A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 11
O garoto




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— Mariah! – Grita o homem correndo em direção a árvore, seu peito parecia apertar, de um modo que ele não sabia se era a ligação ou apenas angústia, seus passos eram rápidos, mas no meio do caminho, de forma repentina, o escudo de Hichman aparece novamente e atinge o corpo do semideus com força o suficiente para arremessa-lo para trás como se o repelisse, fazendo-o aterrissar de costas.

— Maldito! – Diz ele se levantando com dificuldade.

— Você escolheu a segunda opção como eu temia, - começa o garoto - agora você terá que sofrer as consequências, assim como ela.

Atrás da árvore Mariah segurava a extremidade de ouro da flecha que saia da lateral de seu abdome com força. A dor que sentia quase a fazia desmaiar, mas ela se mantinha consciente mesmo temendo o pior. Sua respiração era rápida e sua expressão mudava entre dor e desespero com o movimento de sua barriga ao respirar, com um pouco de dificuldade ela toma coragem e tateia o ferimento com cuidado, olhando para baixo ela via a flecha emergindo de suas roupas com sua ponta à cerca de dez centímetros de seu corpo, junto dela, uma pequena auréola vermelha de sangue que crescia aos poucos em sua blusa.

Com muito cuidado, ela rasga a ponta de sua blusa apenas o suficiente para liberar o ferimento e o observa com o cenho franzido, segurando a respiração como dava. Ao olhar com mais cuidado, Mariah percebe que a flecha perfurou uma camada superficial da pele e sua ponta estava exposta do outro lado, com um pouco de sorte nenhum órgão vital foi atingido, o que a acalmava, mas não diminuía a dor.

Shura se desesperava com a falta de informações de Mariah que não o respondia, ele não sentia como se estivesse morrendo, o que significava que ela estava viva, mas ele se questionava por quanto tempo ela ficaria viva caso estivesse seriamente ferida. A única opção era derrotar Ganancia o mais rápido possível.

O som de metal se chocando se seguia e se repetia em um ritmo quase uniforme, com exceção de alguns instantes de silêncio que entrecortavam a música da batalha performada pelas armas. Os dois semideuses nada falavam com os lábios, mas seus ataques travavam uma extensa discussão em que o garoto tinha vantagem. Sem se mover, o garoto se defendia com seu escudo e atacava com seu arco, forçando Shura a desviar constantemente e deixar de lado sua sequência de golpes apenas tempo o suficiente para que o escudo reaparecesse no lugar certo para defende-lo. O semideus estava cada vez mais cansado e as flechas passavam cada vez mais perigosamente próximas de seu corpo, o fazendo se contorcer o máximo que conseguia para não ser atingido.

Não muito longe dali, Mariah se esforçava para pensar em alguma solução para seu problema. A dor fazia seu corpo amolecer a medida de que se contorcia a cada movimento do projétil em suas tentativas de arrancá-lo e com isso, sua mente ficava cada vez mais turva.

— Vamos – ela repetia para si mesma tentando se acalmar em meio ao desespero de ver o seu próprio sangue em suas vestes e uma seta a atravessando daquela maneira – pense em algo das aulas de biologia, o algo assim.

Nada adiantava, ela começava a ficar frustrada a medida que os órgãos se embaralhavam no mapa do corpo humano que tentava formar em sua cabeça para tentar estimar os estragos, por um segundo em um dos flashes de dor, ela podia jurar que vira o coração pulsando no estômago do boneco em 2d em seus pensamento, tratou de afastar isso da mente e tentar focar em outra coisa. Fazendo isso, Mariah começa a perceber os sons da batalha e algo chamava sua atenção: eles se tornavam cada vez mais baixos com o tempo, então ela deduz que eles estavam ficando mais distantes, gritar por ajuda seria inútil e perigoso. Sem saída, ela se recosta de lado na árvore para tentar diminuir a dor, mas não adianta muito.

