A Égide de Athena escrita por Joy Black


Capítulo 6
6. Nova velha casa


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, pessoal, mas escrever duas fics e uma tese de doutorado não é fácil *risadas nervosas*! Espero que gostem do capítulo e me sigam lá no instagram, minha conta é @joy.black.writter ♥



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De todos os cavaleiros de Ouro, o único que não tinha nenhum servo era Lucius. O cavaleiro de Escorpião era conhecido por ser recluso desde criança e ter servos rondando ao seu redor, prestando atenção em sua vida, era algo que nem passava por sua cabeça. Como não houvera um cavaleiro de Escorpião por uns cinquenta anos, a casa daquela constelação estava vazia quando Lucius fizera dela seu lar e ele preferiu deixá-la daquela forma. Fazia sua própria comida, lavava sua roupa e gostava do barulho do vento passando pelos pilares, quebrando suavemente o silêncio do local. A tranquilidade o acalmava.

Sentado nos degraus do local que jurara proteger com sua vida, Lucius pensava no grande passo que daria naquele dia. Não fora difícil chegar àquela conclusão, apenas foi doloroso se acostumar com a ideia e entender que sua vida toda mudaria a partir do instante em que a colocasse em prática. Como costumava se dedicar com afinco a tudo que se propunha a fazer, escolhia com cuidado a quê dedicaria suas energias. Muitos o consideravam calculista por pensar daquela forma; Lucius achava que era praticidade. Era muito melhor demorar a fazer algo e então fazer bem-feito, do que aceitar uma situação impulsivamente e fazer merda. A única coisa em sua vida a qual decidira sem pensar duas vezes, e da qual não se arrependia, era ter se tornado cavaleiro. Porém, hoje entendia que não havia muito escolha, pois estava destinado àquela vida. Tudo estava decidido no dia em que Galahad o encontrara. Fazia vinte anos, mas Lucius lembrava como se tivesse ocorrido naquele dia.

Sua família morava em uma cidade pequena, próximo ao mar e seu pai era pescador. Ou, pelo menos, tentava ser. Há muito tempo que a vida marinha não era mais a mesma e tirar o sustento das águas salgadas do Mediterrâneo se tornara um trabalho árduo. Porém, eram felizes ou, pelo menos, era o que imaginava na época. Sua mãe era uma mulher inteligente e sagaz, que fazia de tudo para que nada faltasse aos dois filhos. Enquanto o marido lutava contra o mar para conseguir algum alimento, ela se virava em qualquer coisa que pudesse garantir que os filhos comessem. Sua voz era forte e grave, uma das poucas coisas que Lucius conseguia se lembrar com clareza; o rosto dela há muito se esvanecera de sua memória. Às vezes, olhava para Lilian e se perguntava se ela se parecia com a mãe perdida. Depois, escamoteava o pensamento. Não importava mais, porque a mãe estava morta.

A morte chegara sem aviso: um dia, a mulher cheia de energia caiu doente e, no dia seguinte, despedia-se do mundo. Não fora a única vítima na vila. A peste que a levara matou quase todos de lá. Temendo a vida dos filhos, o pai os pegou, colocou em seu barco e saiu em direção à Athenas, talvez achando que conseguiria algum trabalho para poder sustentar os filhos. O problema fora que ele não fora o único a ter essa ideia. Na época da morte de sua mãe, a peste já havia matado muitas pessoas e forçado tantas outras a fugirem. E quando sua família chegara a Athenas, foram barrados, impedidos de entrar na cidade e colocados em acampamentos de quarentena provisória.

O acampamento era um lugar horrível. O governo distribuía um tipo de ração intragável e insuficiente. Também não garantia nenhum tipo de segurança às famílias. Gangues se formaram e os mais fortes tomavam a pouca comida dos mais fracos. Lucius tivera que aprender a se defender e a defender Lilian, pois seu pai passava muito tempo ausente, tentando conseguir mais comida. Fora o período que conhecera o pior dos seres humanos e aprendera a odiar com intensidade. E, por ser um local que nada mais era que o depósito de pessoa, a peste não tardou a chegar. Mais uma fuga foi feita, dessa vez por terra. E ficaram vagando, pai e filhos, sem destino.

No início, Lucius ficava admirado com a coragem de seu pai por fazer tudo aquilo por eles. Andavam por todos os lugares, desesperados por comida e mais de uma vez seu pai negara trabalhos que o manteriam afastado dos filhos, crianças de apenas seis e quatro anos. Como era apenas uma criança na época, não percebeu quando o desespero de seu pai se transformou em desesperança, que, por sua vez, se transformou em rancor. Não percebeu quando a vontade de cuidar se tornou um fardo insuportável. Nem Lucius, nem Lilian, perceberam quando o amor do pai se tornou em ódio.

Certa vez, Galahad lhe dissera que entre o amor e o ódio havia uma linha tênue e que às vezes os dois sentimentos se misturavam. Lucius não acreditava naquilo. Para ele, os dois sentimentos eram tão opostos quando luz e trevas; não se podia simplesmente amar odiando ou odiar amando. Para ele, não havia um meio termo. Por isso, sabia que o que impulsora o que acontecera foi o ódio. O ódio a duas crianças, por sua simples existência.

