A Égide de Athena escrita por Joy Black


Capítulo 8
8. Convite




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— Isso tudo é uma grande perda de tempo!

Shun levantou os olhos da gravata que estava ajeitando e encarou seu irmão, que estava visivelmente desconfortável.

— Por que você acha isso? - perguntou com um sorriso meigo.

— Essa cerimônia, essas roupas… - Ikki olhou para baixo, para a elegante roupa que vestia – Para que tudo isso? Ela já está grávida!

Shun riu e voltou a ajeitar a gravata de Ikki.

— A Saori acha que, depois de tantas lutas, devíamos ter uma comemoração como essa, com todos nós reunidos. - explicou pacientemente – E Shiryu concordou. Ele e a Shunrey não tiveram uma festa de casamento decente lá na China. Ele quis proporcionar isso a ela. - Shun terminou de colocar a gravata no irmão e ajeitou a lapela da camisa dele – Pronto.

Ikki caminhou até o espelho, viu própria imagem, vestido na roupa formal e franziu o cenho.

— Ainda assim, acho tudo isso desnecessário. - Ikki remexeu na gravata, a expressão de desagrado.

— Pense que essa é a primeira vez que podemos relaxar, sem nenhum perigo nos espreitando. - o cavaleiro de Andrômeda sorriu para seu irmão – Até mesmo as senhoritas Shina e Marin vieram do Santuário para isso.

Ikki o encarou através do espelho e não estava muito convencido. Todavia, não quis estragar a animação de seu irmão, principalmente porque notara, nos últimos dias, que ele não estava em seu humor normal. Shun, sempre expansivo e alegre, estava pensativo, calado e se esquivava cada vez que Ikki perguntava qual era o problema. Por fim, prometeu conversar com o irmão após a cerimônia de casamento de Shiryu e Shunrey, deixando Ikki com a impressão que não gostaria nem um pouco do que ia ouvir.

Os dois estavam na mansão Kido, onde Saori organizara com esmero o casamento de Shiryu e Shunrey. E era só nisso que se falavam pelos corredores nos últimos dias. Sem paciência para tanta ladainha, Ikki passou a maior parte do tempo fora do local, mas Shun o fez voltar no dia do casamento bem cedo, para se arrumar e prestigiar o evento. Afinal, ele aceitara o convite para ser um dos padrinhos. Ikki gostava de Shiryu e de Shunrey, claro, e estava feliz pelos dois. Só não gostava de toda agitação que Saori fizera em torno do casamento.

— Quem mais virá? - perguntou o cavaleiro de Fênix vendo seu irmão ajeitar a própria gravata.

— June já chegou da Ilha de Andrômeda, está a caminho daqui. - disse – As crianças do orfanato também virão, a limousine foi buscá-los. - Shun pensou mais um pouco – Kiki já está aqui também, como Jabu e os outros.

Algo passou pela cabeça do cavaleiro de Fênix, uma desconfiança. Virou-se para o irmão.

— A June ficará mais tempo dessa vez? - quis saber Ikki.

— Não sei. - Shun se olhou no espelho e sorriu, a lembrança de June aquecendo seu coração – Ela falou que está treinando alguns aspirantes na ilha e não queria deixá-los sozinhos por muito tempo. Mas eu gostaria que ela ficasse mais, não conversamos há um bom tempo.

— Humm… - Ikki caminhou até a parede e se encostou, enquanto o irmão pegava o paletó dos dois no armário – Aquilo que você tem para me contar, tem a ver com June?

Shun olhou para o irmão, segurando os dois paletós, confuso.

— Com a June? - repetiu a pergunta.

— Sim… Esse mistério todo… - ele gesticulou com a mão – É sobre vocês dois? Porque, se for, não precisa desse segredo. Acho que vocês fazem um casal muito bonito.

O rosto de Shun adquiriu um tom vermelho berrante e ele simplesmente perdeu a voz. Ficou encarando o irmão, sem saber o que falar, com um paletó pendendo em cada mão. Ikki começou a rir, caminhou até o irmão e deu duas tapinhas no ombro dele.

— Haha, eu acertei, não foi? - e antes que Shun respondesse, ele acenou com a mão e foi em direção à porta do quarto – Bem, como não temos como evitar essa cerimônia toda, vou indo. Pelo menos a Saori não economizou na bebida. Vou te esperar lá no bar. - e saiu, sem pegar o paletó.

Quando se viu sozinho, Shun sentou-se na cama, com o coração apertado. Tinha esquecido que teria que contar também a June. Já havia adiado o máximo possível a revelar a Ikki e aos outros de sua decisão e agora, tinha que falar também para a única garota que já gostara. Colocou as duas mãos no rosto e chorou, o primeiro pranto dos muitos que se seguiriam os próximos duzentos anos.

 

*********************

Um imenso gato amarelo encarava Sophia.

O dia anterior tinha sido exaustivo e a menina nem mesmo lembrava quando havia adormecido. Talvez tivesse simplesmente desmaiado de exaustão no meio do treinamento. Porém, o mais estranho não fora o apagão, mas sim acordar e dar de cara com aquele gato, deitado sobre o seu peito, que a encarava como se ela fosse algo que o incomodava. Sophia e o gato continuaram a se olhar até que o gato deu uma tapinha com a pata em seu nariz. A menina gritou e se afastou, fazendo o gato miar, reclamando e sair de cima dela.

— Ei. – ouviu uma voz dizer – Não o assuste.

Lucius estava de pé, por trás de um balcão, com uma caneca na mão e a encarava com a testa franzida.

— Avalanche só estava curioso. – falou ele.

— Avalanche? - Sophia olhou para o lado e agora o gato amarelo estava se lambendo despreocupadamente, decidido a ignorá-la – O nome do gato é Avalanche?

— É.

E foi então que ela entendeu.

— Pera aí, você tem um gato? – perguntou, sem acreditar.

— “Mestre”. - corrigiu Lucius – Não é “você”, é “mestre” ou “senhor”.

Sophia apertou os olhos, suspirou e falou novamente:

— O senhor, mestre, tem um gato?

— Sim. - respondeu satisfeito com a correção dela – Qual o problema?

— Sei lá, só parece… Estranho.

— Eu sou estranho. – afirmou Lucius calmamente.

— Isso é verdade. - confirmou enfática.

Lucius deu uma risada e tomou um gole de sua caneca.

Foi quando Sophia percebeu que não fazia ideia de onde estava. Olhou ao redor. Era um cômodo grande, de pedra e mármore, e ela entendeu que devia ser uma parte da casa de Escorpião. O teto era alto, havia duas janelas opostas, triangulares, que eram feitas de mosaico de vidro em formato de escorpiões e que deixavam a luz do sol entrar. Ela estava deitada em uma cama pequena, mas que não era alta, estava rente ao chão, próximo a uma dessas janelas. Olhou pela janela, curiosa, e viu que estava na parte superior da casa de Escorpião, seu teto triangular. De onde estava podia ver uma parte das escadarias e a parte de trás da casa de Libra. Olhou para o outro lado do cômodo. Havia uma mesa pequena no centro da sala, mas ela era baixa e não tinha cadeiras. Pra usá-la, a pessoa tinha que sentar no chão. Do outro lado da pequena mesa, uma cama de casal perfeitamente arrumada se colocava bem abaixo da janela oposta a onde Sophia estava. A cama de casal também era baixa, rente ao chão, como a sua. Ao lado da cama, uma estante com livros. Sophia reparou que havia três livros empilhados no chão ao lado da cama, os marcadores saindo por entre as páginas.

Lucius estava por trás de uma bancada, que ficava do lado esquerdo da cama de casal, no que Sophia supôs ser uma pequena cozinha. A bancada era larga, de mármore e era alta, com duas banquetas para sentar. Havia também duas coisas que Sophia jamais imaginara ver num local como aquele: um fogão e uma geladeira, ao lado de alguns armários.

— Isso é realmente a casa de Escorpião? – perguntou sem acreditar.

— E por que não seria? – questionou Lucius.

— É… tipo… uma casa.

Ele a encarou com as sobrancelhas levantadas, com um pequeno sorriso debochado.

— Tá, entendi. – resmungou Sophia jogando os lençóis para o lado – Casa de Escorpião.

Lucius não falou nada, apenas continuou bebendo de sua caneca.

Sophia fez menção de se levantar e percebeu que ainda usava a roupa do dia anterior. Ficou aliviada; não se sentiria a vontade imaginando que Lucius trocara sua roupa. Todavia, sua camisa estava muito suja, bem mais do que no dia anterior e tinha manchas de sangue. O treinamento certamente fora bem pesado, pois ela nem lembrava de ter se machucado. Olhou para os pés e os curativos que Dharma fizera no dia anterior tinham sido trocados. Ela sabia disso porque eles não estavam simetricamente cortados como os do dia anterior. Então, seu mestre havia cuidado de seus pés. Aquilo lhe deu uma sensação estranha, uma mistura de gratidão e surpresa.

— Eu desmaiei ontem? – perguntou se levantando com um pouco de dificuldade.

— Sim. – respondeu Lucius – Depois de meia hora.

— O quê? Só meia hora?! – surpreendeu-se Sophia – Eu aguento bem mais que isso!

Lucius deu de ombros e tomou outro gole de sua caneca.

Sophia andou com um pouco de dificuldade até a bancada e percebeu que Avalanche a acompanhava, desconfiado. Depois, o gato pulou com agilidade para a bancada e sentou-se, sem tirar os olhos dela.

— O banheiro fica ali. – Lucius apontou para uma porta à sua esquerda, que Sophia ainda não vira – Não deixe o chão molhado.

— O que eu vou vestir? – perguntou confusa – Ainda não tenho minha roupa.

— Vista a roupa que você tem.

A roupa que ela tinha era a que ganhara do Grande Mestre, a roupa similar a que vira Athena usando, de seda e muito bonita.

— Mas não vai dar para treinar com aquilo. – retrucou a menina.

— Você não vai treinar agora pela manhã. Você vai ver Athena.

Um imenso sorriso surgiu no rosto de Sophia.

— Sério? – perguntou, sem acreditar.

— Eu pareço estar brincando? – replicou Lucius, franzindo o cenho.

— Não acho que você seja capaz de brincar. – devolveu a menina.

— Você? – Lucius a encarou, com seriedade.

— O senhor, mestre. – corrigiu-se, antes de acrescentar – Vou me aprontar. - e sem esperar resposta, pegou suas coisas e foi para o banheiro.

O banheiro era outra surpresa. Também de mármore, era imenso, com uma banheira de pedra grande, que parecia uma piscina. Tinha também chuveiro, privada, tudo. Em cima da pia, produtos de limpeza infantis, com um bilhete dizendo “Use isso. Se você usar meu shampoo, te mato.”

— Que carinhoso. – murmurou ela, revirando os olhos.

