A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 10
Encontro Inesperado




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Shura ia à frente enquanto Mariah o seguia bem de perto por uma trilha feita em meio a floresta que ficava levemente mais densa que antes, não fazia muito que eles tinham achado a trilha, mas ambos não faziam ideia de quanto tempo tinha passado desde que eles encontraram essa trilha provincial. Por onde quer que olhassem havia apenas arvores altas e arbustos rasteiros bloqueando o campo de visão de ambos, um local perfeito para uma surpresa desagradável. Shura estava tenso pela expectativa de um ataque a qualquer momento da mesma maneira que Mariah, que mantinha as mãos próximas à faca e repassando mentalmente os movimentos que acabara de aprender.

Ficaram assim por algumas horas que pareciam uma eternidade, cercados pelo verde e atentos a qualquer mínimo movimento da floresta. Talvez o lugar em que escolheram começar a caçar os adversários tenha sido um erro, Shura se perguntava se algum deles estava à espreita desde que entraram ali, mesmo não sentindo nada de estranho se aproximar por enquanto. O ar tenso parecia esmagar a garota, ela se lembrava vivamente da surpresa de Ártemis e temia que o mesmo pudesse acontecer de novo, mesmo com algum treinamento ela sabia que não seria de grande ajuda em um confronto direto.

Imersa nesse pensamento, ela esbarra nas costas de Shura que acabara de pausar sua marcha sem a avisar. O impacto faz um sonoro som e a faz ficar com a ponta do nariz dolorido, mas a desperta. Olhando para Shura, ela percebe sua posição de batalha e escuta o chiar das lâminas circulares girando sob suas palmas, o som faz Mariah gelar de cima a baixo, mas ao contrário da outra vez ela se coloca em posição de luta de costas para Shura e saca sua adaga, se preparando para um ataque em qualquer direção.

— Vê algo? – Ela pergunta preocupada.

— Ainda não, – ele responde girando o pescoço de um lado para outro – mas a presença desse semideus... nunca senti algo parecido, não consigo perceber de quem é.

— Como? – Mariah pergunta o olhando de soslaio por cima do ombro.

— É como se eu sentisse a presença de alguns, não, dezenas de semideuses juntos.

— Não pode ser uma luta gigantesca entre vários deuses?

— Não – ele responde, sua voz abafada ficando grave de preocupação sob o lobo de madeira que parecia inabalado – é como se todas as presenças – ele faz uma pausa, tentando ter certeza do que diria a seguir – estivessem juntas no mesmo lugar, no mesmo ponto pra ser exato.

Mais um calafrio percorre todo o corpo da garota, que estremece de leve, balançando sua faca que faz o barulho de metal que ela escutara enquanto era subjugada por Ártemis, é nesse momento que Mariah percebe um movimento a meia distância. As árvores de folhagem densa projetavam uma penumbra na floresta a medida que ela se alastrava ao redor deles, por detrás de um dos troncos uma sombra parece se mover, indo de árvore em árvore, se camuflando pela meia luz da tarde. A garota agarra a manga do homem que estava de costas para ela com os olhos arregalados e o maxilar entreaberto.

— Shura – ela chama, vacilante.

O homem quase que de imediato entende o motivo de ela o chamar e se vira na direção da presença que sentia, jogando um dos discos certeiro na direção da sombra que agora se aproximava da claridade. A lâmina viaja no espaço entre os três cortando o ar em uma vibração fina e ruma para o inimigo na altura de sua garganta como se Shura tivesse calculado seu arremesso com todo cuidado, porém antes de tocar o ser ela entra na penumbra e simplesmente desaparece, sem que a misteriosa sombra sequer se movesse.

Seguido a isso, segundos de angustiante silêncio acompanhavam a aproximação da sombra ambulante, Shura por algum motivo também não conseguia invocar novamente sua arma perdida, ele decide então esperar para ver seu inimigo ao menos.

A sombra se aproximava cada vez mais e é aí que tanto Mariah quanto Shura percebem algo, a sombra não crescia com a proximidade, se mantinha pequena mesmo próxima, então, algo inusitado acontece, um garoto de cabelos loiros bem penteados para os lados em formato de tigela aparece por detrás de uma das árvores, saindo da penumbra quase que com o corpo todo e para diante dos dois.

— Boa tarde! – Diz ele em um tom cortês se inclinando com o antebraço direito próximo à barriga enquanto todo o braço esquerdo repousava colado ao seu corpo. Na mão desse lado, Shura percebe sua arma, ele havia interceptado seu ataque surpresa.

O rapaz aparentava ser jovem demais para estar ali, estava vestido com um terno totalmente branco e sua máscara era estranhamente lisa, sem nenhum tipo de adorno, desenho ou relevo, apenas buracos redondos e minúsculos para os olhos e nenhum para a boca, o que fazia sua voz mais abafada que o normal. Ele volta a endireitar se corpo e fica em silêncio por alguns instantes, os buracos de sua máscara são tão pequenos que Mariah se perguntava como ele conseguia enxergar através deles.

