As Lendas dos Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 13
— Os Guerreiros de Órion vs. Os Guerreiros do Submundo




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— Os Guerreiros de Órion vs. Os Guerreiros do Submundo

 Arashi segurava firme a mão de Shiori. No fundo, tal gesto era fruto do profundo medo que ele sentia de perdê-la, de que ela morresse, uma infantil tentativa de mantê-la no "mundo dos vivos". Vê-la tão fraca naquela cama de hospital, naquele quarto ameno e ventilado, o fez sentir-se novamente como aquela impotente criança que assistiu parado a morte dos pais através da fenda da fechadura de uma porta. Aquele menino, no entanto, cresceu, e estava disposto a tudo para não reviver o incidente daquela noite.

A menina dormia como se estivesse saudável. Seu rosto e seus lábios, embora pálidos, estavam perfeitamente relaxados, tal como seus músculos, esticados ao longo daquela confortável cama. Inconformado, Arashi abaixou a cabeça e, sem soltar a mão dela, deixou uma lágrima escapar. Revolta e tristeza brigavam em seu íntimo para dominá-lo. Prometeu ao pai que tomaria conta dela e de Isamu, falhou com Isamu mas se a perdesse também não se perdoaria, jamais voltaria a ser o mesmo. 

 Kin ia bater na porta e pedir para entrar no quarto, mas quando passou pelo vidro e o viu tão mal e tão próximo dela, hesitou. Era a primeira vez que o via assim. A seus olhos, Arashi sempre foi uma rocha, uma ilha, por piores que estivessem as coisas ele se mantinha frio, cauteloso, racional, ele era o seu porto seguro. Sentiu que não o conhecia tão bem quanto julgava conhecê-lo, achou que havia falhado com ele. 

Bateu na porta. Quando ouviu um "entra", abriu e falou:

— Tá na hora. 

Arashi assentiu. Respirando fundo, encarou Shiori por alguns segundos e pensou se queria dizer algo. Não havia nada a ser dito. Jurou para si mesmo, mentalmente e de todo o coração, que não retornaria vivo sem a cura e, certo de que cumpriria essa promessa, beijou a testa de Shiori. Engoliu a seco as inseguranças e voltou a ser aquele retalhador frio e implacável que era, na opinião de seus companheiros. 

Sora, enquanto isso, os esperava na saída do hospital, encostado no muro cinza dos fundos. Ele ficou encarregado de fazer o trato com Kikuchi, que propôs um torneio: seis Retalhadores de Órion contra doze dos guerreiros dele. Se e somente se os guerreiros de Órion vencessem todas as disputas Sora teria a permissão para dar aquilo que eles estavam pedindo, mas as batalhas ocorreriam no território dele e sem o conhecimento das autoridades. O circo estava armado.

 Ficou tão sozinho por tanto tempo que acabou se perdendo em seus devaneios, mais especificamente nas memórias que tinha da, entre aspas, infância que viveu — não que a tenha odiado, passou a vida toda lutando e era bom nisso, muito bom. Nunca perdeu uma só batalha, graças a isso sentia-se, dia após dia, o melhor, o vencedor, mas achava que era hora de parar, de seguir seu próprio caminho e ter seus próprios adversários. Ali estava sua chance. 

Pensava no dia em que foi raptado pelos homens de Kikuchi. Aconteceu cerca de um ano depois que seu vilarejo foi destruído e sua família, massacrada. Por meses vagou sem moradia, sem ter onde repousar a cabeça, portanto gostasse ou não gostasse, admitisse ou não, aquele monstro lhe deu um lar. Era ingrato de sua parte se voltar contra ele? Talvez fosse. Mas não dava a mínima. Cansou de ser um dos cachorrinhos dele, de dever sua sobrevivência a alguém. 

— Sora? Sora? — Yue, saída do estacionamento, teve que chamá-lo duas vezes para conseguir sua atenção. — Vamos indo, Kin, Arashi e os outros estão te esperando.

Ele olhou em volta. Nem acreditava que esteve sozinho por tanto tempo naquela calçada, achava incrível como sua imaginação era fértil e poderosa.

— Vamos. — Concordou, dirigiu-se a ela e a acompanhou.

A equipe de Órion estava formada: Kin, Arashi, Yue, Shin, Inari e Hana. Sora não lutaria, era o prêmio do torneio, afinal. Yue, para compensar os anos de confortos que recebeu do pai à custa dos trabalhos de crianças como Sora, se recusou a ficar de fora, provou que podia ser tão determinada quanto Kin e, com sua camisa rosa clara de alças finas, os chinelos de dedo brancos e o short azul, bateu o pé: o "não" deles não era uma opção.