Sophia achou melhor não testar a banheira, porque sabia que não quereria sair de lá tão cedo. Tomou banho, fez toda sua higiene, vestiu a roupa que ganhara e só não pôs o tênis porque precisaria refazer os curativos. Teve o cuidado de enxugar o banheiro antes de sair.

Lucius estava enchendo a caneca dela com algo que Sophia reconheceu ser café pelo cheiro. Seu estômago roncou.

— Onde eu coloco a roupa suja? - perguntou com as suas roupas sujas nas mãos.

— Deixe em cima daquela cadeira, você lava depois. Isso se as fadas do Santuário não derem um jeito nelas.

— Fadas? - perguntou confusa.

— Bem, não são realmente fadas. Quer dizer, ninguém sabe. O que sabemos é que, às vezes, deixamos as coisas fora do lugar, ou sujas, e algo as lava ou as organiza. Tem servo que ama isso, pois facilita seu trabalho e tem servo que odeia, como a Zoe, a criada pessoal de Athena. - Lucius pensou um pouco – As fadas costumam irritar muito Kiza, porque entram na casa de áries e organizam as armaduras por tipo e ordem alfabética e Kiza as organiza por dano.

— Acho que não precisa muito para irritar mestra Kiza. - falou Sophia.

— Não mesmo, mas isso a irrita muito.

Sophia não queria imaginar como era Kiza muito irritada.

— E ninguém nunca viu essas fadas? - perguntou colocando as roupas onde Lucius dissera.

— Nunca.

— E porque falam que são fadas? - questionou – Se ninguém sabe o que é?

Lucius deu de ombros antes de responder:

— São as lendas.

Era impressionante como as pessoas simplesmente não sabiam das coisas ali, pensou Sophia abismada.

— Venha comer. – ordenou ele apontando a banqueta em frente a ele.

A menina sentou-se obedientemente nas banquetas e Lucius colocou um prato com ovos mexidos e torradas, além de uma xícara de café com leite.

— Essa vai ser sua caneca. – avisou ele apontando – Cuidado. Avalanche gosta de derrubar as coisas.

Sua caneca era toda branca, mas na de Lucius estava escrito “Irmão chato”. Era óbvio que fora um presente de Lilian de Aquário.

— Eu não sabia que tinha eletricidade nas Doze Casas. – comentou a menina provando do café com leite.

— Foi algo que a senhorita Saori, a Athena do século 20 fez. Ela modernizou o Santuário. Mandou instalar painéis de energia solar em toda a vila, nas Doze Casas e, claro, no Templo. – explicou Lucius – Posteriormente, a Academia também recebeu. Mas as únicas tecnologias que as pessoas aqui aderiram foram as geladeiras, fogões e chuveiro elétrico.

— E como vocês compram essas coisas? – quis saber.

— Vários governos nos procuram para lidar com criaturas mitológicas, monstros e, claro, desastres ambientais. Recebemos pagamento por isso, mas apenas o suficiente para manter o Santuário. Ninguém aqui quer enriquecer ou ostentar. – enfatizou o cavaleiro – O Santuário é autossuficiente. Mas, às vezes, precisamos de coisas do mundo lá fora.

— Ah… – murmurou a menina entendendo. Ela olhou ao redor mais uma vez e quis saber – Por que as camas são rentes ao chão?

— Porque eu me mexo muito enquanto durmo e caio da cama. – respondeu com simplicidade.

Sophia começou a rir e logo parou, achando que receberia um cascudo, mas Lucius apenas continuou a beber o café. Avalanche se aproximou do prato da menina e seu dono o pegou e o pôs no chão, fazendo o gato miar em protesto.

— Mas a minha também é rente ao chão e eu não me mexo assim. – continuou Sophia entre uma garfada e outra.

— Essa cama eu adquiri para quando Lilian dormir aqui. Como ela não queria ficar na cama menor, ficava na minha e eu acabava dormindo na pequena, fiz ela baixa também.

— Sua irmã parece ser esse tipo de pessoa. – comentou a menina.

— Ela é esse tipo de pessoa. – confirmou ele.

Avalanche subiu mais uma vez na bancada e sentou-se. Lucius pousou sua caneca perto do prato de Sophia e, enquanto foi pegar mais café, Avalanche empurrou a caneca para fora da bancada. Lucius, sem sequer olhar, agarrou a caneca em pleno ar e a pôs de volta na bancada. Avalanche então ficou de olho na caneca de Sophia. A menina pegou sua caneca e a segurou bem próximo a ela.

— Lucius!! – ouviram uma voz gritando da parte inferior da casa de Escorpião.

— Aqui em cima! – gritou ele de volta e Sophia se encolheu. Ele tinha uma voz e tanto.

O barulho de salto subindo escadas encheu o ambiente e Sophia percebeu, pela primeira vez, que havia uma escada por trás da estante de livros. Uma jovem surgiu, os cabelos prateados presos em uma trança em volta da cabeça e, apesar de usar trajes similares a todas as amazonas, Sophia achou que ela era a única que conseguia ficar elegantes naquelas vestimentas. Assim que a viu, a jovem fez uma expressão de surpresa.

— Não acredito! - exclamou - É verdade mesmo!

— Se está se referindo a Sophia, sim, é. – falou Lucius sem se alterar.

Sophia voltou a comer, um pouco constrangida, e a amazona se aproximou dela, interessada.

— Quem te contou? - perguntou o cavaleiro de Escorpião.

— Gêmeos. - respondeu ela - Eles me disseram quando passei por lá ontem a noite. Primeiro, achei que eles estivessem brincando comigo, mas aí Lorenzo confirmou.

Sophia lembrou da sensação terrível que sentira ao entrar na casa de Gêmeos e se perguntou se os protetores daquela casa conseguiam realmente fazer uma brincadeira com qualquer pessoa que fosse.

— Sophia, essa é Saphyra, a amazona de Libra. – apresentou Lucius.

Sophia se engasgou um pouco e parou de comer, para encarar a amazona.

— Ah, já ouvi falar de você! – exclamou a menina.

— Já? – Saphyra ficou um pouco preocupada – Espero que tenha ouvido coisas boas…

— Um colega meu da academia tem uma quedinha por você. – falou sem pensar muito, e depois se arrependeu. Shaoran a mataria.

Saphyra colocou as mãos no rosto, corou absurdamente e sorriu sem jeito.

— Sério? – perguntou sem acreditar – Fico lisonjeada!

— Errr… Sim… - Sophia mexeu nos ovos com o garfo, antes de acrescentar - Mas não vou dizer quem é. – e encheu a boca rapidamente

Lucius deu uma risada.

— Ela poderia tirar a informação de você sem problemas, Sophia. - avisou – Mas, para o bem desse seu colega, melhor não. Gêmeos ficariam com ciúmes.

— Claro que não! – protestou Saphyra tirando as mãos do rosto – Gêmeos não são ciumentos!

— É o que você acha. – comentou Lucius – Quer um café? – ofereceu.

— Tem chá? – perguntou Saphyra.

Lucius revirou os olhos.

— Chá? Sério? Qual seu problema? - reclamou, mas foi colocar água na chaleira e acender o fogo para ferver água.

Depois que pôs a água para ferver. Lucius lavou a própria caneca e colocou um infusor com ervas dentro dela. Sophia imaginou que Avalanche tinha quebrado todas as outras canecas e só sobraram a dele e a que ela usava.

— Lucius, você me colocou numa situação muito difícil! - reclamou a amazona de Libra, sentando na banqueta ao lado de Sophia enquanto esperava o chá.

— Eu? – surpreendeu-se ele – Por que?

— Porque agora eu preciso agilizar a escolha do meu discípulo! – ela bufou.

— Pensei que você já estava procurando. – estranhou Lucius.

— Estou. Mas não consigo escolher… – ela suspirou – Todos os aspirantes são tão bons…

Se Saphyra ainda não tinha ninguém me mente, Shaoran ainda tinha chances, pensou Sophia. Pensou em sugerir o amigo, mas então ficaria óbvio que era dele que ela falara antes. Quem sabe poderia falar algo para Lucius e depois ele falaria para Saphyra.

— O Gal não pode te ajudar? - perguntou Lucius.

— Já pedi um milhão de vezes, mas ele diz que a decisão é minha. - ela enfatizou o ‘minha’ fazendo aspas com os dedos – E que eu devia pensar no que eu busco em um aprendiz e procurar a partir desse parâmetros. - ela fez uma careta – Mas não é assim! Você tem que sentir algo, uma ligação com o discípulo! - Saphyra estava realmente agoniada – Ah, não sei o que fazer!

—Agora, nesse momento, você toma seu chá. Aqui está. – falou ele carinhosamente oferecendo a caneca com chá para Saphyra.

“Será que a amazona de Peixes sabe que ele é tão amigo dessa moça?” se perguntou Sophia. Eles pareciam bem íntimos.

— Obrigada. – alheia aos pensamentos de Sophia, Saphyra pegou a caneca e tomou um gole, antes de olhar para a menina – Então, Sophia, o que está achando de Lucius como mestre?

— Não sei bem, ontem eu desmaiei no meio do treinamento.

— Depois de quanto tempo?

— Meia hora.

Saphyra ficou surpresa.

— Tudo isso? Você tem fibra, hein? - e deu um sorriso empolgado.

— “Tudo isso”? - Sophia perguntou, indignada – Eu aguentava o dia todo na academia, sem nem piscar!

— Ei. - reclamou Lucius com seriedade – Mais respeito com Saphyra. Ela é uma amazona de Ouro.

— Não se estresse, Lucius. - Saphyra gesticulou com a mão – Entendo a indignação dela. - e tomou um gole de chá antes de completar – Quando fui treinar com mestra Cassandra, eu não aguentei dez minutos, e olhe que éramos três dividindo a surra!

— Ainda assim, ela deve manter o tom de voz respeitoso. - e olhou para Sophia, sem dizer mais nada.

A menina entendeu na mesma hora o que ele queria que ela fizesse.

— Desculpa, senhora Saphyra. - pediu, a contragosto – Devo chamá-la de mestra também?

— Nem de mestra, nem de senhora. Apenas Saphyra, ok? - e sorriu alegremente para Sophia.

Saphyra era uma pessoa muito gentil, sem dúvida. Não era uma gentileza forçada, nem uma alegria fingida. Sophia gostou de Saphyra e sorriu com sinceridade para a amazona.

— Se já terminou de comer, Sophia, apresse-se e lave os pratos antes de sair. – ordenou Lucius vendo o prato da menina, vazio.

“Como ele é mandão!”, pensou Sophia pegando a louça e levando para a pia, com a expressão chateada.

Saphyra percebeu que Sophia mancava e olhou para seus pés e exclamou horrorizada.

— Lucius! Você deixou os pés dela assim?!

— Não, foi na subida ontem. – e começou a relatar os acontecimentos no dia anterior.