— Quem é você? – Pergunta Shura tentando esconder a garota atrás de si com o corpo.

— Sinto dizer que meu nome não é importante – responde o rapaz com um tom ainda cortês, mas sem emoção.

Shura fica confuso e parece acuado, mas não deixa que isso transpareça demais:

— O que quer aqui então? – O homem dá um passo de costas na direção de Mariah, que assistia a cena paralisada.

— Suas armas, por favor. – Responde o rapaz estendendo a destra coberta por uma luva que parecia de um material fino e da mesma cor que o terno.

— Como é? – Pergunta Shura. Ele não queria admitir, mas sentiu um frio na espinha com o modo de se portar do garoto.

Mesmo sendo um completo desconhecido, o modo de agir do garoto era anormalmente frio, como se ele já tivesse passado pela mesma situação milhares de vezes e soubesse exatamente o que e quando fazer ou falar caso as coisas fugissem ao seu controle. Ele parecia longe de qualquer tipo de temor ou simplesmente não ligava para tudo o que acontecia.

O silêncio permanecia enquanto eles se estudavam, por fim, o garoto se impacienta e gesticula com a mão enquanto fala na tentativa de acelerar sua própria fala, mas deixando-a clara:

— Para encurtar o drama vou te dar duas opções: - ele começa mostrando dois dedos em riste sob a luva branca - primeira, - ele aponta o indicador para cima enquanto esconde o dedo médio na palma -  você se rende e eu te dou uma morte rápida e indolor, o mesmo vale para sua amiga.

Ao dizer isso ele olha pela primeira vez diretamente à Mariah, ter os olhos daquele garoto a fitando fixamente por detrás dos pequenos furos quase imperceptíveis na máscara branca fazem a garota estremecer. Então continua:

— Segunda, - ele agora levanta novamente o dedo médio em um “v” de vitória diante de Shura e Mariah - eu pego sua arma a força e mato a humana que você protege em sua frente antes de te matar e pode ter certeza que não vou ser misericordioso com ela caso escolha se rebelar. De fato, eu já tenho uma de suas armas – ele levanta a arma do homem que ele segurava, a lâmina parecia tremer enquanto Shura tentava se concentrar em fazer com que ela voltasse, mas era como se o garoto tivesse prendido ela em si de alguma maneira - Faça sua escolha, tem cinco segundos.

Mariah sente o corpo congelar, Shura engole seco e fita o garoto. Ele não parecia grande coisa, mas sua confiança em si deixa o semideus incomodado, nunca vira algo parecido nem em um veterano, ainda mais com ele podendo segurar sua arma com tanta facilidade. Medindo os riscos mentalmente, ele resolve por arriscar.

— Como pode ter tanta certeza que ela é uma humana e não uma companheira de equipe? – Pergunta o rapaz de vermelho tentando ganhar tempo - Arranjar escudeiros não é tão incomum em tempos como esse.

O garoto coloca as costas de uma das mãos na boca da máscara e ri de uma forma forçada, fina e irritante carregada de ironia.

— Você subestima minha capacidade dedutiva Shura, - ele diz devagar, como se saboreasse cada palavra, se Shura pudesse ver seu rosto, ele tinha certeza que o garoto estaria sorrindo - nenhum semideus defenderia outro assim mesmo que em um sistema de parceria. Na verdade, eles me atacariam em equipe assim que me vissem.

— Você sabe quem eu sou? – Pergunta ele, pasmo.

— Mas é claro, venho sondando vocês há tempos – reponde o garoto de forma fria – agora escolham logo, vou dar mais três segundos para vocês, já que estou de bom humor pela minha caçada.

— Caçada? – Indaga Mariah quase que em um sussurro, para apenas Shura escutar.

— Também não sei do que ele está falando. – O semideus responde tenso, Mariah não havia o visto tão tenso assim nem em sua luta contra Ártemis.

— Podem parar com a conversa paralela, por favor? As armas! – diz o garoto balançando a mão com a pala virada para cima diante de Shura e Mariah.

— Nesse caso eu escolho a terceira opção – diz o rapaz se apoiando na perna esquerda e sacando o segundo disco da manga - Mariah se esconda, rápido!

Shura se joga em uma velocidade acima do humanamente possível para cima do garoto que não esboça reação nenhuma, apenas se mantém com ambas as mãos na frente do corpo como um mordomo. Mariah observa a cena por cima do ombro enquanto corre para detrás de um tronco para se proteger da fúria da batalha, ela sabia que deveria lutar também, mas seria mais inteligente aproveitar uma abertura do inimigo em uma posição segura. Antes de ela chegar ao tronco, porém, ela escuta o som de metal se chocando e se vira na direção da batalha, mas não acredita no que vê: em frente ao garoto um pesado escudo com símbolos em japonês aparece flutuando imponente, como se uma pessoa invisível muito forte o segurasse. O golpe do disco do homem deveria ter cortado o garoto, mas graças ao escudo ele nem se moveu, Shura que agora tinha recuperado os dois discos, tentava recuperar o equilíbrio do ricochete de sua arma no metal do escudo.