Ficou decretado que as batalhas aconteceriam na arena de um enorme coliseu. Numa das metades da arquibancada os competidores se sentariam para assistir e aguardar sua vez de lutar, na outra, se sentariam os engravatados milionários pagadores de ingressos —  eles foram a razão para Kikuchi concordar com aquilo. O local era tão grande que até Arashi estava com dificuldades para enxergar o outro lado, tão espaçoso que intimidava mesmo o mais rápido entre eles. 

O organizador pediu que todos os participantes se reunissem no centro da arena. Nenhum deles parecia trajado para um combate de vida ou morte, especialmente os de Órion. Kin, Arashi, Shin, Inari e Hana usavam a camisa branca, a calça preta e as botas da equipe de elite, Yue vestia-se como se estivesse em casa. Seus inimigos, por outro lado, majoritariamente homens, lutariam de peito nu e pés descalços, as mulheres, de top e saia curta. Kikuchi e os milionários eram os mais ansiosos pelo início.

O solo arenoso dava um aspecto dourado ao campo de batalhas, substituía o sol, que por causa do horário já estava indo embora. Quando bateram os olhos em Kikuchi, enquanto caminhavam na direção do centro, os Guerreiros de Órion ficaram chocados. Ele tinha a pele áspera e acinzentada, era pequeno em estatura, robusto, tinha a cabeça raspada, grandes olhos amarelos, nenhum nariz, dentes afiados, andava de calça marrom, botas e sem camisa. Sua aparência era medonha. 

— O bonitão ali é que é o Kikuchi. — Avisou Sora, lembrando da primeira vez que o viu. Um soldado lhe deu um tapa na cara por ter feito piada com a aparência dele. — Não se ofendam, mas é provável que nenhum de vocês seja páreo para ele. 

— É o que nós vamos ver. — Kin, que adorava um desafio, disse e andou na frente.

— O que pode nos dizer sobre eles? — Shin questionou Sora.

— Bom, sobre o Kikuchi nada. Sobre os outros, muito. — Respondeu Sora. — Nunca enfrentei nenhum deles, mas já vi todos lutarem. No meio da luta vou passando informações pra vocês. 

 Yue ia andando distraidamente quando alguém se materializou a sua esquerda. Era Haru. Quando o viu, ela saltou de susto.

— Quem é você e quando chegou aqui?! — Exclamou a menina, de guarda armada.

Arashi, por razões óbvias, foi o primeiro a reconhecê-lo:

— Haru? — Estranhou. 

— Olá, pessoal. — Os cumprimentou, desajeitado. 

Hana deu uma risada sádica e observou:

— Sua irmã vai torcer o seu pescoço quando souber...

Arashi permanecia sem entender como Haru se enfiou entre eles sem ser percebido. Cinco retalhadores de elite e ninguém detectou sua presença... é impressionante, o analisou, calado. Se foi capaz de um feito desses, Kin errou ao desconsiderá-lo para a batalha — não tinha a mínima ideia de como ele fez, mas independente disso poderia ser de grande ajuda. Incrível também era vê-lo conversar despreocupadamente depois do que conseguiu, como se não tivesse tido trabalho nenhum. 

Ele se apresentou para Yue e Sora e foi lá contar para Kin que estava ali, o que, como o esperado, não foi nada fácil. Ouviu uma série de broncas, ganhou umas mocas na cabeça e foi levando esporro até chegarem onde Kikuchi e seus homens os aguardavam. O monstro, com sua imponente presença, esfriou os ânimos. A raiva e a tensão fizeram a loira esquecer de indagar Haru como ele chegou ali.

Kikuchi sorriu da maneira mais simpática que conseguiu quando eles se aproximaram. 

— Bem vindos! — Os recebeu de braços abertos. — Sora, minha criança ingrata... e um sétimo integrante. — Kikuchi imediatamente notou Haru. Sora, preocupado com a reação dele, pigarreou, mas o tirano levou numa boa: — Tudo bem. Nem todos os Orionianos terão que lutar duas vezes! Aproximem-se, eu mesmo vou explicar as regras!

Ficou acertado que os confrontos seriam até a morte ou a desistência e que não haveriam interferências. Feito isso, cada equipe decidiu, mediante alguns segundos de conversa, quem lutaria primeiro. Shin e Nara foram os escolhidos de cada lado. O restante foi convidado a sentar-se na arquibancada para assistir, Sora, no entanto, foi forçado a sentar-se com Kikuchi para que, nas palavras dele, os Orionianos não estragassem o espetáculo caindo na tentação de sequestrá-lo.