Um dia, o pai deles os acordou bem cedo dizendo que iriam embora mais uma vez. Aquilo não era uma novidade, eles estavam sempre se movendo. Só que, daquela vez, não levaram bagagem. A única coisa que o pai deixou que carregassem fora um pouco de água, algumas bolachas de goma sintética e um brinquedo cada um. Lucius levou uma roda gasta de algo que já fora um carrinho de mão e Lilian levara uma boneca que já não tinha mais os olhos e cujas pernas se descosturavam. Naquele dia, andaram muito. Lilian reclamou e pediu colo ao pai, que recusou. Lucius, penalizado, colocou a irmã nas costas e a carregou. Andaram muito, sem descanso, cruzando a floresta moribunda que circundava a zona urbana da Grécia, até que chegaram em um lixão.

— Vou catar umas coisas para vender. - dissera o pai – Não saiam daqui. Voltarei logo.

Lucius acreditou. Por que não acreditaria? Era seu pai. Ele sempre voltava. Ocupou-se então em se distrair e distrair sua irmã. O tempo passou. Os minutos se tornaram horas. As horas se tornaram dias. E apenas quando estava à beira da morte por inanição foi que Lucius entendeu que seu pai não voltaria nunca mais.

Para Lilian fora muito pior. Ela era a menininha do papai e sempre fora mais apegada a ele do que à mãe. Quando o tempo começou a passar, Lilian começou a chorar e perguntar onde estava o pai. Lucius a consolou como pode. Quando ela começou a reclamar de fome, lhe dera sua comida. Quando ela reclamara de sede, lhe dera sua água. Quando tudo acabou, ele quis sair e procurar, mas a menina fora irredutível:

— Não podemos ir. Papai mandou ficar.

E ficaram. Mataram a sede com a água da chuva e comeram o que puderam achar no lixo a volta deles para sobreviver. E, a cada barulho de movimento, Lilian levantava a cabeça e dizia:

— É o papai!

E, claro, nunca era.

Depois de um tempo, a exclamação mudou para a pergunta.

— É o papai? - queria saber e Lucius balançava a cabeça em negativa.

Até que, quando estavam fracos demais para permanecerem em pé, ela lhe perguntou, a cabeça pendendo em seu ombro:

— Lucius… O papai vai voltar? - sua voz estava fraca e triste.

— Não. - ele respondera.

Lilian nunca mais voltou a falar dele.

Vinte anos depois, observando as casas que ficavam abaixo da de Escorpião, Lucius se perguntou por que, ao perceberem que o pai não voltaria, eles não se levantaram e foram buscar ajuda. Talvez, no fundo, ainda mantivessem a esperança que ele voltaria. Ou talvez pensavam que, se nem mesmo o pai os queria, quem os ajudaria? Afinal, era obrigação dos pais cuidarem de seus filhos, certo? E se a pessoa que deveria os amar, os abandonaram para morrer, devia ser porque havia algo muito errado neles. Só muito tempo depois foi que Lucius entendeu que havia algo errado era com seu pai e não com ele e Lilian. Porém, quando criança, ele só conseguia se culpar, achando que não fora um bom filho. Por qual outro motivo seu pai o deixaria para morrer?

A esperança já abandonara o menino há muito tempo quando as gárgulas apareceram. Era um bando delas, monstros horríveis que muitos acreditavam só existir nas lendas. Aquelas criaturas buscavam presas fáceis, seres humanos fracos que não pudessem se defender. E era exatamente o que os dois irmãos aparentavam no momento, sentados escorados em uma grande pilha de lixo. A cabeça de Lilian estava no colo dele e ela dormia. Quando viu as gárgulas, Lucius achou que era finalmente a morte que os encontravam. Sentiu uma mistura de medo e alívio e olhou para sua irmãzinha, que dormia em seu colo. Ficou feliz que ela não veria a morte chegar, nem sentiria medo. Por isso, se inclinou sobre ela, protegendo seu corpinho magro; se tivessem sorte, não sentiriam muita dor.

Porém, a morte que ele esperava não chegou. As gárgulas foram neutralizadas rapidamente por um brilho dourado que encheu o lugar de luz. Lucius cobriu os olhos com a mão, diante da visão da pessoa que surgia. Era um homem grande, em uma armadura dourada, que destruiu o bando sem ao menos se mexer. Quando viu as duas crianças, o homem caminhou diretamente até eles. Abaixou-se, os encarou e sorriu.

— Não tenha medo. - ele dissera em sua voz profunda com um sotaque que Lucius nunca ouvira – Não vou fazer mal a vocês.

— Isso não importa. - dissera Lucius com a voz rouca – Já estamos mortos.

O homem o olhou com compaixão e depois olhou para Lilian, que não acordara. A menina estava exausta de chorar.

— Você quer estar morto? - ele lhe perguntara – Quer que ela esteja morta?

Lucius olhou para Lilian, depois voltou seus olhos para o homem e negou com a cabeça.

— Que bom saber disso. - ele sorriu – Meu nome é Galahad e eu sou um cavaleiro de Athena. Vim caçando esses monstros há semanas e acabei aqui. Acho que, na verdade, meu objetivo sempre foi achar vocês. Venham comigo.

Galahad então pegou os dois irmãos, um em cada braço e os tirara dali. Lucius lembrava que se sentira pequeno e fraco, sendo carregado por aquele homem que destruíra os monstros sem nem ao menos se mexer. Se tivesse sido forte daquele jeito, talvez o pai não tivesse abandonado eles, pensou.

— Posso me tornar forte como o senhor? - perguntara enquanto iam deixando o lixão para trás.

— Sim, pode. - dissera Galahad – Se quiser, garoto, posso te ensinar e você se tornara até mais forte que eu.

E, sem saber por que, Lucius acreditara. E ainda acreditava. Levantou-se, a resolução clara em sua mente. E, devagar, começou a descer as doze casas.

