As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 18
— O sentido da vida




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— O sentido da vida

A Terra de Áries parecia vazia. Um silêncio estarrecedor percorria cada rua dela, como a quietude que antecede uma explosão, o trovão que antecipa a tempestade. O mundo nunca pareceu tão inofensivo. Estamos desprotegidos?, lamentava Arashi, olhando para a lua sem piscar, como um fiel contemplando a figura máxima de sua devoção. Verdade seja dita, havia um quê de vaidade dançando em seu coração. Pensar que, com os grandes líderes dele fora, o planeta estava a seus cuidados, despertava nele uma soberba da qual ele mesmo não se imaginava passível, algo de uma superficialidade repulsiva, mas natural. 

 A sua volta, seus companheiros de equipe acordavam. Kin os ajudava e explicava o que aconteceu, muitos não acreditavam nem que estavam vivos. Por que Santsuki não os matou? Ele facilmente poderia fazer isso se quisesse, mas perto do que realmente era capaz de fazer, comparado às lutas nas quais costumava entrar, mal encostou neles. Estava mais para um instrutor, um sensei, do que para um inimigo de verdade, uma ameaça real. Não lembrava em nada o genocida destruidor que atormentou a Terra anos atrás. Estava irreconhecível. 

Assim que se certificou de que todos os seus amigos estavam bem, Kin os deixou conversando entre si, recapitulando uns com os outros os últimos acontecimentos, e foi até Arashi, no momento o mais aéreo de todos. Ele não parava de fitar a lua, uma guerra de impressões e de sentimentos se dava dentro dele, escavando o próprio peito a procura de todo o ódio que por anos nutriu por Santsuki. A Terra não estava vazia, ele estava. 

— Temos que voltar e vasculhar o reino para encontrar os outros aliados dele. — Afirmou Kin, pensando que havia sido compreendida. A essa hora, pensava ela, os retalhadores dos outros reinos já devem ter se arranjado para cuidar de tudo na ausência de seus líderes. Quando sentiu que não foi ouvida, pôs a mão no rosto dele com carinho e disse: — Arashi? Você está bem?

 Ele voltou à realidade. Olhou para um lado, para o outro e, por fim, para Kin. 

— Desculpa... O que foi? — A indagou. A confusão em seu rosto, em sua voz e sua postura eram tão autênticas que nem o mais conceituado dos atores seria capaz de fazer igual. 

— Vou voltar pro reino para proteger a capital enquanto o Hayate está fora e os outros vão vasculhar as cidades para achar os seguidores do Santsuki, você vem comigo? — Reformulou sua pergunta. 

— Aham... claro, vamos. — Concordou. 

Kin foi na frente. Ele, com alguns flashs da batalha contra Santsuki na cabeça, demorou alguns segundos onde estava. Detestava o fato de ser tão dependente de seus líderes, de sua geração ser tão inferior às gerações passadas. Aquilo não estava certo. Precisavam ser mais fortes, ser a rocha na qual os mais velhos e poderosos confiariam quando estivessem às portas da morte. ''Que decepção... Então, esse tempo todo, era isso que a Terra de Áries era sem o Azin e a Yume?'', a pergunta de Santsuki foi justa. Algo realmente a se pensar.

Os sons mais altos da Travessa Diamante eram os dos choques da espada de Yue com a de Satori. O empate era visível, mesmo porque Yue estava ferida e não podia dar tudo de si. Os dois sabiam que aquilo não acabaria nunca se nenhum deles apelasse para uma estratégia diferente, então depois da última colisão de lâminas realizada, eles recuaram para calçadas opostas da rua em que se digladiavam, abriram as mãos e largaram as armas. O objetivo era acabar com aquela luta o quanto antes. O vencedor, afinal, poderia ir ajudar os outros dois companheiros e determinar o curso de todos os embates. 

Yue desferiu o primeiro soco. Satori se esquivou dele, então ela desferiu mais quinhentos, seu desejo era pressioná-lo a ponto de não permitir um contra-ataque. O contra-ataque inevitavelmente veio, na forma de um chute alto. Yue defendeu-se com os braços, esquivou-se dos trezentos socos com os quais foi atacada, segurou por cima o pulso de Satori, tentou socá-lo no rosto mas ele a segurou da mesma forma. Yue deu uma joelhada no estômago de Satori, ele recuou, tentou chutá-la, ela foi mais rápida e o socou no queixo, mas levou um cruzado na cara. 

