Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 25
022. Lua cheia


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Tudo bem com vocês? Era para eu ter postado no dia 6 esse capítulo, mas... como vocês podem ver, ele ficou enorme *risos nervosos* aí não consegui terminar. Por favor, não me matem. Não vou me prolongar muito porque estou me segurando para o epílogo, tá bom? Um beijão no coração de vocês ♥



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E isso sim era suficiente.

───── 22 ─────

Olhem, queridas... Estamos com complicações. Vocês não facilitaram para nós. Estamos nós e vocês pisando em ovos.

Tillie Price, a garota propaganda da Orpheus – e que eu descobri que agora era uma das editoras-chefes do departamento de ficção/romance – falava conosco através de uma chamada de vídeo. Ela é uma versão americana de Annabella, mas agora seu ânimo inabalável está completamente afetado. O nariz está torcido e a boca em uma linha reta. Completamente irritada. Ah, meu Deus, salvem-se quem puder.

Já estávamos tentando entrar num acordo há pelo menos uma hora. E só andávamos em círculos. Estava ficando frustrante.

— Sentimos muito, senhorita Price — Nora modula o tom da voz, substituindo o informal “Tillie” por um tratamento mais respeitoso. — Nós não fizemos de propósito... Jamais queríamos prejudicar a Orpheus.

É claro que não queriam... Mas é o que dá a entender, não é?

Engulo em seco. Fanny fez-se presente só para dar uma dica ou outra do que podemos dizer, mas admito que a mera presença dela me acalma. Estefania e Elio são duas forças da natureza mediterrânea que funcionam em antítese. Talvez eu escreva sobre os dois, quem sabe?

Olhe... Eu e o pessoal da Orpheus concordamos em não processá-las. Sabemos que não tem o dinheiro para arcar com as despesas.

Ai.

Eu não sei o que é pior: isso ou ela ter razão.

Mas, visto as circunstâncias, isso é quebra de contrato. Infelizmente, teremos de encurtar a estadia de vocês. Mandaremos as passagens ainda essa semana, sugerimos que façam suas malas.

Pelo menos isso, né?

Entretanto, não acho prudente associarmos o nome Artemis e Diana Davies à Orpheus. Seria muito diferente se tivesse sido uma ou outra desde o início. Sentimos muito, mas é tudo que podemos oferecer como moeda de troca.

Assinto com a cabeça, mordendo o lábio para pensar numa resposta. Teoricamente, para pedir que Nora me traduza. Antes que eu possa me pronunciar, Nora se adianta:

— Nós compreendemos, senhorita Price. Mas a senhorita também tem de entender que não podemos tirar o vídeo do ar. Agora faz parte de um movimento. É o assunto do momento — ela faz uma pausa dramática. — Eu e Diana acreditamos que vocês tenham muito mais a ganhar do que perder.

Sinto muito, senhorita Fox. Mas é nossa palavra final. Não podemos permitir que a Orpheus esteja associada com um escândalo. Mesmo que apaguem o vídeo, a ideia irá permanecer na mente de todos que o viram.

Nora aquiesce. Decido permanecer quieta com relação à Meia-Noite e Quinze, afinal... Se eu não vou manter contato com a Orpheus, alguma outra editora pode me aceitar, não é?

— Mais uma vez, sentimos muito. E agradecemos pela compreensão. Foram mesmo tempos maravilhosos que passamos aqui... Não exageramos que dissemos que fizemos muitos amigos e cultivamos experiências marcantes — Nora dá uma fungada comovente. Eu bem acho que ela podia investir na atuação. Grandiosíssima intérprete, a maior de sua geração. — Continuem com o bom trabalho.

É claro... Sejam felizes, garotas. Foi mesmo uma infelicidade que isso tenha acontecido, de qualquer maneira. Espero que tenham sucesso nesse novo ciclo.

As pessoas tem a mania de dizer “novo ciclo” quando querem dar um pé na bunda gentil nos outros, hein?

Seja como for, desligamos. Fanny é a primeira a se pronunciar.

— Bem... Vocês deram uma chance para eles, não deram?

— Demos sim — Nora concorda, recostando-se na cadeira. — Mas veja pelo lado bom... Não tivemos um processo.

— É, se você tirar o deboche de terem frisado umas três vezes que estavam sendo muito bonzinhos por deixarem vocês saírem ilesas...

