A postura leve, a camisa social e os fios brancos que salpicavam aos montes o cabelo de Han Solo, faziam com que a postura defensiva de Ben naquele momento fosse, no mínimo, exagerada. O rapaz estava parado no pé da escada, olhando para o pai, sem ter certeza do que dizer. As últimas semanas haviam sido tão intensas que a ausência de Han fora uma variável irrelevante. Mas ali estava ele.

— Voltei pra casa mais cedo - disse Han, com seu sorriso torto.

— Percebi… - respondeu o rapaz.

— Tire esse sorriso do rosto, você podia ter ligado - Leia repreendeu o marido, um pouco séria. Han respondeu com um sorriso enquanto a ajudava a organizar a mesa. - Ben, lave as mãos e desça, por favor.

— Não estou com fome - disse Ben, rapidamente.

— Ben… - insistiu a mãe, séria, e Ben soube que não teria escolha.

Ele sempre havia se incomodado com a rotina do pai de sumir e aparecer como se nada tivesse acontecido. Claro que sua mãe tentava amenizar o desgosto, dizendo que era por causa do trabalho. Mas isso em nada adiantou para compensar todas às vezes em que Han Solo quebrou uma promessa, viajando de última hora por semanas, e deixando um pequeno Ben desamparado. Porém, na lista de Ben, isso era só mais um detalhe.

— Como vai o Lando? - perguntou Leia, quebrando o silêncio ensurdecedor durante o jantar.

— Bem - respondeu o mais velho enquanto comia, o som dos talheres batendo nos pratos sendo bem mais altos que o resto da conversa. - Ele mandou lembranças, quis passar mais um tempo com a família antes da próxima viagem.

— Vai com ele também? - perguntou Ben, com uma dose de ironia. Seria uma surpresa se seu pai passasse mais de 1 semana em casa.

— Ben! - Leia o repreendeu.

— Na verdade… - continuou Han, olhando de Leia para Ben. - Eu resolvi parar um tempo por aqui. Sua mãe é ocupada, eu podia passar mais tempo em casa cuidando das coisas por aqui… Passar mais tempo com vocês…

A última frase saiu um pouco mais baixa que o resto. Ben ergueu uma sobrancelha.

— E isso seria bom pra quem? - respondeu o rapaz em desdém.

— Benjamin! Já chega! - disse Leia, visivelmente chateada.

— Não dou um mês antes de você ir embora de novo - acusou o rapaz, olhando para o pai. - Por que simplesmente não vai embora de uma vez e  esquece que a gente existe? Já não faz nem diferença você estar aqui ou não!

— Ben! - foi a vez de Han repreendê-lo.

O rapaz empurrou o prato para longe, se afastando da mesa e subindo as escadas antes que o casal pudesse ter alguma outra reação. Leia fez menção de segui-lo, Han a segurou pela mão. Leia carregava um olhar ferido que Han conhecia bem e, embora não admitisse em voz alta, vê-la assim partia seu coração.

— Deixe-o - pediu Han, ainda segurando sua mão. Ele soltou um suspiro. - Só queria entender o que se passa na cabeça dele...

— Sabe como ele fica quando aparece sem avisar. Apenas… dê um tempo a ele - respondeu Leia.

Han assentiu e, como numa busca por conforto, beijou o dorso da mão de sua esposa.

{...}

Rey molhou o rosto mais uma vez, na tentativa falha de espantar o sono que havia sentido a manhã inteira. Se afastou um pouco da pia e olhou-se no espelho, as olheiras marcadas e uma mancha de graxa em sua bochecha a fizeram suspirar.

Estava acordando mais cedo agora, fazia alguns trabalhos pela manhã antes de ir para a escola. Assim não teria que se arrastar pela noite, poderia estudar até mais tarde se quisesse. Mas a rotina estava a matando. Suas costas doíam, seus ombros estavam tensos, ela andava irritada. Todos ao seu redor pareciam estar aproveitando a melhor época de suas vidas enquanto ela estava tentando não ser uma sem-teto. Ela limpou a pequena mancha em seu rosto e conferiu se não havia mais resquícios em suas roupas antes de voltar para a sala.

