As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 2
— A grande guerra Interestelar




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Guerra Interestelar

A guerra dividiu a Via Láctea em duas gigantescas facções: Quadrante Alfa e Quadrante Beta. O exército do lado Alfa era quase cem vezes menor que o do Beta mas tinha Kaira, o guerreiro mais forte já nascido na galáxia, como seu grande representante. A parte Beta, no entanto, contava com um número maior de lutadores prodígios, lendários, além de ter como líder a poderosa Yume. Batalhas muito difíceis aguardavam os dois hemisférios. 

Os primeiros combates estavam acontecendo em planetas considerados neutros e desabitados, os guerreiros chegavam neles com o auxílio de naves. O espectro Beta da galáxia, como o esperado, levava ampla vantagem, pois tinha ninguém menos que o ancião Hanzuki na linha de frente — e muitos dos guerreadores inimigos entravam em pânico quando o viam. Ele sozinho valia por mil soldados do time adversário. Porém, estava velho. Era muito poderoso, mas seu corpo era incapaz de suportar toda a sua força, se esgotava rápido. Se desse tudo de si poderia até sofrer um infarte, ou seu corpo poderia se romper em plena arena de batalha. Ciente disso, vinha se contendo desde que pisou ali. 

Pro seu azar, seus oponentes estavam começando a se dar conta da limitação que a idade lhe impunha e tramando coisas entre si para cansá-lo e destruí-lo. A cada cem que Hanzuki matava, mais duzentos e trezentos atacavam em seguida e o número seguia aumentando. O cansaço começava a se manifestar em seu rosto, seus aliados tentavam ajudá-lo a dar conta mas nenhum deles estava a altura do embate e logo pereciam. 

 O confronto se dava num imenso deserto de areia, o sol estava no auge de seu brilho. Após acabar com uma leva de duzentos e setenta homens e ser louvado por seus companheiros, o ancião se apoiou sobre os joelhos como que pedindo uns minutos para descansar. Seus amigos fizeram o melhor que podiam para cobri-lo mas o velho não conseguiu ficar parado assistindo tantos aliados morrerem e se reergueu, voltou ao embate. 

 Mas o cansaço começou a deixá-lo desatento, a reduzir seu tempo de reação. Quanto mais se esforçava para manter o nível, mais difícil ficava. Mas não podia evitar. Ver um dos seus morrer doía tanto quanto perder o filho que ele nunca teve e, cada vez que isso acontecia, dava mais de si. Enfim, sem perceber, estava empregando cem por cento de sua força. Num surto de fúria, instantaneamente, com nada além de uma espada na mão e sua velocidade sobrenatural, massacrou cerca de cinquenta mil soldados oponentes. Mas, infelizmente para o lado Beta, foi uma rápida explosão de poder que, além de breve, esgotou Hanzuki completamente. Ele humilhantemente foi de cara ao chão. 

 O exército opositor, todavia, parecia novo em folha. Com razão estava mais animado do que nunca, afinal acabaram de ver o retalhador mais forte do inimigo cair de exaustão. Uma luz dourada, de repente, resplandeceu no horizonte, ofuscando até mesmo o sol. Dessa luz partiu um raio, depois outro e mais outro: em poucos instantes metade do exército Alfa foi reduzido a pó. A responsável pelo feito se revelou uma jovem garota de cabelos amarelados, enrolados, esvoaçantes, que descia do céu recolhendo um grande par de majestosas asas. Parecia um anjo.

Hanzuki, ainda deitado, tirou o rosto da areia e a fitou diretamente. Não sabia se era uma miragem. Rezava para ser real. Imagine seu susto quando a menina se aproximou e ele descobriu que se tratava de Kin, a petulante e encrenqueira filha de Yume. Sorridente, a jovenzinha lhe cedeu a mão e o ajudou a ficar de pé. A seguiu. Ao lado dela, sem parar de encará-la com assombro, retornou para a linha de frente. Sabia que ela era poderosa, mas nunca nem sonhou que fosse tanto. E tão jovem

A loira levantou o punho dominante com determinação e, bem alto, bradou para todo o exército aliado ouvir:

— Vamos acabar com eles!