 

*********************

Era o quinto dia de Sophia na academia, mas, para a menina, parecia que fazia anos.

A rotina era pesada, mas ela se acostumara rapidamente. Os aspirantes se levantavam ao nascer do sol, todos os dias. Faziam uma refeição leve, para não atrapalhar os treinamentos, que iam até o final da tarde. Não havia pausa para o almoço. Em compensação, o jantar era sempre muito abundante e eles poderiam ficar no salão social até a hora estipulada pelas monitoras. Depois, iam para a cama e no dia seguinte, a rotina recomeçava. Aquilo dava uma sensação de segurança que Sophia nunca sentira antes. E, surpreendentemente, a fazia se sentir mais feliz do que jamais estivera.

Contudo o que mais gostara era da amizade que desenvolvera com Shaoran e com Derya. Os dois eram bem diferentes de Sophia, e um do outro, mas aquilo apenas equilibrava a amizade dos três. Sophia era a mais reservada, ficava sempre na dela, observando tudo. Shaoran era o mais comunicativo, se dava bem com todo mundo e gostava de agradar as pessoas. Um amorzinho, como Derya o chamava. E Derya era a mais curiosa, estava sempre querendo saber das coisas e sempre parecia também saber mais do que todos. Adorava livros e sempre tinha um na cabeceira. Enquanto Sophia terminou a duras penas a Ilíada, Derya lera três livros do mesmo tamanho, no mesmo período de tempo.

Igual a Sophia, ambos eram órfãos. Porém, suas histórias eram completamente diferentes. Derya viera de algum lugar nas proximidades do mar Negro, mas não sabia exatamente de onde. Toda sua família fora capturada e vendida por traficantes de pessoas, que a separaram de seus pais. Ela fora salva pelo cavaleiro de Capricórnio, que fora mandado para acabar com aquele comércio de vidas. Impressionada ao ver o cavaleiro lutando, ela lhe implorara para ser levada com ele, pois queria ter aquela força. E fazia dois anos que estava no Santuário.

— Eu vou conseguir uma armadura e vou em busca de minha família. - disse Derya resoluta – Sei que eles podem estar mortos. Não tenho muitas esperanças… Mas quero fazer isso. Nunca vou ficar em paz se não fizer.

Sophia ficou impressionada com a determinação dela.

Shaoran relutou mais em contar sua história, mas quando ele contou, Sophia ficou chocada. O menino vinha de uma linhagem antiga de cavaleiros e um de seus antepassados fora um dos cinco cavaleiros de bronze que eram próximos a Athena do século 20.

— Eu descendo de Shiryu de Dragão. - disse ele.

Porém, apesar de ter uma pessoa tão ilustre na família, Shaoran não gostava de falar sobre aquilo. Quando perguntou a ele o porquê da esquiva, ele confessou:

— É um peso grande, sabe? Todos esperam muito de você. Meu avô me dizia todo dia que eu precisava conseguir a armadura de Dragão, que eu não podia fazer como meu pai…

— O que seu pai fez? - Sophia perguntou.

A expressão de dor do menino a fez se arrepender da pergunta.

— Esqueça. - disse ela – Não importa.

Shaoran sacudiu a cabeça.

— Importa. Você ouvirá em algum momento mesmo… - ele respirou fundo e contou – Meu avô foi o último cavaleiro de Dragão e treinou meu pai para ser seu sucessor. Mas meu pai…. Se perdeu. Achou que podia usar sua força para impor sua vontade e começou a perseguir os mais fracos. Minha mãe tentou impedir e ele a matou. - o menino baixou os olhos, mas não parou de falar – Meu avô entendeu que a culpa era dele, por não ter educado o filho. Houve uma luta e meu pai acabou morto. Ficamos só eu e o vovô, até que ele morreu, dormindo. Ele já estava bem velho, sabe? Um dos amigos dele avisou o Santuário e o mestre Galahad foi me buscar na China. Estou aqui desde então.

Depois que seus amigos lhe contaram sobre suas vidas, Sophia se sentiu mal por não poder partilhar o motivo que a trouxera ali. Contara a história em partes: disse que fora num parque, que lutara contra caçadores de crianças, que Lucius sentiu seu cosmo, a achou e a levara. Apenas não mencionou Athena. Prometeu a si mesma que falaria um dia, quando o Grande Mestre achasse que ela poderia falar. Mas, mesmo com a história incompleta, seus amigos já ficaram bem animados e entenderam por que Lucius a ajudara naquele dia.

— Ele não parece uma pessoa muito sociável. - comentou Shaoran – Ele ficou lá, caladão, enquanto a irmã dele respondia todas as perguntas…

— Eu já ouvi falar que o cavaleiro de Sagitário o odeia. – comentou Derya – Dizem que os dois sempre estão a um passo de uma luta mortal.

Sophia lembrou da conversa que tivera com Lucius no dia da luta. Não seria muito difícil odiá-lo.

— O que mais você sabe dele? - perguntou Sophia interessada e Derya se animou. Ela adorava responder perguntas.

— Sei que ele foi até as estrelas para buscar a armadura de Escorpião. - disse com os olhos brilhando de empolgação.

— Como assim até as estrelas? - estranhou Sophia.

— Parece que a armadura de Escorpião tinha sumido, por causa dos crimes do seu antigo cavaleiro. - explicou a menina – Dizem que o próprio Escorpião lendário a levou de volta aos céus. O mestre Lucius teve que lutar contra o Escorpião, uma imensa criatura celeste, para trazer a armadura de volta.