A medida em que Lucius contava tudo a Saphyra, Sophia lembrou do que haviam dito da amazona de Libra: ninguém conseguia mentir para ela. Virou brevemente a cabeça e observou os dois cavaleiros conversando e ficou imaginando se ela estava usando aquela habilidade com seu mestre. Não parecia. Lucius falava tudo bem à vontade e mais relaxado do que o vira no dia anterior. Talvez os dois fossem amigos há muito tempo.

— Mestre, poderia me dizer onde tem os curativos para eu fazer nos pés? – pediu a menina assim que terminou de lavar e guardar os pratos.

— Na estante. – e apontou.

— Deixa que eu faço. – ofereceu-se Saphyra – Sei fazer curativos muito bem!

A amazona terminou o chá e acompanhou a menina até sua cama, onde Sophia sentou-se. Saphyra pegou o material e fez os curativos com habilidade, enquanto cantarolava.

— Sua trança é muito legal. - falou Sophia enquanto tinha os pés enfaixados.

— Você acha? - perguntou ela satisfeita tocando o cabelo – Fui eu mesma quem fiz! Adoro mudar o cabelo! O que vem a calhar, nossas roupas não são as mais bonitas, não é mesmo? - perguntou rindo.

— A senhora é a única pessoa que vi ficar bonita com as roupas do santuário. - disse Sophia com sinceridade.

Saphyra deu uma risadinha e corou.

— Lucius, você está ensinando-a a ser galante também? - gracejou a amazona – Porque está funcionando.

— Não ensinei não, já veio no pacote. - disse ele se aproximando – Ela conquistou Lorenzo em uma frase.

— Ah, isso não é difícil. Qualquer um conquista Lorenzo fácil. - Saphyra terminou os curativos – Vai ser bem difícil treinar com isso… - comentou – Lucius, pegue leve com Sophia hoje. Ela não precisa morrer no segundo dia.

— Se eu pegar leve, ela não vai conseguir uma armadura nunca. - resmungou ele – Porém, para sua felicidade, ela vai visitar Athena, então, vai viver pelo menos um dia.

Ouvir dois cavaleiros de Ouro falando de sua possível morte não era muito animador, pensou Sophia.

— Ah, vai visitar Athena? Que inveja! - exclamou a amazona de Libra – Quer que eu faça uma trança assim em você? - perguntou apontando para seu próprio cabelo – Vai combinar muito bem com sua roupa.

— Ah, aceito!

Saphyra fez então uma linda trança nos cabelos cacheados de Sophia e depois a enrolou ao redor da cabeça, exatamente como seu penteado. Depois, Sophia calçou seu tênis rosa e cheio de brilho e correu para se olhar no espelho do banheiro. Gostou muito do que viu e estava doida para mostrar a Athena seu penteado e seu tênis. Esperava que pudessem passar um dia muito legal, juntas, afinal, seu mestre parecia ter planos de matá-la em um momento breve.

Depois que desceram as escadas, Saphyra se despediu de Lucius e de Sophia.

— Vou acompanhar Sophia até o templo. - disse o cavaleiro de Escorpião – Depois, vou ficar um tempo em Peixes, esperando. Quer que eu mande algum recado a Agatha?

O rosto sorridente de Saphyra entristeceu-se e ela tirou uma carta do bolso da roupa e entregou a Lucius.

— Peça a ela para não demorar a responder essa, ok? Senão eu vou lá e darei um abraço apertado nela!

Sophia não entendeu porque a última frase soou como uma ameaça, mas não perguntou nada. Na verdade, não entendeu nada da conversa, mas parecia que Saphyra tinha algum tipo de relação com a namorada de seu mestre.

“Será que é um triângulo amoroso?”, se perguntou. Ai lembrou que Saphyra namorava Gêmeos. Então seria um quadrado. Só que Gêmeos era gêmeo e eram tratados no plural, então seria um pentágono. “Os cavaleiros de Ouro tem uma vida interessante.”, pensou a menina.

Despediram-se de Saphyra e se encaminharam até a escadaria, que terminava no templo de Athena.

— O que eu posso esperar nessas últimas casas? - perguntou a menina a seu mestre.

— Tudo. - respondeu o cavaleiro de Escorpião com um sorriso.

 

********************

A noite havia caído e todos estavam reunidos no jardim da mansão Kido, iluminado com dezenas de pequenas e elegantes luzinhas. Um altar improvisado embaixo de um arco cheio de rosas fora montado bem no centro do jardim e haviam duas fileiras de cadeiras, onde os convidados sentariam. Criados já andavam pelo local com bandejas, servindo aqueles que já tinham chegado.

Dentre estes, os outros cinco cavaleiros de bronze Jabu de Unicórnio, Ichi de Hidra, Geki de Urso, Ban de Leão Menor e Nachi de Lobo estavam lá. Eles estavam conversavam animadamente entre si. Quando viram Shun, acenaram. Shun acenou de volta. Depois, procurou por seu irmão com os olhos, mas não o achou. Suspirou. Esperava que Ikki, ao menos, aparecesse no momento da cerimônia.

— Ei, Shun! - ouviu alguém chamar.

Era Hyoga. O cavaleiro de Cisne estava na frente de Shiryu e de seu filho Shoryu, tentando ajeitar a gravata do noivo. Shun caminhou até eles, sorrindo.

— Precisa de ajuda? - perguntou Shun vendo Hyoga terminar o laço na gravata de Shiryu.

— Não, está tudo sob controle. - falou Hyoga – Só quero lhe dizer que acho que não podemos contar com o Ikki na cerimônia.

— Relaxe, Hyoga. - falou Shiryu descontraído – Eu sei como o Ikki detesta esse tipo de evento. Se ele não aparecer, não ficarei chateado.

— Pois deveria. - Hyoga franziu o cenho – Ele disse que estaria aqui.

— Se ele disse, ele estará. - garantiu o cavaleiro de Dragão – Eu confio nele.

— Também acho que ele voltará. - confirmou Shun – Ele só vai ficar longe da agitação.

— Bem, eu não me surpreenderia se ele não voltasse. Mas, vamos aguardar. - disse Hyoga terminando de dar o nó na gravata de Shiryu – E você, Shoryu. Sua gravata esta ok?

O menino usava uma gravatinha borboleta, em vez da gravata tradicional usada pelo noivo e padrinhos.

— Está sim. A mamãe disse que eu estava lindo, mas quem está linda é ela! - e olhando para Shiryu, falou como se fosse uma confidência – Mas não diga pra ela que eu disse, ok? Ela quer que você se surpreenda.

— Eu sempre me surpreendo com a beleza da Shunrey. - falou o cavaleiro de Dragão apaixonadamente – Se ela estiver ainda mais linda hoje, acho que não sobreviverei a tanta beleza.

— Você está nervoso? - perguntou Shun a Shiryu.

— Por que ele estaria nervoso? - perguntou Hyoga em tom divertido – Se a noiva fugir, ele tem a nós para trazê-la de volta.

Todos eles começaram a rir.

— Eu sei que já estamos casados e que já esperamos um bebê. - começou Shiryu – Mas sim, estou nervoso. Sempre penso que ela pode decidir que merece coisa melhor que a vida ao lado de um cavaleiro… E ela estaria certa…

— A mamãe te ama, papai. - disse Shoryu.

Shoryu não era filho biológico de Shiryu e Shunrey. Ele fora encontrado por sua nova mãe nas montanhas, sozinho. Desde então, ele fora acolhido pelo casal e tratado como um filho. Todos ali gostavam muito do menino.

— Obrigado, filho. - e Shiryu passou a mão na cabeça do garoto.

— Onde está o Seiya? - perguntou Shun olhando ao redor.

Não havia nenhum sinal do cavaleiro de Pégaso.

— Deve estar lá dentro, com a Saori. - respondeu Hyoga.

Shun sabia que não estava, pois Saori estava terminando de se arrumar e pedira que ele fosse receber as pessoas em seu lugar, à medida que elas foram chegando. Naquele momento, estava preocupado com Seiya pois seria a primeira vez que ele veria Marin depois de muito tempo e os dois tinham pendências na relação deles. Esperava que Ikki não tivesse convencido Seiya a fugir do casamento junto com ele.

Faltava cerca de meia hora para o início da cerimônia quando June chegou, acompanhada de Marin e Shina. O coração do cavaleiro de Andrômeda se descompassou, e ele deu uma rápida olhada na porta de vidro, para conferir seu reflexo, antes de ir recebê-las. Por mais que quisesse ser discreto, não conseguiu segurar o imenso sorriso à medida que se aproximavam delas.

— Marin, Shina, que bom que aceitaram o convite… - disse com sinceridade – E você também, June.. É bom te ver… – ele corou ao falar com ela.

As três amazonas estavam belas, com vestidos elegantes, todos providenciados por Saori. Apesar do convite para que elas se hospedassem na mansão Kido, as amazonas concordaram que preferiam ficar em outro local, para que não incomodar enquanto o casamento era organizado. Ficaram então em um hotel da Fundação Graad, onde Saori providenciara tudo que elas precisavam, como roupas, calçados e afins

— Shun! – June se adiantou e, para a surpresa do cavaleiro de Andrômeda, o abraçou forte – Senti tantas saudades…

Por um momento ele ficou sem fôlego e achou que seu coração entraria em colapso. Enquanto ele estava abraçado a June, levantou brevemente a cabeça, numa tentativa de respirar fundo para se acalmar, mas apenas se embriagou mais com o perfume dela. Foi quando viu seu irmão Ikki à distância, ao lado do bar, que sorriu para ele e levantou o polegar em aprovação.

— E-Eu... – ele gaguejou um pouco e ela o soltou, com relutância – Também senti sua falta… Os dois se encararam e Shun sentiu falta de ver seu rosto, escondido pela máscara. Estava pensando no que falar quando ouviu uma vozinha perguntar:

— Quem é ele, mãe?

O cavaleiro de Andrômeda voltou sua atenção para as outras amazonas e viu um menininho, de uns quatro anos, meio escondido atrás de Marin. Seus cabelos eram vermelhos, cujas pontas eram cacheadas, e seus olhos eram de um verde vivo. Shun ficou espantado com a semelhança que o menino tinha com seu pai.

— Olá. – disse ele se aproximando e se abaixando – Seu nome é Ari, certo?

O menino, ainda escondido atrás de Marin, não respondeu.

— Ari. – falou Marin com sua voz suave – Esse é o Shun. Eu te falei dele. Cavaleiro de Andrômeda. Não seja tímido, diga oi para ele.

— Oi... – murmurou o menino, ainda desconfiado.

— Você não lembra de mim, mas eu te vi ainda bebê. – falou Shun carinhosamente – Estou impressionado em como você cresceu. Está ficando muito parecido com seu pai.

Os olhos do menino brilharam e ele saiu de trás de Marin.

— Você conheceu meu pai? – perguntou, animado.

— Sim. Aiolia de Leão. - disse Shun saudoso – Um poderoso guerreiro e um homem íntegro. Ele ficaria muito feliz em te ver tão grande.