A vantagem do lado Beta, depois disso, se tornou incontornável. Com suas lindas asas repletas de penas fulgurantes, Kin sobrevoava o campo de batalha a velocidades incalculáveis matando qualquer um em quem não visse a insígnia aliada. Seus oponentes não tinham a mais remota chance de vitória e sabiam disso, mas provavam ser tão nobres quanto seus rivais, não recuavam: recebiam a morte de braços abertos e rostos sorridentes. 

Hanzuki se sentou para descansar os músculos. Respirava aliviado, orgulhoso. Não ligava pra morrer ali. O futuro está em boas mãos, pensou, com a palma das mãos na areia, as pernas esticadas e a face virada pro céu. Uma grande preocupação o abateu, fez seu coração pesar, e ela não envolvia os soldados e nem Kaira. Estava pensando em Santsuki. 

...

 Era a sexta vez que Yume aterrissava em um planeta e o exército adversário inteiro fugia assustado. Aquilo a deixava feliz. Por um lado não seria forçada a tirar vida nenhuma, por outro, no entanto, se preocupava com pra onde eles fugiam. Assim, ela danificava suas naves para que eles não pudessem ir muito longe e para que sua única alternativa fosse voltar para casa. Era muito repreendida pelos cancerianos e os sagitarianos principalmente, eles exigiam que ela não tivesse piedade de ninguém, mas a moça não lhes dava ouvidos. Seu coração superava em tamanho sua vontade de vencer. 

Reuniu-se com quatro outros líderes no pico de uma montanha imensa para trocar informações, num planeta frio e enorme onde não existia sinal algum de vida. Libra, Peixes, Câncer e Virgem. Nenhum deles havia visto Kaira, Azin ou Santsuki e nem tinha ideia de onde os três poderiam estar. O último mencionado não saía de sua cabeça. Sabia que ele não perderia a chance de assumir os créditos pelo que provocou, de enfrentá-la. Então onde ele está agora, se perguntava o tempo todo. Por que ainda não deu as caras?

Os outros líderes decidiram se espalhar pelos planetas para ajudar nas batalhas e a deixaram, perdida nos próprios pensamentos e medos, a sós consigo mesma. Temia profundamente pelo resultado da guerra e sabia que, qualquer que fosse ele, se culparia por toda a eternidade pelas vidas que se perderam. Até sua filha, a coisa que mais amava em todo o universo, acabou se envolvendo. Seu peito explodia de tristeza.

— Sozinha aqui? — Uma voz masculina, muito familiar para ela, ecoou por aquele grande vale até chegar nos seus ouvidos. Yume não tinha a menor dúvida de quem era o dono mas imediatamente voltou os seus enraivecidos olhos para ele, que estava só cem passos longe dela. — Aposto que com você também está acontecendo aquilo de os exércitos fugirem de medo quando te veem... isso está um tédio, não acha? 

Santsuki. Seu terno e sua camisa estavam manchados com o sangue dos homens que não respondiam à sua aparição com uma fuga desesperada. Yume cerrou os punhos com tanta força que os sentia tremer. 

 — Chega de falar. Chega de ironia, de promessas... — Ela dizia, caminhando a passos calmos na direção dele. — Chega de te deixar viver. Pra você tudo acaba hoje

Santsuki sorriu entusiasmado, suando de ansiedade por aquela luta. Sonhou com este momento por muitos anos. Pra que ser tão poderoso se ninguém vivo podia lhe fazer frente, se não havia em parte alguma alguém capaz de testemunhar sua grandeza? Pouco se importava com "os limites" que diziam que ele havia ultrapassado, como sempre dizia o poder não respeita limites, ele os impõe. 

Um avançou sobre o outro como duas forças titânicas imparáveis, quem os visse não exageraria muito se os equiparasse a estrelas em colisão. A brutalidade dos golpes desferidos pelas duas partes se fazia sentir por todo o cosmos, arrancando luas e astros de suas órbitas, arrasando corpos celestiais de todas as formas e tamanhos nas mais longínquas localidades. 

Até Hanzuki, num planeta vários anos-luz distante da arena onde aquela luta se dava, sentiu a energia no ar e o tremor na terra. Por um instante todos os conflitos cessaram: ninguém resistia a soltar sua espada e dirigir a atenção para a região que parecia ser a fonte daquelas poderosas vibrações.