Fechando os olhos, por um momento sua mente viaja, nesse instante ela está novamente com os pais na clareira em que acampariam, a garota se vê sentada com seu pai, seus corpos próximos e os braços de um envolvendo o outro em um abraço lateral, Mariah era capaz até de sentir o cheiro dos espetinhos de marshmallows presos em pedras ao redor da fogueira, escutar as piadas ruins do seu pai e os protestos de sua madrasta se misturando com o estrondo de risada que o homem tinha. O peito da garota se aquece com as memórias mas a tensão da dor em seu abdome a arrancam dessa sensação reconfortante, ela aperta mais ainda os olhos já fechados, mas dessa vez para tentar impedir as lágrimas que se formavam, em sua garganta um nó a fazia engasgar e seu rosto esquentava com o desespero que voltava a se formar, foi uma questão de tempo para que ela sentisse suas bochechas ficando úmidas, temendo o pior, nunca mais ver sua família novamente.

— Fique quieta garota – diz alguém diante dela, a voz feminina era desconhecida e era tão baixa quanto um sibilo.

Mariah abre os olhos e se agita com o susto, as estrelas dançavam eu sua visão pela dor em sua barriga e a força que fizera para cerrar as pálpebras, ela não via nada, era tudo um borrão e a pessoa a sua frente poderia, a essa altura, ser tanto sua madrasta quanto um monstro mitológico, não fazia diferença para seus olhos.

— Não! – Grita a garota movendo os braços tentando afastá-la e sentindo uma dor aguda percorrer seu corpo enquanto ela se debate.

— Droga, está cada vez mais difícil ajudar as pessoas hoje em dia. – diz a mulher tentando segurar a jovem.

“Ajudar?” Ela pensa.

Com um movimento rápido de algo grande e apoiando o ombro da garota com uma das mãos, a mulher corta a ponta metálica da flecha deslocando o ar de uma maneira refrescante e estranha sobre Mariah, que recuperava a visão devagar. O som de algo metálico caindo no chão era um alívio para os ouvidos cansados da jovem, mas o pior ainda estava por vir. Virando Mariah que agora relaxava o corpo, a estranha misteriosa pousa a mão sobre o cabo que saía das costas da jovem e antes que ela pudesse protestar, puxa com toda sua força, fazendo todo o corpo da garota travar por uns bons segundos. Ela tenta gritar de dor, mas a mão da mulher é mais rápida e tapa a boca da garota, fazendo com que apenas um grunhido morto saia dela.

Mariah via tudo agora com tons opacos e ela alternava entre vigília e inconsciência rapidamente enquanto a mulher parecia fazer algum tipo de curativo em seu ferimento, Mariah não tinha como ajudar Shura, muito menos derrotar a misteriosa mulher que agora parecia uma sombra contra o sol que começava sua trajetória descendente no céu. Em um último pensamento desesperado, Mariah usa suas forças para pousar a mão em cima da de sua salvadora, fazendo-a parar o que fazia e a observar em silêncio.

— Ajude Shura – as palavras parecem escapar de seus lábios quase imóveis, Mariah mal tem tempo de pensar no que havia dito, tudo que ela viu antes de desmaiar foi a mulher repousando sua cabeça sobre uma raiz e partindo. Ela não sabia o motivo, mas ela confiava na estranha que ela nem tinha visto o rosto, ou melhor, a máscara. Afinal, ela tinha acabado de salvar sua vida.

— Ah, porcaria! - Exclama a estranha subindo a árvore quase de pé e sumindo na copa – Bom, acho que o deusinho ali não tem muitas chances sem a minha ajuda de qualquer maneira.

Shura lutava contra o garoto e contra seu cansaço que se acumulava a cada movimento durante a batalha. Ele sabia que não aguentaria muito tempo, e a cada vez mais ele não via outra forma de ganhar, pela primeira vez passa pela sua cabeça se utilizar de seu trunfo.

Por um instante o homem parou de golpear o garoto e com um pulo se escondeu por detrás de uma árvore a meia distância. Observando a cena, Ganância não mudava de expressão corporal em nenhum momento, se mantendo de braços cruzados e postura ereta tendo entre Shura e ele o escudo, o Arco e a arvore que o semideus usava como trincheira.

— Eu sei o que está tentando fazer Shura – grita o garoto de onde estava, apesar da batalha já se seguir por algum tempo, ele não tinha qualquer traço de cansaço na voz – devo adverti-lo que não irá funcionar, no momento estou usando oito por cento de minha habilidade total e ainda sequer usei meu trunfo. Escute a voz da razão. Aceite uma morte rápida, prometo ser misericordioso.