 Shin e Nara não retiravam os olhos um de cima do outro. Os espectadores, todos sentados, os observavam apreensivos, só Kikuchi e os milionários demonstravam empolgação. Um intenso silêncio se alastrou pelo estádio. Apesar da distância, Sora não teve problema nenhum para contar ao Shin tudo o que sabia sobre Nara, pois tinha controle sobre a energia sonora, podia fazer com que sua voz atingisse os recônditos mais remotos nos quais conseguisse pensar.

O guerreiro glacial se sentia culpado. O que menos queria era envolvê-los naquela história, salvar Shiori era trabalho seu. Aquilo não estava certo. À sua direita, Kin esqueceu que havia gente em volta e amavelmente pegou sua mão. Hana, um tanto surpresa, olhou para ela com o sorriso e o olhar de quem dizia: "Finalmente", a loira, ruborizada, revirou os olhos e voltou a atenção para outro canto. Inari nada dizia, mal se movia, limitava-se a examinar a postura do inimigo de Shin para, a partir daí, ver se podia deduzir os futuros rumos do conflito.

 — Você não devia estar aqui! — Kin ainda estava com raiva de Haru pela desobediência. — Aliás, como fez isso sem ninguém te notar?!

A pergunta chamou a atenção de Arashi e Inari e, um numa ponta, outro na outra, os dois se entreolharam e prestaram atenção nele. O ruivo respondeu:

— Eu usei minha essência, aparentemente posso manipular luz existente, tudo o que eu fiz foi desviá-la de mim e aí fiquei invisível. 

— Shh, vai começar! — Hana fez a conversa acabar.

 A batalha teve início com uma troca de socos. A princípio, qualquer um diria que os dois pertenciam ao mesmo patamar de poder e habilidade, que aquilo não acabaria tão cedo. Shin foi o primeiro a introduzir chutes no conflito, Nara, o primeiro a usar os braços para bloquear golpes. Ninguém atingia ninguém, o final permanecia imprevisível. O nível aumentou. Shin acrescentou mais força e velocidade nos movimentos, tão aleatoriamente que Nara se atrapalhou e levou um soco no nariz. 

Nara se recompôs, abaixou, esquivou-se de um cruzado e desferiu um gancho na ponta do queixo de Shin, mas o errou, a luta voltou à impassível troca de socos e chutes que era no início, com a diferença de que agora seus punhos se chocavam e faziam o coliseu inteiro estremecer. Os espectadores pagantes sorriam. Excelente, Kikuchi se rejubilava. Estava pensativo. A ele não importava quem vencesse ou perdesse, no final só existiria um campeão. Nunca precisou se preocupar com nada, não seria agora, no auge de sua vida, que temeria alguém. 

O confronto continuava mas teve uma pausa quando, simultaneamente, um socou o rosto do outro. Shin estava envergonhado. Estava vivendo seu pior pesadelo: fazendo feio na frente da sua líder e de dois dos seus maiores rivais. Era hora de virar a mesa. Franziu o cenho, esse é o começo do fim, decretou mentalmente, fixando os pés na terra. Seu corpo foi tomado por uma formidável energia prateada, num segundo estava em um ponto, em outro, estava a milímetros de distância de Nara, preparado para esmurrá-lo na cara.

Nara, por reflexo, desviou-se do golpe, mas Shin, num gesto ainda mais veloz e repentino, moveu-se para cima dele e lhe atingiu nas costas com uma cotovelada extremamente poderosa, forte aponto de estilhaçar e escavar uma cratera na terra durante o encontro que forçou entre ela e Nara. Após o feito, Shin recuou. Acabou?, todos se perguntavam. Yue, Haru, Hana e Kin achavam que sim, Arashi e Inari eram mais pessimistas, muito embora Shin fosse conhecido pela fatalidade de seu primeiro golpe. 

 Mas o guerreiro do submundo começou a se levantar. Shin sabia que isso aconteceria, foi avisado da técnica característica de Nara e não esperava que a batalha fosse terminar no primeiro ataque, só precisava fazer com que ele a mostrasse. Aí está, pensou, aumentando a potência da aura branca que o cercava ao ver que seu adversário estava vindo com tudo. Então o Raikyuu não mentiuesse esquisito pode converter o corpo em energia pura, concluiu, animado. Isso deve ter amenizado os danos da minha cotovelada.

