Ao Tempo escrita por Leticiaeverllark


Capítulo 33
Problemas




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POV PEETA

—Pai?

Não há como evitar o tom de surpresa, o choque é tão grande como uma sequência de socos pelo corpo.

—Ora... Não venha com essa.

—Delly.- o ar falta, abro a boca mas nada adianta. O sufocamento só não é maior que o pânico.

Algumas verdades nos causam dores piores do que certas mentiras.

—Você prometeu a ela que seria um bom pai.- a loira toca minha mão.
—Eu não sei que faria sem você depois da morte do James.

Ergo a cabeça, as lágrimas caindo.

—O que?- ela pergunta, parece chocada com o fato de eu estar chorando.
—Peeta?

—Eu... James é o pai dela?

—Mellark, você tem algum problema mental novo?- suas orbes azuis rolam, impaciente com minha lerdeza.
—James morreu no naufrágio que ocorreu no Distrito 4. Anelise nem tinha nascido, então você prometeu que seria como um pai para ela.

Entendo a situação, por mais que não seja fácil, é melhor do que eu imaginei.

—Ahh...- fico perdido, feito um doente mental. -Eu vou ajudar.

—Viu? Foi fácil.- concordo, ainda com as pernas bambas e olhar perdido.
—Por que ficou dessa maneira?

—Nada, só...

—Ah não. Katniss está grávida e você...

—Não, Delly.

Escondo um sorriso, apesar de gostar da ideia. Tanto de fazer um bebê, como de vê-la na gestação.

—Ufa.- uno as sobrancelhas, fechando a expressão por sua resposta. -Vocês já tem duas crianças. Não acha demais?

—Não. Eu sempre nos imaginei com uns 4 filhos.

—Eu só terei Anelise, apesar de sonhar em ter mais um.- sua olhada quer dizer muita coisa.
—Mas, não será mais possível.

—Você vai encontrar outra pessoa.

—Eu ja tinha encontrado.- seu sorriso brocha, desaparece aos poucos.
—Mas vou em busca de outra.

Concordo, ficando no completo silêncio.
Esfrego os olhos, tentando deixar o nervosismo passar. Por mais difícil que seja.

Acabo entrando num ataque de riso, totalmente idiota e descontrolado.

—O que você ta fazendo?

—Eu não sei.- seguro sua mão, entendendo seu desespero por achar que eu iria abandonar sua filha.

Por mais que eu seja só o melhor amigo de Delly, não a deixarei sozinha. Não consigo imaginar o quão difícil deve ser criar um filho sozinho.

Sua cabeça repousa em meu ombro, tranquila.

Você se atrasou por isso?

Gelo com a pressão da voz de Katniss bem atrás de nós. Seu corpo rígido na frente da porta.

Os braços cruzados, a boca travada, a postura dura e o olhar fixo em mim, não querem dizer boa coisa.

—Mamãe.- um choramingo mostra me erro, esqueci completamente de levar Katniss e Wi na cidade.
Agora, com o pôr do sol dando sinal, percebo o quanto demorei.

—Oh não.

Minha filha se mantém agarrada a perna da mãe, os olhos vermelhos pelo recém choro.

—Wi...

Sua expressão fecha, chateada o bastante para virar o rosto pra mim. Engulo o ácido que subiu, o amargo do erro.

—Eu...

Katniss a pega, sai sem me deixar dar uma explicação.

Ela não precisa, está claro em sua mente que fiquei com Delly ~numa situação bem íntima~ e esqueci completamente do compromisso que marquei com minha família.

—Depois falamos sobre o aniversário de Anelise. Preciso resolver um grande problema agora.- minha amiga ri, acariciando meu ombro.

—Boa sorte.

—Vou precisar.

                            

Bato o pé no tapete sujo de folhas, limpo o sapato como costumo fazer antes de entrar.

Nunca me pareceu tão agoniante a chegada, Katniss brava comigo é o que menos preciso.