Seu corpo saltou da cadeira com o susto ao toque do sinal. Olhou para a folha de papel em sua frente, virou apenas para ter certeza de que o verso estava em branco. Molhar o rosto de nada havia adiantado, caiu no sono no meio da prova. A garota suspirou, guardou suas coisas e se levantou, andando timidamente até a mesa do professor.

— Tudo bem com você, Rey? - perguntou o homem, surpreso tanto pelo estado da garota quando de sua prova.

— Sim, senhor Kestis, eu… Foi uma semana ruim - justificou a moça. - Na próxima, vou ser melhor.

Cal assentiu, o professor de física era apenas um pouco mais velho que Luke. Tinha a mesma aura gentil, mas era mais alto e magro com cabelos ruivos que lhe davam um ar jovial. Vez ou outra ele assumia uma aula de robótica, tornando-se um rosto familiar para Rey. O mais velho continuou.

— Os professores estão preocupados com você. Luke, principalmente - disse Cal, arrumando a pilha de provas na mesa. Ele a olhou por um momento. - Tem certeza que está tudo bem?

Rey assentiu, com um sorriso.

— Acredito em você, então. Pode ir.

A garota andou até a saída, sentindo-se extremamente culpada. Era claro que sabia todas as respostas, poderia ter feito a prova de olhos fechados. Mas estava com tanto sono e todos os seus músculos doíam. Se tivesse sorte, o final do dia seria parado e Rey poderia ler um livro, tomar um chá e esvaziar um pouco a mente. Estranhamente, ela não sentia que aquilo iria acontecer.

Andava pelos corredores distraída, com a mente ocupada demais, e quase não notou quando o jovem Solo a cruzou. O rapaz estava tão absorto nos próprios pensamentos quanto ela, mas seus passos recuaram para alcançar a garota. Rey se virou em um susto e se surpreendeu pelo quanto estava aliviada pela presença de Ben. Sua boca esboçou um sorriso enquanto ele a acompanhava.

Ele estava um pouco diferente, ela percebeu. Parecia uma eternidade desde a última vez que se viram na festa, com seus amigos arrumando uma confusão entre si. Por um tempo, Rey pensou que talvez ele a estivesse evitando. Mas o conhecia bem para saber que ele não faria isso e a curiosidade de saber o que se passava com o rapaz só aumentou, ele parecia preocupado.

— Não te vi a semana toda…  - começou ela, segurando a vontade de perguntar porque ele a estava seguindo se deveria ir na direção oposta. Ela não queria que ele saísse dali, gostava de sua companhia. Admitir isso a deixou com um frio na barriga. - Vi seus amigos, mas você não.

— Eu precisava tirar um tempo pra mim e estou evitando olhar na cara do Hux - respondeu Ben. - É difícil se controlar pra não matar ele.

Rey retrucou com um leve sorriso e, percebendo que chegara eu seu armário, parou de andar. Ben encostou o ombro e a observou. O fato de não estar tão arrumada como da última vez que a viu em nada havia mudado sua beleza. Agora já nem se repreendia ou negava, Ben Solo apenas queria ficar na companhia dela. A conversa com Luke, de repente, veio em sua cabeça. O rapaz mordeu o lábio inferior e afastou os pensamentos.

— Você está bem? - perguntou ele, tentando se distrair com a voz da moça.

Rey revirou os olhos.

— Por que tá todo mundo me perguntando isso? - retrucou ela, guardando as coisas no armário com certa irritação.

— Não sei dos outros, mas… - disse Ben, encostando a mão no ombro dela de forma calorosa. - Eu estou preocupado.

Ela sorriu, seu rosto não escondendo o rubor.

— Obrigada, mas… sim, está tudo bem. Só meu trabalho que é um saco. - Ela parou para observar o rapaz. - E você? Algo de mais acontecendo?

Ben deu de ombros. Rey já não conseguia segurar a curiosidade preocupada acerca do rapaz.

— Bom, Luke continua no meu pé, Hux continua insuportável e... - confessou o rapaz. Rey parou o que estava fazendo para olhá-lo em surpresa. - Meu pai apareceu.

— E isso é ruim? - perguntou ela, erguendo uma sobrancelha enquanto guardava mais um livro.