Shin sentiu o solo abaixo de seus pés tremer, porém, quando pensou em se retirar dali, já era tarde demais, foi alvo certeiro de uma rajada de poder azul que o atirou de costas para a parede próxima dos Guerreiros de Órion. Caiu, mas ainda estava vivo. Era capaz de drenar a energia das estrelas para amplificar a própria força, velocidade e resistência corporal — o que não significava que aquilo não tivesse doído. Sentiu sangue escorrer de um corte em seu peito. 

Aí vem mais uma, anteviu, levantou e correu da frente da rajada de poder disparada por Nara. Em um segundo, fugindo daqueles ataques, Shin deu cerca de duzentas voltas em torno da arena do coliseu, e como resultado o solo ficou repleto de crateras e escombros. Os espectadores pagantes, simples seres humanos, não conseguiam acompanhar seus movimentos, na verdade mal sabiam o que estava acontecendo, até ficaram de pé para tentar ver mas não melhorou nada.

— Vamos, Shin...!! — Torcia Kin, nervosa. Ela sempre perdia a calma quando assistia um companheiro numa luta acirrada. 

Hana, achando que já tinha sacado qual era a dele, exclamou:

— Exibido! Pode aumentar a força e a velocidade mas fica nessa... Já poderia ter acabado com isso, se quisesse! 

Inari demonstrou o impressionante alcance de seu poder de percepção e análise:

— Não é tão simples assim. É verdade, Shin é capaz de aprimorar seus atributos físicos indefinidamente mas precisa respeitar os próprios limites, se forçar demais, seu corpo pode não aguentar.

Arashi concordou e complementou:

— Inari tem razão. Além disso, naturalmente nem a mente e nem o corpo dele estão acostumado a esse nível de poder, o que significa que quanto mais se eleva fisicamente, mais próximo ele fica da exaustão.

Yue notou uma coisa que dava mais força à tese deles:

— Ele está ficando cada vez mais devagar. Tem que acabar com isso de uma vez. 

 Infelizmente, os três estavam corretos. Shin estava perfeitamente ciente de suas limitações e da gradativa queda de vigor que estava sofrendo. Vamos , se motivou, após saltar para o lado e desviar de outra daquelas rajadas de poder. Nara fazia do próprio corpo o canal daqueles ataques. De acordo com Sora, Nara só podia converter partes do corpo em energia, nunca ele inteiro. É isso!, teve uma ideia. Entretanto, ela era sua jogada final: se falhasse, estava morto. 

Correu para o centro do coliseu. É agora, pensou, ao ver o ataque de seu inimigo vir em sua direção. Desviou-se da técnica a milímetros de ser atingido, amplificou de maneira inédita a própria velocidade e investiu contra Nara, era tão rápido que tudo ao seu redor parecia congelado no tempo, ninguém reagia a seus movimentos, nem mesmo seu adversário que, totalmente paralisado, a sua mercê, levou um soco no meio do rosto e voou longe, desacordado. 

Na mosca, comemorou, tropeçou, capotou, derrapou e caiu de cara no chão. Seus aliados pulavam, festejando sua vitória. Os engravatados aplaudiam. Se eles estão felizeseu estou feliz, Kikuchi alegre e sorridente comentava consigo mesmo. Enquanto Shin — todo ralado, dolorido e exausto — retornava para a arquibancada, os dois lados discutiam quem era o próximo a lutar. Haru pediu para ir, isso, como o esperado, rendeu briga com Kin. 

— Eu vou. — Disse Yue, determinada. Quando a olharam pedindo uma razão, ela se explicou: — Haru e eu somos os mais inexperientes aqui, para eu não precisar lutar duas vezes, ele enfrenta o meu segundo adversário na próxima rodada.

Ninguém tinha contra-argumentos. Na verdade, era perfeito. Diante do absoluto silêncio deles, ela saltou do muro para a arena e, sem mais nada dizer, foi à luta. Shin chegou poucos minutos depois e se sentou onde ela estava, logo a esquerda de Haru e a direita de Hana. Todos o olhavam, procuram nele algum ferimento grave, mas o mais sério mesmo foi o corte que ele ganhou no peitoral. 

Shin se esticava como se tivesse acabado de acordar.

— Tô exausto. — Reclamou, bocejando. 

— Pois é bom se recuperar rápido, você tem mais um oponente para enfrentar. — Hana retrucou, cortando o seu barato.

Ele se deitou no banco, juntou as mãos ao lado do rosto e, sonolento, pediu:

— Me acordem quando chegar a minha vez. 

