O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 2
∾ Rasgue seu coração esta noite.


Notas iniciais do capítulo

Olá novamente, sejam bem-vindos para mais um capítulo.
E como se diz em terras virtuais: VEM AÍ!

Espero que gostem!



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O primeiro plano das férias era um luau e Juno, que nunca havia participado de um antes, sentia a empolgação causar um frio na barriga.  

Segundo suas amigas, aconteceria em uma das colinas da cidade. O ponto alto era um fator importante para ver a lua. Entretanto, ver a lua parecia ter a menor das importâncias no evento. A ideia principal era reunir as pessoas para dançarem e beberem até o amanhecer com a desculpa de ver a lua.  

Porém, só havia um detalhe: ir sem Nicholas.  

Não parecia ser um grande problema, mesmo assim, eles haviam combinado de praticar as atividades juntos. Quando Juno resolveu se adiantar em uma semana, essa programação acabou sendo afetada. Ir para um evento com pessoas desconhecidas, principalmente por Nicholas, podia acabar incomodando-o.   

Nicholas nunca gostou muito de ver Juno sair sozinha e podia ser bem protetor às vezes. Assim que começaram a namorar, ele introduziu esse assunto a ela que, como não tinha muito para onde ir ou com quem sair, acabou acatando. Não queria dizer que não sentia vontade de sair para se divertir. Depois de tanto tempo presa em um cotidiano fatídico, aquele luau podia ser um respiro para novas diversões.  

E, no entanto, ela ainda estava incerta. Mesmo depois de avisar a suas tias e elas aprovarem sua participação, ainda estava insegura. E assim passou a maior parte do dia ponderando o conflito entre ir ou não. Tentar convencer Nicholas a vir de uma vez ou convencê-lo a ir sozinha.  

Enquanto formulava uma solução para a questão, o dia esvaziava diante de seus olhos. Mesmo com a parte da tarde se aproximando, o calor permanecia. Apenas uma brisa leve quebrava a onda de calor, aliviando a sensação abafada.  

Estava quase entardecendo quando Octavia abordou Juno, que ainda não havia tomado inciativa para se preparar. Sentada no sofá da sala, com as pernas cruzadas, ela sequer parecia prestar atenção à televisão. Olhava em direção a tela, mas, enquanto mexia a ponta dos dedos sobre os lábios, estava com a cabeça longe.  

— Você desistiu de ir? — Octavia perguntou, observando a sobrinha.  

Juno se mexeu, ajeitando a postura. Ainda estava com pijama, vestindo o short amarelo amassado e a regata estampada com várias margaridas. Seus cabelos presos estavam bagunçados, as mechas escapando por todos lados.  

— Não, eu adoraria ir, mas... — balançou os ombros, indecisa. — Não sei se é uma boa ideia ir sem o Nicholas.  

— Qual o problema?  

— Nós combinamos de aproveitarmos as férias juntos.  

Abigail, até então na cozinha, se aproximou para participar da conversa. Um pano de prato estava estendido sobre seu ombro direito, onde ela secava as mãos.  

— Então ele deveria ter vindo junto com você. — pontuou.  

— Não vejo motivo para ele não gostar de saber que está se divertindo. — Octavia olhou para a esposa, completando.   

— Depende. — disse, retorcendo os lábios. — São pessoas que ele não conhece, acho que ele ficaria magoado.  

Octavia pareceu se desagradar, franzindo o cenho, desviando o olhar para a própria companheira.  

— Um relacionamento é construído com base na confiança. Esse tempo todo que estão juntos, eu imagino que não falte confiança.  

— Por que não fala com ele? — Abigail sugeriu.  

Juno ponderou a sugestão por um momento, tentando se sentir um pouco mais esperançosa. Na verdade, qualquer alternativa parecia mais útil do que apenas sentar e remoer as possibilidades. 

Seguindo o conselho, seguiu para o quarto atrás do celular. De acordo com as horas, ainda teria tempo para conversar com Nicholas e, quem sabe, tomar um banho para começar a se arrumar.  

Enquanto ligava para o número específico, tentava pensar no que dizer. Ele não demorou a atender.  

— Você está ocupado hoje? — ela perguntou sem muitos rodeios.  