Satori atacou Yue com um cruzado, ela se esquivou, contra-atacou com dois, ele desviou ambos com as mãos, disparou dois diretos contra o rosto dela, ela se moveu para o lado oposto do qual eles vinham, ergueu a perna para fazê-lo pensar que chutaria alto e, quando ele levantou a guarda para se defender, ela rapidamente desceu a perna e meteu o pé no estômago dele, o derrubando. Ainda caído, a encarou. Ficou de pé em um só salto. Os motivos pelos quais resolveu seguir Santsuki começaram, um a um, no meio da troca de socos, a passear por sua cabeça.

 Nasceu e viveu boa parte de sua vida na Terra de Libra. Foi preso aos dez anos por participar de um conluio com os garotos de sua cidade para libertar um famoso assassino de sua terra, viveu sete anos atrás das grades até fugir numa rebelião e deixou o planeta na primeira chance que teve. Vagou sozinho por dois anos no espaço. Numa dessas esbarrou com Santsuki e ficou maravilhado com as proezas e o poder dele. 

A solidão era o pior castigo que se poderia dar a uma pessoa como ele. Satori era do tipo que não se sustentava só, que precisava seguir alguém para se sentir alguém. Era um parasita. Apesar de sua inteligência, sacrificava sua personalidade a qualquer sujeito autoritário que sabia liderar e ordenar, o seguia com a lealdade de um cão e se deixava absorver por ele, irrefletidamente, pois o medo que tinha de se defrontar com sua miséria interior superava-lhe o orgulho e até mesmo o instinto de sobrevivência. Padecia, desde a infância, do pior tipo de fraqueza: a de caráter. 

 Desviou dois socos de Yue com a mão, removeu o corpo da frente do primeiro chute giratório dela, abaixou-se para escapar do segundo, tirou rapidamente os pés da frente da rasteira dela, a socou, ela se defendeu, o afastou com um pisão no peito, saltou e o socou no rosto, mandando-o, semi-inconsciente, de volta para o chão. Satori sentiu o sangue de seu próprio rosto pingar em sua camiseta preta, a rasgou e se pôs de pé novamente. 

— Você não vai me vencer, pare agora! Eu não quero ter que te matar! — Suplicava a garota. Ao perceber que suas palavras entravam por um ouvido dele e saíam pelo outro, tentou fazê-lo pensar: — Está mesmo disposto a morrer por aquele monstro imprestável!? Você sabe que ele só está vivo porque foi poupado pela falecida primeira ministra da Terra?! Aquele desgraçado não tem honra, não tem nada a proteger!

Satori sentiu como se aqueles insultos fossem para ele. Há muito se deixou absorver por Santsuki, tornou seu o querer e o não querer dele: nunca existiu um Satori, o que andava por aí era uma versão opaca e fracionada de Santsuki, uma imitação barata e mal feita. Odiava Naomi porque ela o entendeu em pouco tempo e em mais de uma ocasião jogou sua falha em sua cara. Você não é Santsuki, certa vez ela exclamou, irritada. O momento retornou em sua mente. Era como se ela estivesse ali, na sua frente, dizendo-lhe de novo: "Você não é Santsuki!"

De punhos cerrados, rosnando feito um cachorro, berrou:

— CALA ESSA BOCA!

Os olhos castanhos dele mudaram para um vermelho vivo, tão rubros quanto a aura de poder que o cercou. A aura se estabilizou, moldou-se ao corpo de Satori como uma armadura, Yue, para testá-la, pisou a terra, removeu uma rocha de dentro dela e a chutou para cima dele, mas, composta do mesmo material da defesa corpórea que o rondava, uma mão com cinco dedos completos agarrou a rocha e esmagou como um grãozinho de amendoim. A mão retornou para a armadura, agora repleta de espinhos. 

Satori disparou os espinhos contra Yue. Ela, espantada com a velocidade deles, atentou-se ao exato destino de cada uma, esquivou-se da primeira, abaixou-se para escapar da segunda, saltou para escapar da terceira, deitou no ar para não ser ferida pela próxima, girou e se jogou no chão a fim de não ser pega por todas, que voltaram de uma só vez por suas costas. Percebeu que enquanto elas estavam fora da armadura certas regiões do corpo de Satori tornavam-se vulneráveis, que a coisa que o cobria não recompunha a parte usada para atacar, então teve uma ideia. 

