Monarquia Serpente - Bughead escrita por Fortunato


Capítulo 31
Capítulo 31


Notas iniciais do capítulo

Música do Capítulo: Fleurie - Breathe



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777152/chapter/31

 

Elizabeth Cooper

Eu passei a noite vasculhando as caixas do sótão onde minha mãe guardava as velharias da família em busca de algo que só havia visto uma vez na vida. Quando ela desapareceu eu havia buscado por qualquer coisa que me desse algum sinal de onde ela poderia estar, mas jamais passaria pela minha cabeça procurar pelo seu diário.

Eu tinha o visto somente uma vez, por volta dos treze anos de idade. Estávamos estudando répteis no ensino fundamental e por obra do destino eu e Archie ficamos encarregados de escolher algumas cobras interessantes para apresentar. Só hoje eu percebo em como isso soa trágico.

Me lembro vagamente sobre minha mãe sugerindo que falássemos de uma cobra especifica, cujo nome só conseguiu se lembrar ao consultar seu diário e nem eu me lembrava agora. Fizemos o trabalho e eu nunca mais consegui ver aquele caderno. Nem sequer imaginava onde poderia estar agora que já havia revistado todo o sótão.

Sentei no chão sujo, cansada. Havia poucas coisas por ali. Minha mãe dizia valer a pena guardar apenas lembranças importantes, nunca tranqueiras. Encarei os troféus empoeirados do papai na prateleira. Se Polly estivesse aqui com certeza saberia me dizer onde procurar.

Me levantei derrotada para tomar um longo banho quente. Tão longo quanto a noite tinha sido. Vesti um pijama confortável e desabei na cama, vencida pelo cansaço. Depois de tanto tempo eu havia recuperado meu sono, afinal.

◙ ○ ◙ ○ ◙

Abri um dos olhos com dificuldade verificando que o celular que vibrava intensamente no criado mudo. Ainda estava cansada e meus olhos ainda estavam pesados. Atendi a ligação bocejando.

— Sim?

— Betty querida?

Tirei o celular da orelha para conferir o nome de Mary Andrews na tela.

— Hã, hum, oi tia Mary.

— Eu ia perguntar como estão as coisas, mas seria deselegante considerando a situação. — ela continuou devagar – Pensei que talvez você pudesse vir almoçar com a gente hoje, quero conversar algumas coisas e mal tenho te encontrado em casa.

— Claro. – respondi atônita – Eu vou adorar tia Mary.

— Ótimo querida, estamos te esperando então.

Me espreguicei com toda a vontade do mundo, esticando cada parte do meu corpo. Pela cortina e janelas fechadas, Archie provavelmente ainda estava dormindo.

Coloquei um short e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo. Eu sabia que não precisava fingir ser outra pessoa perto dos Andrews que sempre me recebiam em sua casa e isso me aliviava. Na verdade, havia muito tempo que eu não frequentava a casa deles. A última vez, pelo que me lembro, foi antes de Verônica e Archie oficializarem o namoro.

— Sabe que não precisa bater querida. – Fred disse ao abrir a porta.

Entrei lhe dando um abraço rápido.

— Eu sei tio Fred, é força do hábito.

Ele deu um sorriso singelo fechando a porta atrás de mim.

— Fique à vontade, Mary ainda está terminando de colocar a mesa e Archie está lá em cima.

Concordei com um aceno e sai pulando os degraus da escada para acordar Archie como sempre fazia desde a infância. Abri a porta em um arranco querendo lhe assustar, mas além das duas figuras seminuas em cima da cama eu também me assustei.

— Betty! – Verônica puxava o cobertor para cima do corpo apesar de estar de sutiã.

Archie me olhava assustado tentando entender a situação e antes que eu pudesse captar qualquer imagem do restante do quarto eu levei a mão aos olhos retrocedendo o caminho feito e fechando a porta.

— Eu não vi nada! Eu não vi nada! – dizia mais para mim mesma do que para eles.

Antes que começasse a descer as escadas novamente Archie correu até a porta abrindo-a devagar.

— Psiu! – ele fez um sinal com a mão me chamando para entrar.

Arregalei os olhos e sem dizer nada apenas movimentei minha cabeça em negativa.

Me recusava a entrar no quarto do coito interrompido. Senti meu rosto esquentar e até minhas mãos suavam de vergonha. A cena de Verônica ajoelhada sobre seu colo era perturbadora demais para superar.

Archie fez um gesto desesperado com a mão para que eu não descesse e me chamou novamente para o quarto.

— Eu não tô entendendo o que você quer. – sussurrei aflita.

