Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 3
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas, mais um capítulo prontinho para vocês e este aqui todinho pelo ponto de vista do nosso arcanjo.

Boa Leitura!



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CAPÍTULO II

Kambiel sentiu-se notavelmente estranho durante a caminhada até o cemitério da cidade e não era apenas por estar prestes a pisar num lugar carregado de morte. O silêncio que se estendia por Grória deixava o lugar com um ar assombroso e o medo ali sentido por todos os moradores era um sentimento palpável para o arcanjo.

Nesse momento ele percebeu que a sua estadia na terra em especial naquela cidade, seria desconfortável e mais difícil de ser suportada. Cada passo dado era como se sugasse o medo de cada pessoa, ao ponto de sentir que seu corpo humano estava tornando-se mais pesado. E mais tenso também.

Foi então que se deu conta de que isso o deixava mais conectado àquelas pessoas, nunca antes havia se sentido de tal maneira. Ligado à criação de seu pai. Podia-se dizer que era algo bom, mesmo que em circunstâncias tão horrendas.

Tinha uma experiência longa com idas à terra, não era a primeira vez que tinha seu corpo transfigurado para algo humano. Mas com toda certeza aquela era a primeira vez desde muito tempo que se sentia inteiramente como um deles. Dessa vez mais próximo e ligado também.

Sua mente por outro lado continuava a martelar de forma constante sobre a morte do pastor Jacob; o único humano com quem se envolveria naquela missão.

Ele viu-se irritado, pois nenhum de seus irmãos lhe contaram sobre seu falecimento e foi necessário descobrir sobre o ocorrido através de outra humana que, descobriu ser filha do pastor. Mais uma informação que lhe foi omitida por seus irmãos.

O rapaz estava na terra fazia apenas dois dias, o pastor West estava morto fazia duas semanas, como se esconde um detalhe tão importante como aquele? Estava naquele momento, praticamente sem saber como conseguiria ajuda sem que precisasse envolver outro humano...

Envolveria o pastor por uma questão religiosa e por ele ter tido contato com uma das mortes que aconteceu, mesmo que soubesse o quão perigoso seria fazer isso.

Precisaria agora mudar seu plano. Um onde não mais envolveria nenhum outro humano.

Seus pensamentos foram interrompidos assim que pisou no concreto do lado de dentro do cemitério, para o arcanjo visitar lugares de morte como aquele, despertava em sua transfiguração humana sentimentos e sensações que apenas os homens eram capazes de possuírem dentro de si. Isso acontecia com ele naquele momento, ficou mais forte assim que seguiu adiante pelo caminho de concreto que o colocava para dentro do lugar, mas não da mesma forma que ele conhecia ou se acostumara antes.

Desde sua última visita ao lar dos homens como um ser humano, longos tempos haviam se passado e era muito provável que, se esquecera de como tais sentimentos e sensações vinham de uma só vez; como diversos socos fortes. Que se tornavam mais potentes a cada segundo.

Levou apenas dezoito minutos para que Kambriel encontrasse a lápide do pastor Jacob West, esta era distanciada das demais e separada por um canteiro simples das mais diversas flores. Não fora uma busca demorada, tendo em vista que aquela era a primeira vez que estava em um cemitério depois de tantos anos longe de um.

— Jacob Jones West. Amado pai e pastor, 1969 ~ 2020. — Ele leu a data de seu nascimento e morte com grande pesar no tom de voz, mas a sensação logo passou quando se recordou de que Jacob era um de Seus servos.

Sua morte fora de fato muito precoce e cruel, mas soube de imediato que ele já se encontrava nos braços Dele e repousava em um descanso eterno. Isso bastou para que o arcanjo se sentisse um tanto mais aliviado quanto ao seu falecimento. 

O rapaz então se ajoelhou em frente a lápide do homem, fechou os olhos fazendo uma oração rápida em seu nome; apenas em sinal de respeito pelo pastor; mesmo que soubesse que não era ele quem realizava tal função.