Mariah volta a correr e finalmente chega em seu esconderijo, se jogando de costa contra a madeira da árvore e espiando de lado a luta dos dois.

— Impossível – resmunga Shura dando um pulo para trás – esse escudo é de...

— Melhor dizendo, ele “era” de Hichman, o deus da batalha japonês – Corta o garoto com um tom de cinismo na voz – está correto, agora ele... como posso dizer... não precisa mais desse belo presente.

O tom frio do garoto faz outra onda de frio percorrer a espinha de Mariah e Shura ao mesmo tempo.

— Quem... quem é você afinal? – Gagueja o semideus.

— A mesma pergunta? – Se impacienta o desconhecido, que cruza os braços e o escudo desaparece automaticamente – já disse que como me chamo não é importante, mas se querem mesmo me atribuir um nome, podem me chamar... Ganância, a reencarnação de Athena. – Dizendo isso, o queixo do garoto sobe alguns centímetros, fazendo seu peito se projetar para frente em um orgulho doentio.

Ganância solta uma nova gargalhada cínica e forçada que ecoa por todo lugar enchendo a floresta, Shura o olha fixamente tentando entender o que está realmente acontecendo ali e Mariah espia tudo com a cabeça girando a mil milhas por segundo, aquele garoto que parecia não ser muito mais velho que seu irmão Jonah era um semideus, e o pior, um semideus que tinha matado outro e roubado sua arma, o que até então era impossível para ela e para seu companheiro.

Um pouco distante dali, dois olhos curiosos observam a cena, abaixo deles um sorriso misterioso era tudo o que se podia ver projetados da copa alta e escura de uma das árvores, o novo ser até então se mantinha como um espectador sinistro e imperceptível do espetáculo que acontecia logo a baixo.

Enquanto isso, dentre os dois semideuses apenas um silêncio mortal imperava, Shura apesar de ser muito maior que o garoto que aparentava ter entre 12 e 16 anos, estava em uma posição recuada de medo e isso não era comum nem entre deuses. A presença do garoto, apesar de sua baixa estatura e pouca idade, era esmagadora.

— Acho que vou ter que tirar suas armas de você então, Senhor Shura – Diz o garoto, sem esboçar emoção nenhuma. Nesse instante, o espaço sobre a cabeça de Ganância tremula em uma linha vertical dourada e um arco se materializa. O arco era de ouro maciço e adornado com runas nórdicas, assim como suas 4 flechas que apontavam diretamente para o semideus maior.

— Não é possível, esse é...

— Não, infelizmente não consegui recuperar o arco de Ártemis – responde o jovem dando de ombros – esse é de Uller, o deus nórdico da caça, assim com Ártemis.

— Mas... como você o conseguiu? – Pergunta Shura ainda pasmo com o rapaz.

— Derrotando-o, claro – responde o menor sem esboçar arrependimento ou medo. – E para ser sincero com o senhor – ele dá uma pausa dramática – eu gostei de cada grito de dor do mesmo.

Mariah suprime um grito com as duas mãos enquanto deixa o corpo pesar sobre suas pernas até ela escorregar pro solo, Ganância não era apenas perigoso, era desequilibrado e era claramente muito poderoso. A garota não tinha ideia de quantos semideuses ele derrotou, mas sabia que a “caça” que ele comentara era sobre os semideuses derrubados.

— Seu... seu maldito. Tem ideia do que acontece com os semideuses que você...

— Que eu derroto? Sim, suas almas vão para o esquecimento eterno que os gregos chamavam de tártaro ou o que quer que seja, não é? Estou ciente disso e não me importo.

— Então você os mata para lhes roubar sabendo as consequências?

— Exato.

— Que tipo de monstro é você afinal?

— Do tipo que não gosta de conversa – corta o menor.

Nesse instante, uma das quatro flechas é disparada em direção a Shura, que se defende com um de seus discos, ao contrário da de Ártemis, ele não consegue a cortar, apenas desviar sua trajetória, fazendo com que ela crave até a metade de sua haste em uma árvore próxima. Shura escuta o fio do arco tensionado ser solto em um som abafado característico, a segunda flecha atinge de raspão seu obro antes que ele tivesse tempo de reagir, cortando seu casaco e sua pele antes de sumir em meio às árvores, mas o terceiro faz uma curva que fisicamente seria impossível e segue através de Shura, indo direto para atrás de uma árvore a pouca distância da batalha, Shura observa impotente a flecha cortar o vento em um sibilo e atravessar a camada externa da árvore com uma facilidade indescritível.

Novamente um som alto enche a floresta logo após a flecha sumir completamente no tronco grosso, mas esse é um grito de dor.


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