Shura lutava para se manter concentrado mesmo com as ameaças do garoto, se ele atingisse seu poder total talvez pudesse vencê-lo. Quem sabe ele precisasse de apenas um ataque e pronto. Shura fecha os olhos e junta as palmas das mãos em frente ao seu corpo cruzando os dedos entre as mãos quase que em uma posição católica de reza. O silêncio parece o cercar assim que ele respira fundo, seus arredores parecem estar vazios e nada parecia o abalar dessa forma, dentro de si, ele sente uma chama se formar em uma pequena onda de calor, o ar ao seu redor se torna pesado e quente gradualmente, o semideus sentia seu corpo se aquecer e vibrar cada vez mais, lentamente. O caule da árvore em que ele se encostava começava a ficar escuro se aproximando de preto, como se queimasse, as plantas aos seus pés murchavam rapidamente e levantavam uma fuligem fina e cintilante cor de âmbar, que formava um pequeno redemoinho a sua volta. Era como se tivessem ateado fogo sobre ele e ele de alguma forma pudesse controlá-lo.

Ganância o observava sem se mover, como se pensasse ou quisesse pagar para ver o que seu adversário tinha para si, nesse momento ele percebe a árvore ter seu caule lentamente incinerado, se tornando mais escura até mesmo do outro lado do tronco. O garoto finalmente decide agir, muda de posição estendendo o braço fazendo as armas em sua frente desaparecem, em um pequeno cintilar.

— Sua resistência é louvável – diz o garoto – mas acaba aqui.

De outro ponto de luz que aparece a sua frente, salta uma densa corrente incandescente que se lança para frente envolve a árvore em que Shura estava, sem que o garoto fizesse nada, a própria corrente dá várias voltar ao redor da árvore e depois se adere a ela com força o suficiente para esmagar o tronco por onde aderia, Shura é pego por esse aperto e sua posição de concentração é quebrada e com ela o poder que se formava. A corrente o prende desde os tornozelos até o pescoço, enrolando todo seu corpo e prendendo-o com a ajuda de garras metálicas à árvore de caule grosso, garras essas que também ferem a pele de Shura, fazendo sangue minar de seu corpo e banhar a corrente.

— Ahh - Shura geme com a pressão, ele não conseguia nem falar, quanto mais se mover. O ar a seu lado volta gradativamente a sua temperatura normal e em segundos apenas a grama rasteira mostrava que algo acontecera ali.

— As correntes de Izanami – se gaba o garoto com um tom de alegria – sabia que o único a conseguir fugir delas foi Izanagi? – mais uma pausa, o jovem realmente gostava de sentir o gosto de suas palavras destruindo o psicológico de seu oponente. Ele então continua - Mas para sua infelicidade, você não é ele.

O garoto estende a mão com a palma aberta em direção à árvore, pensa um pouco e então começa a fechar vagarosamente. Seguindo o movimento da mão, a corrente começava a apertar o semideus, fazendo profundas cicatrizes na árvore e espremendo o corpo do seu oponente contra ela, as garras perfuravam cada vez mais fundo o homem.

Shura ficava sem ar e sentia seu corpo se romper lentamente sem que ele pudesse fazer nada, a sensação de morte próxima o fazia ficar desesperado e a impotência apenas piorava tudo.  Passos se aproximavam em uma marcha lenta e ritmada, quebrando as cascas que eram ejetadas da árvore e pousavam no chão da floresta, em segundos aparecia a figura nanica do garoto diante de Shura, ele o olhava com curiosidade a princípio, percebendo o sangue que começava a minar do homem, seu corpo tremeu de leve em excitação e depois de um breve silêncio sibilou em uma voz quase ofídica:

— Não se preocupe – fala o garoto se posicionando na frente do semideus, a poucos centímetros de sua face avermelhada pelo aperto – Isis morreu dessa mesma maneira, ela não demonstrou muita dor depois de sua cabeça pular de seu pescoço.