Ele não fazia a menor ideia de como as mortes sem explicação estavam acontecendo, até porque não descobrira muito desde que descera a terra, havia pego um jornal local para ler e manter-se atualizado sobre os novos tempos horas atrás, mas no segundo em que viu que as únicas matérias existentes no papel falavam sobre essas mortes, não tivera coragem de ler sobre.

As palavras ditas em uma oração rápida para que a alma do pastor estivesse em paz nos Céus vieram num sussurro onde apenas ele compreendesse o que havia sido falado, palavras simples e curtas que para ele, Guerreiro do Céu, eram necessárias que fossem ditas.

Seus olhos lentamente se abriram, uma brisa fraca e gelada soprou, algumas das tantas folhas que estavam no chão voaram para lados opostos e ele sentiu-se arrepiar. Os pelos que seu corpo humano possuía se arrepiaram como alguém que estava com frio, a mesma sensação correu por todo seu corpo; até mesmo os pelos de sua nuca estavam arrepiados.

Costumava aprender sobre as sensações que os humanos sentiam conforme suas idas a terra eram necessárias, mas aquela, como algumas outras, era novidade para ele. Principalmente por ele não saber o que a causou.

Devagar o Arcanjo colocou-se de pé, enfiou a mão nos bolsos de sua calça e esperou. O vento fraco continuava a soprar e o silêncio daquele ligar fora logo substituído por um ruído baixo e irritante para seus ouvidos. Seus olhos correram pelo cemitério vazio onde apenas ele fazia-se presente, sentia a presença de mais alguém ali com ele e não se tratava de alguém humano e tão pouco pertencente ao céu como ele.

Seus músculos se tensionaram quando tal presença tornou-se mais perceptível, mesmo que seus olhos não vissem ninguém ali consigo além de árvores e túmulos de pessoas enterradas, ele logo começou a sentir um odor conhecido e característico de alguém que vinha de baixo. O odor forte de enxofre e podridão impregnou suas narinas com a mesma facilidade de um perfume, estava certo ao suspeitar que alguém debaixo estava ali.

Kambriel fechou os olhos por cinco segundos, dentro de si, seu lado guerreiro já parecia se preparar para uma futura briga e foi preciso controlar-se para que não cometesse tal erro de forma tão irresponsável. Ao abri-los, viu Zarael a frente, do outro lado da lápide do pastor Jacob. O demônio também estava com sua aparência humana, os olhos eram puxados e a pele levemente clara. O cabelo era longo, na altura de seus ombros e extremamente escuros.

Ele estava com parte de seu corpo apoiado sobre uma outra lápide maior que as demais, mantendo certa distância do Arcanjo.

— Está bem longe do céu, irmão. — Comenta com simplicidade, os olhos amarelos e raivosos fixos na figura celestial à sua frente. Seus dedos finos e longos brincavam com um pedaço pequeno de galho até que o quebrou e o jogou ao chão.

— O que faz aqui Zarael? — Questiona o arcanjo sem se mover de seu lugar, a presença do demônio lhe causando grande desconforto e um tormento que era notável em sua expressão humana.

O demônio a sua frente era conhecido por seu espírito causador de brigas e confusão por onde passava, não apenas no inferno como no céu também; outros anjos eram escolhidos para que ficassem de olho nele sempre que ele subia à terra. A presença dele naquela cidade poderia estar causando as mortes... Ou as influenciando.

— Estamos sempre rondando por aqui, sempre de olho neles. — Disse, gesticulando com uma das mãos para que sua fala tivesse mais sentido; estava falando dos homens. — Assim como vocês o fazem, também temos nosso jeito de observá-los. Um mais eficaz.

Kambriel estreitou os olhos durante breves segundos, mantendo-os fixos no demônio. Não gostava de encontrar com os enviados do inferno porque sabia que algo ruim iria acontecer; temia que algo estivesse acontecendo naquele exato momento enquanto conversava com Zarael.