 Haru chamou atenção para a arena, a luta de Yue estava para começar. Ela ia enfrentar uma garota chamada Hina, alguém não muito mais velha que ela mas claramente bem mais acostumada a combates sérios. Embora entendesse que sua vida corria risco, Yue não se importava muito, pelo menos não tanto quanto a garota que ia enfrentar — isso equilibrava um pouco as coisas. As duas tinham algo a provar, princípios a afirmar.

A primeira a atacar, Yue, mostrou que não estava afim de enrolação e entrou na luta desferindo um poderoso chute alto. Hina esquivou-se dele deitando o corpo para trás, contra-atacou com uma série de socos extremamente ágeis e, contudo, não acertou nenhum. As duas pareciam igualmente habilidosas. Hina sabia que Sora havia dito a Yue tudo sobre sua técnica, então, para vencer, teria que ser num gesto surpresa. 

Os punhos das duas colidiram, o impacto fez a terra estremecer e ergueu do solo uma enorme nuvem de poeira. Yue agarrou o pulso de Hina, puxou-a para baixo e tentou acertar o rosto dela com uma joelhada, Hina se defendeu usando o braço livre, atacou Yue com dois socos, errou ambos, tentou chutá-la na cabeça, Yue colocou o braço na frente, segurou sua perna, fechou a mão direita, encheu-a de força e deu um cruzado em sua cara. Hina foi ao chão.

Muito bom, Sora estava impressionado, olhando-a ninguém dizia que ela era tão boa lutadora. Mas agora Hina vai atacar com tudo, teve certeza, algo que se confirmou no levantar da morena. Enraivecida, Hina aumentou a rapidez de seus socos, Yue tinha mais dificuldades para desviá-los e esquivar-se de todos. O último deles foi carregado de poder e Yue cometeu o erro de usar os braços para proteger-se. 

 Um sorriso cheio de maldade brilhou no rosto de Hina. Não deixe ela tocar em você, Sora, de tão nervoso, chegou a ficar de pé, infelizmente era tarde demais para lembrar Yue, pois através do toque Hina transmitiu para seu corpo uma quantidade tão grande de energia sísmica que a arremessou, atordoada, para o outro lado da arena. 

— Ainda tá viva? — Sora perguntou.

Desorientada, tonta, Yue sacudiu a cabeça e retrucou:

— Não enche! 

— Tá, então não te passo uma informação que esqueci de adicionar sobre a Hina... — A provocou. 

Sora contou que Hina teve os dois olhos danificados em uma luta e por isso não enxergava bem com nenhum deles, Yue, com um plano em mente, deu um pisão na terra, removeu dela um par de rochas imensas e as chutou para cima de sua adversária. Hina usou seu poder para despedaçá-las, mas o que conseguiu foi explodi-las em uma grande nuvem de poeira e ficar momentaneamente cega.

Nesse período, Yue investiu contra ela o mais rápido que conseguiu e, com toda a sua força, a socou no meio da testa: Hina, inconsciente, foi cravada na parede do outro lado do coliseu. Fim de luta. Os espectadores que pagaram para estar ali aplaudiram-nas de pé, Yue os olhou de cara feia, deu meia volta e retornou pacientemente para a arquibancada. Bom trabalho, Sora a elogiou, ela tentou não sorrir mas deixou escapar uma risada. 

No fundo, embora não quisesse admitir nem para si mesma, havia gostado de lutar — um lado seu que não queria fortalecer. A sensação da velocidade, a adrenalina, a experiência de correr risco de morte... Tudo combinado, para um ser de essência, resultava em uma vivência inigualável.

Foi decidido que Arashi e Masako eram os próximos a lutar. Arashi, preocupando Kin, desceu calado e sem olhar para ninguém. Não que temesse pela vida dele, sabia melhor do que qualquer um que Arashi podia se cuidar em um combate, o que a afligia era não saber o que passava pela cabeça dele agora, quão longe ele estava disposto a ir para conseguir curar Shiori. Esperava que ele não fosse como ela, que sempre que se tratava de Haru respondia emocionalmente. 

— Muito bem! — Haru elogiou Yue, assim que ela se sentou ao seu lado.

— Não encosta! — Ela, que não sabia se ele ia tocá-la para cumprimentar, já se adiantou. — É que ainda tô toda dolorida por causa daquele ataque que levei... 