Não quando estamos tão bem, alcançando e ultrapassando limites.
Giro a maçaneta, ouvindo uma barulheira.

Assusto de início, penso que Katniss está gritando com as crianças, descontando a raiva que está de mim.

Mas ao adentrar, percebo que somente ela está na cozinha.

Demorei ainda mais para chegar, fechar a padaria é minha tarefa. Aposto que sua cabeça ainda está formulando as mais malucas hipóteses.

Dou leves batidas na moldura, a madeira ecoa chamando sua atenção. A cozinha está uma verdadeira e grande bagunça, há panelas, pratos e comida por todo lugar. Até nela própria.

Seu olhar mortal parece desejar meu sumiço. Mesmo não tendo feito nada, não quero discussão.

Ela joga um prato na pia, o vidro estilhaça instantâneamente.

—Saia.

—Por que está brava?- outro prato vira farelo.

Ela apanha outro na mesa, leva atrás da cabeça. Abaixo temendo que o próximo venha em mim, mas Katniss desiste jogando novamente dentro da pia.

Suas lágrimas chegam com força, ela desmorona lentamente na minha frente.

Caçadora...

—Saia da minha frente.- ela funga esfregando o nariz com uma força desnecessária.
Agora!!!

Sua ameaça não é em vão. Mais um prato é arremeçado, e quase atinge minha cabeça. Acaba quebrando na parede oposta, na sala.

—Não use violência agora.

—Você... Você ousa pedir algo pra mim ainda?

Travo os olhos, as mãos coladas ao piso gelado. As cenas não são boas, juntamente com a formigação que começa em meus pés e sobe até meus dedos, é um aviso.

O remédio do final da tarde não foi tomado, preciso antes de ser controlado pelo meu lado mau.

—Olhe para mim!

—Katniss... Espere um pouco.

Ergo o corpo, vasculho a caixa na prateleira de cima. A cartela está vazia, aumentando meu desespero.

Dou meia volta, subo os primeiros degraus quando sua mão fechada bate contra a minha escápula.
A raiva, que ja não era pouca, fica maior.

—Você não é covarde a esse ponto, Mellark!

—Eu preciso do meu remédio, Katniss.

—Não, você tem que falar comigo! Seja homem e me confesse a merda que fez!

Respiro fundo fechando e abrindo as mãos antes de agir por impulso, estou me descontrolando.

Subo o próximo degrau rezando para que eu consiga chegar ao quarto sem nenhuma palavra sua me atormentando.

—Peeta!

Viro tão rápido que quase cambaleio. Pego-a pelos braços, com força a ergo e forço seu corpo contra a parede. Tamanho susto provoquei que mais lágrimas caem, movidas pelo possível medo.

Respiro fundo, tenho medo de não ficar mais são. Ai as consequências serão catastróficas.

Quem sabe o que posso fazer coberto pelo mais puro ódio por ela?

Katniss fica gelada e parada, como uma estátua com feição assustada.

O medo passa quente por minhas veias, transforma a tristeza em decepção.

Tentei ficar bem, sem crise alguma. Por ela e pelas crianças, mas algo tinha que acontecer.

Não podemos simplesmente ficar bem, algo vem e leva tudo embora. Essa é a lógica da vida.

Fique quieta.

Sua cabeça acena, nunca a vi recuada dessa maneira. Talvez esteja empenhada em ajudar, evitar qualquer futuros danos.

Corro pro quarto, dando uma última olhada em seu corpo. Não há machucados ou marcas, mas sei que com certeza elas são internas.

Tomo dois comprimidos, encosto a testa na madeira polida do guarda roupa, esperando fazer o efeito desejado.

Agradeço a tecnologia da Capital pois minutos depois estou bem de novo, seguro de mim mesmo.

Abro a porta, dando de cara com uma Katniss sentada na parede oposta do corredor. Fecho deixando meu corpo escorregar encostado na superfície.