— Não acham que estão causando problemas demais para a cidade, irmão? — O arcanjo questionou, afastando-se um pouco da lápide apenas para conseguir uma distância maior do demônio. — Estamos acompanhando tudo o que vem ocorrendo por aqui, acho que já se divertiram o suficiente. Está na hora de parar! 

Pediu com firmeza o que tirou do outro um riso seco e sem qualquer tipo de entusiasmo.

— Está falando das mortes, não é? — Ele pareceu sorrir, mas o arcanjo parecia mais interessado no brilho peculiar que seus olhos amarelos mostraram ao mencionar as mortes que vinham acontecendo na cidade. Aquilo chamou a sua atenção e ele não gostou do que poderia significar. — É realmente muito triste o que vem acontecendo or aqui... São tantas almas.

A respiração do rapaz ficou mais pesada e um sentimento puramente humano fez-se presente em seu ser. Raiva. Raiva pela forma desdenhosa em como o demônio mencionou as pessoas mortas, como se elas não fossem nada e tão pouco tivessem importância.

— Estou aqui para alertá-lo e quem mais estiver por trás de todo esse caos, — Kambriel enrijeceu o corpo como alguém se prepara para atacar. — Melhor pararem com isso, caso continue o Céu irá interferir nesse assunto e você e toda a sua laia sofrerá as consequências!

Zarael mostrou-se curioso, seus olhos amarelos se estreitaram brevemente e um sorriso leve formou-se em seus lábios finos.

— Consequências, irmão? — O outro o desafiou, o brilho peculiar em seus olhos agora era de desejo e o arcanjo sabia o motivo. Acabara de dar ao enviado do inferno uma brecha e apenas se deu conta disso naquele exato segundo. — Diferente de você, eu não estou aqui para brigar. — Mudou de assunto rapidamente e talvez tenha sido essa a sua intenção; uma pequena provocação antes de ir direto ao assunto. — Estava apenas... Curioso sobre algo.

Não houve resposta por parte do arcanjo e Zarael viu isso como o aval necessário para que ele prosseguisse.

— Percebi que você parece ter um favoritismo pelo pastor morto — Observou, o demônio agora caminhava por entre os túmulos, porém continuava a manter distância do ser celestial. — Até a prece fez por ele.

— É um servo de meu pai, claro que sentiria a morte dele. — Respondeu, seus olhos azuis se mantinham fixos no outro, no aguardo de qualquer ação inesperada. Zarael era um pouco imprevisível e por isso Kambriel sentia que precisava sempre estar em constante alerta ali com ele.

— Apesar de isso ser uma verdade, você mente muito mal, meu irmão, sabia disso? — Troçou, passando por um túmulo mais afastado. Kambriel precisou avançar alguns poucos passos também para que não o perdesse de vista. — Seja lá o que queria com o pastor o fez ir até a filha dele... Parece ser algo bem sério.

Por isso o arcanjo não esperava. Estava ciente que sua presença na terra provavelmente deixou os demônios mais descontrolados, esperava que cedo ou tarde acabasse encontrando com algum, ele apenas não imaginava que seu primeiro encontro com um deles seria com Zarael e que ele soubesse sobre o “encontro” com a filha do pastor Jacob.

Sua feição mudou rapidamente e isso pareceu uma vitória para o demônio — aquela era uma segunda brecha dada — que sorriu ao conseguir o que queria. O guerreiro que existia dentro de si parecia ter criado vida própria, pois Kambriel sentia que o mesmo poderia tomar o controle de seu corpo a qualquer momento; não seria muito difícil acabar com a existência daquele demônio. Era bem provável que acontecesse uma luta, mas algo rápido o suficiente para que nem Céu e nem Inferno percebessem.