Ari deu um pequeno sorriso e Shun sorriu de volta.

— Onde está Athena? - ouviu Shina perguntar.

Shun passou a mão na cabeça de Ari antes de se levantar.

— A Saori está terminando de se arrumar para o casamento. Mas, que bom que perguntou, Shina, porque ela quer muito conversar com vocês três antes da cerimônia.

As amazonas se entreolharam, um pouco confusas.

— Algum problema com Athena? – perguntou a amazona de Cobra, preocupada.

— Problema nenhum. – garantiu ele – Ela quer… Bem, é melhor que ela mesma fale. Vamos?

Mesmo sem poder ver seus rostos, Shun sabia que as três mulheres ficaram apreensivas.

— Não é algo ruim, eu garanto. Venham.

Elas assentiram e o acompanharam. Estava guiando-as, enquanto Ari corria para seu lado, em direção ao interior da mansão quando uma voz o chamou, insistentemente:

— Shun! Shun!

Ele se voltou e viu Athena, sua filha Athena, olhando-o. O que ela fazia ali? Ela só nasceria em duzentos anos! Foi então que sentiu algo tocando seu ombro e acordou.

Athena o olhava, preocupada. A menina estava com a mão em seu ombro e ele levantou a cabeça da mesa, onde estivera estudando com ela. Coçou os olhos, as imagens do casamento de Shiryu ainda frescas em sua mente. Não estivera sonhando; estivera lembrando. Depois de tanto tempo, cada vez mais as lembranças voltavam fortes, deixando-o confuso quando acordava.

— Desculpe-me Athena. – pediu um pouco envergonhado – Quando eu dormi?

— Eu fui no banheiro e depois fui pedir um lanchinho pra Zoe. Aí cheguei e você tava dormindo. – contou a menina – Você tá bem? Tá sentindo alguma coisa? – a mãozinha dela foi em sua testa.

Ele deu uma risada e pôs a mão em cima da mão dela.

— Estou bem. - disse dando duas tapinhas carinhosas na mão dela – Apenas cansado.

— Você tem que trabalhar menos! – exclamou a menina recolhendo a mão – Delegar responsabilidades!

Shun riu ainda mais.

— Galahad pediu para você dizer isso, não foi? – perguntou ele. A menina fez biquinho e não respondeu.

Os dois estavam sentados na mesa de estudo, que ficava numa imensa biblioteca no segundo andar do Templo. À frente dele, vários livros de geografia; estavam decidindo onde seria o próximo lugar a ser curado por Athena. Shun achava que ainda estava muito cedo para decidirem, pois a menina ainda não recuperara todo o cosmo que colocara na única e singela gota de sangue derramada na Amazônia. Todavia, Athena era muito insistente quando queria algo e não sossegou até que ele começasse a revisar os locais mais devastados do planeta.

— Acho que podemos fazer uma pausa para o lanche. – disse ele fechando o livro sobre o qual estivera dormindo – O que você pediu a Zoe? Chá e biscoitos?

Athena continuava séria, encarando-o e, em vez de responder, fez uma pergunta:

— Você tá bem mesmo? – insistiu.

Shun foi poupado de responder pela chegada de Zoe. A criada, contudo, não trazia nenhuma bandeja na mão, mas fez uma mensura e falou, com a cabeça baixa:

— Senhorita Athena, a senhorita Sophia está aqui para vê-la. Posso trazê-la?

Toda a atenção de Athena se voltou para a serva. Seus olhos brilharam e ela pulou da cadeira, agitada.

— Sim! Sim!

Zoe fez mais uma mensura e saiu. Athena ficou num pé e noutro, ansiosa enquanto dava pulinhos. Depois de alguns instantes, Sophia entrou e Shun ficou surpreso. Parecia uma menina completamente diferente da que vira dias atrás. A magreza excessiva dela tinha desaparecido e a sua pele estava mais vistosa. Seus olhos estavam mais brilhantes e seu sorriso mais aberto. Ela vestia a mesma roupa que lhe deram quando chegara ali, mas calçava um tênis cor-de-rosa com brilho e seu cabelo cacheado estava preso em uma trança em volta da cabeça. A menina demonstrava a mesma alegria que Athena quando a viu.

— Sophia! – Athena se atirou nos braços da menina e a abraçou com força – Estava com saudades!

— Eu também, Athena! – Sophia retribuiu o abraço – Saudades imensas, do tamanho do mundo!

Athena a soltou e a olhou de cima a baixo.

— Você tá tão bonita! – disse, espantada – Que tênis bonito…. Quem fez isso em seu cabelo?!

— Ah, foi a Saphyra. – Sophia levou a mão ao cabelo – Ela é bem legal.

— Saphyra? – os olhos de Athena brilharam – Você é discípula da Saphy?!

— Não, não… - a menina negou com a cabeça - Eu vou treinar com o mestre Lucius. Lucius de Escorpião.

Shun não ficou surpreso pois já sabia que Lucius havia decidido treinar Sophia. Como Grande Mestre, ele sempre precisava ser consultado sobre os treinamentos e quando foi informado do interesse de Lucius na menina, deu sua aprovação. Poderia ter falado para Athena, mas achou melhor deixar a própria Sophia contar. E ao ver a surpresa e felicidade de Athena, soubera que fizera o certo.

— Você é discípula de Lucius?! – Athena segurou forte nas mãos de Sophia – Você vai ficar bem pertinho de mim agora!! Vai vir me visitar sempre, né?

— Quando ele me liberar, sim. - garantiu sorrindo – Não sei como vai ser porque ele é chato pra caralho!

— Sophia. - falou Shun em tom suave, mas de aviso – Sem palavrões.

A menina o fitou, confusa. Ele lhe era estranho, mas, ao mesmo tempo, familiar.

— Quem é você? - perguntou.

Athena deu uma risada.

— É o Shun. Você o conhece por Grande Mestre.

Sophia arregalou os olhos, surpresa. Era a primeira vez que o via sem a máscara e o capacete de Grande Mestre.

— Mestre, com todo o respeito o senhor é um gatão!

Aquela era a última coisa que Shun esperava ouvir e corou absurdamente quando a menina disse isso.

— Obrigado, Sophia. - e deu um sorriso tímido.

Foi quando Sophia o reconheceu. Abriu a boca e apontou para ele, mais abismada ainda.

— O senhor é o cavaleiro de Andrômeda! Eu te vi numa foto… De duzentos anos atrás!

A tristeza perpassou pelo rosto de Shun, ainda que ele sorrisse. Era um sorriso lânguido, cheio de nostalgia e saudade.

— Sim, era eu. Fiquei, a pedido de Saori, a antiga reencarnação de Athena, para cuidar da próxima. - ele olhou com carinho para Athena – Não costumo aparecer muito sem a máscara, algumas pessoas ficam confusas com minha aparência jovem. - ele passou a mão no próprio rosto – Mas eu tenho duzentos e vinte e três anos.

— O senhor está muito bem conservado! - disse Sophia fazendo um ‘ok’ com os dedos – Deve ser um grande destruidor de corações!

Shun não conseguiu conter a risada.

— Eu tinha um amigo que me dizia isso o tempo todo. - ele sorriu – Você me lembra ele.

Sophia sorriu, animada.

Athena ficava feliz em ver a boa interação entre Shun e Sophia, contudo, queria informações e estava impaciente.

— Venha, me conte tudo! Tudo! - Athena puxou Sophia para a mesa e a sentou do seu lado – Como foi isso? Como o Lucius escolheu você? - a menina estava muito ansiosa.

— Ele foi me pegar ontem na academia. - respondeu Sophia – Ainda não entendi o porquê, mas tudo bem.

— Porque ele sabe que você é forte e vai ser uma amazona muito boa! - respondeu Athena animadamente, fazendo Sophia ficar encabulada.

Vendo que a Athena deixaria o estudo de lado naquele momento, Shun se levantou.

— Vai pra onde, Shun? - perguntou Athena franzindo o cenho – Vai trabalhar mais? - ela claramente ainda não esquecera a conversa anterior.

— Vou pedir para Zoe trazer o lanche para vocês. - avisou ele sorrindo – Depois, vou delegar algumas responsabilidades, prometo. E você terá um dia cheio, pelo que estou vendo. - se encaminhou até a porta, virou-se brevemente e completou – Comportem-se, meninas.

— Sim, Grande Mestre. - respondeu Sophia. “Ele é bonitão mesmo!”, pensou ela.

— Delegue, viu? - avisou Athena antes de ele sair e fechar a porta da biblioteca, deixando-as sozinhas. A atenção dela foi novamente para Sophia – Agora me conte tudo! Tudo!

Sophia então contou da chegada de como fora os dias na academia, de Derya e Shaoran e como Athena ia gostar deles, da luta de Lucius e Lilian, de como ele fora buscar ela e da subida até a casa de Escorpião. Ela preferiu deixar de fora qualquer coisa relacionada a Kosuke. A existência dele não merecia a atenção de Athena e também não queria deixá-la preocupada com as coisas que aconteceram na academia.

— E cadê ele? – perguntou Athena – Cadê o Lucius?

— O cavaleiro de Sagitário não o deixou passar. – revelou Sophia – Então ele foi na vila pegar minha roupa que ele tinha encomendado.

— O Mario não o deixou passar? – surpreendeu-se Athena – Por que?

— Eu não entendi direito, mas parece que eles não se gostam nenhum pouco. – Sophia franziu o cenho – Ele também disse que, se o mestre Lucius não for convocado, ele não sobe. Mas ele me deixou subir de boas.

Athena achou aquilo bem estranho, pois os cavaleiros de Ouro não costumavam a impedir que os outros subissem. Sim, ela sabia que Mario e Lucius não se gostavam, mas nunca imaginou que o cavaleiro de Sagitário impedisse Lucius de ir até ali, será que acontecera algo que ela não sabia?

— Me conte como foi na casa de Sagitário. - pediu ela – Com detalhes.

 

*************************

A casa de Sagitário era diferente das que vira até então. Havia colunas de sustentação apenas na entrada, sendo suas paredes maciças e fechadas nas laterais. A imagem de um centauro apontando uma flecha para o céu adornava o topo da entrada da casa.

— Eu ouvi na academia que tentaram matar Athena no século 20 e foi o cavaleiro de Sagitário quem salvou ela. - comentou Sophia enquanto terminavam de subir as escadas.

— É verdade. - confirmou Lucius – Aiolos de Sagitário. Há um monumento para ele no cemitério do Santuário.

— No túmulo dele?

Lucius fez que não.

— Aiolos não teve direito a uma sepultura. Ninguém nunca encontrou seu corpo.

Um sentimento de tristeza imensa invadiu o peito de Sophia. Como pode um herói como Aiolos não ter direito sequer a uma sepultura? Perdeu a vida para que o bebê Athena fosse protegido e provavelmente teve seu corpo devorado pela força do tempo até virar pó porque seu ato de heroísmo não foi reconhecido.