Masako parou no centro do coliseu e, com muita calma, aguardou a chegada de seu desapressado inimigo. Arashi, o guerreiro glacial, refletia Masako. Já ouviu centenas de histórias sobre ele, mas nenhuma delas lhe dava medo. Ao contrário. Quando o assunto era lutar contra algum retalhador, quanto mais forte e perigoso, melhor, era a sua lógica. 

 — Se não é um dos retalhadores de elite do Reino de Órion... Me sinto honrado. — Comentou, desdenhoso e irônico. 

— Renda-se agora ou você morre. — Arashi foi curto e grosso com ele porque não queria que aquilo se prolongasse por um minuto. — É a última vez que eu proponho isso. 

Presumivelmente, Masako não lhe deu ouvidos, recuou quinhentos metros em um só salto e preparou um ataque: condensou toda a sua energia em uma esfera vermelha e a arremessou. Arashi simplesmente se esquivou dela mas, como Sora avisou que aconteceria, a esfera voltou, tentou atingi-lo pelas costas. Nem Masako a controlava mais, uma vez em campo de batalha, aquela coisa perseguia qualquer poder hostil a seu criador. 

Quando colidiu com Arashi, a esfera avermelhada explodiu em uma imensa bola de calor cujo clarão ofuscou o coliseu inteiro. Masako soltou uma risada, Yue e Sora, preocupados, ficaram de pé. Haru também riu, mas por um motivo completamente diferente do de Masako, algo que veio a se esclarecer quando o guerreiro do submundo notou que todo o solo em que pisava era uma pista de gelo e que seus pés estavam presos a ela. 

Antes de poder antecipar o que vinha pela frente, antes de conseguir até mesmo pensar qualquer coisa, Masako teve o estômago transpassado por uma espada de gelo segurada pelo próprio Arashi, um ataque tão veloz que deixou até Kikuchi de queixo caído. Um grande alvoroço se espalhou entre os espectadores.

— C-Como? Quando...? — Yue, atônita, tentava entender o que rolou.

Embora não tivesse conseguido ver muita coisa, Inari deduziu o que ocorreu mas guardou para si mesmo. Arashi ficava pelo menos três vezes mais rápido naquela pista de gelo, tudo o que teve que fazer, então, era sair da frente da esfera no último milissegundo e deixar um boneco de neve em seu lugar, para que então ele recebesse o golpe e a esfera se extinguisse. Depois, enquanto Masako pensava que ele estava morto, só teve que prender os pés dele na terra para garantir que ele não se esquivaria e atacar.  

Conceitualmente simples, praticamente efetivo. Genial, podia dizer. Típico dele, pensou Inari.

Masako morreu sorrindo, apoiado ao ombro de Arashi. "Não há morte mais gloriosa do que a morte em batalha, contra um grande inimigo", ele dizia. Kin não encarava aquilo como um bom sinal. Arashi não era de matar seus inimigos quando os tinha reféns, nem mesmo depois de eles ignorarem seu aviso. Mesmo depois de agir de forma tão incomum, o guerreiro glacial voltou para a arquibancada e se sentou ao seu lado tão quieto e calmo quanto saiu.

Todas as batalhas seguintes tiveram como resultado a vitória dos Guerreiros de Órion, inclusive as da segunda rodada. A vez de Haru rendeu discussões, como já era de se esperar. Nada e nem ninguém convencia Kin a deixá-lo ir, e embora a vida de Shiori dependesse daquilo, Arashi não a julgava. Só ela, ali, conseguiria entender a preocupação dele. Era hora de pôr o verdadeiro plano em prática, já que ninguém ali confiava que Kikuchi fosse libertar o Raikyuu por bem. 

Cai fora daí, Yue advertiu Sora, pois ele estava sentado bem ao lado do monstro e no raio de alcance do ataque de Kin. Assim que Sora saltou da arquibancada, Arashi petrificou Kikuchi no banco e Kin disparou sobre ele um dos seus poderosos raios dourados, confiando que o tirano fora completamente desintegrado já que aquele ataque detinha a velocidade da luz.

O último lutador do submundo restante tentou invadir a arquibancada para atacá-la, Inari acertou uma voadora nele e, antes de pular para a arena, disse:

— Aquele monstro ainda não está morto. Tomem cuidado.

Todos os Guerreiros de Órion estavam na arena. Após muito correr, Sora se juntou a eles e concordou com Inari:

— Ele tem razão, Kikuchi não vai morrer assim tão fácil. Se preparem!

A voz tenebrosa do vilão veio das alturas e, enquanto aterrissava, ele fez um rápido monólogo:

— Oh, digníssimo Sora, que lisonjeiro. Entretanto, preciso confessar que já tem um tempo que eu não faço isso. Vamos ver como eu me saio?