Suspiro, enrolando um cacho no dedo. Não iria correr para o banheiro, mesmo porque o banheiro não ia me tirar de mim mesma. Contraditoriamente, eu me sentia maravilhosa.

Tudo que Tillie Price tinha dito me afirmava que eu tinha feito a coisa certa. Ela tinha razão, a ideia permaneceria. V de Vingança já tinha dito: ideias são à prova de balas. E agora eu via tudo com clareza.

Se eu não tivesse falado o que pensava, ninguém registraria a ideia. Se ninguém tivesse registrado a ideia, o público alvo não se comoveria o suficiente para considerar relevante. Tudo aquilo tinha começado com o incentivo do senhor Fox, e depois o de T. Kyrell. E depois o grande empurrão de Nora. Tudo tinha contribuído para que estivesse ali.

Desculpe, não quero me atribuir mais importância do que realmente eu tenho, quer dizer... Eu sou só uma mulherzinha em meio a bilhões de pessoas viventes. Que diferença uma mulherzinha faz no meio do mundo? Para algumas, talvez eu tenha feito. Quem dita o que é que você ou eu vamos encontrar como forma de inspiração?

Olhe só para Reid, encontrando inspiração na Nora. Kiera encontrando inspiração no Balcão de Julieta. Sariyah encontrando inspiração em tudo que vê e toca. Mabel vê inspiração em suas próprias nuances. Quem deles está certo ou errado?

— Di? Alguma opinião? — Nora se volta para mim, arrancando-me de meus devaneios com um tranco. — Conheço essa sua cara... Volta pra terra, amiga, que a gente tá chamando!

Eu rio sozinha, indo endireitar a postura.

Não sei se tenho mais algo para acrescentar. Vou precisar enviar o manuscrito de Meia-Noite e Quinze para outras editoras, agora.

Nora ri com maldade.

— Querida, talvez devesse checar os seus e-mails...

Fiquei consternada. Olhei para ela perguntando em silêncio o que é que ela queria dizer com isso, mas ela só acenou com a cabeça me incentivando. Respirei fundo e abri o notebook sobre a mesinha de centro. Nora e Fanny me encaram com expectativa.

A caixa de entrada estava simplesmente entupida.

Encaro-a embasbacada junto com elas, mal sabendo por onde começar.

— Comece pela aba de “promoções” — Fanny sugere, animada. — E-mails empresariais e mais relevantes costumam ficar nessa aba... Ou isso ou passe o olho por cima daqueles que tem um logotipo como foto de perfil.

Meu Deus. Meu Deus.

Isso está mesmo acontecendo?

— Parece que você tem um cardápio à sua escolha — Nora conclui por mim.

Veja bem. Eu jamais quis estar envolvida num escândalo. Para quem lê romances de época, sabe que quando a mocinha se envolve num escândalo é só um artifício para juntar ela e o mocinho. E, apesar de a maioria dos livros assim acabarem num grande amor e felizes para sempre, a vida real tende a ser bem mais decepcionante. Escândalos geralmente acabam com a reputação de uma pessoa. E, a menos que você seja a Taylor Swift, a má reputação não precede algo icônico ao nível Look What You Made Me Do.

E... Bem, acho que também não sei ter tanto sangue frio. A Diana Davies continua bem viva aqui e pode atender ao telefone, então...

Foco. Foco. Caixa de e-mails entupida.

A Diana Davies precisa atender ao telefone. Desculpe, Taylor.

Meu Deus... — minhas mãos estão trêmulas de excitação. Mal vejo a hora de contar isso a Elio e Reid. Espere, somos um quarteto agora? — Eu nunca achei que isso fosse ser possível...

— Mas é, gata — Fanny pisca um olho para mim, levantando-se para buscar um copo d’água na pia. — Você é o momento. Aproveite.

 

Após mil e uma recomendações, Elio e Reid recomendam que eu estude cada uma das editoras e veja o que elas propunham. Aceitar qualquer proposta só porque ela parece boa seria uma atitude um pouco burra, isso até eu sabia.

Comuniquei todas as decisões aos meus novos amigos, e cada um opinou no que poderia. Como ainda tínhamos que arrumar as malas e nos mandar de Florença, não nos sobrava muito tempo para confabular e nem passear, portanto marcamos um último encontro no terraço para nos servir de despedida.