Estava em pé, diante da janela do quarto de Leo. Sua mão livre percorria sua nuca, apertando-a de leve. Seus olhos admiravam a rua, mesmo sem prestar atenção, de fato. 

— Não, hoje não. Quer conversar?  

— Na verdade, você podia vir para cá então... — sugeriu, mesmo já imaginando a resposta. — Poderíamos fazer algo juntos quando você chegar.  

— Você sabe que eu moro longe. Não é tão fácil atravessar esse monte de cidade para chegar aí. — seu tom de voz soava um pouco impaciente por retormar aquele assunto. — Tínhamos combinado semana que vem.  

Ela suspirou, tentando não se dar por vencida.  

— Eu queria que você pudesse vir para o luau.  

— Vai ter um luau? — pareceu surpreso. — Você não me falou nada.  

— Eu não estava sabendo. Acho que foi de última hora. — explicou. — De qualquer forma, ia ser incrível dividir essa experiência com você.  

Escutou a risada dele do outro lado e, por um momento, sentiu-se esperançosa.  

— Falando desse jeito quase me convence a ir antes. — a risada se desfez aos poucos. — Sinto muito, Juno, mas deixei tudo planejado para semana que vem.  

— Eu sei, só estava sugerindo. — ela suspirou, ponderando por um momento. — Então, talvez... — respirou fundo e coçou a testa, passando a mão até os cabelos, nervosa. — Esquece.  

— O que foi?  

Estava receosa de insistir naquela conversa, apesar de, aparentemente, não ser nada demais.  

— Eu... — comprimiu os lábios, reunindo as palavras certas. — Tem algum problema se eu for sozinha? Quer dizer, vou estar com as garotas, mas sem você, no caso...  

Por um momento, Nicholas ficou em silêncio que pareceu durar uma eternidade para Juno.  

— Nós tínhamos combinado em fazer as coisas juntos.  

— Eu sei, eu sei, mas vou ter que esperar a semana inteira até você chegar. — argumentou, sentindo-se sem sucesso.  

— Você quem sabe.  

Reconhecendo o seu tom, Juno estalou os lábios com desaprovação.  

— Ah não, não fale assim.  

— O que mais eu posso falar? — Nicholas pareceu se irritar. — O combinado era curtirmos juntos, mas você decidiu ir antes, sem mim. No fim das contas, não tenho muito o que opinar. Você poderia ir e eu nem ficaria sabendo.  

Dessa vez, Juno acabou irritando-se também.  

— Agora parece que está insinuando coisas sobre mim!  

— Desculpe, não queria insinuar nada. — suspirou, assumindo uma postura mais conciliável e, então, outro momento de silêncio, refletindo. — Se você quer ir, tudo bem. Só tenha juízo, controle-se.  

Juno falhou ao tentar conter a risada de empolgação, que escapuliu com um som adorável de seus lábios. 

— E quando eu não me controlo? — brincou com ele.  

— Só... não me dê motivos para desconfiar de você. Por favor, eu odiaria isso. — disse sério, ignorando a provocação dela.   

— Não precisa se preocupar, sabe disso.  

— Você sabe como eu sou.  

— Sim, eu sei. — ela riu, revirando os olhos. — Bem, eu te conto como foi. Fica bem, eu amo você!  

— Eu também amo você.  

Uma luz pareceu iluminar seu rosto a partir daquele momento. A empolgação continuava a se expandir, crescendo cada vez mais, até quase não haver mais onde caber dentro de Juno.  

A tarde anunciava sua despedida quando Juno terminou de se arrumar. Não usava nada muito formal, apenas uma camisa preta, larga com mangas curtas e dobradas, presa na cintura alta do jeans mais apertado. Os cabelos ainda úmidos do banho permaneceram soltos sobre seus ombros. Não se preocupou em utilizar maquiagem.  

O sol estava dando seu último suspiro quando encontrou Lou, esperando-a em uma praça pequena, parte do caminho para onde estavam indo. Como amava vestidos, Lou usava um longo com alças, estampado com flores brancas no fundo preto. Seus belos cabelos estavam presos pela metade, caindo por suas costas como uma cascata.  