Esperou pelo ataque. Quando ele veio, veio em maior escala e quantidade, mas ela habilmente se esquivou de todos, se deixou atingir por um nas costas, caiu de joelhos e o aguardou chegar para finalizá-la. Satori, sem notar que estava com o peitoral desprotegido, caminhou até ela, ergueu alto a mão direita, compôs uma espada assustadora com a parcela da armadura que lhe protegia o braço mas nesse intervalo de tempo foi rapidamente apunhalado no coração pela garota. 

Satori morreu em segundos. Assim que o corpo dele desabou sem vida, Yue tateou o ferimento que ganhou graças àquela estratégia e se sentou junto ao poste para descansar, recuperar o fôlego. Sabia que não tinha tempo para descansar. Precisava levantar e ajudar Haru, que certamente estava exausto depois de salvar o Reino de Órion daquele meteoro e tinha mais chances de estar em apuros do que Naomi. 

A francesa estava com problemas. Após pegar dois socos de Michiko, ela levou uma cabeçada no nariz e voou de costas para um poste de energia. Se agachou para não ganhar um soco na cara, saiu pela direita e acertou a cara de Michiko com um cruzado de direita. Michiko, ainda mais irritada, se virou chutando, Naomi agarrou a perna dela com a mão e lhe pisou o rosto, derribando-a. 

— Michiko, pare já com isso! — Queria persuadi-la. — Acha que está agradando Santsuki fazendo esse tipo de coisa, mas ele não liga pra você! Ele não liga pra ninguém, nem para ele mesmo! Sabe o que isso tudo é para ele? É diversão! Ele ficou tão poderoso que está intocável, mas não se importa com o que acontece com as pessoas em volta dele!

— JÁ CHEGA! — Bradou a ruiva, totalmente fora de si. Nasceu e cresceu na Terra de Câncer, entre retalhadores fracos e tediosos que pregavam a paz, esteve com Santsuki uma vez e ficou estupefata com o poder dele. Nunca acreditou que ele estava morto, abandonou seu planeta natal para encontrá-lo, fez disso sua meta de vida. Apaixonou-se por ele no segundo que o viu. Desde então passou a segui-lo, a fazer de tudo para impressioná-lo e conquistá-lo. 

Michiko atacou Naomi com uma série de socos e chutes descoordenados, atrapalhados pela fúria. A francesa não queria matá-la. Sabia que ela nem sempre foi cruel daquele jeito, que passou a ser assim por influência de Santsuki, porque achava que desse modo ele a amaria, que era tudo por ele. Ela estava cega. Se pudesse convencê-la a parar, a abandoná-lo, iria sentir então que o tempo que passou seguindo Santsuki não foi uma completa perda de tempo. Mas talvez não tivesse escolha. 

Levou uma cotovelada na boca, regrediu alguns passos e olhou para Michiko. Pôs a mão na boca. Desviou dois chutes da ruiva com os punhos, agachou e se esquivou do terceiro, mudou o curso de mais três socos com as mãos, correu para o lado e a socou nas costelas. Michiko desferiu uma mãozada giratória, Naomi segurou o seu braço, o torceu até as costas dela e a imobilizou, mas ganhou uma cabeçada no queixo e foi afastada com um chute. Elas se olharam nos olhos. 

A ruiva obsessiva realizou de novo a primeira investida. Naomi, a princípio, se manteve na defensiva, não se deixava atingir mas também não atacava mesmo quando entrevia brechas certas. Michiko havia perdido a cabeça. Naomi desviou dois socos dela para cima, se protegeu de uma joelhada e a acertou na garganta com uma cotovelada. Michiko voltou a tentar machucá-la, Naomi se protegeu, deu-lhe um soco no queixo, um outro no rosto e esperou para ver o que ela faria. 

— Michiko, eu não quero matar você, desista! — Insistia Naomi.

— Me matar? Você acha que pode me matar?! — Michiko exclamava, possessa. Suas mãos entraram em chamas, ela as cerrou e usou para desferir soco contra Naomi. 