— Shiuu! – ele levou o dedo indicador à boca preocupado com o que se passava lá em baixo.

Confusa me aproximei dele que ele me puxou pelo pulso para dentro do cômodo fechando a porta silenciosamente.  

Verônica já estava parcialmente vestida, mas Archie ainda estava com sua cueca samba canção azul marinho e meus olhos se desviaram para um pôster qualquer na parede.

— Vocês não podiam fazer isso quando seus pais estivessem fora? – sibilei fazendo uma parede visual com a mão na lateral do rosto.

— Esse imbecil disse que não tinha ninguém em casa. – Verônica disse lhe jogando sua camisa com força.

— Eu diria que tem até gente demais. – ergui as sobrancelhas indo até a janela fitando meu quarto a poucos metros dali.

— Merda, eu nem vi a hora que eles chegaram. – Archie passou a mão pelos cabelos ruivos completamente bagunçados.

— Eu te disse que um cachorro não era capaz de fazer aqueles barulhos Archie!

— Calma Ronnie, graças a Deus Betty tá aqui e vai ajudar a gente.

Levantei as sobrancelhas surpresa colocando as mãos no quadril.

— Eu vou o quê?

— Olha, você distrai eles lá embaixo enquanto eu levo a Ronnie até os fundos sem ninguém ver.

— A que ponto cheguei... - Verônica levou a mão a testa fitando o chão.

— Tá... – suspirei – Tá bom...

Eu não poderia negar nada para nenhum deles, que já fizeram muito mais por mim.

Archie concordou com a cabeça enquanto Verônica catava sua bolsa e saltos no chão. Só então percebi que ela ainda estava com o vestido do baile e que, no final das contas, a noite de ambos tinha sido mais longa que a minha e de Jughead.

Acabei rindo da situação.

— Mas façam silêncio e vão logo, se não tia Mary vai matar você. – finalizei apontando para Archie antes de abrir a porta.

— E se ela não matar eu mesmo mato. – Verônica disse com o indicador no seu peito em tom de ameaça.

Ri mais uma vez.

— Eu escondo o corpo se for preciso. – completei.

Quando cheguei na cozinha Mary retirava uma travessa extremamente cheirosa do forno.

— Betty querida. – ela colocou a vasilha de vidro sobre a bancada me abraçando com força, como sempre fazia, em seguida me afastou pelos ombros me olhando nos olhos – Tem tanto tempo que queria conversar com você sobre tudo o que aconteceu. Fred estava ocupado demais com problemas na construtora, eu voltei de outro caso em Nova York somente hoje e...

Comprimi os lábios em uma linha reta balançando a cabeça.

— Não precisa se explicar tia Mary, eu entendo. – disse baixo – Tá tudo bem, de verdade.

— Certo...

Ela continuou me olhando por um tempo e lágrimas brotaram em seus olhos antes que ela me puxasse para outro abraço, dessa vez mais demorado.

Talvez Mary precisasse mais disso do que eu mesma. Fred que distribuía os pratos pela mesa parou para nos observar. Pelo canto dos olhos vi Verônica passando pelo corredor como um vulto, arrastada pelo Archie. Fechei meus olhos e me aconcheguei no abraço da ruiva levando uma mão às suas costas.

— Vai ficar bem tia Mary. – murmurei.  

Ela se afastou limpando uma lágrima que descia a bochecha.

— Era eu quem deveria dizer isso. – riu – Você acabou se tornando uma mulher doce e bondosa, igualzinho a sua mãe.

Não pude evitar o desconforto daquelas palavras me perguntando se Mary sabia das últimas coisas que tinham acontecido. Se ela sabia que minha mãe tinha sido membro de uma gangue. Se sabia que eu era. E se sabia as coisas que já tínhamos feito como tal.

No cômodo ao lado Fred pigarreou chamando nossa atenção.

— Acho melhor nós comermos antes que esfrie.

Mary imediatamente pegou a travessa consentindo.

— Tem razão meu bem. Betty querida, você acordou o Archie?

— Ah, ele já estava bem acordado tia Mary. – disse me sentando à mesa.

Não demorou muito até que ele aparecesse na sala de jantar. Completamente vestido dessa vez.

Entre o farfalhar de talheres Fred e Mary trocavam olhares constantes como se esperassem o início de algum assunto específico. O segredo entre eles estava tão obvio que Archie me olhou sem entender o que estava acontecendo. Ele deu de ombros quando meu rosto se transformou numa interrogação gigante. Resolvi puxar qualquer assunto.

— Mary disse que está com problemas na construtora tio Fred. – comecei – Muito trabalho?