— Não fique assim, Sophia. - disse Lucius, lendo em sua expressão os sentimentos – Tenho certeza que Aiolos preferia Athena segura a um enterro. E ele conseguiu isso.

Sophia imaginou como deveria ter sido, morrer sozinho, depois de entregar a criatura mais preciosa do mundo nas mãos de um desconhecido. Devia ter sido aterrorizante.

Um zumbido tirou aqueles pensamentos de Sophia, principalmente quando ela levantou a cabeça e viu uma flecha dourada indo em direção a eles. A menina congelou e parou de andar, mas Lucius simplesmente virou a flecha dourada no ar com dois dedos, mandando-a de volta para quem a havia lançado. Um homem alto, moreno, de cabelos claros curtos apareceu na frente deles, vestindo a armadura de Sagitário. Ele pegou de volta a flecha que Lucius redirecionara e guardou na ombreira da armadura.

— O que faz aqui, Escorpião? - perguntou sem esconder a raiva na voz.

— Você devia ter mais cuidado com suas flechas, Mario de Sagitário. - falou Lucius com o mesmo sentimento na voz que o outro – Ela pode atingir pessoas inocentes.

— Minhas flechas têm sempre destino certo. - falou levantando o queixo, altivo.

— Eu espero que sim, porque Sophia vai morar na casa de Escorpião e quero que você lembre disso quando tentar me matar de novo.

A tensão entre os dois cavaleiros era tão grande que até o ar parecia pesado. Quando Sophia ouvira falar que os cavaleiros de Sagitário e Escorpião não se davam bem, não imaginava aquele tanto de rancor.

— Vou repetir minha pergunta. - avisou Mario – O que faz aqui?

Lucius ficou alguns instantes em silêncio, ponderando se deveria responder ou não ao cavaleiro. Por fim, sabendo que precisava passar pela casa de Sagitário decidiu responder:

— Vou levar Sophia até o Templo de Athena.

— Não. - a resposta de Mario foi curta e incisiva – Você não passará pela casa de Sagitário até ser convocado oficialmente pelo Grande Mestre. - continuou o cavaleiro – O que não é o caso.

— Mas eu quero ver Athena! - falou Sophia sem pensar muito.

Mario a encarou, a expressão séria na face e Sophia se encolheu um pouco. Pensou que Lucius ia insistir ou até desafiá-lo para lutar. Porém, o cavaleiro de Escorpião suspirou e baixou os ombros, desistindo do embate.

— Deixe, ao menos, que Sophia vá. – pediu - Athena ficará feliz em vê-la.

Para a surpresa de Sophia, Mario assentiu.

— Tudo bem, a menina pode ir. Você volta daqui.

Sophia olhou assustada para seu mestre, mas Lucius não parecia preocupado. Abaixou-se para ficar da altura dela e falou calmamente, como se nada tivesse acontecido:

— As próximas casas não serão problemas. Gal, Lilian e Agatha sabem quem você é. Aqui, entregue isso à destinatária. - e lhe entregou a carta de Saphyra – Fale para ela que a verei assim que possível.

— Certo… - Sophia não parecia muito convencida.

— Eu irei para a vila pegar suas roupas. - continuou ele – Nos vemos mais tarde.

Lucius se levantou e, sem dirigir a palavra ou o olhar para Mario, saiu da casa de Sagitário.

Sophia apertou a carta de Saphyra nas mãos e, com o coração batendo descompassadamente, olhou para o cavaleiro de Sagitário. Depois que Lucius sumiu de vista, ele guardou o arco em suas costas e se aproximou da menina, que se encolheu, temerosa. Mario a encarou e, para seu espanto, soltou uma gargalhada.

— Menininha, você não tem sorte, hein? Foi pegar o cara mais chato das Doze Casas como mestre! - ele balançou a cabeça – Nossa, a tensão dele é tanta que me pergunto se Agatha tá fazendo o trabalho direito. - e riu da própria piada.

Parecia uma pessoa completamente diferente da de instantes atrás, ainda mais quando ele puxou de uma das ombreiras da armadura algo totalmente surreal e ofereceu:

— Quer um pirulito?

Sophia olhou para o pirulito e depois para Mario.

— Tá envenenado? - ela soltou sem querer.

O cavaleiro de Sagitário fez uma expressão que era uma mistura de desagrado e diversão.

— Claro que não! Quem gosta de veneno é seu professor! Poxa, ele ainda vai morrer de úlcera, vai sim, escute o que estou te dizendo… - e vendo que ela não pegou o pirulito, balançou-o na frente dela e insistiu – Tem certeza que não quer?

Ainda meio insegura, mas sem querer fazer desfeita, Sophia pegou o pirulito. Mario tirou mais dois pirulitos da ombreira, desembrulhou um, colocou na boca e entregou o outro para ela.

— Dê esse aqui a Athena, ok? Ela adora.

Sophia pegou o pirulito para Athena e colocou no bolso. Como o próprio cavaleiro estava com o doce na boca, Sophia desembrulhou o seu e pôs na boca. Mario ficou satisfeito.

— Senhor Mario. - perguntou a menina sem aguentar a curiosidade – O senhor estava fingindo que não gostava do mestre Lucius?

— Claro que não. - respondeu ele sorrindo – Eu o odeio. Mas não precisa ficar sempre tão evidente, não é? - ele deu de ombros – Mas com o seu mestre é assim, ou é oito ou oitenta. - ele sacudiu a cabeça em negativa – Sabe, eu nem sempre quero matar ele. Às vezes só mando uma flecha lá para Escorpião porque estou entediado. É chato ficar o tempo todo aqui nessa casa, sabe? Ai fico perturbando-o. - Mario deu um sorriso maligno – Ele fica tão irritado! É engraçado, não acha?

Não fazia o menor sentido na cabeça de Sophia, mas ela assentiu com a cabeça, com medo de ele não a deixar passar.

— Ah, cara, tive uma ideia ótima agora! - ele parecia decepcionado – Eu devia ter pedido para ler a cartinha de amor dele pra Agatha. - ele fez uma expressão séria e falou, em tom pomposo – “Deixo você passar se eu ler essa carta. Ela me parece suspeita”. - ele depois voltou à postura relaxada – Ah, porque não pensei nisso antes!

— A carta não é do mestre Lucius, é da amazona de Libra. - Sophia disse.

A expressão de Mario foi de decepção.

— Sério? Que chato! Que bom que não fiz isso, então.

— Eu… - Sophia apontou para a saída da casa de Sagitário – Posso passar mesmo?

— Claro que sim. Pode ir. Mas, antes. - ele falou e pôs a mão solenemente no ombro de Sophia – Não seja contaminada pela chatice do seu professor, ok? Você parece uma menina bem inteligente e sensata. Não sei como foi parar nas mãos daquele maníaco, mas… - ele suspirou – Nem todos tem a sorte de me ter como professor. - e piscou o olho para ela. - Então, promete.

— Err… Prometo? - falou meio insegura.

— É assim que se faz! - e deu dois tapinhas no ombro dela – Vá lá, vá ver Athena. Enquanto isso… - ele fez um movimento e a armadura saiu do corpo dele e se reformou no chão – Onde eu estava? Ah, sim… Temporada cinco… - e voltou falando consigo mesmo para o interior da casa de Sagitário.

Ainda confusa com o acontecido, Sophia continuou subindo as escadas, tentando entender o que exatamente havia entre Lucius e Mario. Talvez Athena soubesse de algo.

Seu pirulito já tinha acabado quando chegou à casa de Capricórnio. Sua fachada era semelhante à da casa de Sagitário, porém, em vez da estátua do Centauro, em cima da entrada havia uma cabra com rabo de peixe com o nome “Capricornus” embaixo dela. Como sabia que Galahad era o cavaleiro de Capricórnio, entrou sem medo.

Sophia caminhou pela casa, despreocupadamente, esperando achar Galahad. O que diria então para ele? Apesar de tê-lo visto no dia anterior, parecia que fazia muito mais tempo. Enquanto pensava nisso e caminhava, deu de cara com uma estátua imensa bem no meio do local. A estátua era de uma mulher que, pelas vestimentas, devia ser a Athena original, entregando uma espada a um cavaleiro. O cavaleiro parecia vestir a armadura de Capricórnio. Sophia franziu o cenho. Por que Athena entregaria uma espada se ninguém podia usar armas? Mais uma coisa para perguntar quando visse sua amiga.

— Com licença?

Sophia deu um pulo de susto. Uma moça estava encarando-a, com um sorriso solícito e uma prancheta na mão. Ela vestia as roupas comuns aos servos que vira no Templo e nas Doze Casas.

— Oi. - disse Sophia porque não pensou em mais nada que pudesse dizer.

— Você quer passar pela casa de Capricórnio? - perguntou a moça educadamente.

— Sim. Onde está o mestre Galahad?

— Ah, o mestre não voltou da academia desde ontem. - respondeu a moça – O que é bem comum. Às vezes ele passa a semana sem vir aqui…

— Ah… - aquilo não surpreendeu Sophia, pois era normal Galahad aparecer na academia quando menos se esperava. A verdade era que ele nunca saia de lá – E como eu faço para passar?

— Ah, simples. Você preenche esse formulário. - e estendeu a prancheta com uma caneta tinteiro para Sophia, que a encarou, sem acreditar no que ouvia.

— Sério? Preencher um formulário?

— Sim.

A menina hesitou um pouco.

— Ok, então. – falou por fim.

O formulário era bem simples. Era para pôr o nome, idade e o motivo de subir as Doze Casas. Também dizia que a pessoa se responsabilizava pelas informações contidas no documento e que, caso mentisse, prestaria contas ao próprio cavaleiro de Capricórnio. Depois, precisava colocar a data e assinar.

— Você tem que preencher as duas vias. - disse a moça – Uma fica com você e uma arquivamos.

— Ah, certo.

Sophia fez o que foi pedido e saiu da casa de Capricórnio com uma cópia do formulário assinado e a sensação que aquilo não estava muito certo. Porém, sabia que Galahad era muito metódico no que fazia e que aquilo ali devia ter uma razão que ela não entendia. Com isso em mente, continuou até a próxima casa.

Aquário. A casa da irmã de seu mestre. Sophia lembrou dela na luta e desejou que Lucius estivesse ali. Não sabia muito bem o que pensar de Lilian, só que ela costumava a fazer o contrário do que pediam a ela. Devia então pedir para não passar? Como agir com ela?

— Só saberei quando entrar aí. - disse Sophia para si mesma.

Parada em frente à décima primeira casa do Zodíaco, ela analisou o exterior do prédio. Era totalmente diferente de todas as outras. Era a única casa em formato circular e era bem menor que as outras. Havia um círculo de colunas lisas, todas espaçadas e que não encostavam nas paredes da casa, que formavam um círculo menor. No topo da casa havia uma área esférica menor, uma pequena torre. Devia ser um andar diferente do resto da casa, como acontecia na casa de Escorpião. Sabendo que não podia adiar a passagem por ali, respirou fundo e entrou.