Sophia tentou imaginar Lucius lutando contra um Escorpião gigante lendário mas só conseguia pensar nele pegando uma chinela e esmagando um escorpião que andava pela parede. O ato dele não era tão grandioso daquela perspectiva.

— Acho que ele gostou de você, Sophia. - disse Shaoran a certa altura da conversa.

— Por quê? - surpreendeu-se.

— Porque ele decidiu te ajudar com o olho.

— Acho que ele faria com qualquer um. - comentou.

— Acho que não. - retrucou o menino suavemente – Ele não tem uma boa fama.

— Isso é verdade. - confirmou Derya – Parece que ele não quer ninguém lá na casa dele e disse que nunca ia treinar ninguém.

— Ele deve dizer isso porque não consegue achar um discípulo. - resmungou Sophia lembrando como ele respondera seu agradecimento – Chato do jeito que ele é…

— Eu adoraria ser treinado por um cavaleiro de Ouro, mesmo que fosse ele. - disse Shaoran esperançoso – Mas se fosse pela amazona de Libra…. - as bochechas dele ficaram vermelhas e ele baixou os olhos envergonhado.

Derya caiu na risada, enquanto Sophia encarava o amigo, confusa.

— Ele tem uma quedinha pela amazona de Libra. - explicou a menina – Você devia ver a cara dele quando a viu pela primeira vez!

— Não é verdade! - defendeu-se ele, com o rosto em brasa – Eu gostaria de ser treinado por ela porque meu antepassado foi cavaleiro de Libra!

— Achei que ele era de Dragão. - estranhou Sophia.

— Ele foi cavaleiro de Dragão e depois herdou a armadura de Libra. - o menino suspirou – Eu queria tanto ser como ele! Só que eu não sou talentoso…

— Claro que é! - exclamou a outra – Nunca vi ninguém conseguir se concentrar tão bem sem cair no sono!

— Mas essa não é uma habilidade muito útil… Não é como a sua habilidade com o cosmo… - lamentou.

— Ah, mas foi porque apanhei muito nas ruas. Se quiser posso bater muito em você, até arrancar o cosmo daí de dentro! - e fez um muque com o braço.

Para sua surpresa, Shaoran se empolgou.

— Pois vamos começar esse treinamento logo!

E os três sempre estavam juntos, seja no treinamento, seja nas refeições, além de dormirem em camas vizinhas. E apesar de adorar os novos amigos, Sophia estava sempre pensando em Athena. Pensava no que ela estava fazendo, se ela gostaria de conhecer Derya e Shaoran e se pegou pensando em como seria maravilhoso se os quatro pudessem se divertir juntos. Claro, Shaoran e Derya teriam um troço quando conhecessem Athena, mas depois veria que, apesar de uma deusa, ela era uma criança, igual a eles. Assim que pudesse ver Athena, falaria a ela de seus novos amigos e a convenceria a conhecê-los também. Seria muito divertido quando esse dia chegasse. Até lá, muito treinamento.

As coisas andavam bem tranquilas. Fora o fato de sempre levar bronca ao gritar um palavrão, Sophia não tivera nenhum problema com as regras da academia, nem com outros aspirantes. Depois de sua luta contra Kosuke, a maioria mantinha distância dela, fosse por respeito ou fosse por medo. E Kosuke e seus amigos não fizeram nenhuma tentativa de se vingarem dela ou de seus novos amigos, fazendo Sophia acreditar que a pior parte já havia passado.

Estava enganada.

Naquele dia, Sophia treinava com Derya e Shaoran, lutando os três entre si. Alguns aspirantes mais novos os observavam, admirados como aqueles três conseguiam fazer tantos movimentos legais. Em determinado momento, Derya jogou Sophia contra Shaoran e os dois voaram longe. Quando os dois se levantaram, havia um rasgo na roupa do menino.

— Essa não! - exclamou ele – Minha camisa rasgou de novo!

— É só um rasguinho. - disse Sophia.

— Droga, preciso trocar de camisa! - reclamou.

— Deixe para fazer isso mais tarde, quando formos jantar. - sugeriu a menina.

— Aí o rasgo pode aumentar. - ele sacudiu a cabeça – Vou trocar agora! - e saiu em direção ao prédio.

Derya se aproximou, estranhando que Shaoran corria para o alojamento.

— Eu machuquei ele? - perguntou preocupada.

— Não, ele rasgou a camisa. Foi trocar para não piorar o estrago. Só não entendi porque tanto alvoroço.

Derya deu uma risadinha.

— Vai ver ele tá com medo da amazona de Libra chegar e ele não está apresentável. - comentou.

Sophia riu.

— Ela vem sempre aqui? - quis saber batendo o pó de sua roupa.

— Sim, ela sempre aparece. E o Shaoran fica todo nervoso.

As duas meninas soltaram risadinhas.

— Vamos continuar? - chamou Derya.

Sophia assentiu e as meninas voltaram a treinar com afinco. Porém, instantes depois, Shaoran corria na direção delas, com a camisa ainda rasgada.

— Sophia! Sophia! - ele chamava.

As meninas pararam de lutar e observaram o menino chegar, ofegante.

— O que foi? - Sophia perguntou.

— Você precisa vir comigo! É urgente!

Sophia e Derya se entreolharam, antes de correram junto com Shaoran de volta para a academia. Subiram as escadas correndo e quando chegaram ao alojamento, foram em direção às suas camas. Quando Sophia viu, ela parou, o sangue fugindo de seu rosto e sentindo um buraco dentro de seu estômago. Em cima de sua cama, jazia seu Pégaso, despedaçado.