...

Um sorriso cheio de maldade e satisfação tomou o rosto de Kaira. Mesmo estando nos limites da galáxia podia sentir a aterradora energia oriunda das batalhas, especialmente a que vinha do confronto entre Yume e Santsuki. Sim, sabia que os dois eram os donos daquela força perturbadora. Quem mais poderia ser? Só estava confuso sobre qual dos dois odiava mais e mais queria ver morto. Que se devorem, deu as costas para o pôr do sol que estava a contemplar e foi andando até os degraus de mármore branco que dava no pátio do seu castelo, sentando-se no segundo dos três com o braço apoiado na perna direita.

Um homem negro de cabeça raspada, face barbeada, corpo musculoso e de um metro e setenta e quatro de altura, numa primeira olhada ninguém entenderia a razão de seu nome provocar tanto temor. Seu rosto, mesmo agora, não entregava a natureza cruel de seus pensamentos. Sempre fora gentil e cordial com todos, um rei benévolo e preocupado com o bem-estar de seus servos e súditos. Ele acreditava ser essa a razão da tragédia que acometeu sua esposa e seu filho. Sua família. 

 Estava na Terra de Áries quando tudo aconteceu. Firmava uma aliança com o quadrante Beta no instante que recebeu a chamada. Sua esposa lhe ligou desesperada, com uma voz trêmula cuja fala era constantemente atrapalhada pelos soluços do choro traumatizado dela. Claro que a rainha não tremia pela própria vida, mas pela do filho que escondeu do homem que estava ali para assassiná-los. Santsuki está aqui, ela dizia, ele matou milhões de pessoas, todos os nossos soldados estão mortos. As últimas palavras que ouviu dela vieram em tom de súplica: Você tem que vir pra cá agora, talvez dê tempo de salvar o nosso filho! Salve-o!

 Mas chegou tarde demais. Encontrou, de fato, seus mais poderosos soldados e amigos mortos, largados no chão feito animais. Os conhecia bem: sacrificaram suas vidas como distração para que a rainha e o príncipe se salvassem. Esperavam que usando-se como escudo deteriam Santsuki por tempo o suficiente até chegar. Mas infelizmente estavam errados. Morreram em vão. 

 Por muitas vezes sua esposa o avisou para priorizar a captura de Santsuki, para não assinar acordo de paz nenhum com ninguém até aquele genocida estar morto ou atrás das grades. Errou em não escutar o conselho dela, ao contrário do que normalmente fazia. Só o que restou foi a vingança. Como o homem sábio que era, porém, sabia que a vingança não acabaria com a sua dor e nem expurgaria a culpa de sua consciência. Por isso mesmo não planejava sair vivo daquela guerra. O fim da Via Láctea estava decretado por ele.

— Meu rei — Um homem visivelmente nervoso, já de bastante idade, compleição frágil e costas curvadas, se dirigiu a Kaira. — Yume e Santsuki se encontraram, eles estão se enfrentando no planeta z36 a cento e cinquenta milhões de anos-luz daqui. 

— Excelente. — Kaira riu e pôs a mão no peito nu. — Está tudo ocorrendo de acordo com o plano. Minha aposta é na Yume, mas no melhor dos casos os dois morrem juntos...

O clima estava ameno. Os ventos sopravam frescos, o sol, em sua despedida, embelezava o valioso castelo real no qual Kaira não se atrevia a entrar, pois tudo lá dentro o lembrava seu único herdeiro e sua mulher. Queria, em seus últimos dias de vida, estar mais próximo da terra, das árvores, da natureza que sua amada tanto prezava, por isso escolheu sentar-se ali. 

Seu mensageiro, curioso, perguntou:

— Precisa que eu mande alguém até lá para vigiá-los e avisar quando os dois acabarem de lutar? 

Kaira deu de ombros. Qualquer que tentasse se aproximar deles ou acabaria morto, ou não conseguiria ver nada devido às velocidades a que eles se locomoviam. 

— Não, tudo bem. Está dispensado, Al. Deixe a Via Láctea enquanto ainda há tempo. — O liberou de suas funções, fazendo dele um homem sem propósito, sem lugar no mundo, pois tudo o que Al fez a sua vida inteira foi servir à realeza. 