Não encontro lágrimas, uma expressão sombria ou algo que possa me pertubar.
Há apenas um sentimento... A dúvida.

Ela levanta quando abro a boca, abre uma porta na ponta oposta do corredor. Sei bem o que é, um dos meus lugares preferidos.

—Por que entrou aqui?- pergunto ao vê-la parada na frente de um quadro, não é um dos melhores. Apenas um desenho que fiz na primeira noite que passamos nessa realidade.

—Quando você desenhou isso?

—Na primeira noite.

Ela somente vira e continua a analisar, cruzo os braços. Acendo todas as luzes dando a possibilidade de uma visão melhor.

Vendo que Katniss não está disposta a conversar, não é seguro quando estamos de cabeça quente e deixarei o remédio fazer mais efeito.

Escolho pintar, colorir uma nova tela.

Minha mente se refresca quando a deixo trabalhar em pura liberdade, como o melhor remédio anti pensamentos ruins.

Katniss senta na frente daquela mesma pintura, mas seus olhos estão vidrados em mim.

Começo a abrir os potes e as bisnagas das mais derivadas cores, seco os pincéis antes de molhá-los.
Me concentro, não tendo ideia do que fazer.

É diferente ter a morena aqui, geralmente estou sozinho ou com nossos filhos. Sua presença torna tudo mais real.

Abaixo a mão, antes de deixá-la passear com o pincel.
Não consigo, não quando minha mente fica tão cheia.

—Quer conversar?- insisto em perguntar, sabendo qual será sua resposta.

Katniss tem o direito de estar brava, nervosa e com raiva. As deixei esperando, mesmo não sendo de propósito.
Mas o que mais pesou foi o fato de eu estar com Delly.

Menti para minha mulher, a deixei tirar conclusões precipitadas e erradas.

Ela simplesmente levanta e sai.

Quero praquejar e gritar palavras ruins pelas suas costas, mas apenas largo o cabo e ignoro o que acabou de acontecer.

Arrumo tudo antes de me trancar no banheiro por muitos minutos, sob a ducha quente reflito nos recentes acontecimentos.

Volto a nossa noite, quando tudo estava perfeito demais para ser possível. A noite em que flutuamos juntos, descobrimos lugares novos e maravilhosos.

As horas que tive Katniss.

Visto apenas uma calça antes de rumar para a cozinha, meu estômago salta de fome.

A claridade da TV me alerta onde Katniss está, sob uma coberta a morena assiste um canal aleatório.

Aperto o interruptor iluminando uma cozinha irreconhecivel. Limpa até demais, sem sujeira e cacos de ceramica e vidro.

Puxo uma cadeira, sento jogando meu corpo cansado. Meu ânimo para cozinhar algo não existe, estou esgotado prevendo o quão longe Katniss levará essa briga.

É difícil deixá-la descontrolada, mas quando isso acontece é ainda mais difícil fazê-la voltar.

Preparo um chá, apanhos os últimos biscoitos do pote e tomo um pequeno lanche.
Brinco entediado com algumas migalhas, o ponteiro do relógio passa lentamente pela noite.

Depois de duas horas na mesma posição, resolvo subir. Penso que ela já está dormindo e que provavelmente a levarei para cama, mas Katniss permanece acordada.

Passo reto, subindo rapidamente os poucos degraus.
Paro no quarto de cada um, beijo suas testas e peço desculpas.

Fecho os olhos entre as cobertas, o frescor da janela entre aberta me faz sentir confortável até certo ponto. Seu corpo faz falta.

Aos poucos o cansaço me esgota e leva pro sono, mas uma mexida na cama me desperta num susto.

Katniss movimenta com maestria no escuro, troca de roupa e vai ao banheiro.
Fecho os olhos esperando sentir seu cheiro, mas não encontro.

Volto a abrir as pálpebras, ela percebe mas ignora, pega seu travesseiro e uma manta.

Sai do quarto sem olhar pra trás, magoada o suficiente para não precisar de mim essa noite.

 


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