Sem acreditar no que via, Sophia se aproximou com cuidado, como se temesse piorar a situação. Ajoelhou-se na cama e, com as mãos trêmulas, pegou o presente que havia ganhado de Athena. Alguém arrancara a cabeça dele, tirara todo o enchimento deixando-o espalhado aos pedaços ao lado da pelúcia esvaziada. Também haviam arrancado as asas dele, que pendiam descosturadas. As lágrimas encheram os olhos dela quando levou ao peito os pedaços de seu tesouro mais precioso, que fora transformado em um grotesco retalho do que fora uma linda representação da majestosa criatura mitológica.

— Quem faria algo assim? - perguntou Derya, chocada.

Sophia sabia a resposta.

A tristeza rapidamente se transformou em ira. Colocou, com delicadeza, os restos do Pégaso em sua cama, levantou-se, limpou o rosto e caminhou, com passadas duras e decididas para fora. Derya e Shaoran a acompanharam, temerosos.

— Sophia, Sophia! - chamava o menino – Calma! Vamos falar com as monitoras!

— Não faça nada estúpido, Sophia! - pedia Derya, angustiada.

Mas Sophia não ouvia. Seus ouvidos latejavam, o sangue da fúria turvando seu bom senso.

Kosuke estava sentado na arena, ao lado de seus amigos. Assim que viu Sophia vindo em sua direção, a face transfigurada de dor e raiva, sorriu. Ele chegou a abrir a boca para falar alguma piada, mas não teve tempo. Sophia pulara em cima dele, tão veloz que quando o menino deu por si, estava no chão, sendo socado com uma fúria que ninguém lhe dirigira antes.

— Seu idiota! - gritava Sophia, transtornada de raiva – Foi ela quem me deu! Ela quem me deu!

Depois do susto de ver o Kosuke sendo atacado com tanta raiva, os amigos dele pularam em cima de Sophia e passaram a lutar com ela. Mas Sophia não se importava se estava batendo em um ou em vários. Começou a distribuir socos e pontapés, dando vasão a sua raiva. Logo, era ela contra quatro, o que obrigou Shaoran e Derya a parirem em defesa da amiga.

A confusão se generalizou muito rápida. Quando Kaiola e Claire chegaram, o tumulto atingira uma dimensão que elas nunca viram antes. Levaram um tempo antes de conseguir separar os aspirantes e descobrirem o foco da confusão. Àquela altura, o rosto de Kosuke estava ensanguentado, seu nariz quebrado jorrando muito sangue, enquanto Sophia exibia hematomas no queixo e sua boca sangrava. As amazonas apartaram os dois, Kaiola segurando Sophia e Claire segurando Kosuke.

— O que diabos está acontecendo? - gritou a amazona de Cobra.

— Ele destruiu meu Pégaso! - gritou Sophia, cuspindo sangue junto com as palavras.

— É bentira! - defendeu-se Kosuke, as palavras distorcidas por conta do nariz quebrado – Eu dão fiz dada que ela tá dizendo! Eu dem sabia de pégaso estúpido dedhum!

— Seu desgraçado! - Sophia tentou alcançá-lo, mas Kaiola o mantinha bem segura.

— Doida! - Kosuke tentava também alcançar Sophia e Claire o imobilizou.

Ao redor dos dois, os aspirantes gritavam, a maioria dizendo que não tinha nada a vez com aquilo, enquanto os amigos de Kosuke e os amigos de Sophia se encaravam, a raiva borbulhando entre eles. As coisas pareciam que iam degringolar novamente a qualquer momento, quando uma voz calma, mas potente, se sobrepujou ao barulho:

— Parece que temos uma agitação por aqui.

Era Galahad.

Imediatamente todos se calaram. O cavaleiro passou os olhos pelo local e parou olhando Kaiola segurando Sophia e Claire segurando Kosuke. Por um momento, todos achavam que Galahad ia começar a perguntar o que aconteceu, mas ele não o fez.

— Kaiola, cuide das feridas de quem se machucou na confusão, primeiramente desses dois. - disse apontando Sophia e Kosuke – Depois, Claire os levará à minha sala. Estarei no aguardo. - e dizendo isso, saiu.

Sophia e Kosuke se encararam naquele momento. Havia medo no rosto de ambos.

 

********************

A academia não fora criada por Galahad, mas por outro cavaleiro de Capricórnio. Sutherland, cavaleiro do século 21, viu a necessidade de criar um local onde todos os aspirantes pudessem treinar juntos e socializarem. Com o colapso das sociedades, seu projeto se tornou essencial para que as novas gerações de cavaleiros e amazonas pudessem florescer. Depois dele, a academia se tornou o legado de todos aqueles que protegiam a décima casa do zodíaco.

Galahad estava à frente da academia há quase vinte e cinco anos, desde que seu antecessor morrera, salvando uma vila de um Tifão ensandecido. E, durante aquele tempo, já vira basicamente de tudo. Então, uma briga por causa da destruição de um objeto não era novidade. O problema era que o objeto em questão era um presente de Athena para uma garotinha que a salvara. Aquilo tornava tudo pior.

Sentados à sua frente, Kosuke e Sophia o encaravam, com os rostos cheios de curativos. Sobre a mesa, o Pégaso despedaçado repousava. Com os braços cruzados, Galahad encarava os dois.

— Então? - perguntou calmamente.

— Eu já disse, eu não tenho nada a ver com isso! - esbravejou Kosuke – Ela veio e me atacou do nada!