Mal chegamos lá e eu já estava sensível. Ganhar um monte de abraços não era parte da minha realidade. Ainda mais quando eu estava fazendo isso ignorando as chamadas perdidas dos meus pais, provavelmente querendo saber que desgraça que eu tinha feito e por que é que eu estava aprontando na Itália.

Bem. Problema.

— Eu não acredito que eles vão mandar você embora — Kiera é a primeira a se revoltar. — Nossa, se fosse comigo eu iria fazer um barraco.

— Novidade — Prince provoca na esportiva.

— E você, ô magrelo, não me provoca que senão eu te acerto também!

Todos nós gargalhamos, mas com ressalvas. Quando se tratava de Kiera e Prince nunca sabíamos se eles estavam falando sério. Aparentemente, tínhamos alcançado um ponto de paz. Amém.

— Por favor, crianças, não briguem — como sempre, Mabel toma o partido de interromper os latidos. Num tom maternal que eu vou sentir falta de ter no meu dia a dia. — Estamos fazendo algo sentimental...

— Desculpe, mãe — Kiera faz bico. — Ouviu, Prince? Quietinho.

— Gente... — Sariyah ergue a mão, civilizada como sempre. — Eu não acredito que a gente não vai passear para ver Roma...

Reid suspira em apoio à amiga.

— Depois que a Mabel falou da porquinha, ela ficou atiçada, coitada...

— Até agora eu não entendi aquilo direito — Mabel dá de ombros. — Acho que vai ficar de incógnita.

— Diana escreve sobre isso — Nora ri, me empurrando com o quadril de brincadeira. — Depois de escolher entre mil editoras.

Ergo as mãos em defensiva. Sei lá como é que funciona a inspiração, mas acho que eu não consigo tirar nada de produtivo sobre uma estátua de elefante... Ainda que ela seja uma romana. Quer dizer, tem certo glamour.

— Confesso que dá um pouco de inveja — Elio brinca. — Mas se parar para pensar, uma divisão de bens resolve a maior parte dos problemas!

Sinto minhas bochechas pegando fogo. Nem dá para culpar mais o calor, uma vez que estamos em pleno outono e as chuvas têm trazido o frio do inverno para o centro da cidade. Por um golpe de sorte daquelas, Annabella teve o timing perfeito. Com o seu ânimo radiante, trouxe uma bandeja cheia de tiramisù.

— Olá, crianças — ela abre um sorriso e deixa a bandeja junto às outras comidas. — Ah, que ocasião mais agridoce... Diana, querida. Como está se sentindo?

Fico muito feliz por ela se direcionar a mim primeiramente. Só agora que começaram a fazer isso, e confesso que dá certa satisfação ser reconhecida. Era uma das minhas questões conflitantes não há muitos meses. Vê-la se enredando no novelo da minha vida faz com que eu imagine a linha com uma cor rosa brilhante.

Eu vou bem, Annabella! E você? Não podemos culpar a cronologia das coisas, infelizmente.

— Muito bem, querida... Tem razão, é claro — seu sorriso imbatível falha um pouco, comovendo meu pobre coração. — Ah, a quem eu estou enganando? Vocês todos foram uma combinação de autores muito especial.

Até mesmo Prince sentiu-se obrigado a se comover. Annabella é adorável. Como podemos negar a ela nosso amor e compaixão? Reid usa aquele tom de flerte alegre para respondê-la:

— Acredito que seja a senhorita quem nos deixe mais especiais, Annabella!

— Ah, meu bem — ela ri jovialmente. — Só está dizendo isso porque trouxe doce para vocês.

— É exatamente isso, Annabellla — Nora caçoa do namorado, ainda que num tom extremamente amoroso. — Depois que voltarmos para casa ele vai falar mal de você horrores.

Todos nós rimos, e Elio se mobiliza a participar da brincadeira.

— “O que, aquela italiana? Ah, não, crianças, se há um motivo para não falarmos sobre Florença começou quando...” — ele imita a voz do melhor amigo com um quê de deboche. — “Não falem nada para a avó de vocês”.

Reid gargalha, sacudindo os cachos ruivos ao jogar a cabeça para trás.

— Não dá mesmo para escrever poesia sobre isso.

— Bem, eu estou de olho nesse tiramisù — Sariyah opina com gentileza. — Alguém quer fazer as honras?