— As batalhas estão acontecendo muito lá pro centro, soberano. Ficarei seguro enquanto estiver aqui, com o senhor. — Se negava a abandoná-lo.

— Ninguém está seguro aqui. Nem mesmo eu. — Kaira o contrariou. — Yume e Santsuki vão se destruir e arrastar a galáxia inteira com eles. 

Os tremores seguintes, além de atirar o velho Al no chão, de abalar as estruturas do castelo, deram suporte ao palpite do rei. Monumentos erguidos no planeta de Kaira, todos feitos a base dos materiais mais resistentes encontrados na natureza, ruíam ante a exposição ao poder daquela dupla. A terra se abria e rachava de ponta a ponta.

...

Kin e Hanzuki estavam, enfim, confrontando um retalhador a altura da força que tinham, um guerreiro extraordinário, capaz de fazer frente aos dois simultaneamente. A loira, com uma espada mais dourada do que seus cabelos, combatia o inimigo encapuzado com toda a garra e furor que havia em seu coração, ao passo que Hanzuki recobrava o fôlego para acompanhá-los. Os três estavam cercados de cadáveres, eram os únicos seres vivos naquele mundo. 

Kin bloqueou o último ataque dele com sua lâmina mas mesmo assim foi arremessada longe, de volta para perto do ancião que a auxiliava. Era a vez do velho de atacar. Hanzuki passou a lutar usando nada mais que as mãos e os pés, forçando o adversário, pela praticidade, a entrar em seu jogo e trocar chutes e socos com ele. Nisso, pelo menos no início, o idoso levava uma inegável vantagem: acertou dois socos na cara do rapaz, esquivou-se de três, defendeu-se de um pisão com as mãos, ganhou um golpe com o cabo da espada na cara e contra-atacou com um soco certeiro na barriga, afastando o outro de si. 

Sua aliada aproveitou a brecha, ascendeu às alturas e de lá jogou a espada que tinha em mãos contra o oponente, mas este se esquivou e abriu a guarda para o soco que levou de Hanzuki. Porém, ainda de pé, o lutador encapuzado segurou o ancião pelo pulso e lhe deu um chute no queixo. Kin veio ao socorro dele mas errou a voadora que desferiu, acertou o solo e teve a própria espada cravada no ombro, por um desvio acidental, a centímetros do peito. Teria sido assassinada na sequência se uma parede de gelo não tivesse sido erguida entre ela e a lâmina do encapuzado. 

Ela e Hanzuki olharam para trás. Arashi

— Ajude o senhor Hanzuki! — O moreno gritou, ao passar correndo por ela. 

Arashi e o guerreiro misterioso trocaram golpes num confronto corpo a corpo a princípio equilibrado, mas logo a desvantagem do garoto começou a ficar escancarada. Para cobri-la, o menino protegia o corpo com uma espessa armadura de gelo, imunizando-se assim a golpes comuns e obrigando o atacante a esforçar-se mais para feri-lo de verdade. Seu inimigo, no entanto, não se deixou intimidar e começou a distribuir golpes cada vez mais poderosos e ágeis.

O jovem ariano foi deitado no chão e transformado no alvo impotente de uma chuva de socos, um mais furioso do que o outro. 

— Ele vai matar o Arashi — Exclamou Kin, arrancando a espada outrora presa ao seu ombro e sentindo o sangue jorrar do machucado — A armadura de gelo não vai aguentar por muito tempo!

Hanzuki, caído de exaustão, aconselhou:

— Use seu disparo de luz!

— N-não, não posso...!! — Ela não estava confiante. — E se eu errar? Se eu adicionar energia demais posso acabar matando o Arashi também!

— Você não vai errar! Você consegue! — A motivava, preocupado com o garoto ao perceber que a armadura dele estava cedendo. — Faça! Salve-o...!!

A loira esticou o braço direito, ergueu a palma da mão e mirou no adversário. Respirou fundo e focou-se nele, exclusivamente nele, tudo ao redor deixou de existir. Seus olhos castanhos escuros refletiam a imagem do soldado Alfa espancando Arashi, o que fez o sangue dela ferver de raiva.

