Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 26
A arte do esquecimento


Notas iniciais do capítulo

Oi gente ♥ tudo bem com vocês? Hoje finalizamos essa história! Vou primeiro postar o conto completo (que juro que não sabia que tinha ficado desse tamanho e.e) e em seguida o epílogo. Prontos pro chororô? Porque eu não tô xD



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Sempre mantive uma relação confortavelmente distante do sol. Presa num outono eterno, não era exatamente frio. Os dias eram amenos. Uma blusa leve, só de garantia, para se acaso ventasse. Até me arriscava com um calorzinho ocasional. O ponto é: eu não sentia a falta do sol. Ele estava lá, e eu aqui. Simples.

Começou como um dia como todos os outros. Tão normal que chegava a ser entediante. Estava sentada próxima a um encontro de faias. Quando tudo ao meu redor era apenas folhas sendo levadas pelos ventos e galhos retorcidos ameaçadoramente, algo a mais me chamou a atenção. No fundo do bosque, um único raio de sol transpassava por entre as faias. Um filete de luz, solitário e quase imperceptível. A nova beleza magnética me atraiu a caminhar e explorar, quase como uma criança faria.

Ao chegar mais perto, rodeei o filete e aproximei minha mão dele. Qual não foi a minha surpresa em ter sido acolhida por um calor tão forte que me chegou a ser incômodo.

Retirei a mão instantaneamente. Para alguém que conhecia apenas o morno, o contato súbito pareceu tortura. Quanto ao raio de sol, ele continuou ali. Parecia estar me desafiando. Venha, vamos! Estou bem aqui, sua medrosa!

Desta vez, eu já sabia o que esperar. Portanto, retirei minha blusa – aquela leve, pronta para suportar a brisa do final da tarde – e me permiti sentir o frio. Agora sim, eu poderia encarar aquele calor invasivo de queixo erguido.

Estendi a mão uma vez mais, esperando pelo pior. Contudo, ao invés de me provocar agonia, o calor me aqueceu a ponto de abrir um sorriso.

O sol não era terrível. Ele poderia substituir minha blusa, afinal.

Surpresa com a nova identidade do sol, tentei enquadrar o máximo da minha mão no filete luminoso. Como nem tudo são rosas, aquele projeto de sol era suficiente apenas para aquecer minha mão, mas não o braço inteiro.

Esse pequeno erro de julgamento conseguiu ser pior do que o de ter subestimado a temperatura de um filete inofensivo. Novamente, era como se o sol me dissesse: Ninguém mandou você bancar a curiosa, mocinha.

Quem sabe se eu optasse pelo intermediário?

Reajustando minha estratégia, voltei a colocar minha blusa. No entanto, em vez de puxar as manas até os pulsos, arregacei-as até a altura dos cotovelos. Frio, mas não a ponto de me fazer bater os dentes.

Dei-me uma terceira chance, me julgando merecedora do sol. Estendi a mão pela última vez, fechando os olhos no processo.

Finalmente, o sol me abraçou como um bom e velho amigo. Eu e ele sorrimos, nos cumprimentando. Eu, feliz pela gentileza do calor concedido; ele, grato por ser reconhecido naquele fim de mundo. Naquele momento, eu e o sol pertencíamos um ao outro, e isso era suficiente.

Passamos a tarde inteira fazendo juras um ao outro. Já sabíamos como reagir da próxima vez que nos encontrássemos, então não haveria perigo de ambos passarem pelos mesmos conflitos iniciais de identidade. Até amanhã, ele despediu-se quando enfim se pôs. E eu, que já estava a tanto sentada na mesma posição, me vi obrigada a baixar as mangas e esticar as pernas dormentes antes de retornar para casa.

Ao dormir, fui embalada pela lembrança doce do sol em minha pele. Tenho o palpite de que adormeci com um sorriso, mas tenho a certeza de que acordei com ele.

Caminhei contente ao bosque de faias pela manhã. Vim armada com minha blusa e água para que o sol não me desidratasse além do frio. Então, me sentei no mesmo ponto do dia anterior, aguardando a segunda aparição do sol.

Eu esperei por um longo tempo. Pouco a pouco, meu coração contraía-se de agonia. Quando já estava pronta para me levantar e partir, assustei-me com a luz, bem no meio da minha testa. Perdoe-me, eu quase podia escutar. A nuvem me nublou por mais tempo do que o esperado. Ufa!

— Tudo bem — sussurrei, fechando os olhos para me aproveitar do calor que esquentava minha testa. — Eu sabia que você viria. Confio em você.

Voltamos à nossa devoção silenciosa mútua. Continuamos assim por mais quatro dias. A nova rotina que eu seguia era digna de todos os meus atrasos. Passei a levar meus afazeres comigo. O sol não ajudava, mas estava ali para me fazer companhia. Era mais do que suficiente – aliás, era mais do que eu merecia.

No sétimo dia, o sol me queimou. Não doeu, mas ardeu e contrastou com o resto da minha pele fria. Ela ansiava pelo outono por completo, mas eu insistia em tentar. Afinal, eu não desistiria do sol apenas porque ele havia me queimado uma vez. Era só uma questão de adaptação.

Uma?, questionaram-me as faias. Por acaso se esqueceu da primeira vez que o tocou? Naquele momento, o sol se calou. Eu não o julgava. Ele havia sido criado daquela maneira. Repeti para mim mesma: é uma questão de adaptação. Se eu pedisse ao sol que não me queimasse, ele o faria. Porque ele precisava tanto de mim quanto eu dele. Não era?

Fui embora de coração arrasado. Como as faias poderiam dizer algo tão terrível sobre o meu sol?

No dia seguinte, o meu lugar já estava ocupado. Outra garota de olhar brilhante e coração receptivo havia roubado o meu sol!

O seu sol?, as faias voltaram a me provocar. Ele nunca foi seu, criança. Sempre esteve ali, à procura de quem o adorasse. Já vimos tantas conhecerem o sol... Mas todos se dão conta de que não são únicas apenas quando o vêm iluminar a outro. Daí, eu entendi.

Meu lugar não era com o sol. Melhor dizendo, eu não fui feita para lutar por um filete de sol; não enquanto estivesse perdendo o que o outono poderia me oferecer de melhor. Então, dei meu adeus silencioso ao sol.

Eu ainda o amaria, porquanto que a sua sensação em minha pele permaneceria por um bom tempo. No entanto, agora eu poderia me dedicar à arte do esquecimento. Afinal, eu voltaria para o outono, uma vez que ele sempre foi meu. Amar também significava deixar ir.

Costumava achar que o meu amor era a luz do sol. Mas não importava o quanto eu me esforçasse para me adaptar a ele – o sol continuaria a queimar minha alma outonal.

O sol não era ruim. Ele só tinha sido feito para os dias de verão.

E isso sim era suficiente.


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Notas finais do capítulo

Inspirações musicais da vez:
— Sunlight, Hozier: https://youtu.be/PELeEo33JXs
— Another Love, Tom Odell: https://youtu.be/MwpMEbgC7DA



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