— Nos últimos meses eu tenho observado alguns humanos... Uma em especial. — Comentou, havia animação em seu tom de voz ao mencionar a humana que ele estava observando; Kambriel questionou mentalmente se seria a moça com quem falou antes.

— Você matou o pastor, não foi? — Para Kambriel a resposta era muito óbvia, mas queria ter total certeza do que sua mente tinha formulado. — E agora está querendo matar a filha dele também?

Pergunta, olhando-o de cima abaixo. Sério.

— Matar? — Zombou, novamente voltando a se apoiar em uma das lápides. Essa era de uma mulher. — Eu não os mato, eu só faço com que eles mesmos cheguem a esse ponto de acabarem com suas próprias vidas, brigas, caos, confusões... Já deveria saber disso.

O arcanjo pensou rápido, percebeu que Zarael não era o demônio que estava por trás das tantas mortes. Mesmo que o ser fosse criador de caos, ele deu-se conta de que para realizar aquele tipo de caos tinha de ser outro demônio. Um mais forte e bem mais influente também. Zarael era apenas um mero e simples peão naquele jogo doentio e desumano; não representava grande problema como pensou antes.

Mas ele ainda queria saber o motivo do interesse na filha do pastor.

— O homem é uma criatura formidável, eu devo admitir. Mas facilmente influenciáveis — Conta, seu corpo demoníaco estava agora mais inclinado sobre a lápide na qual ele estava apoiado, uma das pernas estava também apoiadas na lápide da frente. — Alguns são um pouco mais difíceis de se influenciar, às vezes é necessário usar um pouco da força bruta...

— O que está fazendo com eles? — Questiona o interrompendo, o arcanjo avança um passo rápido na direção do demônio, não se importando muito com a distância que ambos mantinham um do outro.

— Eu? — Perguntou rindo. — Eu não estou fazendo absolutamente nada com eles além do que faço sempre, mas você sabe muito bem que não sou o único demônio aqui na terra...

Como se tivesse sido interrompido, Zarael parou de falar. Seus olhos se desviaram e mudaram de direção com rapidez, sua expressão fechou-se muito de repente e Kambriel se viu imitando a ação do demônio. Virou na mesma direção e viu mais a frente o que seria um guarda ou o coveiro que possivelmente vivia por lá, o homem estava vindo na direção dos dois e rapidamente o arcanjo mudou sua postura e até mesmo expressão, adquirindo algo mais neutro e gentil.

O homem estava usando roupas simples, porém um pouco escuras; provavelmente era o coveiro que trabalhava naquele cemitério. Sua idade era visível devido aos milhares de fios brancos em seu cabelo e nas rugas presentes em seu rosto.

— Você não deveria estar aqui meu jovem! — Alertou o homem e o rapaz franziu o cenho, já que ele não era o único ali presente.

Olhou de esguelha para trás e Zarael já havia desaparecido, deixando-o sozinho. Fugindo para que nenhum humano o visse.

— Ouviu o que eu disse, meu jovem? Não pode estar aqui. — O homem tornou a dizer, mas não como se estivesse o expulsando dali. — O toque de recolher começou tem uma hora já, deveria estar em sua casa.

Toque de recolher. Repetiu a frase em sua mente, percebendo que a gravidade da atual situação da cidade era ainda pior do que ele conseguia imaginar. Sua missão já tinha certa importância antes mesmo de descer para a terra, mas agora, depois da conversa nada amigável que tivera com o demônio e também após saber sobre o toque de recolher que foi aplicado na cidade, Kambriel percebeu e entendeu que, teria de correr para dar um fim naquele caos.

Antes que mais pessoas fossem mortas.

Zarael havia lhe dado uma pista importante, ele não era o único demônio que estava na terra e obviamente Kambriel não era o único enviado do céu ali também. Tinha formulado um plano, ou o que seria quase um plano, só precisaria encontrar com alguém antes. 

 


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Notas finais do capítulo

Até breve!



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