Elas se abraçaram calorosamente antes de seguirem o caminho. Juno deixar de demonstrar quão animada estava e compartilhar da empolgação da amiga. Juntas, elas seguiram conversando durante o percurso. Aproveitaram para falar sobre as coisas que aconteceram em suas vidas no intervalo de tempo em que não se viram. E, mais uma vez, o assunto retornou a Nicholas.  

— Uma pena ele não ter vindo. — Lou comentou, dando o braço para Juno. — Ele ia adorar conhecer os meninos.  

— Acho que ele vai ter que esperar até semana que vem.  

Lou piscou para ela, dividindo da sua provocação.  

— Ele pediu por isso!  

O local parecia distante, mas não era um problema para Juno. Estava adorando caminhar ao lado de Lou, sentindo a brisa da noite que se aproximava. Enquanto andavam, ela a mostrava vários pontos, contando mais sobre a cidade e sugerindo os planos depois do luau. Havia muita coisa para fazer e Juno não via a hora de aproveitar cada instante.   

Aos poucos, outras pessoas começaram a aparecer, juntando-se a Lou e Juno no caminho para a colina. No início, eram bem poucos, mas acabou tornando-se um fluxo bem grande. E cada pessoa que aparecia era apresentada por Lou. Juno não era tímida, na verdade, estava bem longe de ser. Podia ficar um pouco acanhada em um lugar com muitas pessoas desconhecidas, mas não demorava até se enturmar. Então, quando desatava a falar, nada mais a parava. 

Durante a caminhada, Juno conheceu pessoas de todos os tipos. Conheceu Joel, um rapaz mais novo, com os cabelos descoloridos. Bella, ainda mais baixinha do que Lou, tinha a cabeça raspada e piercing na sobrancelha. Também conheceu Magda, que tinha os cabelos coloridos e bastante sardas no rosto, Thomas, de grandes olhos escuros e cabelos longos presos por um elástico. Além de Julian, Matt, Vivian e tantos outros que, apesar de seus esforços, acabaria esquecendo os nomes até o fim da noite.  

A lua já estava apontando no céu escuro quando chegaram. O calor continuava presente, ainda mais depois de todo o caminho que percorreram, e a brisa noturna parecia quase rarefeita. Ainda assim, a vista que o lugar proporcionava fazia todo o esforço valer a pena.  

Apesar de não ser tão alto quanto Juno esperava, conseguia ter uma visão boa da cidade, que parecia viva com todas as luzes se acendendo e a lua de plano de fundo. Conseguia escutar o barulho distante de alguns carros e até mesmo músicas. Era fácil perder os pensamentos diante de tal vista, imaginando tudo o que estaria acontecendo entre cada viela, dentro de cada lugar. 

Mesmo a colina em si era de encher os olhos. A vegetação era rasteira, com algumas árvores dispostas pelo lugar, com um verde vivo em suas folhas. Alguns carros estavam parados ao redor, um pouco mais distantes, e de algum deles uma música mais alta começava a tocar. Também havia troncos ressecados espalhados pelo chão ao redor de um vão, onde montavam uma fogueira.  

Juno acompanhava Lou, que a apresentava para todas as pessoas que encontravam pelo caminho. O lugar já estava bem cheio e, conforme a noite avançava, mais pessoas continuavam a chegar. Entre elas, Hester e Helena, radiantes como as estrelas que começavam a surgir no céu noturno.  

Hester parecia a irmã, apesar de ser um ano mais velha e uns trinta centímetros mais baixa. Era magra, negra com a pele clara. Seus cabelos, ao contrário da irmã, eram curtos e volumosos, formando uma coroa emoldurando seu rosto. Seu semblante era mais sério, porém os olhos eram calorosos e em cor de mel.  

Helena usava uma regata curta e branca, junto com uma calça mais larga, de linho amarelo. Suas tranças desciam por sua silhueta, desenhando-a. Já Hester usava um macacão despojado, em tom laranja desbotado. As duas se aproximavam juntas, já balançando os corpos para embalar Juno na brincadeira.  

Hester a abraçou com força, expressando a saudade que estava sentindo. Não demorou para puxar a amiga mais para o centro, onde a música estava mais animada. Helena se juntou a elas enquanto Lou trazia algumas bebidas. Enfiou-se entre as três, já permitindo o corpo balançar ao ritmo da música pop e ruidosa. Junto delas, outras pessoas também começavam a dançar, sem nenhum tipo de timidez.   