— É... complicado - Ben desviou o olhar triste e sua postura ficou mais defensiva. O pai era um assunto delicado, ela sabia.

Rey fechou o armário e apoiou as costas contra o metal, parou para olhar o garoto a sua frente. Tão intimidador e ao mesmo tão manso quando visto de perto. Se metade das pessoas conhecesse Ben de verdade, talvez fossem mais simpáticas com ele. Rey conseguia enxergar uma pessoa fantástica por de trás daquela persona dura que ele mostrava ser. Mas, por algum motivo, Ben Solo se mostrava diferente para ela, sempre parecia baixar a guarda perto da humilde garota. E aquilo fazia Rey se sentir aceita como nunca antes. Ela sorriu e levou uma mão ao braço dele.

— Apenas… pense que ninguém é perfeito - disse ela, tentando confortá-lo. - Eu tenho certeza que ele deve estar tentando, sabe?

Ben soltou um sorriso, leve, apenas para indicar que havia entendido.

— Eu realmente gostaria de ficar mais um pouco, só que… eu tenho aula - continuou Rey, sem jeito.

Era verdade que ela queria poder passar o resto do dia conversando com ele, sem que nada os interrompesse dessa vez. Havia ainda tão pouco que sabia sobre ele, tanta coisa que gostaria de perguntar e entender. Da mesma forma, Ben sentiu uma pontada de desapontamento quando a garota disse que precisava ir. Era estranho como ela havia se tornado algo tão relevante em sua vida ao ponto de ele se sentir transtornado com a ideia de não poder passar mais tempo com ela.

Ben ainda pensava no que Luke tinha dito. Não conseguiu tirar da cabeça a ideia de que, em algum momento e de alguma forma, ele acabaria a prejudicando. Era a última coisa que queria. Porém não conseguia se afastar dela e, por mais que Luke desaprovasse, o rapaz não pensava em recuar nem por um segundo. Ben pensou por um momento. Se iria irritar Luke, que fizesse isso direito.

— Eu tava pensando… - começou o rapaz, no momento em que o corpo de Rey fez menção de sair. Ela imediatamente parou.  - A gente podia tomar um café depois, não tivemos tempo pra conversar desde a festa e… eu gostaria muito de… conversar com você.

— Um café tipo… quando a gente estiver estudando? - perguntou Rey, subitamente nervosa.

— Não, tipo… só sair, juntos.

O jovem Solo se surpreendeu com o quanto as palavras saíram nervosas. Semanas antes havia espancado um homem adulto, já desafiou Ren sem nenhum medo imediato, quase sempre estava prestes a trocar socos com Hux. Mas ali estava o rapaz, de um porte físico enorme, sentindo calafrios com o pedido que havia acabado de fazer. Era uma piada, ele pensou. Mas ela conseguia desarmá-lo apenas com o olhar, era como se uma corrente elétrica percorresse seu corpo toda vez que Ben encarava as íris verdes. Sua respiração pesava, mas ele sentia-se mais leve do que nunca.

— Okay - Rey respondeu, as covinhas em sua bochecha marcando o sorriso que não conseguia esconder. - Tudo bem, mas… Eu não estou tendo muito tempo.

— É só um café - insistiu Ben, soltando um sorriso. - Prometo que será rápido.

Rey ergueu uma sobrancelha.

— Que tal amanhã? Depois da aula? - perguntou ela.

— Amanhã? - Ben retrucou, sorrindo. - Parece ótimo.

Rey o encarou por um momento. Gostaria de não deixar transparecer, mas estava empolgada. A ideia de apenas sentar e conversar um pouco com Ben a acalmava. Nem precisaria de muito para isso, se comprassem um café de rua barato e sentassem numa calçada, Rey já se daria por satisfeita apenas por estar ali. Ela soltou uma risada baixa com o pensamento. Ben assentiu, despertando do transe que a moça havia lhe colocado.

— Depois da aula então - reforçou ele. - Quem sair primeiro espera o outro?

Rey concordou e o rapaz fez um gesto indicando que ela estava livre dele. Ele riu quando a garota timidamente não soube que direção tomar a partir dali, ela riu do próprio embaraço. Ben a assistiu sair pelo corredor e continuou sorrindo mesmo quando a garota já havia ido. Rey despertava no rapaz uma vontade de ser alguém melhor, alguém que merecesse o tempo dela.