O frio lhe atingiu como um soco e a primeira respiração lá dentro fez o pulmão de Sophia doer. Foi tão forte que ela deu um passo para trás e saiu da casa. Começou a tossir convulsivamente e precisou de vários minutos para sua respiração ficar normal. Lembrou da sensação que sentiu ao entrar em Gêmeos. Era diferente, pois na terceira casa sentiu o ataque em sua alma; ali, seu corpo foi atingido instantaneamente. Como passaria por Aquário se nem ao menos conseguia entrar?!

Estava pensando no que fazer, se devia voltar para Escorpião e esperar seu mestre voltar quando ouviu a voz de Lilian soar de dentro da casa:

— Quem está aí?

— Sophia. - disse com a voz ainda meio fraca – Você me conhece da academia.

— Sophia? - a voz de Lilian estava levemente surpresa – Ah, pode entrar!

— Posso mesmo? - a menina não estava muito segura – Meus pulmões não vão congelar?

— Ah, claro que não. Já resolvi isso.

Sophia hesitou, mas voltou a entrar na casa de Aquário, tomando o cuidado de prender a respiração antes. O interior do local era coberto de gelo, das paredes ao teto, mas a amazona Lilian estava usando apenas uma calça jeans e uma camiseta quando a viu. Para sua surpresa, ela usava patins de gelo nos pés e deslizou suavemente até Sophia.

— Eu retirei o ar gelado, não precisa prender a respiração. - falou como se estivesse segurando o riso.

Sophia soltou o ar dos pulmões e respirou novamente. Ainda estava frio, mas não congelante e Lilian a olhava com um sincero interesse.

— Então, o Gal te liberou para visitar Athena? - perguntou a amazona.

Foi a vez de Sophia se surpreender. Lucius não tinha contado a irmã que pegaria uma discípula? E cabia a ela dizer? Naquele momento, teve raiva de Mario por não deixar Lucius passar. Não queria ter que lidar com aquilo sozinha.

— Er… Senhora Lilian… - ela sentiu o rosto queimar enquanto falava – Eu… tipo… Sou discípula de seu irmão…

— Do Lucius? - perguntou, um pouco surpresa.

— Sim… Ele foi me pegar ontem na academia.

Sophia não disse mais nada e esperou a reação de Lilian. Não sabia bem o que esperar, mas decididamente não era a indiferença que ela mostrou.

— Ok, então. - falou simplesmente – Você vai visitar Athena? Eu te acompanho até o outro lado.

— Ah, certo.

Sophia a acompanhou. Enquanto a menina andava pelo chão de pedra, percebeu que, à medida que Lilian deslizava com seus patins, o chão ia congelando à sua frente e descongelando quando ela terminava de passar. Era estranho, mas era legal. Quando chegaram ao final da casa de Aquário, curiosa, Sophia se viu perguntando:

— A senhora não ficou chateada por mestre Lucius não ter lhe falado de mim?

— Não. Eu sei porque ele fez isso. - respondeu calmamente.

— Por que? - quis saber a menina.

— Porque eu ia dizer que ele não fizesse isso.

O choque ficou evidente no rosto de Sophia, mas Lilian não tardou a se explicar:

— Não me entenda mal, Sophia. O problema não é você. Você é uma aspirante exemplar, com muito potencial. O problema é meu irmão. Ele não vai saber explorar esse potencial que você tem.

— Como não? - a menina se viu muito irritada com Lilian e explodiu – Ele me bateu muito ontem! E fica dizendo que posso morrer de treinar! Como ele não vai explorar meu potencial?!

Lilian não ficou intimidada com a explosão de Sophia e apenas deu de ombro.

— Porque não vai. Ele faz aquela pose toda de misterioso e sombrio, mas, no fundo, é tão emotivo quando o Lorenzo. - ela torceu o nariz ao falar de Lorenzo e foi a única expressão dela durante o discurso – Meu irmão vai te treinar bem, claro que vai, contudo se ver que você pode morrer ou se machucar seriamente, vai dar um passo para trás e te poupar. Ele não vai te empurrar até seu limite, mas até onde ele achar seguro. Ele jamais dormiria de novo se um aspirante morresse nas mãos dele. Principalmente uma aspirante tão querida por Athena.

Em vez de se sentir feliz por saber que provavelmente viveria ao treinar com Lucius, Sophia se sentiu ofendida com a fala de Lilian. Ela não apenas estava menosprezando a própria Sophia, mas também Lucius. E, apesar da chatice de seu mestre, Sophia não gostou de ver Lilian falando desse jeito dele.

— Pois eu acho que ele vai me treinar muito bem. E eu vou ser uma boa amazona! - exclamou apontando o polegar para si mesmo.

— Provavelmente você será uma boa amazona. - disse Lilian deixando Sophia confusa – Só não será a melhor. E talvez morra numa missão mais difícil. Mas quem sabe? - ela deu de ombros – O mundo é cheio de surpresas.

— Ah, vá tomar no cu! - explodiu Sophia revoltada.

Depois, se arrependeu e colocou as mãos na boca, sentindo o sangue fugir de seu corpo. Fizera aquilo mesmo? Mandara uma amazona de Ouro tomar no cu? Pronto, agora mesmo que não se tornaria uma amazona, porque Lilian a mataria ali.

Todavia, Lilian jogou a cabeça para trás e gargalhou.

— Você realmente parece com ele. – comentou, sem dar mostras de estar ofendida – Então, deixe-me te dar um conselho: controle sua impulsividade. Se Lucius conseguiu, você consegue. Da próxima vez pode ser que eu não deixe passar a ofensa. - e virando as costas para Sophia voltou para dentro da casa de Aquário, patinando – Até a volta. – e acenou.

O ar voltou a ficar gelado e Sophia rapidamente se afastou da casa de Aquário, o sangue voltando a pulsar pelo seu corpo. Depois que a raiva passou, a preocupação se instalou no coração dela. Seria verdade? Lucius não a treinaria bem por medo de ela morrer? Se ele fizesse isso seria assinar um atestado de incompetência para si mesmo e para Sophia. E não queria que isso acontecesse. Mas, o que podia fazer? Não chegaria para ele contando todas as coisas que Lilian lhe dissera. De jeito nenhum. Não era uma fofoqueira, nem queria ser motivo de uma briga entre irmãos. Arrumaria uma outra forma de lidar com isso.

Estava tão imersa em seus pensamentos que só se deu conta que já entrara na casa de Peixes quando havia avançado muito e o cheiro de rosas se tornara bem forte. Parou de supetão e olhou para os lados. Havia plantas em todos os lugares, não apenas flores. Muitos e muitos vasos com plantas. Era um local muito colorido e perfumado. Sophia voltou a andar, olhando encantada para o local. Foi quando viu as pinturas. Parou para observar melhor.

Havia doze pinturas, todas em preto, branco e cinza, ornamentando as colunas da casa de Peixes. A primeira era o vulto em preto de uma mulher de cabelos longos, segurando um cinzel em um fundo branco com a sombra cinza de um carneiro saindo dela. A segunda era o vulto de uma mulher grande, de braços cruzados e uma trança ao vento, com um touro saindo dela. Sophia percebeu que eram retratos dos cavaleiros de Ouro, apesar de os desenhos não ter feições. Empolgada, continuou a olhar.

O terceiro desenho, que sabia representar Gêmeos, eram duas pessoas sentadas de costa uma para outra com a sombra de dois garotinhos sob suas cabeças. A quarta, um homem de cabeça baixa, como se estivesse rezando e um caranguejo saindo de suas mãos. Sophia teve a impressão que a pintura em cinza do caranguejo era mais clara que as outras imagens, como se ele fosse mais um fantasma do que a representação do signo. A quinta, um homem musculoso em uma pose heroica, com um leão sobre sua cabeça. Depois, um homem na posição de lótus, sentado na mão de Buda e, por trás desse, a silhueta de uma mulher. A sétima imagem era uma mulher de cabelos longos, segurando um prato da balança em cada mão. Era o único desenho em que a constelação era representada no próprio corpo da pessoa e não ao redor.

— Será que é por causa da habilidade dela? - perguntou-se Sophia pensando em Saphyra.

A próxima imagem sabia que seria de seu mestre Lucius. Ele fora representado como um homem de costas, de cabeça baixa, como se lamentasse algo. Seus cabelos longos se transformavam no ferrão do escorpião, que fora pintado do lado oposto do homem, compartilhando com este o ferrão. Na pintura seguinte, o homem estava atirando uma flecha enquanto acima dele um centauro repetia a pose, apontando na mesma direção. Depois, um homem estava quase em movimento, e Sophia teve a sensação que o artista queria representá-lo falando para alguém, em atitude serena, como se estivesse discursando ou ensinando. Aquela pintura também era diferente, pois o braço direito do homem parecia mais claro que o resto do corpo, como se houvesse algo ali. E, acima de sua cabeça, a cabra com rabo de peixe. A décima primeira imagem era quase toda cinza, fazendo-a se destacar das outras. A mulher do vulto tinha as mãos para frente, como se oferecesse algo e a representação do aguadeiro estava bem mais escura que as outras representações de constelações. E chegou na última. Aquela destoava das outras porque os peixes que nadavam na imagem tomavam quase todo o quadro, enquanto aquela que deveria ser a amazona de Peixes fora representada sentada, distante, pequena, em segundo lugar, quase como se não tivesse a importância dos outros. Sophia sentiu-se muito triste diante daquela imagem.

— Gostou do que viu?

Sophia tomou o segundo susto grande naquele dia e virou-se. Viu a pessoa mais linda que já tinha visto no mundo. Ela tinha os cabelos prateados e os olhos cor de fogo vivo. O rosto era afilado, os lábios carnudos e havia uma pintinha na bochecha dela, que se destaca mais com seu sorriso. O cabelo estava preso em um coque e ela usava duas flores vermelhas na base do penteado. Ela lhe era estranhamente familiar. Apesar disso, Sophia perdeu a voz e sentiu seu rosto ficar quente, pois não conseguia articular nenhuma palavra. A mulher sorriu para ela, mas não se aproximou. Na verdade, ela caminhou para as pinturas, mantendo uma distância de uns três metros de Sophia.

— Ah… Senhora Agatha? – perguntou Sophia quando recuperou a voz.

— Sim. - respondeu e a voz dela era aveludada e melódica – E você é Sophia. - Não fora uma pergunta.

— Sim… Como a senhora sabe? - Sophia tinha a impressão que sua voz não saia muito segura.

— Eu cuidei de você quando Lucius te trouxe. - respondeu e depois sorriu – Estou feliz que você esteja bem.