Agora, a lua já tomava o ponto alto no céu, sem uma nuvem para ocultar a ela e suas estrelas, iluminando todo o redor. A brisa da noite transformava-se em um vento mais forte, que aliviava o calor dos corpos que se divertiam.  

Estavam dançando e conversando quando Hester levantou as mãos, soltando uma exclamação empolgada ao notar mais algumas aproximações. Afastou-se das meninas por um momento, indo até uns rapazes que acabavam de chegar e os arrastando até onde estavam, roubando-os de seus cumprimentos e demais conversas. 

— Esse é Theo! — anunciou, agarrando-o pelo braço, exibindo um sorriso radiante ao falar dele. — Meu garoto!  

Um pouco mais baixo que Hester, Theo era bem forte, com pele negra mais escura. Os cabelos eram curtos, aparados nas laterais e algumas tranças pequenas no meio, com as pontas mais claras que a raiz. Sua fisionomia era amigável, um sorriso largo e cativante, nariz longo e largo, e olhos escuros marcantes. Vestia uma camisa branca estampada com folhas pretas, desabotoada até o peitoral, exibindo algumas tatuagens, junto com uma calça jeans marrom e tênis de lona. 

Juno o cumprimento sorrindo, admirando o quão o casal combinava, além dos olhares apaixonados.  

— Você já estava aqui antes mesmo de chegar! Helena e Hester não paravam de falar sobre você. — ele comentou ao cumprimentá-la em seguida.  

— Bem, da outra vez, Hester não parava de falar de você também. Finalmente nos conhecemos!  

— Ela é completamente apaixonada em mim. — gabou-se, abrindo um sorriso caloroso. — Não conte a ela que falei isso.  

Juno estava rindo dos gracejos, quando seus olhos distraídos capturaram o vislumbre do rapaz que se aproximava de Theo, entregando-o um violão. Então, sentiu como se não fosse capaz de desviar a atenção.  

Ele era alto, com um corpo magro e definido, tinha a pele escura, marrom e bronzeada. Tinha cabelos cacheados, pretos como a noite, despojadamente crescidos, decorando o belo rosto junto com uma barba tão escura quanto os cachos. Seus olhos também escuros, eram cheios de vida. O nariz longo e a boca bem desenhada, que exibia um sorriso encantador. 

Tinha um estilo descontraído, usando uma blusa larga de linho amarelo, que combinava com sua pele escura, junto com uma calça leve, de tecido branco, dobrada em seus tornozelos. Parecia estar tão confortável quanto estava bonito. 

Era como se já o conhecesse, embora nunca tenho o visto antes. Era a primeira vez que seus olhos presenciam sua imagem e, agora, já não pareciam capazes de desviar. Talvez fosse sua presença, quase impossível de ignorar, forte o suficiente para tirar o fôlego. 

Juno o observava com seu jeito distraído, mexendo nos cabelos cacheados, deixando-os um pouco mais bagunçados. Então, corria os dedos pela barba enquanto conversava, abrindo um sorriso radiante. Parecia incapaz de olhar para outra pessoa, sequer outro lugar, piscando devagar para fotografar os detalhes do que admirava.  

Apenas quando notou sua aproximação, obrigou-se a desviar o olhar para não parecer estranha. Teve de fingir prestar atenção em alguma conversa qualquer enquanto Lou se aproximava dele, com braços erguidos, prestes a abraçá-lo. 

— Finalmente saiu de casa! — comemorou ao cumprimentá-lo, apertando-o entre os braços.  

— Eu sou um homem ocupado, tenho de me formar na faculdade. — a voz dele era suave e baixa, mas bem clara.  

— Estou aqui para levar todos ao mal caminho! — ela riu para ele, já tomando-o pelo braço para levar até Juno, que tentava se fingir de surpresa. — Esta é...  

Fracassando em toda sua tentativa de se manter neutra, Juno foi incapaz de deixar Lou terminar de falar. 

— Juno. — completou com ansiedade, estendendo a mão trêmula para ele. — Prazer, Juno. 

Ele deu um sorriso curto, estendendo a mão até ela, que se sentia um tanto sem jeito ao apertar a mão dele. Satisfeita, Louise os deixou sozinhos. 

