alimentar a vã esperança de que quando o ligasse novamente, alguma coisa haveria de ter. Nem mesmo que fosse para ele dizer que não significou nada.

Enquanto lutava com a ansiedade, assistia o dia escorrer diante de seus olhos. A luz amarelada da tarde ensolarada adentrava pelos inúmeros janelões das vitrines da loja em que estava. O lugar estava abafado, para variar, ao seu redor, vários outros clientes andavam e conversavam com as vendedoras impacientes. Um destes era sua tia, andando de cabide em cabide, acenando polidamente uma recusa para cada sugestão que a mulher uniformizada e bem intencionada tinha a dar.

Havia perdido as contas de quantas lojas e vestidos já experimentaram naquele dia que não parecia ter fim. Talvez se não tivessem deixado para a última hora, não estariam tão desesperadas para encontrar o vestido perfeito para o casamento que se aproximava. E pensar que sequer tinham comprado o presente para o casal. Pensar nisso deixou Juno ainda mais frustrada. Sem paciência, deixou-se cair sentada em uma poltrona rocha, provavelmente mais velha do que ela.

Engraçado pensar como estava tão ansiosa para se preparar para o conto de fadas dos seus amigos, enquanto o seu parecia esmigalhar-se diante de seus olhos, sem que pudesse fazer nada para impedir.

Era difícil não se sentir cometendo mais um daqueles erros que jurou nunca mais repetir. Quando tomava coragem de encarar as decisões que havia tomado nos últimos dias, ainda conseguia ver a mesma garota de sete anos atrás, a mesma que jurou não ser mais. Os impulsos irrefreáveis por saciar seus meros caprichos, as desculpas esfarrapadas para convencer a si própria, os segredos ilícitos de um desejo infantil, a teimosia descarada na de insistir até dar certo e os fracassos dos mesmos erros repetidos seguidas vezes na esperança de um resultado diferente. 

E havia prometido tantas promessas, cada uma delas reverberando no oco do seu âmago e como um eterno lembrete de suas falhas. Deveria ter se mantido distante, como havia prometido, para não bagunçar a vida de ninguém outra vez. Não tinha o direito de intervir na vida das pessoas, tal como havia dito, só para se encaixar em um espaço que não lhe pertencia mais. Não era mais uma mulher a esconder seus amores no escuro, assim como garantiu a si mesma, e sobreviver de paixões obsoletas. No entanto, havia falhado em todas. E agora não sabia se era por tamanha incapacidade ou genuína falsidade. 

De repente, sendo arrancada de suas distrações, sentiu sua tia a cutucá-la com um cabide por um mísero momento da sua atenção: 

— Querida, está tudo bem? — sua tia perguntou, puxando-a para a realidade. — Você parece tão... 

— Cansada — continuava repetindo as mesmas mentiras e desculpas. — Só estou cansada. Me desculpe. O que estava dizendo? 

Octavia ergueu dois cabides e com eles o mundo inteiro ressurgiu na frente do olhar de Juno. Ao seu lado, uma assistente olhava com expectativa sobre as duas que se encaravam. Sentada na poltrona rocha, Juno respirou fundo e analisou os vestidos que sua tia tinha à disposição. Um, na mão esquerda, era roxo escuro com diversos babados se aglomerando em uma bagunça extravagante de camadas, enquanto o outro, na mão direita, era mais simples, cor de pêssego e algumas rendas pela saia. Sem dúvidas, Juno apontou para o da direita. 

Por um instante foi deixada a sós com a assistente incomodada com seu silêncio taciturno, porém, não demorou muito para sua tia abrir o provador, roubando toda a atenção do lugar. E com razão. Ao voltar os olhos para ela, Juno sentiu o queixo pender molenga. 

— E então... — Octavia balançou o corpo de um lado para o outro, exibindo o vestido, esperando pela aprovação. — O que acham? Sinto que gostei desse.

Juno conseguiu piscar pela primeira vez, surpresa. 

— Minha nossa! 

— O que foi? Não pode estar tão ruim assim, pode?