Annabella pega a bandeja e distribui em pratos descartáveis um pedaço para cada um. O cheiro de café é inebriante. Mal sei o gosto disso, mas já o amo. Em seguida, Elio ergue seu prato e me olha com um sorriso que daria inveja ao sol. Bem que estamos no outono e o sol está em falta...

— À nossa Diana Davies, nossa primeira e única deusa.

Sinto lágrimas encherem os olhos quando todos acompanham o “brinde”.

Não tenho a mínima ideia de como vou viver sem eles.

 

Eu e Nora decidimos que é até meio impossível nos mandarem a passagem no dia seguinte. Portanto, ligamos para Paolo para nos levar para algum canto da cidade que ainda não conhecemos. Confesso que fico um tanto sentimental ao observar o cartão de visitas com o bigode e mais ainda ao vê-lo. Não recuso um abraço quando ele oferece. É quase como ter o senhor Fox de volta por alguns instantes.

— Ah, bambini... Espero que tenham aproveitado esses meses em nosso mundinho...

— Nós aproveitamos, Paolo — Nora sorri, colocando o cinto de segurança ao meu lado. — Acho que até demais!

É mesmo um benefício que Paolo seja alheio à mídia. A foto de Salvatore, seu netinho, ainda está pendurada abaixo do espelho retrovisor, o que me traz uma sensação de estar em uma casa de família ambulante.

— Dizem que o final vale bem mais do que o começo — Paolo opina com um sorriso enigmático. Eu e Nora nos entreolhamos como cúmplices de um grande esquema. — Então, se estão felizes agora, pouco importa o começo da jornada... É claro, desde que se lembrem dela quando necessário.

 Elio abre um sorriso doce, me olhando pelo espelho.

— Essa é uma sabedoria italiana, signore?

— Pelo contrário, meu menino... É a sabedoria de quem já teve muitas coisas que perdeu na vida... A gente sabe quando vale a pena guardar.

É com essa lição que atravessamos a cidade. Enquanto Nora e Reid optam por uma visita ao Parco delle Cascine, eu e Elio ficamos com uma paisagem que já nos é familiar. Escolhemos a Piazzale Michelangelo, onde parece que já faz séculos que visitamos. Desta vez, caminhamos de mãos dadas e nem mesmo os turistas e vendedores ambulantes tiram minha paz de espírito.

Para não ser injusta, há sim uma coisa que me preocupa. Parece que Elio vai falar disso há qualquer momento e, francamente, apesar de eu ser bastante adepta à filosofia do “não fale sobre as coisas que te preocupam”, não é algo que dê para fugir.

Então, eu deixo que ele fale.

— Sabe... Tem algo que eu venho querendo falar há alguns dias mas nunca encontro o momento certo — Elio ri sem-graça, coçando a nuca como faria um personagem perfeito demais para ser verdade. — Não é culpa de ninguém, só... Ficou por dizer e agora essa bomba estourou e a gente só saiu para procurar abrigo e tudo mais...

Rio sozinha ao imaginar a cena em sentido literal. Ao mesmo tempo, meu coração se contrai dentro do peito.

— Eu... Queria muito te dizer que eu consegui encontrar um tema para o meu livro.

Solto fogos de artifícios internos, completamente extasiada com a notícia. Faço milhares de gestos que querem dizer a mesma coisa: me conta, me conta, me conta!

— Tá bom, tá bom, vamos com calma! Vem cá.

Conduzindo-me pela mão, ele faz com que nos apoiemos na ponte. O Rio Arno abaixo de nós reflete as cores do céu – azul, lilás, rosa e laranja – além de todos os prédios e lojas. Junto a eles, lá está Elio, me fitando com uma expectativa que me faz lembrar quando eu era criança e conseguia ler sozinha algum livro.

— Tenho que te contar... Que eu já tenho um tema para o meu livro!

Minha boca se torna um perfeito “O”. Inevitavelmente, abro um sorriso de incentivo. Ele me pediu para ficar calma ou quieta? Bem, seja como for...

— É, e... Eu andei pesquisando bastante antes de chegar a uma conclusão. Porque é difícil ver temas assim em livros, eu pelo menos só vejo o contrário e... Bom, eu estou enrolando já, não estou?

Assinto com a cabeça. Pobre homem.