— Como a deusa romana? — a pergunta foi o suficiente para descontraí-la do nervosismo que sentia. 

— Sim. — uma risada escapou de seus lábios ao responder enquanto ajeitava os cabelos para trás da orelha. — E também por causa do mês, a posição do sol no céu quando eu nasci... Essas coisas. — deu de ombros, gesticulando. — É o que acontece quando sua mãe é hippie.  

Ele deu uma risada ao observá-la. Não saberia dizer se foi o seu excesso de movimentos ou a sua falta de jeito ao se expressar que o fez rir, só estava satisfeita de arrancar-lhe um sorriso.  

— Sou Nirav. — apresentou-se, enfim. — O que significa "quieto, calmo".  

— É um belo nome. — elogiou, repetindo-o em sua cabeça, admirando a sonoridade. — Sua mãe acertou no significado?  

— Sim, acertou. — ele riu outra vez, balançando a cabeça. — Ainda bem, mudar de nome era o último problema que eu precisaria.  

O sorriso ainda estampava os lábios dele, fazendo Juno se notar incapaz de parar de sorrir. Havia algo nele, em sua presença, que sugava toda a sua atenção, quase a obrigando a puxar qualquer assunto, só para ter o que falar. Entretanto, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, foi puxada por suas amigas para ser apresentada aos outros. 

Perdendo a conta de abraços, beijos e apertos de mão distribuiu, Juno reparou que não conseguia gravar nenhum outro nome, rosto ou personalidade. Sempre tinha mais alguém para ser apresentada, mais alguém que conheceria e, logo em seguida, se tornaria banal. Agora, toda a sua atenção parecia fixada em uma única pessoa. 

Bem a sua frente, conversando com o grupo, Nirav falava sobre sua faculdade. Mesmo sem interagir, Juno soube que ele cursava ciência da computação, estava quase se formando e, a partir disso, descobriu que tinha vinte e três anos. Não se importou em apenas continuar escutando-o, até o seu modo de falar, e a propriedade com que falava, era interessante. 

Havia algo que parecia estar despertando dentro de si. Algum tipo de agitação, nervosismo, algo que não conseguia explicar. Como se estivesse se perdendo em seu jeito, sua voz, seus olhos. Simplesmente, não conseguia evitar. 

Conversava sobre programação, fazendo parecer fácil, um assunto do cotidiano. E, apesar de Juno sequer gostar do assunto, seu jeito de falar era tão imersivo que poderia escutá-lo falar a noite toda sobre códigos e dados, sem precisar interrompê-lo. 

— Muita empresa tirou vantagem de dados pessoais, já que ninguém se importava, por não saber do valor desses dados. — ele disse, explicando a área que estava mais interessado no momento. — Antes era manipulado de qualquer forma, distribuído sem consentimento. Agora é necessário um cuidado bem maior.  

Ele tomou um gole da cerveja que segurava, molhando a garganta. Dessa vez, seu olhar a alcançou, fazendo-a respirar fundo, sem jeito. Alguém perguntou sobre seu desejo de trabalhar na área e ele apenas acenou enquanto tomava mais um gole, sem retirar os olhos de Juno, que notou estar sorrindo para ele. 

— Trabalhar com isso requer uma baita responsabilidade. — um rapaz ao lado de Theo pontuou. — Qualquer coisa que vaze, pode ser o fim.  

Theo concordou, entrando na conversa.  

— Acho que todo tipo de profissão tem uma responsabilidade atrelada de diversas formas. — ponderou, cruzando os braços. — Quando entrei no curso de produção cultural, percebi que uma das minhas responsabilidades era tornar a arte mais acessível de uma forma geral. Quebrar essa ideia de cultura erudita contra cultura popular.  

— Penso a mesma coisa com cinema. Não só na parte de consumo, mas produção também. — de repente, Juno completou o assunto, gesticulando ao interagir. — Tem muita história para ser contada, mas poucas pessoas para contarem. E eu acho que toda história deveria ser contada, por todo tipo de pessoa.  

Quando terminou de falar, percebeu que Nirav a admirava com um sorriso. Nesse momento, reparou um amontoado de sensações ardendo. Seu rosto parecia queimar. Seu fôlego parecia bagunçado. E seu coração um tanto acelerado. Então, sorriu de volta para ele. 