Ele pareceu surpreso com assunto.

— Bom, na verdade é o oposto disso. Acabei negando uma construção importante por não concordar com o projeto e agora um novo concorrente surgiu na cidade.

— Pensei que não recusava serviço pai. – Archie riu.

Entretanto eu percebi a seriedade vinda de Fred.

— E de que construção se tratava? – perguntei sutilmente.

O pai do ruivo contorceu os lábios ponderando as palavras.

— Hiram Lodge pretende construir um novo jornal na cidade. – disse sem me olhar – Segundo ele seria um negócio em ascensão, duas semanas depois de Alice ter desaparecido.

De repente uma convicção cresceu dentro de mim. Antes daquele momento eu não fazia ideia do que aconteceria com o jornal, mas agora tinha plena certeza de que queria dar continuidade a ele.

— Eu nem sei dizer o quanto isso é inadequado. – Mary ergueu as sobrancelhas bufando.

— Com relação a isso Fred, acho que fez certo. – afirmei com a voz limpa – Competir com o Jornal Oficial de Riverdale é burrice.

— Betty querida... – a ruiva começou.

— Meus pais não são os únicos redatores da família. Eu sempre estive no jornal da escola e minha mãe mesmo me disse que eu era um destaque para algo tão simples. – dei de ombros levando outra garfada à boca.

Fred concordou com um aceno de cabeça. Seus olhos traziam um brilho de orgulho que me deixaram entusiasmada.

— Acredito não ser tão simples assim... Mas quero que saiba que vamos te apoiar completamente com isso. – Mary murmurou.

Sorri balançando a cabeça em negativo.

— Não quero incomodar vocês. Sei que já tem os seus problemas.

Fred deu um pequeno sorriso e olhou para Mary erguendo as sobrancelhas. Ela concordou com a cabeça levemente antes de começar.

— Betty querida, eu sinto muito por tudo o que aconteceu nos últimos dias e sei o quanto chato é falar sobre isso agora, mas não quero te causar o desconforto de passar por um processo judicial para adoção ou ser obrigada a enfrentar uma assistente social.

Permaneci em transe absorvendo suas palavras. Adoção?

Ah.

Mary continuou.

— Eu ficaria muito feliz...- se interrompeu quando Fred segurou sua mão sobre a mesa – Nós, na verdade, ficaríamos muito felizes se tivéssemos a oportunidade de assumir a sua guarda nesse momento.

— Mãe, a Betty não é órfã, o que voc...? – Archie se interrompeu no meio da frase.  

— É isso. – sibilei com o olhar perdido num talher. Minha mãe está desaparecida e meu pai preso – Eu nem consigo pensar no quanto sou sortuda por ter vocês.

Mary deu um sorriso de alivio genuíno.

— Tem um quarto sobrando lá em cima, ao lado do de Archie. Nós podemos tirar toda a bagunça de lá e colocar suas coisas.

Balancei a cabeça em negativa.

— Não precisam se preocupar com isso. Se for possível eu gostaria de continuar do meu quarto, já que é aqui do lado.

O sorriso de Mary se esvaiu no mesmo instante para um rosto preocupado. Fred continuou sério e Archie acompanhava a conversa com um semblante de culpa pelo que tinha dito.

— Como você preferir Betty. – Fred concordou – Você sempre foi uma menina responsável.

Que dança em bares, abusa da velocidade e faz parte de gangues, pensei. Como todo adolescente normal.

— Mas quero que saiba que não queremos só assumir sua guarda. Vamos cuidar de você e te apoiar como a filha que sempre foi para mim e para Mary.

Olhei para Archie que parecia tão orgulhoso quanto surpreso pela conversa. O carinho que aquelas três pessoas me transmitiam apenas com o olhar era intenso demais para mim. Logo lágrimas insistentes brotaram em meus olhos ofuscando minha visão.

— Só não se apeguem muito. Ano que vem eu e Archie estaremos na faculdade e não quero que morram de saudade. – disse com a voz embargada enquanto minhas bochechas se molhavam.

— Oh Betty...

Mary se levantou imediatamente atravessando a mesa para me abraçar. Fred e Archie fizeram o mesmo e logo estávamos em um abraço coletivo.

— Para completar esse abraço só faltou sua namorada Archie. – todos se afastaram – Ou você acha que eu não vi os dois saindo pelos fundos? – Mary ergueu uma sobrancelha.

Eu e Fred não conseguimos deixar de rir da cara de Archie. Limpei as lágrimas com a manga da blusa enquanto gargalhava.