— Você destruiu meu Pégaso! - acusou Sophia.

— Eu não tenho nada a ver com o que aconteceu com seu brinquedo idiota! - retrucou ele.

— Ora seu! - Sophia fez menção de se levantar.

— Sophia. - falou Galahad energicamente, mas sem levantar a voz.

Sophia se deixou cair na cadeira novamente e lançou um olhar ameaçador a Kosuke.

— É nítido que vocês não gostam um do outro, mas isso não é desculpa para que perturbem a ordem da Academia. - recomeçou Galahad – O que vocês tem a dizer em sua defesa?

— Mestre Galahad. - começou o menino, num tom de educação muito forçado – Eu juro que não tenho nada a ver com isso. Essa menina que é doida e encasquetou comigo desde que chegou aqui!

— Seu hipócrita! - gritou a menina.

— Viu, mestre! É assim que ela me trata!

Travando os dentes com tanta força que eles rangiam, Sophia segurou-se na cadeira para não partir para cima de Kosuke de novo. Estava usando todo seu autocontrole nessa empreitada. Galahad estava impressionado com o nível de animosidade ali.

— Sophia, porque você acredita que foi Kosuke quem despedaçou seu Pégaso? - perguntou o cavaleiro.

— Porque ele é o único com motivo suficiente para me odiar e maldade o suficiente para fazer isso! - respondeu.

— Mas você não tem prova nenhuma contra mim! - rebateu o menino.

— Eu sei que foi você, e isso para mim basta!

— Você é louca, isso sim!

— E você é um fraco, covarde, que precisa que três idiotas me segurem, porque sabe que não pode me derrotar no mano a mano!

O rosto de Kosuke ficou pálido e seu rosto se distorceu de tanta ira. Galahad nunca vira aquela expressão no rosto do menino, mas não se surpreendia. Sabia que ele era muito bom em conter seus sentimentos na frente dos adultos, mas, daquela vez, Sophia o atingira em cheio.

— Chega, os dois. - disse Galahad energicamente e os aspirantes voltaram a encará-lo – Vocês quebraram as regras e há punições para isso.

— Mas, professor! - retrucou Kosuke – Eu só me defendi! Isso não é contra as regras!

— Você pode me afirmar, sem nenhum medo, que você não é responsável por isso? - e mostrou o Pégaso despedaçado.

— Sim, senhor!

— Mesmo que eu chamasse Saphyra de Libra aqui? - desafiou.

Kosuke empalideceu e não disse mais nada.

— Como eu imaginei. - falou Galahad sem se abalar – Vou pensar em algo para você, Kosuke, mas primeiro… - ele encarou Sophia – Temos que falar de sua situação.

O coração da menina se descompassou.

— Você devia ter procurado Kaiola ou Claire antes de tomar qualquer atitude, Sophia. Ou mesmo eu. É para isso que estamos aqui. Para resolver os problemas.

Sophia baixou a cabeça e não falou nada.

— Eu entendo que, na hora da raiva, seja difícil pensar com clareza. - continuou Galahad - Porém, se você quiser se tornar uma amazona de Athena, tem que começar logo a fazer isso. Manter a calma em uma situação estressante pode ser a diferença entre vida e morte em nossa jornada. Todavia, não cabe mais a mim te mostrar o caminho correto.

A menina o encarou, assustada.

— Como assim? - perguntou confusa.

— Eu não sou mais o responsável por você, Sophia. - respondeu Galahad – Ele é. - e olhou para a frente.

Sophia virou a cabeça tão rápido que seu pescoço estalou. Encostado à porta do escritório, de braços cruzados e expressão impassível, estava Lucius de Escorpião. Os dois se encararam e Sophia perdeu a voz.

— Espere aí! - gritou Kosuke se levantando – Ela fez o que fez e a recompensa é ser treinada por um cavaleiro de Ouro?!

— Cale-se, Kosuke. - ordenou Galahad e a voz dele soou como um chicote estalando. O menino se encolheu – Lembre-se com quem você está falando. Sente-se.

E ele sentou-se, a raiva torvando sua expressão.

— Treinar comigo não é recompensa, garoto. - falou Lucius se desencostando da porta e andando para dentro da sala – Pode muito mais ser visto como uma punição.

Lucius parou do lado de Galahad e encarou Sophia.

— Como vocês dois sabem, Lucius é o cavaleiro de Escorpião. - recomeçou Galahad – Ele nunca teve um discípulo antes e eu nunca imaginei que ele fosse querer treinar alguém. Mas, hoje, ele me pediu por você, Sophia.

— E o senhor concordou. - falou a menina – Simples assim?

— Se você estiver com medo, pode recusar. - provocou Lucius, com um brilho divertido nos olhos.

Sophia levantou-se e se empertigou.

— Eu não tenho medo de nada! - exclamou.

Lucius sorriu.

— Ótimo. Eu ia detestar ter vindo até aqui para descobrir que você é uma covarde. Agora, vá pegar suas coisas. Não tenho tempo para perder aqui.

Sophia olhou para Galahad, sem saber o que fazer.

— Você ouviu seu mestre, Sophia. - disse ele – Obedeça-o.

A menina prontamente fez menção de sair, mas Lucius falou:

— Sophia. - ela parou de andar e o olhou – Pegue somente o que você trouxe quando chegou. O que você recebeu na academia, fica na academia, para os próximos aspirantes.

— Tá certo. - respondeu

— Não, não tá certo. - retrucou ele rispidamente – Você fala “sim, mestre”, a partir de agora.