Enquanto os outros debatiam, eles permaneceram trocando olhares e sorrisos, sem que ninguém mais percebesse. Porém, teve de deixá-lo quando as meninas a convidaram para dançar. Ainda assim, permitiu-se um último relance antes de se juntar com as garotas. 

Lou apareceu com uma cerveja, entregando-a em sua mão para dividir entre elas. Já havia algum tempo desde que Juno bebeu, então não queria ultrapassar os limites. As garotas, pelo contrário, já pareciam bem alterada pelo álcool, bem agitadas. Tomou alguns goles e, então, rendeu-se para a dança, tomando Helena como sua parceira, conduzindo-a em uma dança divertida e animada. 

Juno adorava dançar. Sentia como se um sol acendesse em seu interior, provendo toda a energia que tinha para mexer seu corpo esguio. Era algo bonito de admirar. Ela mexia dos braços aos dedos, numa performance harmônica com o resto do corpo, principalmente sua cintura. 

O som animado da música embalava o ritmo entre ela e Helena, que ria em seus braços, sentindo o movimento de seu corpo. Por um breve momento, se afastaram. Helena exibiu o melhor rebolado. Juno balançou os ombros. Com risadas, elas se aproximaram, tornando a se abraçar para dançar. 

A noite avançava, tornando-se mais quente, mesmo com o vento que insistia em bagunçar os cabelos e as roupas dos presentes. A lua parecia enorme, brilhando pálida no breu daquele céu. As estrelas piscavam, como que observando com olhos curiosos a festa logo abaixo. 

A fogueira começou a ser acesa. Sua necessidade em uma noite tão quente era questionável, mas um luau precisava de uma fogueira. Assim como precisava de música tocada por violão. Portanto, aos poucos o som de fundo foi sendo substituída, terminando a dança de Helena e Juno.  

Ela estava ofegante, porém nenhum pouco cansada. Seu corpo estava quente, sentia o suor escorrer por sua nuca. Ela fechou os olhos, apreciando o momento e a sensação tão boa. Para recuperar o fôlego, Juno foi até a caixa de bebidas improvisada, surrupiando uma cerveja. O toque gelado do líquido em sua boca fez seu corpo estremecer em satisfação.  

Não demorou para seu rodar pelo ambiente, observando pessoa por pessoa até alcançar Nirav, que terminava a conversa com outra garota. De repente, ele a olhou de volta e sorriu. Juno não conseguia dizer para quem ele sorria, mesmo assim retribuiu.  

Caminhando até a fogueira, Juno encontrou Theo afinando o violão para começar a tocar. A música anterior já era inexistente, tornando o som das conversas mais evidente. Procurou pelas meninas, encontrando Hester e Helena próximas a Theo enquanto Lou havia desaparecido. Sozinha e ardendo pelo calor da fogueira, ela resolveu se afastar das chamas. 

Não havia mais troncos livres, então sem se importar com suas roupas, sentou-se no chão.  Apoiou as mãos sobre o chão, sentindo a terra escorregar por seus dedos. Um suspiro escapou de seus lábios ao fechar os olhos. Não demorou para escutar passos que se aproximavam. Alguém havia sentado ao seu lado. De algum modo, sabia quem era.  

— Então, você é a garota nova. — Nirav puxou assunto, depois de uns instantes. — Hester e Helena falaram muito sobre você para Theo, que também falou para mim.  

— Falaram bem, eu espero.  

— Por isso resolvi vir. Tinha que ver se era tudo isso mesmo.  

Juno deu uma risada exagerada, um tanto sonora e espontânea. 

— E é?  

— Ainda estou descobrindo.  

— Espero não te decepcionar então. — seu comentário o fez rir. — Você mora na cidade?  

— Sim, mas não nasci aqui. Tive que me mudar por causa da faculdade.  

— Está terminando, não é? — ele anuiu, confirmando. — Não sabe como estou com inveja. Ainda estou no início.  

Ele sorriu, voltando a olhar para ela, observando seu rosto.  

— Quando acabar, vai sentir falta.  

— Oh, eu posso viver com isso! — ela garantiu com uma careta, tornando a fazê-lo rir.  