 Shin foi o primeiro a atacar, mas Kikuchi se esquivou dos seus golpes com os olhos fechados e o tirou do páreo com uma mãozada. Hana, Sora, Haru e Yue foram depois dele, mas saíram de combate tão rápido quanto. Ao mesmo tempo, a trezentos metros dali, Inari era cercado por centenas de retalhadores.

Kin decidiu como iriam fazer aquilo:

— Acorda o Shin e os outros e ajudem o Inari. Deixem o Kikuchi comigo. 

Inari estava em apuros. Além da desvantagem numérica, ele beirava a exaustão por causa das duas nada fáceis batalhas que enfrentou, se queriam salvá-los, precisavam ser rápidos. Arashi seguiu a ordem de Kin e a deixou sozinha com Kikuchi, não sem antes acariciar seu rosto e recomendar:

— Tenha cuidado.

Ela encheu as mãos de energia dourada, abriu as asas, flutuou dois metros e, com os olhos brilhando de poder, disse:

— Pode deixar!

— É a filha da Yume e do Azin. — Kikuchi comentou, sorridente. 

— Conheceu os meus pais? 

— Esbarrei com eles algumas vezes. — Respondeu, dando de ombros. — Espero que isso signifique que você vai se sair melhor do que aqueles cinco. Venha. 

 Disparou um de seus raios de luz contra ele, a fim de testá-lo antes de partir para o corpo a corpo. Descobriu algo curioso: uma fenda interdimensional se abria na frente dos ataques que lhe eram dirigidos e os teletransportava para uma direção aleatória, deixando-o fora de perigo. Perfeitas defesas automáticas, uma vez ativadas elas agiam independentes da vontade de Kikuchi. 

Então foi isso, ela enfim descobriu o que o salvou de seu disparo. Kikuchi sorriu e propôs:

— Já vimos que isso não vai nos levar a lugar algum. Que tal nos focarmos no mano a mano? 

Ele tem razão, Kin aterrissou a quinze metros de distância do oponente. Era sua melhor chance, aparentemente. Pegar ou largar. Determinada a dar um fim a aquilo, deu o seu melhor logo na primeira investida. Infelizmente, entretanto, não foi o bastante. Por mais ágil, forte e boa artista marcial que fosse, seus golpes não ofereciam risco algum à vida de Kikuchi, que reconhecia nela uma adversária melhor do que os outro cinco juntos mas estava decepcionado.

 Kin, em um mísero segundo, desferia cerca de quinhentos socos, mas mesmo assim não chegava aos pés do alvo de seus ataques. Cansado de só se esquivar, Kikuchi desviou o último soco dela com a mão e acertou uma joelhada em seu estômago. Kin recuou sem ar, com as mãos na barriga, certa de que nunca sentiu tanta dor em um primeiro golpe. Não acabou ainda, o atacou novamente, ele segurou seu punho, lhe deu dois socos no meio da cara e finalizou com um mais forte do que ambos. A líder dos Retalhadores de Elite de Órion estava no chão. 

Kikuchi ficou parado a olhando reerguer-se. Tonta, fraca, dolorida, Kin pela primeira vez na vida experimentava o nada dócil gosto da derrota. Mas não estava disposta a aceitar. Lutaria enquanto estivesse viva. Como se nada tivesse acontecido, ela voltou a atacar Kikuchi, que agora desviava e se esquivava de seus golpes com muito mais facilidade. Em determinado minuto, o monstro voltou a segurar seu punho, impiedosamente o torceu e a mandou de volta para o chão com uma cabeçada. 

O tirano levou a mão à garganta de Kin e a alçou no ar. Disse adeus, sorriu, moveu a mão livre para matá-la mas levou uma ombrada no rosto e voou para longe dela — não caiu, conseguiu manter-se de pé, embora vários metros afastado de Kin. Haru a salvou e segurou. Ficou chocado com o estado em que aquele desgraçado a havia deixado, jamais a viu tão mal. 

— Haru... Foge...! — Ela balbuciava. 

— Acho que posso ajudar. — Sugeriu Shin, e Haru a deixou em seus braços. Sua técnica lhe permitia também acelerar o processo natural de cura do corpo humano. 

O vilão olhou em volta. Todos os seus soldados estavam derrotados. Ao voltar os olhos para Kin, Haru e Shin, Arashi, Hana, Yue, Inari e Sora estavam na frente deles para defendê-los e enfrentá-lo. Sorriu. Estalou o pescoço, avançou vários passos na direção deles e contou quantos adversários tinha. Ao final, pensou que com a líder curada as coisas podiam ficar interessantes. 