A menina não gostou, mas sentiu que não devia contrariá-lo.

— Tá cer… Digo, Sim, mestre.

— Ah, você me deu uma boa ideia, Lucius. - falou Galahad de repente – Sophia, seu castigo será decidido por Lucius, já que você agora é discípula dele. Mas você, Kosuke, continua sob minha tutela. - o cavaleiro de Capricórnio se encostou em sua cadeira e sorriu – Você será responsável por lavar o enxoval que demos a Sophia, para que outro aspirante possa usar. Não apenas o dela, mas também a roupas de todos que se envolveram na confusão. Afinal parece-me que você gosta de lidar com tecidos. - e olhou para o Pégaso despedaçado.

Kosuke não disse nada, mas a raiva em seus olhos dizia muito.

— Agora saia. - ordenou Galahad.

— Sophia, se apresse. - emendou Lucius.

Os dois aspirantes fizeram uma pequena reverência e saíram, deixando os cavaleiros de Ouro sozinhos.

— Espero que você esteja preparado. - disse Galahad enquanto Lucius sentava-se à sua frente, ocupando a cadeira que sua discípula ocupara antes – Sophia não é fácil.

— Tampouco eu sou. - respondeu Lucius.

O cavaleiro de Capricórnio deu uma risada.

— Por Athena, estou ansioso para ver no que isso vai dar. - revelou – Nunca pensei que logo você fosse se interessar por ela. Confesso que eu estava esperando por Lilian, apesar de ela ter dito que queria um aquariano como ela.

Lucius não respondeu, apenas encarou o Pégaso de pelúcia despedaçado em cima da mesa. Aquele tinha sido o Pégaso que Saphyra pegara para Athena no jogo de argolas e que a pequena deusa dera de presente para Sophia. Toda a confusão tinha sido motivada, não apenas pela raiva que as duas crianças nutriam uma pela outra, mas porque Sophia decidira que o que Athena lhe dera era mais importante que qualquer coisa.

— Gal, você tem agulha e linha?

 

**********************

Derya e Shaoran estavam sentados em suas respectivas camas esperando Sophia. Depois que receberam os primeiros socorros, viram a amiga ser levada para o escritório de Galahad e temiam que, no final das contas, apenas ela fosse castigada e que Kosuke saísse ileso. Ficaram aliviados quando ela entrou no alojamento, com uma expressão chocada no rosto. Os dois se levantaram rapidamente, ansiosos.

— E aí, como foi? - perguntou Shaoran.

— Ele te castigou? – quis saber Derya.

Sophia parou em frente a eles, sem saber o que dizer. Nem mesmo ela ainda se recuperara do susto e da adrenalina do que acontecera. Tentando imaginar por onde começar, soltou uma frase sem raciocinar muito:

— Estou indo embora.

Shaoran e Derya ficaram chocados.

— Como assim?! Mestre Galahad vai te expulsar? - Shaoran não conseguia acreditar.

— Não podem fazer isso, Kosuke começou! - exclamou Derya indignada.

Vendo que tinha sido mal interpretada, ela sacudiu a cabeça e agitou as mãos, pedindo calma aos colegas.

— Não, não! Não é expulsão… quer dizer, não é beeem expulsão. - e como os dois ainda a olhavam preocupados, explicou – Na verdade…. Eu vou ser treinada por Lucius de Escorpião. Por isso estou indo embora. - Sophia continuava confusa com o desenrolar dos fatos.

A confusão dela foi compartilhada pelos amigos, que a encararam chocados.

— Como foi isso? – quis saber Derya.

A menina começou a explicar tudo, falando da conversa com Galahad, a tensão entre ela e Kosuke e a chegada inesperada do cavaleiro de Escorpião. Enquanto falava, lembrou que ele estava esperando-a e puxou o baú para pegar suas coisas. Não havia muito o que levar.

— Você vai ser treinada por um cavaleiro de Ouro, isso é tão legal! - Shaoran estava deslumbrado.

— Mas é Lucius de Escorpião! - lembrou Derya – Nós sabemos que ele é horrível! - e percebendo algo, exclamou – Ela vai ser castigada por ele também! - e se voltando para Sophia, perguntou— Você está com medo do que ele vai fazer?

— Acho que qualquer coisa que ele faça não vai superar o castigo de Kosuke. - Sophia riu alto, a tensão se esvaindo ao lembrar do que Galahad dissera ao menino – Ele vai ter que lavar minhas roupas! E a de vocês! E a te todo mundo que se envolveu na briga! - então, teve uma ideia – Ei, me ajudem aqui!

Ela jogou seus lençóis e seu outro par de roupa de aspirante no chão e passou a esfregá-lo no piso sujo. Depois, sentou no chão e foi se arrastando, passando a bunda no piso para sujar o máximo possível sua roupa. Por último, ficou rolando de um lado para o outro. Derya e Shaoran gargalharam e começaram a rolar no chão também, piorando o estado de suas roupas. Riram enquanto faziam isso, pensando na cara do idiota quando tivesse que lavar tudo.

Depois daquele momento de diversão, Sophia tirou as roupas de aspirante e vestiu novamente suas roupas do mundo exterior. Percebeu que elas estavam apertadas. Com certeza ganhara peso nos cinco dias que passara na academia e, por isso, não ficou surpresa de ter dificuldade para pôr a roupa. O pior foram os tênis. Eles estavam ainda mais apertados que antes. Todavia, não queria vestir a roupa que recebera no templo de Athena; a deixaria para usar quando fosse visitar sua amiga. Percebeu, com muita tristeza, que a mochila de pano ficava dolorosamente vazia sem o Pégaso. Sophia apertou os lábios, segurando as lágrimas.