A conversa dos dois foi interrompida pelo violão e a voz de Theo, dando início a uma canção. Houve um silêncio momentâneo para que pudessem aproveitar a música. A voz dele era bonita e tinha tons fortes, mas Juno não conseguia prestar muita atenção.  

Nirav estava bem ao seu lado, distante por poucos centímetros. Quando se mexia, conseguia sentir o braço dele roçar no seu. Havia um cheiro que emanava dele e era convidativo. Sua presença era atrativa. Era uma sensação intrigante, melhor até do que deveria. 

Por um momento, sua mente retornou até Nicholas, até então apagado em suas memórias. Sentiu-se estranha o suficiente para tentar interromper a agitação em seu peito. Até que Nirav a olhou mais vez, então só conseguiu sorrir. Um momento doce, estar sentada ao lado dele, observando a lua e escutando Theo cantar. Mais uma vez, ela pareceu esquecer-se de Nicholas.  

— Está gostando? — ele perguntou, de repente.  

— Para o meu primeiro luau, devo dizer que superou as expectativas.  

Ele franziu o cenho, mantendo a visão sobre ela.  

— Nunca tinha ido a um luau?  

— Na minha cidade não tem muito para ver, além de poeira e poluição, quando se olha para o céu.  

Nirav riu com o comentário, tornando a ajeitar os cabelos. Juno observou a cena, percebendo que gostava quando ele a reproduzia. Podia perder-se facilmente em seus detalhes.  

De repente, sentiu seu celular tocar no bolso do seu jeans, tirando-a do momento de contemplação. Era uma mensagem de Nicholas, perguntando como as coisas estavam e se ela estava se divertindo. Foi como ter as asas cortadas.  

Pedindo licença, ela reservou um breve tempo para responder à mensagem dele. Sentiu como se levasse um choque de realidade. Quase sentiu uma pontada de culpa ao responder de forma tão breve e apressada. Pois, sem esperar resposta, ela colocou o celular no silencioso.  

Mesmo percebendo Nirav ao seu lado, não teve coragem de olhá-lo. Não deveria estar encantada daquele jeito, não por outro homem. Agora, a imagem de Nicholas começava a flutuar em sua cabeça, fazendo-a se sentir culpar pelo que estava sentido. Mas o que era esse sentimento? 

— Seu pai?  

A voz de Nirav a retirou do transe, puxando-a de volta para ele, roubando toda a sua atenção, outra vez.  

— Quase isso. — engoliu a seco ao respondê-lo. — Meu namorado, na verdade.  

Ele arqueou as sobrancelhas, sem demonstrar surpresa. Mesmo assim, desviou o rosto para frente. Juno adoraria descobrir o que passou por seus pensamentos.  

— Ele não veio com você? Aposto que ele ia gostar também.  

— Acredite, eu tentei, mas ele decidiu vir só no próximo fim de semana.  

— E como ele é?  

Juno pensou na questão por um momento, sem saber o que responder.  

— Hm... Normal. — respondeu sem jeito, encurvando a boca.  

Nirav deu uma risada descrente.  

— Normal? — ele ergueu uma das mãos em sinal de confusão. — O que isso quer dizer?  

— Ah, sabe quando você não tem palavras para descrever uma pessoa? — balançou o ombro, ainda sem saber o que falar.  

— Uau. — ele admirou-se, curvando os lábios. — Gostaria que minha namorada dissesse o mesmo sobre mim.  

— Isso não é necessariamente bom. — ela murmurou mais para si mesma do que para ele.  

— Desculpe, eu não entendi.  

Ela desconversou, abanando as mãos. 

— E você? Namora?  

— Só minha faculdade, mas estamos terminando, como você sabe.  

Juno deu outro daquele sorriso exagerado, mostrando os dentes, quase convencida de que ele sorria junto com ela.  

Quando a conversa pareceu dar uma pausa, Juno percebeu que Theo já havia parado de cantar, dando lugar a uma música da caixa de som de algum carro. Afinal, ele pretendia curtir a festa com a namorada e não só cantar a noite toda.  

Lou reapareceu de algum lugar remoto, com a boca avermelhada e cabelos bagunçados, indo em direção a Juno e Nirav, que permaneciam sentados no chão.  