O sorriso de Agatha deixou Sophia ainda mais nervosa, mas até ela se dar conta de que seu mestre namorava com aquela mulher maravilhosa.

“O que ela viu nele?!”, se perguntou, chocada.

— Er… - a menina procurou palavras – M-muito obrigada… - disse singelamente – Por cuidar de mim…

— Não tem de quê. - disse com gentileza – Eu gosto de cuidar dos outros. Mas fiquei bem preocupada quando te vi. Você tomou uma dose bem grande de tranquilizante. Que bom que foi trazida a tempo para cá.

Sophia percebeu que não pensara muito no que haviam injetado nela. Nem se tocara que poderia ter estado em perigo de morte.

— Onde está Lucius? - perguntou Agatha olhando ao redor – Ele deveria ter vindo com você. Ele não está te apresentando a todos os cavaleiros?

— Ah, a senhora já sabia? - surpreendeu-se Sophia – Sabia que eu sou discípula do mestre Lucius?

— Claro que sim.

— É porque a irmã dele não sabia.

Agatha deu de ombros e andou até as pinturas. Sophia reparou que ela usava um avental por cima da roupa de amazona e que ele estava sujo de tinta preta e cinza. Fora ela quem pintara os quadros.

— Eu sugeri que ele não contasse. - Revelou Agatha – Eu gosto muito de Lilian, mas ela costuma jogar água fria na animação das pessoas. E não é um trocadilho com a constelação dela. - Agatha deu um sorriso – Espero que ela não tenha lhe falado nada desanimador.

Sophia não precisou responder. Sua expressão disse a Agatha que Lilian tinha dito. A amazona de Peixes suspirou.

— O que ela lhe disse? - perguntou com gentileza.

Sophia não respondeu.

— Tudo bem, Sophia. Pode me contar. Eu não direi a Lucius. - Afirmou.

Sophia então contou. E depois percebeu que era estranho ficar conversando com alguém que se mantinha tão longe. Porém, quando tentou se aproximar, Agatha deu um passo para trás e fez um gesto com a mão para que Sophia ficasse parada.

— Desculpe-me, Sophia, eu adoraria falar mais próximo a você, mas não é seguro.

— Por que não? - questionou a menina – Eu tomei banho hoje.

Agatha a encarou, surpresa com a fala e depois riu.

— Querida, bem que eu queria que o problema fosse esse. O problema sou eu.

— A senhora não tomou banho?

Agatha gargalhou.

— Agora sei porque Lucius gostou tanto de você. - admitiu.

Foi a vez de Sophia ficar surpresa.

— Ele gosta de mim?! - indagou atônita.

— Claro que gosta. - falou Agatha como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Imagine se não gostasse! - exclamou ela lembrando do quanto ele bateu nela no dia anterior e como ele era mandão.

— Se ele não gostasse, você não estaria na casa de Escorpião. - decretou a amazona – Lucius não sabe esconder quando não gosta de alguém e nem suporta falar com essas pessoas.

Sophia lembrou da casa de Sagitário e da de Leão. Não conseguia imaginar aquele tipo de desprezo dirigido a ela.

— Peraí. - falou a menina horrorizada – Então é verdade o que a amazona de Aquário disse? Ele vai pegar leve comigo?

— Não. Não vai. - respondeu Agatha deixando Sophia confusa – Primeiro, deixe eu te dizer uma coisa: o que Lucius e Lilian pensam sobre como é treinar alguém é completamente diferente. Lilian acredita que deve ir com tudo para cima dos aspirantes e ver o resultado. Lucius prefere ir devagar e ver o que ele pode tirar aos poucos. E não é porque são métodos diferentes que um está errado e outro está certo. Quero dizer, na cabeça de Lilian é assim, mas não significa que seja assim. - ela sorriu – Portanto, não fique pensando nisso, certo? Lucius vai te treinar muito bem porque tudo que ele faz é bem-feito.

Sophia baixou a cabeça e não soube o que pensar. Depois da fala de Lilian e agora da de Agatha, estava bem confusa. Só queria chegar no Templo e falar com Athena. Sabia que se sentiria melhor de ver a amiga.

— Ah! - ela disse e tirou a carta do bolso – A amazona de Libra mandou isso.

Os olhos de Agatha brilharam e Sophia ficou impressionada como ela conseguia ficar ainda mais bonita.

— Ah, Saphy! - ela disse carinhosamente – Ela mandou algum recado?

— Disse que se você não respondesse logo essa carta ela viria lhe dar um abraço.

O sorriso de Agatha entristeceu-se e Sophia teve vontade de se bater por causa daquilo.

— A minha irmãzinha é capaz de fazer isso mesmo… - murmurou Agatha.

Por isso que Agatha lhe era familiar, pensou Sophia alegre por ter resolvido aquele mistério. E era por isso também que Saphyra era tão próxima de Lucius. Eles eram cunhados.

— Senhora Agatha, eu não te conhecia, mas fiquei meio preocupada com a senhora. - Revelou Sophia.

— Por que? - estranhou Agatha.

— Porque o mestre é bem amigo de sua irmã, mas eu não sabia que era sua irmã e imaginei que a senhora podia ter ciúme. - explicou.

Agatha encarou Sophia, primeiramente surpresa e depois compreensiva.

— Qual sua idade, Sophia? - quis saber.

— Nove.

— Você é tão jovem… Deve ter vivido muita coisa na rua, não é? - havia uma pontada de tristeza na voz dela.

— Não estou entendendo, senhora Agatha…

— O mundo deve ter te ensinado muitas coisas erradas… Tenho esperança que aqui você via aprender muito… - e como Sophia ainda a olhava confusa, explicou – Não é porque um alguém tem uma namorada que não pode ter amigas, não é?

— A senhora não tem ciúmes do mestre? - perguntou, surpresa.

— Claro que não. Eu sei que ele é meu. Ele é amigo não só da minha irmã, como de outras mulheres e está tudo bem.

— E ele tem ciúmes da senhora?

— Não. Ele pensa como eu.

— Pois se eu fosse ele, teria muitos ciúmes da senhora. - Decretou.

Agatha deu uma gargalhada.

— Você tem muito que aprender aqui, Sophy. Posso te chamar de Sophy? Acho que é bonitinho, como você.

— Sim senhora, pode sim! - disse empolgada – Do que a senhora quiser.

Agatha assentiu, sorrindo, e começou a se aproximar de Sophia para pegar a carta. O aroma de rosas inebriava cada vez que ela chegava perto. A amazona recolheu a carta e se afastou rapidamente de Sophia. Só então a menina percebeu que ficara meio tonta. Segurou-se na parede, respirando fundo para controlar a tontura. Quando sua vista clareou, percebeu que Agatha a encarava, a tristeza novamente em seu rosto.

— É por isso que não posso ficar perto das pessoas. - falou ela sabendo o que Sophia estava sentindo – Eu sou venenosa.

— Venenosa? - perguntou a menina sem entender.

— Sim. - A amazona segurou a carta nas mãos, com o cuidado de quem segura algo precioso – Nós, cavaleiros de Peixes, durante nosso treinamento injetamos veneno no nosso corpo. Consequentemente, nos tornamos venenosos. No meu caso, felizmente e infelizmente também, consegui concentrar mais veneno que todos os outros cavaleiros de Peixes antes de mim. - Ela deu um sorriso, mas era um sorriso triste – Ficar perto de mim é perigoso, se não tomarmos as precauções certas.

— Então como a senhora cuidou de mim? E como consegue namorar meu mestre? - questionou Sophia.

— Vou lhe mostrar. Venha.

As duas entraram mais dentro da casa de Peixes. Sophia percebeu que havia mais pinturas nas paredes, de outras pessoas, todas no mesmo estilo das dos doze cavaleiros. Viu uma galeria toda dedicada a uma criança desde seu nascimento até estar uma criança maior. Sophia sorriu.

— É Athena, não é? - perguntou ansiosa.

— Sim. Eu gosto particularmente de pintar Athena. Essa é minha favorita. - Ela apontou para uma onde um vulto preto de um homem está segurando uma menina nos braços. - É o Grande Mestre e Athena.

— Por que todas suas pinturas são em preto, branco e cinza? - quis saber Sophia.

Agatha abriu os braços, mostrando a quantidade imensa de flores e plantas que havia na casa de Peixes.

— Já tem cor demais aqui. Quis fazer um contraponto.

Sophia pensou um pouco, antes de assentir e falar:

— Faz sentido.

Foram até onde Agatha pintava seus quadros. Havia muitos cavaletes e tintas lá e a amazona caminhou até um cesto e tirou uma máscara de lá. Era totalmente branca e cobria o rosto todo.

— Sabe o que é isso? - perguntou Agatha mostrando a máscara.

— Uma máscara. - respondeu a menina dando de ombros.

— Até o século final do século 20, as amazonas eram obrigadas a usar máscaras como essa, para esconder sua feminilidade. Se um homem visse seu rosto, ela deveria amá-lo ou matá-lo. - explicou Agatha.

— Mas que coisa sem cabimento! - exclamou Sophia - Quem fez uma regra merda dessa?

— Disseram que foi Athena, mas tenho minhas dúvidas. - Agatha levantou a máscara e a olhou – A senhorita Saori, a Athena anterior, aboliu essa regra. Se ela não tivesse feito isso, eu e você teríamos que usar uma dessas.

— Mas eu nem sou amazona ainda!

— Ainda assim… Eram as regras.

— Regras bostas! - Sophia cruzou os braços – E ainda bem que caiu, a senhora é bonita demais para cobrir o rosto.

Agatha colocou a mão no rosto, num gesto muito similar ao que Saphyra fez quando Sophia a elogiou, corou absurdamente e deu uma risadinha.

— Obrigada, Sophia. Você é um amorzinho. - Ela voltou a mostrar a máscara – Bem, apesar de tudo, esse tipo de máscara tem uma utilidade. Ela ajuda quem usa a não inalar o veneno das minhas rosas e do meu corpo. Por isso, quando alguém vem me visitar, ou vou cuidar de alguém, levo uma dessas. Se a pessoa usar, não tem problema ficar no mesmo ambiente que eu por algum tempo.

— Ah… - entendeu a menina – Então eu usei uma dessas enquanto a senhora cuidava de mim…

— Isso mesmo.

— O mestre Lucius usa uma dessas quando vocês namoram? - perguntou a menina um pouco confusa.

Agatha se mostrou surpresa com a pergunta e depois deu uma risada.

— Lucius é imune ao meu veneno. - revelou.

— Poxa, ele é tão chato que nem veneno pega nele? - surpreendeu-se a menina

— Quem dera fosse isso. - falou Agatha alegremente, mas não explicou o motivo da imunidade de Lucius.

Sophia ficou curiosa, mas aquela seria uma pergunta que deixaria para a próxima vez que visse Agatha, pois estava com saudades de Athena e queria logo revê-la. Só havia mais uma coisa que Sophia queria perguntar, porque não entendera:

— Por que trocar cartas com sua irmã? Se, ao usar a máscara, ela poderia ficar perto?