Kin concentrou uma quantidade cuidadosamente calculada de energia na mão e, confiante, atirou. Na mosca. Tudo o que sobrou do inimigo foi um par de pernas solitárias que caíram uma para cada lado. Arashi, com a face ensanguentada, tossindo copiosamente, se sentou. Kin, exausta e ferida, desabou desacordada. 

— Leve-a de volta para a Terra de Áries, Arashi. — Hanzuki a entregou nos braços dele. — Vocês dois atuaram brilhantemente nessa guerra, mas sua participação nela se encerra aqui. 

— Pra onde o senhor vai? — O indagou, enquanto tinha as feridas e o sangue do rosto enxugados pela toalha que o ancião carregava. 

— Eu não posso parar. — Afirmou, guardando o pano no bolso de novo. — Mas não se preocupe comigo. Leve Kin a um hospital. 

Arashi assentiu e retornou sem pressa alguma para a nave. Hanzuki pensava em Yume e Santsuki, ciente de que as catástrofes que atingiam o planeta no qual estava de pé agora eram resultado da luta deles. Não perca, Yume, torcia em silêncio. Contamos com você. 

...

A batalha mais importante do universo se aproximava do desfecho, o mundo que serviu de palco para ela também. Tudo estava em pedaços, em chamas, sobre escombros. Pedras voavam para todos os lados, trovões caíam, o céu assumiu uma estranha cor amarronzada próxima do vermelho. Todo o planeta tremia violentamente como que em colapso, a qualquer minuto ele podia se desmanchar inteiro. 

Santsuki levou um murro e caiu sentado com as costas numa rocha, a alguns passos de distância de sua maior rival. Yume, de pé, não desviava os olhos dele e mantinha a mão no próprio braço machucado, como que para deter o sangramento. O meio de seu nariz tinha um corte aberto, sua testa estava vermelha e em sua perna esquerda havia uma ferida assustadora, dolorosa a ponto de ela mal conseguir colocá-la no chão. Mas a vitória era dela.

Santsuki, por mais que se esforçasse para reerguer-se, não podia. Seu peitoral estava esfolado, aberto. Suas têmporas e sua boca expeliam sangue, seu braço esquerdo estava quebrado em três partes e seu olho esquerdo fechado por causa do inchaço. Yume removeu a espada que fincou no solo e a apontou para ele.

— O que houve com o meu marido, hã? — O questionou, possessa, ofegante. Não obtendo resposta dele, encostou a ponta da espada em seu pescoço. — Pra onde você levou o Azin, seu desgraçado? Me responde!

 Ele começou a gargalhar. 

— Depois de tantos anos você ainda não me entendeu! — Tinha a voz fraca e os olhos de quem desmaiaria a qualquer momento. — Acha que vai conseguir alguma coisa de mim ameaçando a minha vida! Eu não sou como os covardes com quem você convive, sua vagabunda miserável... Eu quero a morte! Sou amigo dela! Eu já tive o que eu queria, já realizei o meu sonho... Me matar é a cereja do bolo! 

Ela, num click, instantaneamente entendeu tudo. Ao matá-lo, assim como Kaira fez provocando aquela guerra, estaria abrindo mão de seus valores, de tudo o que passou a vida defendendo e, portanto, dando o que ele queria. Nesse momento, de queixo caído, recuou dois passos e soltou a espada. Em seguida sorriu.

— Você não vai vencer. Teve o que queria, provocou uma guerra de proporções incalculáveis e terá seu nome escrito na história, mas levará uma longa vida triste, vazia, porque depois disso daqui eu vou enfrentar o Kaira e ele vai me matar. A menos, é claro, que o Kaira mate você também, mas não é o que você quer porque você sabe que não é páreo pra ele. Nunca mais terá um oponente a sua altura e passará a vida fugindo do Kaira, como um rato. Adeus, Santsuki. — Sem dizer nem mais uma palavra, sem olhar para trás, Yume se foi. 

Pela primeira vez fora do controle de si mesmo e da situação, Santsuki gritou enfurecido uma série de maldições, o quanto a odiava e, para fazê-la voltar para matá-lo, bradou avisos sobre o inferno em que transformaria a Via Láctea se ela realmente morresse. Ela seguiu seu caminho como se ele não existisse, o que lhe tirava o pouquinho de calma que ainda podia lhe restar em algum lugar de seu coração.

...