— O que eu quero dizer é que há muito sobre a temática da surdez... Mas, até você chegar à minha vida, Diana, eu quis saber muito sobre a mudez. Então... Decidi que, se eu não encontrava material suficiente sobre isso, eu mesmo poderia fazer isso... Não é?

E foi então que tudo começou a girar. Mas não num sentido ruim. No sentido maravilhoso da coisa. Daquele tipo que faz as pernas bambearem e o mundo sair dos eixos. Ah, meu Deus.

Não brinca...

— É claro que eu não brinco — ele sorri mais com os olhos do que com os lábios. — Você tem razão, as pessoas merecem se sentir representadas, mesmo que não seja algo escancarado. E... Bem... Quem sou eu no mundo, não é? Mas ainda assim... Achei que valesse a pena...

Assinto com a cabeça efusivamente. Não posso fazer outra coisa além de envolvê-lo com os braços e enchê-lo de beijos. Ele ri com uma graciosidade inerente, o que contribui para o meu ataque de amores. Continuo encarando-o com expectativa.

— B-bem, eu tenho certeza de que não vou conseguir terminar a tempo de publicar, é só um projeto, sabe? Mas tenho esperanças de que se eu entrar em contato com a editora eles me estendam o tempo. Quer dizer, isso se você não se importar se o seu namorado continuar na editora concorrente?

Não seja bobo! Claro que não!

— Certo... Então, eu andei vendo uns casos na biblioteca...

Por cerca de meia-hora, eu o escuto discorrer sobre o assunto com profundo interesse. Sei que não viemos tratar desse tema ao vir para a Piazzale Michelangelo, mas não ouso cortar sua empolgação. Sinto-me honrada com minha singela contribuição para seu projeto, e mesmo que não estivesse junto dele eu prestaria atenção ao que ele diz. Elio tem essa coisa que nos prende em sua narrativa. Ele seria um ótimo escritor de ficção, se quisesse.

Ainda assim... Quando suas palavras se esgotam, eu espero pelo pior. Ele não tem medo de dizê-lo em voz alta.

— Di... Agora que Florença acabou, como ficamos...? Quer dizer, vamos voltar cada um para um canto, não vamos?

O sol já se pôs na Ponte Vecchio. Os turistas começam a dispersar para fugir dos vendedores, mas eu e ele permanecemos encostados ali esperando por uma resolução. Agora as luzes da cidade também estão estampadas no Arno.

Vamos, sim... É o que temos de fazer, não é?

Ele assente com a cabeça. É um pouco imaturo da minha parte em pensar que tudo se resolve com força de vontade. Há muitas outras coisas envolvidas nessa problemática – dinheiro, dar as costas para as pessoas, condições de vida diferente...

Eu só não queria deixá-lo aqui e voltar para a minha vidinha de faxineira. Ops. Agora é faxineira-escritora.

Eu prometo terminar de ler os livros da Elena Ferrante — acrescento com um sorriso torto. Estou tentando não fazer uma cena e encorajá-lo a seguir seus sonhos, por mais que eu saiba que a porcentagem de fazer parte deles é mínima. — E você? O que pretende fazer?

— Acredito que sonhar com o meu amor de verão e outono enquanto estiver nevando...

Seguro suas mãos com carinho e beijo cada uma delas com carinho. Parece mesmo que estou prestes a desmoronar, mas me mantenho firme para não fazer um escândalo. Eu com certeza vamos chorar horrores, mas não pretendo que deslanche tudo agora. Eu gostaria de manter essa lembrança à margem do rio como algo doce e feliz, não melancólico.

Vai ficar aqui? Em Florença?

Elio nega com a cabeça, enlaçando-me pela cintura. Seus lábios depositam um beijo cálido em minha testa. Tenho vontade de emoldurar o momento.

— Na verdade, não... Vou voltar para Nova York, primeiro e... Tentar me resolver com os meus pais. Depois, vou voltar para Palermo e ficar com a Fanny. Dividimos as contas e ficamos juntos. Descobri que sinto muito mais falta dela do que gostaria de admitir...

Assinto com a cabeça. Se eu tivesse uma irmã como Fanny, eu também iria querer grudar nela que nem carrapato.

— E aí vai depender se vou conseguir publicar o livro ou não... Se não, eu arranjo outro emprego. Eu dou meus pulos — e então ele sorri daquele jeito tímido de quem não quer admitir derrota. — E você? O que pretende fazer agora?