A dor estampou o rosto de Agatha e Sophia se odiou por aquilo.

— Desculpa! - apressou-se em dizer – Eu não…

— Tudo bem. - Agatha sacudiu a cabeça e tentou sorrir, mas o sorriso saiu triste e desbotado – Eu entendo sua curiosidade. Sim, nós poderíamos falar pessoalmente e fazemos isso, mas não com a frequência que queríamos. Porque… - ela não conseguiu manter o sorriso e ele se desfez em tristeza - Dói… É doloroso ver minha irmã e não poder abraçá-la… Não poder tocá-la… É sempre um desgaste emocional, então recorremos às cartas para a maior parte das conversas.

Quando Galahad falara para os aspirantes que havia todo tipo de sacrifício que os cavaleiros faziam e nem sempre era a vida que estava em jogo, Sophia nunc apensou que fosse algo daquele tipo… A solidão e a incapacidade de tocar a mão de alguém amado…

Agatha encarou a máscara por um momento antes de colocá-la na mesa e apontá-la para Sophia.

— Pegue-a. Você vai usá-la quando for passar pelas rosas.

— Rosas?

— Existe um caminho de rosas venenosas daqui até o início do templo de Athena. - revelou - É a última defesa. As rosas são venenosas e inalar o aroma delas lhe mataria em pouco tempo. Essa máscara vai ajudar você a passar. Vou lhe mostrar o caminho entre as rosas também, porque os espinhos dela podem matar também.

Pensar que teria medo de rosas lhe matar entrava no rol de coisas mais estranhas que tinha no Santuário. Sophia estava pensando seriamente em fazer uma lista para mostrar a Athena.

— Bem, tenho que ir. - falou Sophia, apesar de querer muito conversar com Agatha e ver todos os quadros dela. Não tinha conseguido ver nem metade.

— Pegue a máscara. - falou Agatha deixando a máscara em cima da mesa e se afastando, para Sophia pegá-la.

Foi então que Sophia lembrou do quadro no corredor principal da casa, o quadro que representava a pessoa que o pintara. Agatha não podia ficar perto das outras pessoas e se pintara daquela forma. Sozinha. Pequena. Solitária. Pelo menos seu professor era tão chato que era imune ao veneno e podia abraçar a namorada. Ficou feliz por Agatha ter, pelo menos, aquela alegria. Deu um sorriso para ela antes de pôr a máscara. Sentiu-se imediatamente estranha. O aroma das flores acabou, porém, sua visão estava meio embaçada. Como as amazonas lutavam usando aquilo?

— Vamos. - chamou Agatha.

Quando chegaram ao final da casa de Peixes, Sophia viu um tapete vermelho feito de flores que ia até a entrada do templo de Athena. Agatha fez um gesto para Sophia segui-la até o canto direito das escadas e a menina percebeu que havia uma estreita faixa de folhas onde não havia nenhuma rosa. Era muito, muito estreita, só dava para passar uma pessoa por vez e mesmo assim com dificuldade.

— Essa trilha é a mais segura a seguir. É a trilha usada pelos servos. Eu a mudo constantemente de lugar, por precaução, mas hoje ela está aqui. Tenha muito cuidado. Até mesmo as folhas têm veneno, mas lhe darão apenas uma comichão se tocarem em sua pele. Mas os espinhos das rosas…. São letais.

O estômago de Sophia se apertou.

— Certo…. Obrigada senhora Agatha.

— Eu que agradeço, Sophia. Obrigada a trazer a carta de minha irmã. Vou ler e responder. Você poderia levar a resposta para Saphy quando retornar?

— Claro! - respondeu apressadamente Sophia.

— Obrigada mais uma vez. E divirta-se.

Sophia assentiu e seguiu pela estreita trilha na direção do Templo de Athena.

 

*****************

O bule de chá estava vazio e todos os biscoitos tinham sido devorados. O pirulito que Mario mandara para Athena estava na bandeja, mas a deusa menina decidira que o deixaria para outra hora. No momento, ela e Sophia estavam sentadas nas escadarias laterais do Templo de Athena, que terminavam em um belo lago cercado de árvores e flores.

— E foi assim. - concluiu Sophia – Minha subida pelas Doze Casas. - a menina riu – Foi realmente bem estranho, mas eu gostei. E devo confessar algo. A senhora Agatha é uma artista talentosa, sabe curar as pessoas, sabe envenenar as pessoas e ainda é bonita! O que ela viu no meu mestre?!

— Lucius é legal. Eu gosto dele! Principalmente agora que ele trouxe você para as Doze casas! Eu gosto de ter você aqui. E… posso te chamar de Sophy também? - perguntou timidamente.

— Claro! Pode sim! Agora… - ela pôs a mão no queixo e encarou Athena por alguns instantes – Preciso pensar num apelido fofo para você também… Athena é um nome muito sério…

— Ah, eu adoraria um apelido! - animou-se Athena – Não tenho nenhum!

Foi quando algo passou pela cabeça de Sophia.

— A outra Athena tinha um nome próprio. - lembrou – Saori. A antes dela também. Sasha. Mas você não tem nenhum.

— É que eu já nasci no Santuário. - explicou Athena.

Sophia então bateu com o punho fechado numa das mãos, como se tivesse tido uma ideia.

— Já sei! Vou pensar num novo nome para você! - decidiu – Um nome, como as outras Athenas tinham!

— Sério? - os olhos de Athena brilharam.

— Sim! Um nome bem bonito!

— Vou adorar tem um nome como as outras tiveram! - falou Athena alegremente – Você pode me contar suas ideias para nomes quando vier me falar de seu treinamento! - e, dando uma pausa, avisou – Quero que você sempre venha e sempre me conte tudo do seu treinamento! Tudo!

— Certo, eu vou pensar num nome e virei contar tudo a você. Mas, pelo que tô vendo, eu vou só apanhar por um tempo. Mas eu te digo como foram as surras.

— E hoje, você fica aqui até que horas? - perguntou Athena ansiosa.

— Não sei, o mestre Lucius não falou um horário pra eu voltar… E eu não vou saber, porque ele não pode subir. Então acho que não vou demorar aqui.

— Ah, não! Você vai ficar mais tempo aqui! Vou pedir pro Shun chamar Lucius! Eu quero agradecer a ele por treinar você. - e teve uma ideia – Ah, vou pedir pra Agatha também vir e pintar a gente! E a Saphy para fazer uma trança como essa sua no meu cabelo. - Athena passou as mãos nos cabelos castanhos e lisos – Você acha que vai ficar bonito?

— Não tem como você ficar feia, Athena. - disse Sophia com sinceridade.

Athena corou e sorriu.

— Você acha que, quando eu crescer, vou ser bonita como a Agatha? - perguntou a pequena deusa lembrando do que Sophia falara sobre achar Agatha a pessoa mais bonita que já vira.

— Vai ser mais! - falou convicta.

O sentimento que ardia no coração de Athena quando falava com Sophia era tão bom que parecia que ela explodir de felicidade. Não queria que ela fosse embora e pediria a Lucius para vê-la sempre que possível.

— Então, o que faremos agora? - perguntou Athena – Quer me ajudar a escolher o novo lugar do planeta para eu curar?

— Ah, nada de trabalho. Vamos brincar um pouco. Eu poderia te ensinar umas brincadeiras, mas meus pés doem… - e olhou para os tênis rosa com a testa franzida.

— Deixe-me ver. - pediu a outra – Deixe-me ver seus pés.

Sophia tirou os tênis com cuidado para não desfazer os curativos. Athena observou os pés de Sophia, penalizada, e teve uma ideia.

— Vou te curar! - decidiu.

— Me curar? - repetiu Sophia confusa.

Athena então pegou os pés de Sophia com delicadeza e os colocou em seu colo. Depois, se concentrou e estendeu as mãos, onde uma luz durada começou a brilhar. Sophia sentiu o cosmo de Athena ressoar em sua alma, como se atendesse a um chamado. A pequena deusa se concentrou, franziu a testa enquanto despejava seu poder e as feridas dos pés de Sophia se fecharam completamente.

— Caralho, mano! - exclamou Sophia vendo seus pés lisinhos – Você é foda, Athena!

Athena estava cansada, um pouco ofegante, mas sorria.

— Assim você pode treinar com tranquilidade. - disse.

— Você tá bem? - perguntou Sophia preocupada.

— Só cansada. - ela respirou fundo – Usar o cosmo ainda me deixa cansada… Espero ficar mais forte...

Sophia ficou rapidamente em pé.

— Além de muito bonita, você vai ser forte, muito forte! Uma deusa forte e bonita! - exclamou convicta – E vou treinar muito para ser uma amazona bem forte, como as amazonas de Ouro! - disse animada.

Athena ficou em pé também.

— Tenho certeza que você será mais forte que todos, amazonas e cavaleiros. - disse Athena numa certeza que surpreendeu até Sophia – Mas, enquanto esse tempo não chega…. Você pode me responder uma coisa, Sophia? - pediu.

— Claro! Manda!

— O que é ‘caralho’? E ‘foda’?

Sophia pensou um pouco.

— Sei lá, eu só sei que quando você tá com raiva ou quer dar ênfase em algo, você diz ‘caralho’. E ‘foda’ é quando a pessoa é muito incrível!

— Ah, tá. Obrigada por explicar, eu fiquei confusa porque todos mandam você não falar…

— Eu sei que são palavrões e que os adultos não gostam. - ela deu de ombros – Mas eu não sei o que significa mesmo…

As duas meninas então começaram a debater o que poderia significar aquelas duas palavras e Athena recomendou que Sophia não as repetisse enquanto não soubessem o significado, porque podia ser uma coisa ‘muito feia’. Sophia concordou, só porque era Athena pedindo.

— Quer que eu te ensine a fazer estrelinha? É bem legal! - ofereceu Sophia antes de colocar as mãos no chão, se impulsionar para o lado e virar, antes de pousar novamente. Athena vibrou com a demonstração e bateu palmas.

— Sim, sim! Quero aprender!

— Certo, tire o que tiver no bolso para não cair. - avisou Sophia.

Foi quando Athena lembrou de algo que estava carregando há dias, esperando o momento de entregar a Sophia.

— Aqui, tenho uma coisa pra você. - falou tirando do bolso um cartãozinho cor-de-rosa – Pegue. - e entregou.

Sophia pegou, curiosa, abriu e leu. E seus olhos se encheram de lágrimas de alegria. Era um convite, para a festa de aniversário de Athena que seria dali a um mês.

— Então, você vem? - perguntou Athena ansiosa.

— Eu não perderia por nada nesse mundo! - garantiu Sophia.

Athena sorriu e estendeu a mão para Sophia que a pegou. Sentiram que nada naquele mundo poderia separá-las.

Estavam enganadas.


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