Estava perfeito. O caimento longo ajustava-se bem à altura mediana de Octavia assim como a cor de pêssego realçava sua pele. Suas mangas em sino terminavam na altura dos cotovelos, finalizadas com rendas e pequenas pedras brilhantes. O decote revelava parte de seu colo, feito para exibir grandes e belas joias. Já a saia longa escondia até seus dedos dos pés, mas embora fosse longa, não era nenhum pouco pesada, as pregas na cintura davam movimentos graciosos e leves. Por um momento, lembrou a Juno o vestido de casamento que a tia usava na foto que encontrou. E, de repente, foi como olhar numa fenda do tempo e agarrar um momento que sempre esteve longe de seu alcance. 

— Está linda! — Juno disse ao se levantar para olhar o vestido de perto. — Tem que ser esse, precisa ser esse. 

— Tem certeza? — ela tornou a inspecionar a peça que trajava com suspeita. — Não acha muito moderno para minha idade? 

Juno a olhou com uma careta de reprovação pelo que disse. 

— Não fale assim. Além do mais, parece um pouco com o seu vestido de casamento. Lembra dele? 

Octavia deu-lhe um sorriso de menina tão genuíno que iluminou toda sua face. Então, levou as mãos ao rosto. 

— Oh, eu lembro. — com um suspiro, depois, pousou as mãos sobre o peito. — Claro que lembro. 

— Se Abigail estivesse aqui, com certeza teria se apaixonado novamente. 

— Bem, quem sabe outra pessoa não se apaixone? — ela piscou em sua direção, toda brincalhona. 

Juno surpreendeu-se, dando uma risada. 

— Uau, é assim que se fala! — e assim, se encaminharam para realizar a compra. 

Observando o sorriso satisfeito de sua tia, Juno acabou por assumir o custo do presente, mesmo com os protestos, e fez questão de pagar. Era muito mais caro do que seu salário atual poderia arcar, mas não se importou de se endividar um pouco mais. Se era o preço de ver sua tia sorrindo, bem, não custou tão caro assim no fim das contas. 

— Você ainda tem que comprar o seu vestido, Juno, não precisava... 

Ela interrompeu o sermão mudando de assunto: 

— Nunca me contou como você e Abigail se conheceram. 

Octavia bufou, abanando a mão direita. 

— Ah, porque não foi nada demais. Não é uma história de amor como os contos de fadas. 

— Toda história de amor é um conto de fadas, alguns só são mais dramáticos do que outros. — insistiu, recebendo o olhar suspeito da tia. — Ah, vamos, sabe como sou obcecada por esse tipo de história. 

Apesar da momentânea hesitação, uma vez do lado de fora, Octavia assumiu uma expressão pensativa e, por fim, decidiu contar-lhe a história. Talvez ainda fosse difícil lembrar de alguém que já não estava mais ali, entretanto, seu sorriso ao começar a falar sugeria outra coisa. 

Sob o sol que brilhava no alto do céu azul, caminhavam pelas ruas movimentadas de Florencia. O calor trazia as pessoas para o lado de fora, quase como uma exigência para aproveitar o dia. Por todo lado havia alguém, seja tomando um suco ou saboreando um sorvete, sentado no banco da praça ou descansando sob as sombras de árvores ou marquises. Crianças corriam de um lado para o outro, enchendo a cidade com seus gritos exasperados que se misturavam com as conversas de quem passava pelas calçadas, caminhando para seus respectivos rumos. Era um belo dia. Um ótimo para ouvir uma história de amor. Ainda melhor para viver uma, desejou Juno. 

— Abigail trabalhava em uma defensoria pública na época que a conheci. Ela morava há algum tempo aqui, mas não nasceu aqui. Então, nós duas éramos as forasteiras da cidade. 

— Ela já tinha Leo nessa época? 

— Ah, sim. Ele já era um marmanjo. — Octavia respondeu, caminhando ao lado da sobrinha, de braços dados, como sempre costumavam fazer. — Meu pai tinha falecido nessa época e eu precisava resgatar uma herança ou pensão, qualquer coisa que pudesse ajudar a me manter. Acabou que nos encontramos várias vezes por conta dessas minhas idas e vindas para resolver esses problemas. E ela me ajudou muito, não só com toda essa burocracia, também foi como um suporte emocional. — ela respirou fundo, tomando um tempo para prosseguir. — Eu não chorei quando ele faleceu, não chorei no seu funeral. Mas eu chorei no ombro de Abigail. 