Arreganhou os braços, cerrou as mãos e os chamou:

— Mostrem-me o que sabem fazer!

 Todos os que possuíam técnicas de longo alcance as atiraram contra ele simultaneamente; Sora, uma rajada de energia sonora, Arashi, uma saraivada de disparos de gelo, Hana, os seus raios de energia nuclear e Inari, por fim, suas lanças de eletricidade verde. Como Kin previu, nenhuma delas chegou perto de tocá-lo: todas foram engolidas por sua fenda interdimensional e despejadas como lixo para o céu. Especificamente para cima, Arashi foi o único a se deter nisso.

Shin o atacou de frente mas seu punho, em vez de atingir Kikuchi na cara, foi voltado para cima. Arashi achava que estava perto de identificar um padrão. Quando Kikuchi ia agarrar o pescoço de Shin, Hana o atacou pelas costas com um chute, mas saiu por um portal na frente dele e, sem querer, golpeou Shin, em seguida foi golpeada pelo inimigo e voltou para onde saiu. É inútil, pensava Kin, olhando Sora, Inari e Yue o atacarem pelos lados.

Sora foi pela esquerda, Inari pela direita e Yue por cima. O golpe de Inari entrou por uma fenda e ia atingir Sora para matar, mas Arashi ergueu um muro de gelo na frente e o protegeu de parte do impacto, então ele só foi arremessado longe. O chute guilhotina de Yue, por sua vez, entrou por cima e saiu pela direita, teria acertado Inari se ele, por muito pouco, não tivesse se esquivado, mas ela terminou por cair em cima dele. 

Haru, que invisível se jogou sobre Kikuchi num ataque frontal, foi raptado pela fenda e subiu centenas de metros. Peguei você, Arashi comemorou, finalmente detectou o padrão pelo qual tanto procurava. O ideal era pegá-lo enquanto ele estava confiante em sua defesa automática, porque pela facilidade com a qual derrotou Kin, nem todos juntos podiam contra ele. 

— Essa é a sua cara de quem fez uma descoberta. — Kin, contente, aproximou-se dele e falou, depois perguntou: — O que você descobriu?

— As fendas desviam os ataques sempre para a mesma direção. A da frente, desvia para cima; a de cima, para a direita, a da direita, para a esquerda, a da esquerda, para trás, a de trás, para frente. — Explicou. — Eu tenho um plano, mas para que ele dê certo, vou precisar da ajuda de todos. 

Para não levantar suspeitas, Arashi contou tudo o mais baixo possível para Sora. Sora, mais baixo ainda, passou a estratégia para todos os outros, que, orgulhosos de Arashi, imediatamente se prontificaram para colocar o plano em prática. Os seis atacaram por todas as direções, e quando suas mãos saíram pela fenda a frente de Kikuchi, Hana o agarrou e o puxou para trás com todas as forças, bem a tempo de ele ser atingido em cheio no peito pelo disparo de energia dourada que Kin mandou para dentro da fenda esquerda. 

O tirano caiu por terra com metade da parte superior do corpo desintegrada, levantou-se apressadamente e recuou para as alturas, bem longe deles. Ele não sabia se ria, se os aplaudia ou se os ameaçava, estava em estado de choque — não por culpa do ferimento, mas porque nunca ninguém chegou tão perto de matá-lo. O fato era que estava impossibilitado de continuar lutando, se quisesse sobreviver tinha que ir embora. 

Lutou com tantos retalhadores poderosos, verdadeiras lendas, venceu todos para ser morto por crianças? São mais do que crianças, concluiu, olhando-os de cima com um meio sorriso nos lábios. Errou ao menosprezá-los e tal erro quase lhe custou a vida. Mas estava mais maravilhado do que irritado.

— Eu os subestimei, mas isso não vai mais acontecer. — Afirmou, depois se despediu: — Um dia vamos voltar a nos ver. Já estou ansioso. 

Então, como um fantasma, Kikuchi desapareceu diante dos seus olhos. Felizes, os vencedores festejavam a vitória, Arashi, Inari e Sora, por outro lado, pareciam preocupados, o golpe era para ter sido fatal, não deviam tê-lo deixado sair com vida. O desgraçado era duro na queda. Todavia, por hora, estava bom. Ao menos libertariam as crianças que ele escravizava, prenderiam seus soldados e curariam Shiori. 

Fim. 


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