Sonhar com o meu sol enquanto estivermos em noite de lua cheia...

Elio ergue meu queixo e me beija de forma atarracada. Não o julgo – meus braços se agarram aos seus, desesperados por mantê-lo perto do meu corpo. Tenho certeza de que escutei algo engraçadinho em italiano ao redor de nós, mas ignoro todas as vozes para me concentrar no calor que emana de seu corpo. O cheiro de limão é reconfortante no momento, mas sinto que ao voltar para casa vou chorar com copos de limonada.

— Vou sentir sua falta todos os dias, sabia...?

Eu também... Eu também, Elio. Eu...

Observo passando atrás de nós um casal conversando em italiano. Pego apenas duas palavras, mas foi o suficiente para elas grudarem nas paredes da minha cabeça e ecoarem. O que é que as levou até ali? Será que são turistas? Será que são pessoas que sempre viveram ali? Estão felizes? Frustrados?

Então, um estalo sacode meus miolos. Tenho de me segurar em seus braços de volta para impedir que tudo descole e nunca mais volte para o lugar.

Tive uma ideia nova para uma história.

O que significa que, possivelmente, mais um livro vem aí.

Ah, meu Deus, isso é maravilhoso.

Modéstia à parte, é claro.

— O que foi? Tá tudo bem? — Elio pergunta como se eu tivesse mesmo me descolado do chão por uns instantes. — Passando mal?

Nego com a cabeça efusivamente. Opto por nos tirar do meio da ponte para evitar maiores conflitos entre os transeuntes. Quando menos espero estou gesticulando como se não houvesse amanhã.

Eu tenho um plano. Você confia em mim?

— Mas é claro que sim! — ele responde num tom ofendido. — Ora, que pergunta. Eu dormi do seu lado, isso é o maior sinal de confiança que existe!

É mesmo... Enfim! Eu tenho um plano e, se tudo correr de acordo com as minhas teorias da conspiração, em um semestre podemos fazer alguns ajustes. Mas, antes, eu preciso te perguntar uma coisa.

Elio tensiona os ombros. Certo, eu pareço mesmo uma maluca falando desse jeito. Vamos com calma, Diana.

— Claro, vá em frente.

Nós nos conhecemos há seis meses e, de certa forma, eu sinto que você é tudo que faltava na minha vida para eu ser feliz por inteiro. Eu amo você e não vejo porque esconder isso. Já estou careca de dizer que te acho uma pessoa maravilhosa. Você é o meu sol. Certo? Mas, se achar precipitado ou achar uma ideia ridícula demais, eu vou entender e vou agir conforme o que você escolher. Então... Eu gostaria de perguntar... Casa comigo?

Ele permanece me encarando, tentando entender se estou flertando ou falando sério. Quando não demonstro nenhum sinal de brincadeira, seu rosto assume cinquenta tons de vermelho. Acho que eu fui muito direta.

— B-bem, esse não é um pedido convencional, m-mas...

Meu coração vai sair pela boca a qualquer momento. É claro que ele não vai aceitar, isso tudo não tem cabimento e...

— ... eu seria um idiota se dissesse não a alguém que literalmente atribuí minha maior inspiração há alguns minutos... Apesar de eu não entender porque alguém como você iria querer...

Ergo uma sobrancelha.

— Desculpe. Nada de autodepreciação. Já sei. Eu... Ah, Diana, você já me entendeu, mas é claro que sim!

Abro meu maior sorriso. Eu poderia dar pulinhos ou me atirar da ponte de tanta alegria – se bem que atirar da ponte é grande chance de morte, e aí como eu faria para me casar com ele? –, mas o que faço no momento é esfregar uma palma na outra e aparentar confiança. É o mínimo, já que eu pedi para que ele confiasse em mim.

Primeiramente, eu o beijo. Como ele me beijou da primeira vez, com calma e organização. Porque, agora, eu espero que ele faça parte da minha vida.

Meu Deus. Eu acabei de pedi-lo em casamento. E ele disse sim. Sinto minhas bochechas pegando fogo. Tá, agora é só manter a calma.

E arranjar alianças. Ora, ora.

Perfeito. Então, o que vamos fazer é o seguinte...

Eu o conto meu plano enquanto voltamos caminhando para a Università. A lua já desponta no céu, tímida, mas em compensação eu estou apenas começando.


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