Com um sorriso acolhedor, Juno tornou a envolver os braços nos ombros da tia, que prosseguiu contando: 

— Acontece que as coisas começaram a tomar um rumo inesperado. 

— Inesperado? — Juno provocou, fazendo uma careta de desconfiança. — Sério? 

Octavia riu. 

— Nem tão inesperado assim, é verdade. — admitiu. — Ela sempre marcava o maior horário disponível para poder me atender. E depois descobri que ela estava praticamente afugentando outros clientes com a pressa de me atender. Sempre que sabia que eu estava na recepção, dava qualquer desculpa para despachar os compromissos e vir me atender. E eu que não era boba também, chegava mais cedo e saía mais tarde. 

— Não consigo nem imaginar como as pessoas ficavam com raiva de você! — Juno estalou os lábios, abrindo um sorriso em seguida. — E aí, quem tomou a primeira atitude? 

— Eu, ora essa, é claro! Se dependesse da Abigail, seria sempre um chove-e-não-molha. Então, um dia eu apareci lá e inventei que tinha outras coisas que precisava saber, mas não queria prender ela depois do expediente. A verdade é que eu só queria saber se ela estava solteira mesmo. Por isso, inventei a primeira desculpa esfarrapada para chamar ela para sair. Ela aceitou. Passamos a noite em algum restaurante muito caro para nossa realidade. Fiquei pagando aquele salmão com creme de maracujá por meses! Mas valeu a pena. No fim da noite, eu a beijei na hora da despedida. Por um instante, tive medo dela se irritar, mas ela apenas pediu para beijá-la de novo. 

Juno sentiu o sorriso bobo pender em seus lábios conforme recriou a cena em sua mente. Era como assistir um filme exclusivo, tão íntimo que poucos são aqueles com acesso. E nem mesmo o final amargo reservado pelas injustiças da vida era capaz de estragar uma história como aquela. 

Deu por si pensando em seus amigos. Talvez tenha sido assim que Helena se apaixonou por Sarah. A mesma razão que Hester decidiu aceitar o pedido de casamento de Theo. Como Lou tanto procurou em seus diversos casos de amores temporários. E o que Nirav encontrou em Alice quando Juno quebrou seu coração. Mas e quanto a si mesma? O que estava reservado a ela? Que história de amor a aguardava, afinal? 

— E você ainda teve coragem de dizer que não tinha nada demais nessa história. É linda, exatamente como um conto de fadas. — comentou com certa inveja. 

Octavia respirou fundo, então assentiu com a cabeça. 

— Oh, é verdade! Todos esses anos foram como viver um conto de fadas, a gente não se dá conta no início, e depois vê que foi tão perfeito como poderia ter sido. Vou sentir falta disso, certamente. — seus olhos se voltaram para Juno. — Mas acho que, talvez, não tenha nada de errado em encontrarmos outras pessoas quando chega ao fim. Não quer dizer que você não as ame mais, você só precisa seguir em frente. 

Juno mordeu o lábio e desviou o olhar quando se tornou insuportável sustentá-lo. Olhando para o chão, focando os pés que se arrastavam ao redor dos seus, Juno concordou. 

— Bem, aqui estamos. — a voz de Octavia a pegou de surpresa. Com um aceno, mostrou a Juno mais uma loja de vestidos em uma esquina. 

Quase pensou em recusar e deixar para depois. Porém, precisava de um vestido, não era nenhuma Cinderela e não tinha nenhuma fada madrinha, portanto precisava tomar a iniciativa. 