Quando terminou a arrumação, encarou Derya e Shaoran. Depois de Athena, foram os únicos amigos que tivera. Graças a eles, seus dias na Academia dos Aspirantes foram divertidos e proveitosos.

— Vou sentir falta de vocês. - disse com sinceridade.

— Também vamos sentir a sua. - garantiu Derya.

— Não é um adeus, certo? - Shaoran falou enfaticamente – A gente vai se encontrar pela vila, nos eventos…

— E quando formos lutar por nossas armaduras! - desejou Sophia.

Os três se abraçaram, compartilhando aquele momento. As lágrimas se misturavam aos risos, a tristeza com a felicidade e a certeza que a amizade deles não se acabaria com aquela despedida. Antes de sair, Sophia lembrou que ainda estava com o livro de Galahad. Ficou feliz por ter tido tempo de terminar “Ilíada”. Será que o cavaleiro de Capricórnio lhe emprestaria “Odisseia”?

— Muito bem. - disse a menina com a mochila nas costas e o livro debaixo do braço – Vamos lá.

— Vamos acompanhar você até a saída, certo, Shaoran? - perguntou Derya.

— Com certeza! - respondeu ele.

Juntos, desceram as escadas e atravessaram o salão principal, onde os outros aspirantes os encararam. Todos já sabiam que Sophia estava sendo levada pelo cavaleiro de Escorpião, mas ninguém estava com inveja dela. A fama do cavaleiro de Escorpião era muito ruim e a maioria realmente via aquilo mais como uma punição do que como uma oportunidade, como o cavaleiro apontara.

Lucius aguardava Sophia na porta da academia, ao lado de Galahad. Quando viu a menina, ladeada por seus colegas, acenou com a cabeça e apontou para a saída. Sophia deu mais um abraço rápido em cada um dos amigos e apressou-se em seguir seu novo mestre. Quando passou por Galahad, parou e fez uma reverência, respeitosamente.

— Obrigada por tudo, mestre Galahad e desculpe toda confusão que causei. - apesar de tudo, Galahad era uma pessoa que Sophia respeitava imensamente e não queria sai dali com a sensação que não deixara claro seu apreço por ele – E obrigada por emprestar o livro. - e entregou a “Ilíada” para ele.

— Não tem de quê, Sophia. - agradeceu, pegando o livro – O que achou da leitura?

— Essa guerra toda só aconteceu porque Menelau não aguentou o chifre que levou. - respondeu incisivamente – Se tivesse aceitado o chute na bunda e ido procurar outra mulher, muitas vidas teriam sido salvas.

Surpreso com a resposta, Galahad gargalhou.

— Eu nunca havia pensado por esse ângulo! - admitiu ele – Ah, Sophia, sentirei falta de sua sinceridade. - e dando duas tapinhas no topo de sua cabeça, disse – Pode vir pegar outro livro quando quiser aqui. E boa sorte em sua nova jornada.

Sophia sorriu, agradecida. Depois, acenou com a cabeça para Kaiola e Claire, deu um rápido ‘tchau’ para Derya e Shaoran e foi até onde Lucius a esperava. O cavaleiro de Escorpião começou a andar e Sophia o acompanhou.

— Para onde vamos? - ela quis saber.

— Para onde mais? Para a casa de Escorpião.

“Minha nova casa.”, pensou Sophia. Uma casa antiga, com milênios de existência, mas que seria o local onde moraria, a partir daquele dia. E agora que estava sozinha com seu mestre, temeu o que vinha pela frente.

— Qual será meu castigo? - perguntou, preocupada.

— Nenhum. - respondeu Lucius – Não tenho nada a ver com o que aconteceu dentro da academia.

Sophia parou de andar e o encarou, boquiaberta. Lucius também parou.

— Nada? - perguntou abismada – Nadinha?

— Você quer que eu a castigue? - perguntou ele erguendo uma sobrancelha.

— Não, de jeito nenhum. - apressou-se em dizer – Só… Estou surpresa, porque o mestre Galahad disse…

— Deixe deixar uma coisa bem clara, Sophia. - cortou Lucius – Eu não sou como o Gal, nem pretendo ser. Quero sua obediência a partir de agora. E saiba que eu sou exigente e não espero nada menos que o melhor de você. O fato de eu não te castigar não significa nada, entendeu?

— Tá certo. - e ele lhe lançou um olhar incisivo e ela corrigiu na mesma hora – Sim, mestre.

— Vamos passar pela vila e comprar algumas roupas para você. - continuou ele – Essa roupa do mundo exterior não vai durar nem uma hora de treino.

Ela apenas assentiu.

— Ah, e isso é seu. - para a surpresa de Sophia, Lucius lhe entregou o Pégaso, inteiro – Tenha mais cuidado com as dádivas que Athena lhe dar.

Sophia encarou a pelúcia, emocionada por tê-lo de volta, e se perguntando como o bichinho fora concertado em tão pouco tempo. Teria sido Lucius? Chegou a abrir a boca para perguntar, mas ele lhe lançou um olhar de censura e fez um gesto para que ela voltasse a andar. Rapidamente, Sophia guardou o Pégaso de volta na mochila e passou a acompanhar seu professor, seu coração mais leve do que estivera há muito tempo.

Talvez, pensou ela, o cavaleiro de Escorpião não fosse tão ruim quanto diziam.

 


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