Kaira, com um olhar nostálgico no rosto, observava quieto o lento desmoronar do castelo em que passou a vida com as duas pessoas que mais amava. Por alguma razão não estava mais triste, não havia também mais ódio em seu peito. Se a sensação que o dominava era paz ou não, não saberia dizer, mas não era nada parecida com o que sentia no momento em que declarou guerra ao quadrante Beta. 

As últimas informações que recebeu diziam que o fim da guerra estava para chegar. Ele esperava, mais do que tudo, o vencedor da batalha do milênio — que ele tinha certeza que havia sido encerrada. 

— Olha ela aí. — Disse, sarcástico, virando-se sorridente para trás. Yume o fitava muito séria. — Muito obrigado por vir até mim, me poupou o trabalho de procurá-la. Como se sente? Qual é a sensação de matar aquele inseto?

— Ele está vivo, Kaira. — Revelou, surpreendendo-o. 

Nervoso, Kaira apoiou as mãos nos quadris e riu, meneando a cabeça.

— Você não aprendeu nada hoje, não é mesmo? 

Yume avançou na direção dele e o contradisse:

— Ao contrário. Hoje eu tive a experiência de uma, de duas vidas, e tenho a chance de encerrar a minha história da maneira mais satisfatória possível. E você vem comigo.

O que se seguiu à fala dela foi uma explosão que consumiu uma área equivalente à coberta pelo sistema solar, uma onda de energia destrutiva que engoliu dezenas de planetas. A luz que veio dela chegou lá na Terra de Áries, ofuscou toda a galáxia e soou como uma notícia: a guerra acabou. 

Horas depois de se certificarem de que a guerra estava de fato terminada, a morte de Yume foi noticiada. Todas as Doze Terras Gêmeas declararam luto em respeito. Kin estava acordada quando divulgaram isso na TV, nas rádios e em todas as formas de mídia existentes, envolta no conforto da melhor cama do hospital no qual foi internada, algo que a filha da salvadora do universo merecia. Seus ferimentos estavam todos cobertos por curativos, muito bem lavados e tratados. 

Aproveitou o tempo que ficou sozinha para pensar em sua mãe, no fato de que nunca mais a veria. Usou a solidão para chorar. Arashi, cheio de curativos no rosto, entrou no quarto com Haru nos braços, o pequeno irmão da loira. Vê-los a deixou muito mais animada. 

— Consegue segurá-lo? — Disse Arashi, antes de entregar o pequeno para ela. 

— Claro. — Ela sorriu, estendeu os braços para pegá-lo e o recebeu com um amoroso beijo na testa. — Com quem você estava, maninho? Cuidaram bem de você? Tá tão cheiroso!

Arashi puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama.

— Chorou quase o caminho todo até aqui. Só se acalmou quando nós chegamos perto do seu quarto, parecia até que sabia que ia te ver.

Kin deu um beijo em cada bochecha do pequeno, depois o abraçou.

— Como tá o seu rosto? — Perguntou, olhando especificamente para os curativos que Arashi tinha abaixo do olho direito, no queixo e na testa. 

— Tá melhor. Só dói um pouquinho quando eu falo, mas disseram que não vou ficar com cicatriz. — Respondeu, muito mais preocupado com ela. Não com sua saúde física, mas com a mental e emocional, sabia que do resto ela se recuperaria em dois dias.

Kin fez uma longa pausa antes de perguntar o que queria perguntar, antes de falar sobre o elefante na sala. Diante do silêncio, Arashi previu a pergunta e começou a tentar pensar no jeito menos doloroso de revelar a resposta.

— Alguma notícia do meu pai? — Ela o inquiriu, olhando-o diretamente.

O moreno não sabia um jeito pouco doloroso de dizer a verdade, então se limitou a balançar a cabeça com os olhos fechados. Kin deixou as lágrimas rolarem, ergueu o irmão no ar e disse:

— Daqui pra frente seremos só eu e você, irmãozinho. 

Arashi pôs a mão no ombro ileso dela como se dissesse que ela estava errada, que estaria sempre ali por eles. Ela deitou o irmão nas pernas cobertas pelo lençol branco da cama, beijou a testa dele e deu um selinho na mão de Arashi após, do ombro, ela subir para o seu rosto. 


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