A frieza na fala do rapaz deixava claro que ele era um assassino dissimulado e se divertia com a dor de suas vítimas, Shura sabia que seria uma delas se tudo continuasse assim. Além da dor, apenas Mariah aparecia em sua mente, ele torcia para que ela não estivesse sofrendo, ele preferia que tivesse morrido com pouca dor do que ser caçada por esse homem. Shura tenta se livrar do aperto se movendo, mas isso faz com que as garras cravem fundo em seus músculos, além disso, se concentrar não era mais uma opção, a dor que percorria seu corpo deixava isso impossível, até mesmo falar exigia uma força hercúlea a esse nível.

— Vá... para... o... Naraka... maldito! – Balbucia Shura sentindo que seu corpo se despedaçaria a qualquer momento, um pequeno filete de sangue saía bruxuleante do canto sua boca.

— Esses deuses – ele ri – ou eu deveria dizer demônio?

O ombro do garoto de repente explode se rompendo em dois, cortado por um leque maior que o habitual que passa girando por entre a carne e tecido da roupa de Ganância e se chora contra a árvore, se prendendo como um disco de metal. Shura observa a cena em tempo de bala, o garoto grita por debaixo da máscara branca igualmente manchada de vermelho enquanto dá um passo exagerado para trás e se inclina para frente segurando o braço que pendia sem vida, enquanto da copa da árvore cai de pé em cima do aparato uma mulher vestida com uma roupa adornada de branco e roxo que deixava seu tronco a mostra, seu cabelo negro longo estava preso em um coque e a máscara de gato sorridente em tons escuros arroxeados dançantes como a roupa que trajava agora parecia convidativa e terna, mas os olhos esmeralda por trás dela pareciam sombrios. Ela analisa tudo com rapidez e gira o outro leque que carregava consigo nas costas na direção de ganância, fazendo com que uma lufada de vento com muita terra o atinja, cegando-o temporariamente e o derrubando no chão, fazendo-o gritar de dor mais uma vez.

A corrente que prendia Shura até então desaparece e o semideus desaba, apoiando-se sobre os joelhos. A misteriosa mulher pula em sua direção e o levanta pelo braço com violência.

— Levanta daí grandão, - diz ela o puxando para cima - antes que ele levante no seu lugar!

— Quem é você? – Shura pergunta à beira de um desmaio.

— Meu nome é Eyria, agora sem perguntas, vamos!

— Vaca maldita! – Gritava o garoto ainda cego do chão com a mão sobre o ombro ensanguentado – Vou te matar! Vou te matar bem devagar!

Ele parecia ainda mais ameaçador agora, sua voz não tinha um tom definido, variava entre uma voz rouca para uma aguda, enquanto ele rugia de dor e ódio.

— Ouviu? Vamos logo! – Quase gritava Eyria.

Shura se levanta com dificuldade e a segue com todo o esforço possível se apoiando sobre ela. A mulher estende seu braço para o lado e ambos os leques desaparecem como acontecia com o garoto.

Eyria era rápida. Seu corpo esguio se movimentava quase sem barulho por entre as árvores e arbustos, em contraste com o rapaz que parecia um elefante esbarrando em tudo que podia e quebrando galhos com o braço e com o peito. Ele só não sentia dor pois quase fora esmagado a pouco, na verdade ele estar correndo nesse momento era quase um milagre, nada em seu corpo tinha tato, ele nem mesmo sentia o chão que pisava, no lugar da sensação de andar, vinha um formigar violento nas plantas dos pés.

Assim que saíram do alcance do rapaz que ainda caído praguejava a mulher, eles viraram para a direita e andara alguns metros antes que ela subisse em uma árvore de forma habilidosa e sem aviso prévio.

— Um presente – diz ela antes de descer.

Shura vê Mariah e se alegra, mas logo sente seu coração apertar ao ver que sangue manchava sua camiseta e uma bandagem de tecido e folhas postas às pressas, ela tinha mesmo sido atingida por Ganância.

— Mariah, acorde! – Chama o semideus apoiando-a sobre seu peito e sustentando seu peso com os braços, quase o fazendo cair.

— Acalme-se – Adverte a mulher – ela está se recuperando ainda, deve ficar assim por algum tempo, mas vai sobreviver. Consegue andar?

Ele faz que sim com a cabeça, seu corpo treme de leve com o movimento.

— Perfeito, vamos logo.

Eyria joga um dos braços de Mariah sobre seus ombros e Shura, entendendo o que a mulher queria, faz o mesmo. Em alguns minutos, eles não escutavam mais o garoto.


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