Naomi sabia que se atingida estaria morta. Sua sorte foi que, depois de dizer que não queria matá-la, Michiko ficou ainda mais irracional e seus golpes, mais desajustados, esquivar-se deles não era nada difícil. Saiu da frente de um gancho, agachou para escapar de um cruzado e, de repente, as chamas nas mãos dela se apagaram. Michiko havia acertado a si mesma, perfurado o próprio coração e agora agonizava de pé. Naomi a pegou antes que ela caísse.

Apesar dos pesares, não a achava merecedora de uma morte solitária, então a segurou e ficou com ela até ela partir. Quando Michiko se foi, misericordiosamente fechou as pálpebras dela e com gentileza deitou seu cadáver junto ao meio fio. Lamentou profundamente seu fim. Muitas vezes a alertou sobre os perigos da obsessão dela com ele, sabia que ela estava trilhando o caminho da autodestruição, procurou fazê-la enxergar essa realidade antes que fosse tarde e sempre recebeu ameaças, xingamentos como resposta. Respirou fundo e ergueu a cabeça. Sua prioridade agora era saber sobre Haru ou Yue, não podia falhar com os dois também. 

 A luta de Iorui e Haru, não muito longe dali, acabava num empate, num cruzado de direita que um acertou na cara do outro. Ela se dava em um cruzamento vazio, espaçoso, a céu aberto, nada e ninguém pôde intervir no confronto deles até ali. Até ali. Yue chegou acompanhada de uma tropa de retalhadores, todos muito gratos a Haru por ter salvo o Reino de Órion horas mais cedo. O ruivinho riu quando virou-se para trás e viu que até Mari estava lá. Pouco depois, veio Naomi. Iorui sempre foi o mais esperto, o bon vivant do time, então, como a francesa esperava, ele escolheu viver, se rendeu.

Shin e Hana chegaram e, sem resistência nenhuma da parte dele, o algemaram. Mari abraçou Haru e pôs um macio pano limpo no ensanguentado, inchado, avermelhado e ferido rosto dele. O garoto, com o espírito renovado, retribuiu o gesto dela e acenou para os retalhadores, seus fãs, que o aplaudiam e clamavam seu nome alucinadamente. 

— Tá pronto para ir pra um hospital? — Mari, enxugando suas têmporas, seus lábios e nariz, perguntou, servindo-lhe de apoio. Mas ainda havia algo incomodando Haru, uma coisa que ele precisava fazer. 

Haru voltou seus lesionados olhos para Shin, depois para a lua, e então os informou:

— Os doze ministros estão enfrentando o Santsuki no espaço mas eles não estão conseguindo vencê-lo, não são páreos pra ele. Posso vê-los daqui. 

— Como? — O indagou Mari, surpresa.

— É uma das minhas habilidades. Tem algo que eu posso fazer para ajudá-los, mas preciso da ajuda do Shin. 

O garoto estava coberto de razão. Os doze líderes, como já era de se esperar, estavam lutando muito bem, criaram inúmeras oportunidades de finalização, pressionaram o inimigo em numerosos momentos, mas estava na cara que eles não conseguiriam vencê-lo. Quatro deles estavam derrotados, foram abandonados na lua inconscientes, e dos oito, apenas quatro se mostravam capazes de seguir o ritmo do facínora.

Hayate o socou, Santsuki defendeu-se pondo os braços na frente mas foi atirado longe, Hayate movimentou as mãos, os dedos e fez vibrar suas cordas subatômicas de energia, com as quais enlaçou o inimigo e lhe prendeu os braços ao longo do corpo. Logo após Hayate veio Keiko, que através da boca do assombroso rosto de uma estátua imensa atirou fantasmas sobre o espírito de Santsuki e o imobilizou. Com as mãos convertidas em enormes e trituradores tornados, Hizashi veio por último e as usou para acertar Santsuki, a pancada foi tão violenta que o infeliz colidiu com a lua e a atravessou quase que completamente. 

O trio aterrissou no satélite, perto de Hanzuki, tão esgotados quanto ele, que arquejava de cansaço. Os outros quatro restantes de pé também estavam ofegantes. Se isso não o matou, raciocinavam, nada mais irá. Qual não foi a surpresa deles quando Santsuki chegou sorridente à superfície da lua após escalá-la por dentro com as próprias mãos? Se não fosse pela camisa rasgada e a sujeira dos destroços, ninguém diria que ele foi atingido. 