Ele soltou um suspiro e tirou o celular do bolso. Talvez aquele simples convite pudesse ser o primeiro passo para algo realmente bom em sua vida, ele esperava que sim. Algo que ele não gostaria de estragar. Ele abriu as mensagens. O número de Ren, junto de um horário e local, era o maior motivo para não estar em paz naquele momento. Seu pai não era nada comparado ao peso de ter que lidar com Ren.

Havia dado muitos primeiros passos naquela semana. Confrontara Hux, Jogou algumas verdade na cara de Luke, tomou uma iniciativa com Rey. Ainda havia tanta coisa em sua vida que gostaria de consertar. Mas se pudesse apenas se livrar de Ren, metade de seus problemas estariam resolvidos.

Pensou no favor que Ren havia lhe pedido. A decisão de não aparecer parecia ser a mais imprudente e ao mesmo tempo a mais sábia a ser tomada. Teria de tomar uma atitude firme e isso iria acontecer uma hora ou outra. Já estava cansado e, em um gesto rápido e sem hesitar, apagou a mensagem.

{...}

Ela estava nervosa, embora soubesse que não havia motivo para isso. Parecia que todos os pensamentos de Rey estavam voltados para o encontro marcado com Ben Solo. Era apenas um café, disse a si mesma várias vezes. Mas seu coração sempre arrumava um jeito de bater mais rápido ao pensar naquilo.

Era uma idiota, pensou Rey. Ben Solo era nada mais que um amigo inusitado, mas ainda assim ela achava que estava no direito de chamá-lo assim. Sua mente criava expectativas irrealistas, mas ela manteve os pés no chão. Ou pelo menos, fez de tudo para isso.

— Está ocupada hoje? - perguntou Poe, durante um intervalo. - Vamos ver um filme, quer ir?

O rapaz apoiou cabeça no ombro de Finn, que mexia no celular distraído.

— Eu preciso trabalhar - mentiu ela.

Finn talvez não demonstrasse com a mesma intensidade, mas Poe era incrivelmente intolerante ao nome de Ben Solo. Rey não via maldade alguma naquilo, apenas preocupação. Eles não entenderiam se dissesse a verdade, então decidiu ficar calada. Era o melhor para todo mundo, ela não precisava de Poe a julgando, Poe não precisava ficar irritado e Finn não precisaria lidar com seus dois melhores amigos discutindo.

A tarde quase não passou. Havia visto Ben entre as aulas e o rapaz havia dado o endereço de um café próximo dali. Ele insistiu que ela fosse na frente e pedisse algo caso ele demorasse. Rey concordou com um sorriso. Demorou um pouco na saída antes de empurrar bicicleta até o café. Via alunos já saindo e andava devagar, esperando que Ben pudesse alcançá-la. Em pouco tempo, já havia chegado ao local.

Buscou um lugar próximo à janela, de onde pôde observar as pessoas que passavam na rua. A decoração com plantas, a iluminação amarelada e o calor do ambiente deixava tudo ainda mais convidativo. Rey gostou da escolha do lugar, apesar de ser difícil imaginar o rapaz frequentando um ambiente daqueles.

O céu já havia começado a ficar escuro e seu café começara a esfriar. A garçonete perguntou uma, duas, três vezes se ela queria mais alguma coisa. Rey negou e insistiu que estava esperando alguém. Ela apertou os dedos das mãos conforme via pessoas entrando e saindo, conversando e rindo enquanto ela ainda estava ali. Esperando.

Havia feito aquilo a vida inteira. Esperar por pessoas que não viriam. Repreendeu a si mesma, dessa vez achando motivo. Chateada, pagou o que havia pedido, a situação era ainda pior ao perceber o olhar de pena da funcionária que a havia servido.

Era mesmo uma idiota, pensou. Estava mais envergonhada de si mesma do que qualquer outra coisa. Trancou-se em seu trailer e, descansando a mente, pensou por um segundo se seus amigos não tinham razão. O jovem Solo já havia se mostrado impassível antes, havia sido audácia sua pensar que dessa vez seria diferente.