(música)

Três certezas me vieram a cabeça. A primeira era de que eu não deixaria o legado da minha família se dissipar tão fácil assim. Iria começar imediatamente a redigir para o Jornal Oficial de Riverdale.

A segunda era de que eu não havia procurado pistas por minha mãe em todos os lugares. Muito provavelmente seu diário estaria no escritório do jornal, meu próximo destino de hoje.

A terceira não era tão simples.

Minha mãe havia associado Hiram Lodge ao tráfico de drogas com provas indiscutíveis, mas ele não estava preso.

Fitei Archie pelo canto dos olhos. O pai de sua namorada e minha melhor amiga deveria estar afundado nessa merda toda até o pescoço. E se eu não poderia encontrar minha mãe iria pelo menos terminar o que ela começou. 

◙ ○ ◙ ○ ◙

— Sabe que eu ainda não me acostumei com você pilotando? – Archie disse ao descer da moto.

— Eu deveria te ensinar a pilotar. No começo é assustador, mas depois a adrenalina se torna uma coisa extremamente viciante. – disse ao apalpar a chave no assoalho da porta.

O escritório estava impecavelmente da mesma forma que eu havia deixado na última vez que estive aqui. Archie espirrou praticamente três vezes ao entrar.

— Parece que ninguém vem aqui há semanas. – fungou.

— Também acho.

Comecei a abrir as gavetas em busca do diário.

— Seu pai não vinha até aqui publicar o jornal?

— Depois do que o seu pai disse eu começo a suspeitar que não.

— Como assim?

— Os fatos não mentem Archie. Minha mãe relacionou Hiram ao tráfico sumindo em seguida. Hiram faz a proposta de construir um jornal para a cidade. E, de repente meu pai é associado ao tráfico. – disse naturalmente ainda procurando.

— Não faz sentido para mim.

Revirei os olhos.

— Hiram publicava o jornal para o meu pai através de uma de suas gráficas. – estalei a língua no céu da boca – Não é obvio?

O rosto do ruivo se contorceu em uma careta.

— Na verdade, não. Uma pessoa comum nunca faria ligações como essa.

— É por isso que você não é um Cooper. – toquei a ponta de seu nariz me voltando para uma procura pelas estantes.

Além de poeira, livros e publicações velhas não havia nada demais por ali.

Observo todo o ambiente do escritório impaciente. O diário não estava nas gavetas, nem nas prateleiras das estantes. Archie acompanhou meu olhar.

— O que está procurando?

— O diário de Alice... Lembra na oitava série quando tivemos que fazer um trabalho sobre cobras?

Archie arqueou as sobrancelhas.

— Acho que sim, porque?

— Minha mãe sugeriu que fizéssemos sobre uma cobra raríssima que produzia um veneno analgésico.

— E?

— E aí que ela usou o diário dela para se lembrar do nome.

— É verdade. – murmurou – E onde está esse diário?

O olhei com desdém como se não fosse obvio. Ele pareceu entender coçando a cabeça.

— Já que vocês são Coopers, pense aonde você esconderia o seu. Se é um diário, com certeza pessoal, não imagino que ela deixaria à livre consulta para qualquer um.

— Tem razão. – concordei.

Olhei ao redor mais uma vez. Agora excluindo as gavetas e estantes do meu campo de visão. Fora isso as únicas coisas que haviam no escritório eram as lixeiras vazias, as cadeiras e os computadores. Que inclusive possuíam um monitor de caixa exageradamente grande para a época, considerando o atual uso de notebooks e telas planas. Um dos monitores nem era usado mais e continuava ali, uma tranqueira que minha mãe insistia em guardar.

Por qual motivo Alice Cooper, que vivia dizendo sobre guardar apenas lembranças importantes, deixaria um monitor de caixa ridículo ocupando quase metade da mesa? Ri internamente. Por nenhum outro motivo que não fosse esconder algo dentro.

— Archie me ajuda aqui. – pedi empurrando o objeto pesado para fora da mesa.

Assim que ele caiu ao chão sua parte plástica se quebrou, revelando não apenas um caderno, porém três.

Archie me olhou surpreso.

— Vocês Coopers tem que ser estudados.

— Muito pelo contrário. – sorri pegando os cadernos no chão – Somos nós que estudamos os outros. Vamos embora, tenho um novo material de estudo.

Archie assentiu e partimos de volta.

Eu tinha finalmente encontrado um tesouro, porém às custas de uma amiga que se recuperava no hospital. Se eu estivesse certa, mamãe já havia tido contato com o que aconteceu com Toni. O nome da gangue e sua relação com serpentes não eram uma realidade tão distante assim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Monarquia Serpente - Bughead" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.