— Olha, essa até que doeu um pouquinho... — Reclamou o vilão, afofando o que restou de sua blusa e espantando a poeira das sobrancelhas. — Vocês já atacaram demais. Chegou a minha vez de atacar, parece justo pra vocês? Pena que o Asa não está vivo para ver isso, eu realmente gostava daquele garoto...

Santsuki bateu as mãos e a onda de impacto gerada pelo movimento abriu uma fissura colossal na superfície lunar. Dos ministros que estavam na reta, dois caíram, Hayate protegeu os outros seis com suas cordas e o esforço que despendeu com o escudo o deixou vulnerável para o ataque direto do oponente, que surgiu entre eles e o socou no queixo. Keiko, a sua direita, tentou socá-lo, Santsuki esquivou-se do golpe dela, segurou-lhe o braço, a puxou para baixo e a chutou no estômago. 

Em seguida quem tentou matá-lo foi Hanzuki, mais experiente do que todos na arena. Junto com ele vieram Hizashi, a persistente Keiko, o nobre Hayate, a orgulhosa Anna e o carrancudo Daikiri, Santsuki saiu da frente das mãos do ancião, o chutou para cima de Anna, eletrocutou Hizashi, esmurrou Daikiri no peito, girou e deu uma pernada na cara de Keiko, parou os socos de Hayate e o apanhou pela garganta. Meisa, a última de pé, a quinze metros das costas do inimigo, pôs nas mãos toda a energia que tinha, com tanto poder que fez tremores sacudirem Terra e a lua quase escapar da órbita. 

Meisa foi obrigada a reduzir o poder embutido na técnica, do contrário mataria também não apenas Hayate, mas todos ali, destruiria a lua e talvez até a Terra junto. Ao calcular a quantidade exata de poder, o calibrou, apontou as mãos para o alvo e disparou sobre ele um fulgurante raio esverdeado, parecendo varrê-lo de vez da existência. Hayate, semi-inconsciente, caiu para o lado com as mãos no pescoço dolorido e marcado pelos dedos do agressor. Meisa correu para acudi-lo. 

Santsuki reapareceu vivo vários metros acima da superfície do satélite natural e, vitorioso, exclamou:

— Isso foi emocionante! Eu consegui o que queria, suei um pouco, senti alguma dor, mas já está ficando chato...! Acho que chegou a hora de dizer adeus! Não se ressintam! Depois daqui, vou passar nas outras Terras Gêmeas e fazer o mesmo com elas... Na verdade, sintam-se honrados, pois destruí vocês primeiro! 

— Isso é ridículo, tanto poder assim está totalmente além da nossa compreensão — Murmurava Meisa, espantada. — Ele é basicamente um deus!

Todos, em vão, tentavam conceber como Yume conseguia enfrentá-lo sozinha. Parecia-lhes insano. Ele, de fato, estava além de seus entendimentos. 

Mesmo assim ninguém abaixou a cabeça, se curvou ou desistiu, todos prepararam-se para atacá-lo novamente, aguentariam com honra o que quer que viesse. Santsuki apontou sua mão direita para eles, notando que de sua posição podia ver todos entre seus cinco dedos. Carregou a palma da mão de poder, suspirou, fechou a cara mas, antes de disparar seu ataque, foi atingido por algo que nem viu e nem sabia para onde foi. Sangue jorrou de seu lábio inferior. Procurou em volta o que o atingiu, mas levou outra porrada, desta vez foi lançado na lua e caiu de quatro. 

Alçou o rosto e viu um novo componente na arena. Um garoto. 

— H-Haru...? — Hayate, muito perto de desmaiar, com as vistas embaçadas, vislumbrou a figura do menino pelas costas. 

— Ora, ora, você, eu não conheço... — Santsuki lentamente ficou de pé e falou. Enxugou o canto da boca e olhou bem para o sangue que o pirralho tirou dele, logo notou, desencantado, que o ruivinho estava no limite. — Ah, vou chutar que essa força toda não é sua. Que pena! 

— É, você tem razão, eu peguei ela emprestada de um amigo! — Retrucou, ofegante, o baixinho. — Mas ainda resta muito em mim pra te mandar voando daqui para o sol, isso eu garanto! 

Quando e de quem foi que escutou uma ameaça parecida, tão desengonçada quanto aquela antes? Yume. Claro. Era óbvio. Esses olhos, esses traços, calculava mentalmente, analisando as feições do pequeno. Aquele era o segundo filho dela. Apesar da tenra idade, foi capaz de tirar sangue seu e se mover tão rápido que nem ele pôde acompanhar.