— Vocês vão ficar sentados a festa inteira? — reclamou em tom alto, chamando-os para dançar.  

Nirav não se mexeu, apenas riu para Lou. Juno comprimiu os lábios, respirando fundo. Não sabia se era certo o que estava prestes a fazer, mesmo assim, tomou a iniciativa:  

— Você quer dançar?  

— Nem nos conhecemos direito e você já quer ter a pior impressão de mim? — ele brincou, fazendo uma careta.  

— Eu acho difícil. — ela se levantou, passando as mãos no traseiro para limpar a poeira.  

De frente para Nirav, ela começou a mexer o corpo, chamando-o com o balanço de sua silhueta. Reparou em seu olhar, naquele instante. Parecia admirar além de seus movimentos. Por isso, decidiu continuar o que estava fazendo, só para tê-lo olhando, pois gostava de como ele a olhava. 

Juno era toda como o sol, calor e vida. Seus olhos irradiavam luz, seu sorriso era uma chama acesa e seu corpo parecia quente. Ela sabia que era uma visão tentadora, ainda mais se movendo ao ritmo da música, convidando-o com o corpo. 

Ele se levantou, um pouco hesitante, parecendo receoso em estragar a cena que observava.  

— Você realmente quer fazer isso?  

Com uma risada calorosa, Juno se aproximou, tomando suas mãos, puxando-o até ela, pouco a pouco.  

— Você não?  

— Sim, eu quero dançar com você.  

Pousou uma mão em sua cintura, trazendo-a para perto, ainda receoso. Quando sentiu o corpo dela balançar perto do seu, qualquer dúvida pareceu sumir no ar. Então, finalmente tomou-a para dançar.  

A noite pareceu ficar iluminada como um dia limpo e ensolarado. Juno parecia brilhar conforme conduzida pela melodia da música. Parecia roubar toda a luz da lua e das estrelas, reluzindo diante do rapaz com olhos vidrados. 

Ela deslizava por seus braços, rodopiava para frente e voltava de encontro a ele. O corpo dela embalava o dele, dando ritmo aos seus movimentos. Ainda assim, era tão fácil conduzi-la. Parecia leve entre suas mãos, escorregando pelos toques de seus dedos, quase escapando e, então, retornando. 

Era impossível conter os sorrisos ao ser envolvida por Nirav. Cada parte dele era convidativo, cativante, instigante. Quase se afogava naqueles belos olhos escuros, fazendo parecer que estava encarando a noite em si. O sorriso dele era hipnotizante. Os cabelos cacheados que dançavam juntos e escorregavam por sua testa. A barba que decorava seu rosto. Ela sequer se arriscava a piscar e perder qualquer detalhe de Nirav.   

Durante toda a noite, Juno entregou-se aos movimentos do corpo de Nirav. Não conseguia pensar em mais nada, apenas nos braços dele que envolviam seu corpo, puxando-a para perto, conduzindo-a na dança. Não queria de ter de encerrar, despedir-se dele. Gostaria de ficar presa naquele momento, poderia ficar presa para sempre, sem reclamar. No entanto, quando a claridade do dia começou a brigar por espaço no céu, aceitou que era hora de ir e percebeu como seus pés estavam doloridos.  

Despediram-se quando o raiar do dia apontava no horizonte. Tão cansado quanto ela, Nirav desapareceu no meio das outras pessoas ao partir. E só então ela se lembrou das mensagens em seu celular.  

Eram várias, mas ela estava um tanto embriagada das bebidas que compartilhou com Nirav e, portanto, não conseguia entender o que estava escrito. Mesmo assim, fazendo um esforço anormal, ela se obrigou a responder a única coisa que veio à sua mente:  

"Desculpe não responder, cheguei em casa e acabei dormindo", não se importou em contar uma mentira, afinal ele não precisava saber de todos os detalhes. 


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Notas finais do capítulo

Uma coisa engraçada sobre esse capítulo: eu não imaginava que teria tanto diálogo entre os dois e tanta aproximação logo de cara. Simplesmente aconteceu.
Enquanto eu escrevia, eu pensava "Juno, minha amiga, o que está acontecendo?" e era como se ela tomasse as próprias decisões.

Enfim, conheçam Nirav! Espero que tenham gostado!



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