Segundo a vendedora que as atendeu, era um lugar voltado para os mais jovens. Entretanto, a Juno pareceu ser um setor de figurino para filmes adultos. A quantidade de vestidos com longas fendas sensuais, decotes reveladores e rendas transparentes deixaram Juno com as bochechas vermelhas e ardidas. A cada roupa que tinha em mãos, sentia infringir uma lei de atentado ao pudor diferente. Até que ergueu um longo preto com duas fendas nas pernas em direção a tia: 

— Eu não posso usar algo assim, qualquer movimento que eu fizer vai parecer um exame ginecológico! — exclamou, tendo o cuidado de fazê-lo em voz baixa para não chamar atenção das vendedoras. — Minha nossa, como conseguem andar com isso? 

— Procure mais! Alguma coisa deve ter. — sua tia insistiu, mexendo em alguns cabides. 

Bufando com frustração, Juno devolveu o cabide e continuou procurando. No fundo, não sabia o que queria. Era a primeira vez no casamento de uma de suas melhores amigas. Precisava de algo especial. Queria se sentir especial para um momento como esses, afinal não é todo dia que seus amigos se casam. Porém, um vestido sensual certamente não era a escolha certa. Na verdade, nenhuma daquelas peças de roupas pareciam adequadas para momento algum. Desconfiava, no fundo, que ninguém de fato usava roupas assim e a loja vazia confirmava suas suspeitas.

Depois de arrastar sua mão por diversos tecidos coloridos recortados das mais doidas formas, Juno deu-se por vencida. 

— Talvez seja melhor tentar comprar online... — então, percebeu que estava falando sozinha. Virando as costas para os vestidos, deu a procurar sua tia pelos corredores. — Tia?! Onde... 

— Tente este aqui! — Octavia surgiu do nada, com um embrulho azul nos braços, ao lado de uma vendedora loira, com cabelos firmemente amarrados e roupa justa. Ao ver os olhares de expectativas, Juno suspirou e deu de ombros, aceitando. 

Dentro do provador, Juno pareceu notar o vestido pela primeira vez antes de vesti-lo. Não parecia tão extravagante quanto os outros, talvez valesse a pena tentar. Por fim, desabotoou os botões da blusa estampada e abriu o zíper de sua calça jeans marrom. 

De um azul marinho tão escuro quanto o alto mar, o vestido longo descia em uma saia justa até seus tornozelos. Suas alças eram tão finas quanto delicadas, descendo pela costura de um decote comportado, valorizando o pouco volume que tinha em seus seios pequenos, sem deixá-los gritantes. Era no dorso o maior destaque. Uma longa fenda abria o vestido por suas costas até sua cintura, revelando toda sua pele. Quase achou exagerado, até ver no espelho como encaixava-se perfeitamente em seu corpo, desenhando as linhas de contorno de suas costas como se fosse costurado de acordo com suas medidas, feito para valorizar seus traços esguios e delinear as curvas. 

O reflexo no espelho era de tirar o fôlego. Por um instante, ignorou o resto do mundo e admirou a mulher que era. Desatou os nós dos cabelos, deixando as madeixas onduladas correrem soltas por seus ombros e pelas costas nuas. Não eram tão longos, crescidos o suficiente para provocar cócegas quando mexia o corpo e os fios deslizavam por sua pele desnuda. Com um sorriso largo, daqueles exagerados que exibiam todos seus dentes, percebeu que estava satisfeita. Não importava quão bagunçada estava por dentro, ainda continuava tão linda quanto poderia ser.

Uma vez fora do provador, ao dar os primeiros passos, já foi capaz de escutar a exclamação de sua tia, que se aproximou aos solavancos para admirar a peça mais de perto. 

— Acha que está bom para um casamento? — Juno questionou, girando sobre os próprios calcanhares. — Ou está muito revelador? 

— Oh, se não está perfeito! — Octavia declarou. 

A vendedora se aproximou. 

— Não só está bom para ir a um casamento — ela indicou a porta do provador entreaberta em direção ao espelho, mostrando a Juno a resposta que já sabia. — Como é o tipo de vestido em que se deve ser pedida em casamento. 

Olhando uma última vez para o seu próprio reflexo, Juno sentiu o coração acelerar. 


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Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei que as coisas não parecem muito boas entre nossos personagens considerando que já estamos na reta final. Mas do que seria a reta final sem um bom drama, não é mesmo???



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