Colocou um sorriso no rosto de Santsuki. Ele o achou interessante. Conseguiu a razão que buscava para não destruir a Terra de Áries. Sem aviso, sem dizer coisa alguma, teletransportou todos para a Terra, mas não foi com eles. Um dia voltariam a se ver. Cuidaria pessoalmente para que nada desviasse aquele garoto do futuro grandioso que ele tinha. 

 A noite, naquele mesmo dia, Kin deu uma festa em sua casa para comemorar o aniversário de Mari. Naomi, decidindo ficar na Terra de Áries, no Reino de Órion, foi mais do que convidada — e não deixou de comparecer. Mesmo com pontos na lombar, o braço enfaixado, as bochechas, a testa, o nariz e o queixo tapados com curativos, Yue também não faltou. Haru com somente o queixo inchado, as mãos enfaixadas, além de morar lá, não teve desculpas. 

Eles riram, brincaram, dançaram, cantaram, tiraram fotos e comentaram enfaticamente Haru ter salvado não só o Reino de Órion, mas a vida dos doze ministros. Decidiram não enfeitar muito a sala. Afastaram os móveis, puseram uma faixa com dizeres em branco e vermelho de parabéns para a aniversariante, puseram a mesa com o bolo no lugar onde a televisão costumava ficar e a TV, acesa tocando músicas, no canto da sala, próxima da janela. 

Na penúltima foto da noite, Kin e Haru beijavam as bochechas de Mari. Na última, Kin estava agarrada ao braço de Arashi, Mari abraçava os dois, Yue fazia um coraçãozinho com os dedos e Haru ajeitava o chapéu de cone colorido na cabeça de Naomi. Naturalmente, a francesa ficou um pouco mais afastada e na dela, não porque estava triste ou porque estava desconfortável, a verdade era que nunca se sentiu tão bem num lugar quanto com eles naquela humilde festa. 

— Discurso! — Kin puxou o coro de pedidos, sendo seguida por Arashi e por Haru. — Discurso! Discurso! Discurso! — Todos pediram em uníssono. 

Todos a ouviriam de pé, não haviam cadeiras. Mari espanou com as mãos o vestido branco de alcinhas que trajava, jogou os cabelos castanhos para trás, ajustou o chapéu de cone festivo e atendeu sorridente os pedidos. Foi propício. Tinha coisas que queria que eles soubessem, lindos sentimentos que vinha guardando no peito por anos e aquela era sua chance de pô-los para fora. Estava chorando antes mesmo de parar atrás da mesa. 

A loira lhe deu um guardanapo para enxugar as lágrimas.

— Obrigada, loirinha. — Agradeceu, vermelha de emoção. — Obrigada por tudo. A todos vocês. — As etapas mais sombrias de sua vida, tempos de desesperança, brotaram em suas memórias, ela não sabia mais se estava chorando de felicidade ou de tristeza. Com a voz distorcida pelo choro, entre soluços e suspiros, prosseguiu: — Eu nunca contei pra ninguém aqui, mas com vinte e cinco anos, eu descobri que jamais poderia ter filhos, depois disso meu marido me deixou. Yume estava lá comigo na hora. Ela me abraçou, tentou me consolar, disse que eu teria um lindo futuro, que tinha certeza que de algum jeito eu teria o que eu sonhava... Eu não acreditei nisso na hora, mas hoje sei que ela estava certa. Eu tive vocês. Muito obrigada pela chance de cuidar de vocês, por me fazerem sentir uma mãe! E me desculpe por... por não poder ajudar em tudo!

Todos a abraçaram em conjunto. Mari não mencionou que mergulhou em uma depressão profunda, que só não desistiu de tudo porque tinha uma amiga por ela e que cuidar de Haru e Kin a salvou. Os amava com cada fibra de seu ser, como se realmente os tivesse gerado, se sentia, além disso, a pessoa mais amada do planeta quando estava com eles, sabia que não precisava de mais nada. Se entregaria à morte por cada um ali naquela sala. Fato engraçado sobre a vida. Aquilo que dá sentido à sua existência, que te impulsiona a viver, é a mesma coisa pela qual você morreria.

Fim. 


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